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História Um alguém especial - 10


Escrita por: FrancisClay

Notas do Autor


Olá garotas, como prometido estou aqui cumprindo a promessa. Sem mais delongas vamos ao capítulo. Boa leitura.

Capítulo 10 - 10


 

— Alô? – minha voz ecoa pelas sombras. – Alguém está aí? Aí? Aí? Aí?

— Nina? – nesse momento, as sombras se dissipam e me vejo num lugar confuso, onde as leis da física não se aplicam. – Nina, é você?

Reconheço a voz e a pessoa vestida de branco, sentada na posição de lótus, flutuando sobre uma nuvem cheia de imagens desconexas.

— Mãe? – ok, estou em choque.

— Nina! O que está fazendo no Astral, minha filha?

— Como assim? – indago, unindo as sobrancelhas numa gigante interrogação.

— Onde você estava antes de chegar aqui? – ela questiona, visivelmente abalada. Preciso pensar sobre isso. Onde eu estava mesmo?

— Acho que estava surfando. – afirmo, sem muita convicção.

— Como disse? – ela se mostra perturbada. – Ah, minha nossa! Você deve estar se afogando!

— O quê? Não, não é possível. – uma pausa tensa. – Você está querendo dizer que estou morta?

— Ainda não. – ela vasculha ao redor. – Onde está seu mentor espiritual?

— Quem? – meu tom de estranheza se eleva alguns decibéis.

— Droga! Do jeito que conheço você, ele deve estar tirando um cochilo. – ela parece transtornada. – Nina, volte já para o seu corpo!

— E como faço isso?

— Escorregue para a Terra, agora! – ela ordena, como se fosse algo simples, tipo estalar os dedos.

— Me mostre o escorregador que eu vou. – olho em volta. – Aliás, nem estou a fim de ficar por aqui mesmo. Baita lugar esquisito esse Astral. – resmungo.

— Estava surfando sozinha? – ela se aproxima e toca meus ombros, chacoalhando-me. – Quem estava com você, Nina?

— Eu não sei. – meus pensamentos estão bagunçados, nebulosos. – Acho que a Clara estava lá.

— Graças a Deus! – ela une as mãos em agradecimento. – Espero que ela seja rápida.

— Mãe, estamos mesmo conversando ou tudo isso é fruto da minha imaginação fértil? – indago, temerosa com a resposta.

— Vou dar duas horas para você se recuperar. E então, ligarei no seu celular.

Nesse ponto, a imagem da minha mãe começa a se distanciar, distanciar, distanciar… saio daquele mundo esquisito e começo a cair. Caindo, caindo, caindo. E então, baque!

Ouço gritos. Massagem cardíaca. Lábios contra os meus. O uivo feroz do vento. Peraí um instante. Eu conheço essa boca....hummm eu conheço esses lábios... Ai céus acho que morri mesmo... Que boca, Jesus!!! Marina sua louca não é hora pra isso. Céus!!!! Nem a beira da  morte você leva nada a sério. Mas voltando a realidade....

O barulho das ondas quebrando.

Gotas gélidas de água caindo sobre a pele.

— Anda, Nina, reage! – reconheço a voz de Clara.

Sinto suas mãos pressionando meu peito, uma, duas, três vezes. Seus lábios se colam nos meus novamente e seu ar invade meus pulmões. Nesse ponto, meu corpo estremece e inicia uma batalha pela sobrevivência. Ergo o tronco subitamente e um jato d’água sai pela minha boca, sem controle.

Perco o ar. Começo a tossir, desenfreadamente. Noto que não estamos sozinhas, um bando de surfistas se amontoa ao nosso redor. O oxigênio entra aos poucos e sinto os pulmões queimarem a cada inspiração.

Cuspo mais água salgada. Estou asfixiando, o ar não é suficiente. Sem parar para pensar, Clara me pega nos braços e começa a correr pela praia, num desespero que me assombra.

                                                                                               ≈≈≈

 

É óbvio que eu não iria morrer nessa altura do campeonato. Vaso ruim não quebra, como costuma dizer o meu avô. Mas nunca passei por algo assim, a tênue linha entre a vida e a morte quase se quebrou. Quase.

Lembro-me de parte do trajeto até Paraty.

Alguém assumiu o volante do carro de Clara e minha cabeça se aconchegou em seu colo. Como todo bom médico, ela carrega no porta-malas uma infinidade de apetrechos, inclusive, um balão de ar portátil, desses que precisam ser bombeados manualmente. E foi isso que ela colocou sobre meu rosto.

Lembro que perguntei sobre a minha prancha. Notei que Clara se segurou para não me xingar. Com toda a paciência do mundo, ela desviou o olhar e disse:

— Quebrou-se ao meio. – houve uma pausa para respirar. – O que me causa alívio, já que você não fará outra idiotice tão cedo.

Não me lembro de mais nada, acho que apaguei.

                                                                                                ≈≈≈

 

Estou medicada e já não preciso mais do balão de oxigênio. Abro os olhos e tento sorrir quando vejo meu pai e meus avós ao lado da cama, na emergência do hospital. Aturdida, descubro que minha mãe realmente ligou no celular após duas horas exatas do nosso encontro extracorporal.

Sinistro.

Nem sinal da Clarinha. Procuro com os olhos, mas realmente ela não está ali. E por que estaria?

— Não vou brigar com você, Marina. – meu pai toca meus cabelos, alisando-os para trás. Seu tom gentil e me acalma. – Aliás, quero pedir perdão por minhas últimas atitudes. – seus olhos estão marejados e a culpa me assola. – Eu não suportaria perder você.

— Pai, me desculpe. – minha garganta arde e a voz está rouca.

— Me perdoe, filha. – ele se inclina e beija minha testa.

Minha avó chora, copiosamente. Segura firme a minha mão, como se assim pudesse evitar que eu volte a cometer outra imprudência. Já meu avô, suspira profundamente, massageando meus pés.

Nesse segundo, a verdade cai sobre mim como um meteoro mortal. Sempre estive cercada de amor, mas buscava o que não estava ao meu alcance. A separação dos meus pais e a fuga da minha mãe mexeram comigo em níveis profundos, deturpando por completo minha visão da vida.

Caramba, está tudo tão claro agora.

— Terei que ficar aqui? – pergunto, com a voz entrecortada.

— Ficará em observação até amanhã. – meu velho elucida. – E não se preocupe com o seu carro, já mandei buscá-lo.

— Obrigada, pai. – minhas pálpebras pesam e eu adormeço.

 

                                                                                                    ≈≈≈

 

POV’S Clara

 

Já é madrugada, estou de plantão. Detesto plantões afinal tudo acontece justamente nesse período e se é de madrugada ai Deus!!! Mas enfim não podia simplesmente abandonar a Marina nesse hospital, neste quarto mais precisamente, mesmo porque se eu fosse pra casa não conseguiria pregar os olhos. Sugeri ao pai dela e aos avós que fossem descansar que eu ficaria com ela. Seu pai tentou relutar mas seus avós o convenceram que era o melhor a se fazer. Me fizeram prometer que não a deixaria só até que voltassem no dia seguinte. Até parece que eu conseguiria. Meus instintos de proteção estão sempre alertas em relação a ela. É complicado isso, mas não consigo ser indiferente e não me importar. Eu sempre tentei protege-la do mundo e dela mesma principalmente, acho que falhei nessa jornada afinal não consegui mantê-la junto a mim. Então estou aqui. Graças a Deus hoje o plantão está tranquilo e sendo assim não quebro minha promessa a sua família.  Olho pra ela assim indefesa, dormindo e não posso deixar de lembrar que há algumas horas atrás quase a perdi. Céus!!! Porque essa maluca tem que ser tão irresponsável. Porque não aprende com seus erros. Tenho vontade de gritar com ela, sacudi-la até que entenda que tudo que faz tem consequências. Pensando bem não sei se teria coragem de brigar com ela, afinal continua aquela menina inconsequente e tresloucada que conheci e que me fez apaixonar por toda uma vida. Mas enfim isso é passado e agora sou noiva e nada disso importa mais – suspiro pesadamente como se carregasse o peso do mundo nas costas.  Levanto por um momento e vou em direção a janela meneio a cabeça pra tentar esquecer tudo, como se isso fosse possível e em meio a pensamentos rememoro quando a revi na lanchonete do hospital. Deus!!! Como estava linda. Parece que esses 10 anos a fizeram ficar ainda mais linda. Sim, o tempo foi generoso com seu corpo, isso era de se esperar porque sempre foi linda...foi minha..(baixo a cabeça resoluta) ou pelo menos achava que era. Mas como assim ela estava aqui em Parati e eu não sabia de nada. Isso é coisa do Espírito, aposto. Ele sempre me deixou a par da vida desregrada dela. Tenho certeza que falava disso com outras intenções, enfim isso não me interessava mais. Afinal quem vai embora sem ao menos se despedir. Tudo bem que estávamos estremecidas, mas enfim eu não era importante pra ela? Não acredito nisso. O importante que isso é passado. Pelo menos eu achei que era até vê-la ali sentada na lanchonete e pra variar conseguiu a atenção de todos com sua queda histórica. Coitada. Bem, pelo menos pude disfarçar um pouco o que me deixava toda apreensiva. Pensei honestamente que Marina estava enterrada em meu passado e que nunca mais teria que vê-la novamente. Mas foi colocar meus olhos sobre ela e meus sentimentos até então reprimidos no peito começaram a aflorar. Mas isso não pode acontecer agora. Não agora. Estou noiva de uma pessoa que me ama e que nunca me abandonou. Que sempre esteve ao meu lado em todos os momentos. Não, mil vezes não!!! Isso não é justo com Samantha. Pode parecer que não mas tenho carinho por ela. Sim, ela é importante pra mim. Sem ela não sei o que teria acontecido comigo quando Nina destruiu meu coração primeiro quando me traiu e depois quando foi embora sem ao menos se despedir. Olho novamente pra ela em cima daquela cama e me vem a mente agora sua expressão de espanto quando ficou sabendo do casamento marcado, seu rosto mostrava uma certa tristeza. Afinal qual era seu sentimento?? Teria ali ainda algum amor por mim??? Ou apenas seu sentimento de posse falou mais alto??? Deus!!! São tantas perguntas e honestamente tenho medo das respostas. Não quero mais sofrer. Não preciso mais me sentir um nada perto da Marina. A impressão que tenho é que sempre me doei mais em nossa relação que ela. A impressão era que eu não passava de um brinquedo ou joguete em suas mãos. É....a Samantha talvez tenha razão. Nunca passei disso pra Marina. Mas afinal porque seus olhos me dizem diferente. Vi algo diferente em seus olhos e isso só vem se confirmando com nossos repetitivos reencontros O que dizer então quando deparo com uma Marina totalmente alcoolizada a níveis alarmantes que quase a levaram a um coma alcoólico, resultado catastrófico disso, seu pai a demitiu do hospital. De um lado é bom, não preciso correr o risco vê-la todos os dias, mas quem estou tentando enganar.  A cidade é pequena e a gente se esbarrar seria inevitável prova disso é o encontro no bar e depois na ilha por causa da tempestade. Ah...O que dizer então de nossa noite na cabana, debaixo daquele temporal. Quando mencionei o nome do Guilherme e ele estar solteiro senti seus olhos me fuzilarem de raiva. Confesso, essa mulher me confunde na maioria das vezes, porque aquela cara se foi com ele que ela me traiu. Afinal algum sentimento por ele ela devia ter. Vai entender aquela maluca. E por fim pra piorar ter que dormir ao seu lado. Não me perguntem como me segurei. Ela ali, toda frágil em meus braços e eu sentindo o calor de seu corpo. Ainda bem que tomei um banho gelado antes de deitar e tentar conciliar um sono tranquilo. Mas a quem eu estava tentando enganar. Aquela mulher mexe com todas as células do meu corpo e não posso esquecer que sou uma mulher comprometida mas assim é muito tentação até pra mim que sou controlada. Resultado disso tudo, vocês já sabem né? Uma noite em claro, aspirando o perfume de seus cabelos e apreciando sua pele macia em contato com a minha. Céus!!! Que tortura dos deuses. E entre mortos e feridos consegui salvar minha reputação de mulher séria mas que isso não volte a acontecer senão não sei se respondo por mim. O que dizer então daquele retorno a Parati enquanto Nina pilotava a lancha, achei sua expressão tão estranha quando aportamos. Parecia que ela queria me dizer algo, mas a nossa situação atual a impediu. E agora estamos aqui novamente e dessa vez a coisa foi séria. Quase a perdi. Não sei se estaria preparada pra viver num mundo onde eu não pudesse apreciar sua beleza nem que seja de longe.  Sem poder desfrutar de seu sorriso encantador. É, definitivamente ela extrapolou e foi longe demais. Vê-la ser tragada pelas ondas e não retornar a superfície me tirou o ar literalmente. Nunca me senti tão impotente em minha vida. Foi uma batalha pra conseguir encontra-la naquele mar revolto. E pra traze-la pra superfície....quando vi seu corpo inerte na areia mais translucido que o normal fiquei sem chão e honestamente não sei de onde tirei forças pra ajudá-la a voltar a vida.  Foram minutos angustiantes que pareceram uma eternidade mas enfim essa menina parece de outro mundo. Nunca vi uma pessoa tão atrapalhada ter tanta sorte assim enfim se servir pra ela tirar uma lição positiva sobre tudo isso vou ficar agradecida. Um sorriso agora alcança meus lábios ao pensar que sua maior preocupação era saber onde estava sua prancha. Mais é uma maluca de pedra mesmo. Como ficar com raiva de suas loucuras. Enfim isso faz parte de sua personalidade como disse antes tresloucada. Recobro meus pensamentos a realidade e sento-me novamente perto de sua cama. Acho que preciso aprender a me controlar melhor perto dela. Marina agora é passado e eu tenho um caminho diferente a seguir longe dela. Apesar de tudo desejo que ela encontre seu caminho também e que seja feliz.

 

                                                                                               ≈≈≈

 

 

Acordo e pareço estar chapada. Há fios e canos por todos os lados. Estou ligada num monitor cardíaco e o barulho da máquina é infernal. Demoro um pouco para enxergar algo além de vultos e sombras. Quando giro o pescoço, dou de cara com Clara.

Sentada numa cadeira desconfortável, percebo que velava o meu sono. Não demora muito e está de pé, verificando meu pulso, as pupilas e os medicamentos que caem em gotas.

Nunca vi um médico passar a noite ao lado de seu paciente, mas enfim…

— Durma um pouco mais, ainda é madrugada. – ela aconselha. Parece cansada com um semblante carregado. Seus olhos denotam certa tristeza.

— Você me tirou da água, não foi? – tento rememorar os últimos acontecimentos.

— Foi por um triz, Nina. – ela revela e franze os lábios. – Se eu tivesse demorado um pouco mais… – a frase se finda antes da conclusão do pensamento.

— Fui presunçosa, me desculpe. Eu deveria ter escutado você.

— Pense antes de tomar decisões como as de hoje. Não brinque com a sua vida e das pessoas que a amam dessa forma irresponsável. – ela umedece aqueles lábios fartos e me lança um olhar triste.

Nesse instante, uma enfermeira chega sem aviso e sussurra algo no ouvido de Clara. Ela meneia a cabeça e diz que já está a caminho.

— O que houve? – questiono.

— Alguém enfiou uma Barbie onde não deveria. – há um sorriso incrédulo em seu rosto. – Isso é o que dá pegar plantão.

 — Uma Barbie? – seguro o riso. – Ok, boa sorte com o parto. Aproveitei que fiquei sozinha e me entreguei novamente ao sono.

 

                                                                                                        ≈≈≈

 

 

Acabo de receber alta e não vejo Clara em lugar algum.

Caminho lentamente pelos corredores do hospital, amparada por meus avós. Meu velho segue logo atrás, acalmando minha mãe do outro lado da linha. Trocamos algumas palavras e o sermão foi inevitável. Quem ela pensa que é para esse tipo de repreensão? O caso foi que escutei seu discurso de mãe zelosa, caladinha. Não estava a fim de brigar, estou sem energia até para respirar.

As portas se abrem e saímos para o clima pós-chuva. Há um aroma delicioso no ar e o sol desponta através de grossas nuvens. Chegando no estacionamento, levo um tremendo susto.

Clara está cabisbaixa e Samantha gesticula nervosamente. Pela cena, fica claro que estão tendo uma briga daquelas. Mas como a mimada faz o tipo bem educada, não eleva o tom de voz e portanto, não consigo escutar o que diz, entre caras e bocas de dar medo.

Ela me vê e imediatamente se atira nos braços de Clara, desferindo-lhe um beijo que rouba o pouco de ar que tenho. Meu peito arde, infeliz. Vovó é a única que percebe o que está havendo e toca meu ombro, como se sentisse a minha dor. Lanço-lhe um sorriso angustiado em resposta. Ela balança a cabeça, como quem entende. E então, abre a porta do carro e eu entro, sem olhar para trás.

 

                                                                                               ≈≈≈

 

Dias se passaram e Vanessa chegará amanhã. Ai, nem acredito! Estou precisando desabafar cara a cara e esse Skype me irrita profundamente.

Não vi Clara desde aquela cena no estacionamento. Após muito me questionar, acredito que ocasionei aquela briga, sou a responsável pelo abalo sísmico.

Mas estamos falando da Samantha, então, que se dane.

Caminho a esmo pelas ruas estreitas do Centro Histórico. Vejo uma rasteira linda, leve e solta na vitrine de uma loja. Aproximo-me, babando. Eu preciso experimentar, essa preciosidade necessita que eu a compre, agora.

— Você deveria ter morrido naquela manhã. – ouço uma voz macabra às minhas costas. Não me viro. Através do reflexo da vitrine, vejo de quem se trata.

— Ficaria em paz se isso acontecesse? – pergunto, estreitando os olhos perigosamente. Ela que não se atreva a dar mais um passo na minha direção.

— Sei o que está tentando fazer, Marina. Mas não pense que Clara cairá no seu jogo.

— Não jogo pelas costas, Samantha. – atiro, entredentes.

E então, ela finca as unhas no meu braço e giro nos calcanhares numa fúria crescente. Tento manter o controle, não quero me arrepender mais tarde. Mas bem que essa baranga merecia uns bons socos!

— Fique longe da Clara. Aquela mulher é minha, está me entendendo? Se eu souber que você cruzou o caminho dela novamente, eu…

— Você o quê? – estufo o peito e encaro a mimada.

— Não queira descobrir. – dito isso, ela me dá as costas e de forma sobrenatural, caminha sobre saltos impossíveis no calçamento pé-de-moleque.

                                                                                               ≈≈≈

 

Nem a rasteira dourada, novinha e brilhante, curou o meu ódio. Caminho em círculos pela cozinha da pousada, deixando Espírito maluco. Eu deveria ter furado os olhos dela, dado um soco naquela mandíbula pronunciada ou talvez, quebrado novamente aquele nariz empinado e bem feitinho.

— De certa forma, ela tem razão, Nina.

— Oi????????????

— Você tem cruzado com a Clara nas situações mais escabrosas possíveis. Quem vê de fora diz, com toda a certeza, que você está perseguindo a garota. – Espírito argumenta e eu explodo:

— Mas eu não estou perseguindo ninguém!

— Eu sei disso, mas se coloque no lugar da Samantha. – ele pondera.

— Nem ferrando! – cruzo os braços e me deixo cair sobre uma cadeira.

Espírito volta para as panelas, checando o ponto do molho pesto. Deixa uma gota cair na palma de sua mão e experimenta. Continuo ali, parada, com um tremendo bico.

— Elas são felizes? – pergunto, com medo de ouvir a resposta.

— Ela é apaixonada pela Clarinha desde criança, você sabe disso.

— Não foi o que perguntei. – retruco.

— Olhe, eu não posso afirmar nada. – ele suspira. – Mas sem a Samantha, a Clara teria caído numa espiral descendente. Ela foi como um porto seguro, aliás, foi bem mais do que isso. Sua arqui-inimiga a incentivou a viajar para Londres e estudar.

— Com o risco de perdê-la para uma inglesa? – pergunto, incrédula.

— Viu? Ela não é tão ruim assim. – Espírito me lança uma piscadela e volta sua atenção para as panelas.

 

                                                                                                     ≈≈≈

 

O restante do meu dia foi uma merda. Caí de uma escada de alumínio de três degraus, escorreguei no piso molhado e dei com a bunda no chão, a bateria do Lúcifer morreu de vez, queimei a língua com o chá, engasguei com catchup e para fechar com chave de ouro, acabo de tomar um choque no chuveiro.

Vá ter má sorte assim lá no inferno!

O clima está ameno e nada de chuva. Desisto do banho e enfio uma bermuda ciclista, um top branco e uma camiseta regata por cima. Calço o par de tênis e oro para que não tropece em meus próprios pés na corrida noturna.

Saio pelo estacionamento e sigo por uma rua lateral. Ando por ruas esburacadas pela ação da chuva e atravesso a pequena ponte um tanto apreensiva. Com a baita sorte de hoje, é bem capaz do negócio desabar sob meu peso. Respiro aliviada quando chego do outro lado. O que se descortina a minha frente é uma rua larga, plana, perfeita para correr até cair morta.

Alongo os braços e pernas, o suficiente para não sofrer um estiramento. Inicio uma caminhada rápida e alguns metros mais tarde, começo a correr. Meus cabelos se agitam para trás e o coração trabalha apressado. Gotículas de suor se formam em minha testa, caindo sobre os olhos. Aumento a velocidade, trincando os dentes. Estou com muita raiva e não sei bem o porquê.

Checo o relógio de pulso e pelos cálculos, corri por três quilômetros e não aguento mais. Ofegante, diminuo o passo, contando os batimentos cardíacos. Apesar do afogamento, ainda tenho fôlego.

Uma voz masculina e juvenil surge às minhas costas.

— Bacana esse tênis aí.

Caraca, só me faltava mais essa para o dia ser perfeito. Verifico ao redor e os poucos transeuntes não percebem – ou não estão a fim de perceber – a situação crítica na qual me encontro.

— Pois é. E bem confortável também. – giro para encarar o moleque.

— Passa pra cá. – ele gesticula com uma das mãos.

— Está me zoando, não é? – recuo um passo. – Se soubesse a merda de dia que tive, não pediria algo assim.

— Ah, qual é. – ele joga as mãos para o ar, no maior jeito de malandro. – Você tem cara de ser endinheirada, amanhã comprará um novinho. Passa logo esse tênis aí e fica tudo certo.

— Já ouviu falar em trabalho? – questiono.

— Estou perdendo a minha paciência e sério, você não quer que isso aconteça. – ele tira do bolso da bermuda um canivete suíço. Agora sim o garoto conseguiu o meu respeito e atenção.

— Não acredito nisso. – cerro os punhos e já estou a ponto de me abaixar e tirar o par de tênis. Mas então, alguém surge às minhas costas.

— Dê o fora. – nem preciso olhar para saber de quem se trata.

— Não sem antes pegar o que é meu. – o moleque sustenta o canivete em frente ao corpo, numa atitude agressiva.

— Nesse caso... – Clara dá alguns passos a frente e desarma o garoto com uma facilidade surpreendente. O bandidinho caí ao chão e se arrasta para longe dela. – Suma daqui. – ela brada e eu acho isso tão romântico!

O moleque se levanta, cambaleante. Dispara a correr para bem longe de nós. Estou petrificada e boquiaberta, buscando entender o que acaba de acontecer. Clara gira para me fitar, jogando o canivete para cima, como se fosse uma bolinha de tênis.

— Como fez aquilo? – indago, chocada.

— Aikidô. – ela sorri lateralmente.

— Eu não sabia que lutava. – comento, absorta naquele canivete que sobe e desce, sobe e desce.

— Eu tinha que descarregar a raiva em algum lugar. – a revelação me pega de surpresa.

— Ah. – e então, reassumo o controle da minha mente e atiro: – Olhe, é melhor parar de me salvar ou é bem capaz da sua noiva mandar me matar.

— O que disse? – ela fecha os dedos em torno da arma branca.

— Não é nada. – apresso-me em consertar o estrago da minha colocação. – O que está fazendo aqui, afinal?

— Eu corro por aqui sempre que tenho tempo. – ela revela. – Mas não fuja do assunto, Nina. Por acaso a Samantha foi procurá-la?

— Talvez. – cruzo os braços, na defensiva. – Escute, esse garoto pode voltar com a gangue, não é melhor saírmos daqui?

Ela leva as mãos aos bolsos da bermuda, guardando o canivete. Concorda com a cabeça e retomamos o caminho que nos levará ao Centro Histórico. Apesar de suada, Clara emana um delicioso aroma de orvalho e por um instante, eu adoraria me enfiar em seu pescoço para inspirá-lo até gastar.

— O que ela disse à você? – ela cutuca.

— Nada demais. A mimada foi até educada. – ironizo. – Olhe, sei o que parece, mas não estou perseguindo você, acredita em mim?

— Sei que não estou sendo perseguida, Nina. – seu tom é irritadiço. – Samantha não tinha o direito…

Não deixo que ela finalize.

— Eu teria feito a mesma coisa, Clarinha. Relaxe.

— Teria? – ela parece surpresa.

— Ah, sim. – um silêncio agradável paira sobre nós. Ouço apenas o pio das corujas e o barulho das solas sobre a terra batida. Quando estou à vontade, lanço a pergunta: – Paraty é uma cidade pequena, mas estamos nos cruzando demais, não acha?

— Já se perguntou o por quê disso? – sinto seu olhar sobre mim e evito encará-la.

— Acha que existe um porquê?

Clara não responde. O silêncio agora é desconfortável, inquietante. Uma tensão se instala na boca do meu estômago e torço para que cheguemos logo à ponte.


Notas Finais


Bom, por hoje é isso e ate quinta meninas.
Ah!!! antes que eu me esqueça... esse fim de noite ta com cheirinho de DR.
Ai meu Deus!!!!!
kkkkkkk
Bjos
Fuiiiiii


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