História Um Amor Por Escrito - Sobre Sonhar

     Mais uma pessoa derrubada.

     Namjoon apenas estava descendo o mouse pelo Twitter quando se deparou com uma das pessoas que seguia ter dito deletar seu canal no Youtube. Aparentemente, essa pessoa tinha tentado ajudar alguém que queria se suicidar, até que descobriram que a conta era falsa e que tudo era uma mentira. Ela tinha dito não saber, mas não acreditaram e começaram a lotá-la de mensagens de ódio, inclusive, de pedidos para que se matasse.

     O que achar sobre tudo isso? Na verdade, Namjoon não tinha muito sobre o que achar. O canal já estava deletado e ele só tinha ficado sabendo da história quando já era tarde demais. Mas era de alguma forma triste, poucos dias atrás ver tanta gente se comovendo e tentando ajudar uma menina que desejava se matar e, no momento atual ver uma recebendo “conselhos” para morrer.

     “Sempre achamos que o que nos difere dos animais é que falamos e pensamos.

      Também agimos além do instinto

      E podemos ser o centro do universo

     Mas na verdade

     Nunca outra espécie já foi capaz

     De fingir amar”

     E foi a única coisa que fez sobre o assunto. Não publicou e apenas a deixou guardada em seu caderninho com tantos outros poemas, sem prolongar o assunto na sua mente. Mas já Suga não seguia esse mesmo pensamento. Ele amava aqueles vídeos e estava putasso naquele exato momento, mandando meio mundo do Twitter ir se foder e expressando abertamente sua opinião. Namjoon sorriu para seus comentários, ele realmente era uma pessoa aberta.

    Então se espreguiçou, a confeitaria abria no sábado e, como tinham combinado, ele iria nesse dia também. Ele poderia estar com preguiça por ter de ir trabalhar em um sábado, mas na verdade não estava. Até se sentia bem com isso. Conversar com Seokjin lhe aliviava e, misteriosamente, o fazia ter inspiração para suas histórias. Até conseguira terminar seu capítulo, quão incrível era aquilo?!

     Ele deveria chegar lá meio-dia, e como saíra mais cedo, andava calmamente até lá, com o som alto em seus fones. Com a música batendo em seus ouvidos, começou a pensar naquela pessoa do canal e em seguida na sua própria existência. Esta que poderia ser mais considerada como um fracasso. Aqueles pensamentos que ele sempre tentava evitar agora chacoalhavam na sua cabeça. Não deveria desistir daquela faculdade que apenas o desagradava? Mas então o que faria? Seu maior desejo era publicar um livro, mas sabia que isso estava além de suas habilidades. Então a escolha era mais simples do que parecia: Morreria de tédio ou morreria de fome?

     Assim que chegou na confeitaria viu o sorriso de Seokjin brilhando enquanto agradecia a uma idosa por almoçar ali e pedia para voltar sempre. Mas assim que viu quem chegava, direcionou seu sorriso para este, fazendo com que todos os pensamentos obscuros e tristes de Namjoon fossem direcionados para o fundo do seu cérebro enquanto um sorriso sincero brotava em seus lábios. O que era aquilo que conseguia ser mais forte do que remédio?

     Então entrou na confeitaria e trocou um pequeno diálogo de cumprimento com Jin, logo depois indo pegar seu avental. Voltou para onde o outro estava, esperando já receber ordens do que fazer, mas em vez disso, pareceu que Seokjin preferiu prolongar um pouco a conversa:

     — Como você ‘tá?

     — Bem — mentiu. — Mas melhor agora — não resistiu ao flerte fajuto, mesmo sabendo que parte dele era verdade.

     Como fazia em cada flerte de seu amigo, Jin riu.

     — Pode ir atender o pessoal? O Tae ‘tá me ajudando na cozinha.

     — Nossa, só quebro um copo e você já me expulsa da cozinha — se fez de ofendido.

     — A vida é complicada, não? — sorriu, dando dois tapinhas em seu ombro. — O bloquinho de anotações tá aqui — o deu em sua mão, e então deixou o maior sozinho

     Namjoon suspirou, pensando como faria para dar um sorriso que parecesse um pouquinho amigável para pessoas que nunca vira na vida. E ele foi atender primeiro uma dócil velhinha que lhe pareceu menos ameaçadora. Mas quando o pobre Namjoon não se enganava na vida?

     Aquela era uma víbora traiçoeira que perguntava a cada segundo se tinham biscoitos, sendo que o maior lhe insistia em não ter. No fim, vendo quanto mais pessoas esperavam pelo seu atendimento, acabou lhe prometendo que na próxima vez que viesse, teria biscoito (que ele compraria sem o seu chefe saber). Marcou um pedaço de bolo para aquela velhinha amaldiçoada e seguiu para atender os outros que estavam ali.

     E ah, como tinha gente insuportável para ser atendida. Em uma mesa eram adolescentes que não decidiam ou que queriam e, nossa, que surpreendente que uma confeitaria não venda batata frita, não é mesmo? Namjoon suspirava a cada mesa atendida, sentindo inveja de menino Tae que deveria estar cortando morangos enquanto ele estava ali, sofrendo.

     Em determinado momento em que foi entregar o pedido de uma moça que usava converse (ela parecia ser legal), viu então o Jin ajudando o Taehyung a cortar os legumes, tal como já fez consigo há um tempo atrás. Ele então sentiu uma pontada em seu peito e a súbita vontade de sair dali. E assim o fez logo após ter deixado o papelzinho com o pedido ali.

     Seu coração ainda batia um pouco rápido quando se virou de costas, mas ele resolveu deixar para lá e ir atender o que ainda tinha de cliente.

     Não devem ter passado nem cinco minutos e Tae apareceu com sua mala nas costas, pronto para ir embora. Namjoon percebeu que o adolescente ainda se sentia tímido em sua presença, tal como ele também se sentia. Então se despediram apenas com acenos, enquanto com Jin, o menor de todos quase fazia uma fusão.

     E claro que Namjoon esperou que fosse mandado de volta para a cozinha, eu nunca imaginaria que desejaria isso, mas Jin o pediu para que continuasse atendendo enquanto ele fazia os pedidos. O maior amaldiçoou por dentro, mas fez o que lhe foi pedido.

     Não teve desde então nenhum pedido que realmente mereça ser citado, tirando o que veio quando faltava uma meia-hora para fecharem a confeitaria. Namjoon estava na cozinha por ter deixado um pedido lá, e já estava para voltar quando viu uma pessoa nada bonita entrando pela porta. Chung-Hee. Seu ex-chefe. O cara que o fez ser despedido. Oh merda.

     Namjoon então se escondeu em vez de voltar para as mesas, e Jin obviamente percebeu isso. Naquele horário o fluxo de gente já havia diminuído consideravelmente e só estava Chung-Hee em uma mesa e mais umas outras duas em outra. Mas mesmo assim Namjoon tinha de ir atendê-los. O que falariam de si dentro da empresa mais tarde? Que havia desistido do ramo por ter sido despedido? Ele não sentia vergonha de onde trabalhava no momento, mas aguentaria o olhar surpreso e risonho que seu antigo chefe lhe daria?

     — Namjoon? Tá tudo bem? — seu chefe de agora lhe perguntou, um pouco preocupado.

     — Aquela cara na última mesa — disse baixinho — era o meu chefe.

     — O que te fez ser despedido? — perguntou, se lembrando logo de uma conversa que tiveram em que descobria sobre o caso.

     — Sim.

     Seokjin olhou para onde Chung estava, parecendo sério. Então pediu simplesmente para que o mais novo lavasse a louça enquanto ele ia lá atender o que restava de cliente. Namjoon suspirou baixinho, agradecendo silenciosamente por ser poupado da tarefa.

     Enquanto lavava os pratos, ouvia a conversa que Jin tinha com aquele que odiava. Estranhou um pouco a animação na voz dele, que normalmente era de um tom neutro com clientes novos. Os outros fregueses foram atendidos e já se podia ouvir passos apressados de volta para a cozinha.

     Namjoon olhou pelo canto do olho o outro preparar o pedido de Chung-Hee, se sentindo um pouco traído por ele ter oferecido um “cafezinho pela conta da casa”. Mas teve seus sentimentos confusos assim que analisou seu olhar. Ao mesmo tempo em que pareciam sair chamas, também havia um toque de diversão ali.

     O lanche já estava na bandeja (o maldito havia pedido o mesmo que o loiro pediu no primeiro dia ali) e o café tinha acabado de ser preparado. Mas em vez de ser posto diretamente na bandeja, antes Jin levou para perto de si e...

     Ele acabou de cuspir no café?! Depois pegou a colherzinha, mexeu e pôs na bandeja, como se nada tivesse acontecido.

     Namjoon apenas o encarou boquiaberto sair dali, e teve que tampar a boca para não rir quando ouviu Jin dizer, tão feliz: “Aqui está, no capricho!”

     — Finalmente acabou! — Jin exclamou assim que guardou o último prato.

     — Também acabei aqui — Namjoon lhe disse, voltando para a cozinha com o pano e álcool que tinha usado para limpar as mesas. As guardou no devido lugar e depois voltou seu olhar para o mais velho, falando com um meio sorriso: — ainda não acredito no que você fez.

     — Quê? Eu não fiz nada — disse, fazendo-se de desentendido, mesmo que seu sorriso o denunciasse.

     — Aham. E eu nunca quebrei nada na vida.

     Jin revirou os olhos, rindo desacreditado. Mas logo chegou perto de si e deu um soquinho em seu ombro, implicando:

     — Você pareceu meio pra baixo hoje. Aconteceu alguma coisa?

     Namjoon deu de ombros.

     — Nhé. Nada demais — disse, esperando que recebesse algo como “beleza, vamos pra casa” como resposta, mas o que recebeu foi uma sobrancelha para cima junto de um sorriso que dizia:

     — É sábado de noite, eu tenho todo o tempo do mundo — e antes que o outro pudesse responder qualquer coisa, já andou até as mesas e se sentou em uma delas, deixando o convite para a conversa.

     O loiro bagunçou um pouco os seus cabelos, suspirando e indo até a outra cadeira para sentar-se também. Mexeu um pouco os dedos, pensando em como transmitiria aquela bagunça que era sua mente, mas, vendo o olhar ansioso que seu chefe lhe dava, percebeu que não seria julgado por ele, o que o ajudou a dizer:

     — Você já pensou que, não importa o quanto tente, algumas coisas simplesmente não estão ao seu alcance?

     E então o olhar ansioso de Jin simplesmente caiu e ele pareceu se sentir desolado. Mesmo o sorriso que deu em seguida pareceu um pouco triste. Talvez conformado. Tudo que não poderia ser classificado como felicidade.

     — Teve algum motivo para você começar a pensar nisso?

     — Tem uma garota no Twitter que deletou hoje a conta. Ela cometeu um erro e então não pararam de vir mensagens de haters que a fizeram desistir. Isso me fez pensar se, no fim, por causa da sociedade ou qualquer outro motivo, é impossível de alcançar seus sonhos.

     E o que todos sempre lhe falaram foi sobre como ele não deveria pensar daquele jeito e que era possível sim seguir os sonhos, então Namjoon só pôde se surpreender com a frase que ouviu:

     — Bom, se os sonhos fossem reais, não teriam esse nome.

     Ele disse e, parecendo achar algum risco da mesa de madeira muito interessante, não olhou para o outro nos olhos.

     — Você tem algum, Namjoon? — perguntou depois de alguns segundos em silêncio, ainda não o olhando nos olhos.

     — Isso é segredo — respondeu, meio brincalhão, meio sincero.

     Jin soltou uma risadinha, dessa vez o olhando.

     — E se eu te der meu segredo em troca?

     Namjoon não queria fazer aquela troca, simplesmente por não querer contar a ninguém real sobre o que era seu desejo, mas alguma vontade estranha batia em seu coração para saber o de Seokjin. Então, sem pensar muito naquilo e suas consequências, disse:

     — Tudo bem.

     — Nossa, é muito fácil te convencer! Que chato. — E antes que o loiro pudesse lhe xingar, começou: — teve uma época em que eu realmente queria ser um cantor, um ídolo, tanto faz, eu só queria cantar. Então em vez de ir para uma faculdade, fui para um curso de canto. No começo eu até estava gostando, até que comecei a perceber que todos ao meu redor eram melhores do que eu. Que todos dançavam também, algo que nunca consegui direito. Então desisti.

     Foram tantas as perguntas que vieram para a cabeça do mais alto, sobre como era seu canto, sobre o motivo de ter ido trabalhar em uma confeitaria, se ainda cantava e a que acabou fazendo:

     — Posso te ouvir cantar?

     — Quê? Não. — Fez uma careta. — E é sua vez.

     Namjoon não pensou para dizer algo que nunca dizia:

     — Eu escrevo.

     E o rosto do Seokjin se transformou em uma surpresa boa:

     — Por isso que você tinha gostado tanto daquele poema!

     O loiro apenas riu baixinho antes de continuar:

     — Só que eu não posto, nem nada. Meio que já aceitei que não vai dar certo.

     Mas os olhos de Jin pareciam brilhar.

     — Me deixa ler!

     — Quê? Não.

     E o mais velho bufou, parecendo pensar um pouco, até dizer.

     — Algum dia, eu cantarei pra você. E nesse dia você me mostrará alguma escrita sua.

     Namjoon levantou uma de suas sobrancelhas, divertido.

     — Vamos, é uma promessa — lhe disse, erguendo-se um pouco de sua cadeira para ficar mais perto. E seu olhar estava tão lindo que até fazia Namjoon se esquecer da imagem do outro olhando para a mesa desanimado e pensou que, se ele podia fazer alguma coisa para fazer aquele olhar brilhar, o faria.

     Se aproximou um pouco também, vendo mais de perto todas as características daquele rosto em sua frente. Seu coração pareceu se incomodar com aquela beleza tão perto de si, que começou a bater feito louco, mas, ignorando aquele coração tão rebelde, agarrou a mão de dedos tortos em sua frente e os entrelaçou aos seus.

     — Tudo bem, é uma promessa.