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História Um é melhor que dois - A negociação


Escrita por: Bellalm

Capítulo 5 - A negociação


As coincidências aconteciam cada vez mais frequentemente comigo. Algumas pessoas gostam de chamá-las de destino.

Encontrei a menina da festa dentro da lanchonete. Hesitei, mas chamei-a para que pudéssemos conversar. Ela demorou a me reconhecer, mas quando o fez, sua expressão se tornou muito séria. Ela parecia incomodada com a minha presença, mas eu acreditava que o fato de tê-la encontrado casualmente, ali, logo depois dos acontecimentos, fosse um sinal para que eu fizesse algo. Comentei com ela minhas intenções de denunciar seu namorado, ou quem quer que aquele idiota fosse, à polícia. Tentei encorajá-la a ir comigo, mas ela implorou para que eu sequer fosse. Vendo seus olhos cheios de lágrimas, recuei. Não era certo querer fazer justiça a qualquer preço, mesmo que a maior interessada e vítima se machucasse com aquilo. Pedi desculpas e concordei em não procurá-la mais.

Pela primeira vez, senti alívio ao ver Will, especialmente porque ele estava sozinho. Estava parado ao lado da lanchonete, que se enchia cada vez mais, pois eram quase três horas da tarde, e um dos horários de pico. Era engraçado como eu nunca o encontrava sequer usando uma mochila. Às vezes eu me perguntava se ele estudava mesmo ali.

Seguindo meus instintos, andei em sua direção com um sorriso no rosto. Ele era inconveniente, mas não uma pessoa completamente desagradável. E, por mais preconceituoso que fosse o meu pensamento, parecia um estudante de engenharia.

— Olá! – o cumprimentei. Seu sorriso foi de orelha a orelha e não pude deixar de sentir um pouco de frio na barriga. Ele podia não ser exatamente o tipo de homem que me atraía, mas era muito bonito e sexy.

— Eu sabia que nos encontraríamos de novo. – ele respondeu, piscando um dos olhos para mim.

Embora o que mais chamasse atenção das meninas fossem seus braços musculosos, que ele fazia questão de exibir com as camisetas cavadas ou as blusas com mangas apertadíssimas, o que eu mais gostava nele era o modo como sorria. Os dentes perfeitamente alinhados e brancos, a boca grande, a leveza de seu sorriso.

— Estudamos na mesma universidade, afinal. – respondi. Naquela tarde, embora extremamente quente, ventava muito. O vento bagunçou meus cabelos, que estavam soltos. Eles eram longos, quase na cintura, e bastante cheios e pesados. Ele me observou atentamente enquanto os colocava de volta no lugar, provavelmente pensando que eu fazia charme. Só não queria toda aquela cabeleira no meu rosto. – A propósito, que curso você faz?

— Engenharia mecânica.

Quase vibrei com sua resposta, satisfeita com meus instintos. Ele devia estar num de seus intervalos, pois eu tinha ouvido que o curso de engenharia era integral. Ou talvez estivesse mesmo só passeando, o que parecia fazer mais o seu tipo.

— Você conhece muita gente, não é? – perguntei, antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa. – Conhece um tal de... Frederico Oris?

Will pareceu surpreso. Logo depois abriu um sorriso que misturava sua habitual sensualidade com um pouco de deboche e divertimento.

— É, você também conhece. – respondeu.

— Estão falando de mim? – uma voz interrompeu antes que eu pudesse perguntar o que ele queria dizer.

Me virei, surpresa, e fiquei ainda mais quando vi o rapaz loiro, de cabelos compridos e olhos verdes, e aquele mesmo sorriso agressivo e debochado que costumava estampar seu rosto. As poucas vezes que havia o encontrado tinham sido extremamente desagradáveis, e o suficiente para me fazer desejar não conhecê-lo nunca. No entanto, não era preciso muito para entender que ele era a pessoa que eu procurava e, pelo visto, teria de aturá-lo um pouco mais.

— Ela perguntou se eu te conhecia... Deve estar interessada em você. – Will riu. – Aliás, você está cheia de perguntas, mas nunca sequer disse o seu nome.

— Ah, me desculpe. – sorri envergonhada. Tinha me esquecido por completo que nenhum de nós havia sido apresentado formalmente. – Eu me chamo Teresa.

— Então, Teresa... É surpreendente que venha procurar um cara como eu para perguntar sobre um cara como esse. – Will apontou para Frederico, que riu. Suas risadas nunca eram leves e sinceras, mas sempre agressivas e amarguradas. Eu me perguntava por que.

— Então... Depois de tudo, está querendo sair comigo? – Frederico perguntou, olhando diretamente para mim e erguendo uma sobrancelha. – Então todas aquelas respostas secas eram só fachada...

— Nunca vou entender como algumas meninas deixam de lados homens másculos, para ficar com homens que de costas podem ser confundidos com uma menina... – Will provocou e o amigo deu uma cotovelada nele. – Ai, Fred!

— De qualquer forma, você não faz o meu tipo. – ele continuou, olhando diretamente para mim. Se a interação até então já vinha sendo divertida, agora fui incapaz de conter uma gargalhada. – Você está sempre rindo. Eu sabia que não passava de uma hippie, mesmo que com essas roupas...

— Ei, pirralho, pode me deixar falar? – o interrompi. Will gargalhou. – Não é nada disso. Preciso falar algo importante com você.

— Fale, hippie. – ele cruzou os braços.

— É particular.

— Então sai logo daí, Will. – ele empurrou o amigo.

— Não, pode ficar. – eu sorri para Will uma vez. – Vamos para outro lugar.

Saí andando, mas Frederico não me seguiu. Sem muita paciência, segurei seu pulso e o arrastei comigo até que sentisse que ele manteria o ritmo e me seguiria sem protestar. Parei em frente a um banquinho semelhante ao daquela noite e me sentei. Ele permaneceu em pé, de braços cruzados, me encarando.

Pela primeira vez o observei de verdade. Ele tinha um corpo magro, com pernas muito compridas, escondidas no jeans largo e envelhecido. Os cabelos muito lisos e loiros, compridos, e um rosto que realmente se assemelhava ao de um adolescente. Os olhos verdes, que estavam sempre brilhando, e acredito ser de raiva. Ele parecia estar sempre puto com alguma coisa. Eu nunca tinha reparado antes, mas ele tinha uma pinta pequena e delicada em cima da boca, no canto dos lábios.

Parei de encará-lo, concentrando-me agora em como entraria num assunto tão delicado. Optei novamente pela impulsividade, e talvez por isso minhas palavras fossem as menos delicadas e sutis que eu poderia ter usado.

— Você é irmão do Mike?

Ele me olhou de maneira tão séria que eu desejei retirar minhas palavras. Não havia nenhum traço de seu sorriso, nem mesmo do brilho raivoso em seus olhos. Ele me encarou por alguns segundos antes de responder.

— Sou.

Sua voz parecia diferente. Nenhuma piada? Nenhuma ofensa? Era a primeira vez que ele era tão direto e frio comigo. Percebi que aquele devia ser um assunto delicado e me levantei imediatamente, sacudindo as mãos, afoita para me desculpar.

— Me perdoe... Essa não foi uma pergunta muito sensível, não é? Eu sinto muito. Você ainda deve estar em processo de luto...

— Eu não dou a mínima sobre o luto. – ele me interrompeu, respondendo secamente. – Por que quer saber?

Expliquei-o sobre o documentário, tentando ser tão convincente quanto havia sido com os professores com quem conversei, usando as palavras mais atraentes que existiam no meu vocabulário e ao mesmo tempo pronunciando-as com um tom de voz animado e confiante. Por fim, revelei a ele que esperava obter sua ajuda, já que ele devia ser a pessoa mais próxima de Mike e, ao mesmo tempo, aquela que mais o conhecia e possuía mais recordações dele.

Ele não descruzou os braços em nenhum momento. Não era preciso conhecer muito sobre linguagem corporal para entender que ele estava sempre na defensiva. O jeito com que me olhou me deu certeza de que recusaria. Mas seu rosto logo se iluminou, como se tivesse uma ideia, e ele voltou a sorrir daquele jeito tão característico.

— Eu posso ajudar. – disse por fim. – Mas não de graça.

— Bem, nós podemos negociar... Mas eu não tenho nada que possa te oferecer.

— Todo mundo tem algo a oferecer. Você não é diferente.

— E então? O que, por exemplo?

O silêncio de Frederico me deixava nervosa. Ele não era um bom rapaz. Mas eu precisava dele. E quando conversávamos assim, eu quase me esquecia de todas as coisas ruins a seu respeito. Quase.

— Um favor. – ele sorriu. – Eu peço um favor a cada informação importante que te der.

— E qual favor seria esse?

— Para começar, quero que vá comigo a uma festa hoje a noite. E então eu prometo que te ajudarei.

— Uma festa? – eu ri. – Como assim? Você não tem amigos?

— É claro que tenho. Aliás, poderia ir com quem eu bem quisesse a essa festa. Eu sou bastante popular. – ele passou a mão pelos cabelos.

— Então por que está pedindo que eu vá com você? Por que eu?

— É bem simples. Will parece ter gostado de você. Se ele a vir comigo hoje a noite, vai ficar puto. É o jeito mais fácil de irritá-lo.

— Mas vocês não são amigos?

— Somos, é claro. – ele olhou para os lados, como se procurasse alguém. – Por isso mesmo.

Nem me dei ao trabalho de dizer alguma coisa. Que amizade mais estranha! Com esse tipo de amigo, não era preciso ter inimigos. Mas aquilo não me surpreendia vindo dele, com seu caráter duvidoso. Mesmo assim, gostei que ele tivesse sido tão sincero comigo. Não me incomodava que ele me usasse para fazer raiva no amigo, afinal de contas, eu estava o usando para conseguir informações. Aquela poderia ser uma relação que beneficiava a ambos e, por mais que eu não gostasse de festas universitárias nem dele, estava disposta a aceitar.

— Eu te pego em... – ele olhou para mim, esperando que eu dissesse onde morava.

— No dormitório feminino.

— No dormitório feminino. – ele repetiu, e se preparou para sair.

— Ei! – o chamei. Tinha um milhão de perguntas para fazer, mas fiz a mais boba delas. – Que tipo de festa é?

— Louca.

 

Enquanto pensava no que faria, sentada na cama, Mila já terminava de se arrumar para a mesma festa. Ela usava um vestido extremamente colado e curto na cor roxa, e saltos altos brilhantes. Agora passava um batom escuro, vinho, mas quase preto, em frente ao espelho.

– Mal acredito que você vai! – comentava empolgada. – É a primeira festa em que iremos juntas.

– Ah, bem... Eu... Vou com outra pessoa. – sorri sem graça e Mila imediatamente me olhou de maneira chocada. – Mas podemos nos encontrar lá.

– Com outra pessoa? – ela sorriu maliciosamente. – Então quer dizer que você já tem um crush?  Eu pensei que você não se ligasse nessas coisas, mas você é uma daquelas que comem quietas.

– Não é um crush. É quase como um... Parceiro de negócios. – Mila gargalhou.

– Então... Acho melhor começar a se arrumar ou o seu parceiro de negócios ficará esperando. Já são dez e meia.

Me levantei sem muito ânimo e, enquanto olhava minhas roupas no armário, me perguntava como é que eu deveria me vestir para uma festa louca. Acabei escolhendo uma saia rosa pastel, alta, e uma blusinha branca. Aquela era uma das poucas roupas de festa que eu tinha, o que me fez pensar que, se eu saísse com frequência, iria sempre de jeans e camiseta, ou teria que fazer algumas compras.

Enquanto prendia parte dos cabelos, ouvi a buzina do lado de fora. Mila correu para a janela e voltou sorrindo de orelha a orelha.

– O seu parceiro de negócios chegou. Você esqueceu de me falar que ele era alto e loiro.

Ri e me despedi de Mila, que esperaria por alguns amigos e me encontraria depois, lá. A festa era numa república fora do campus, por isso Frederico estava de carro. Assim que me viu, ele entrou e esperou que eu fizesse o mesmo, mas eu hesitei um pouco, insegura de estar fechada no mesmo carro que ele.

Ele apenas abriu o vidro e indicou com a mão que eu entrasse logo. Delicado como sempre. Talvez o desejo de tentar algo novo tivesse me impulsionado mais do que tudo, e entrei.

– Boa noite. – o cumprimentei. Ele pareceu surpreso com a minha educação. Mesmo que fossemos inimigos, eu não precisava ser indelicada.

– Você não está tão mal vestida essa noite. – ele comentou, me olhando pelo canto do olho enquanto dirigia. – Mesmo que pareça só ter roupas largas e em tons pastéis.

– Obrigada... Eu acho. – segurei o riso. – Sabe de uma coisa? Acho que você está no curso errado. Devia fazer moda.

Ele fez uma careta para mim. Uma música baixinha tocava no rádio e eu não pude identificá-la. Não a conhecia. Frederico logo voltou a falar, como se o silêncio entre nós o incomodasse profundamente.

– Você está sempre dando essas patadas, não chega a me surpreender.

– Você pede por elas. – eu sorri.

– O que me surpreende é ter mesmo decidido vir, mesmo depois... Daquilo.

Nós dois sabíamos do que se tratava. Ele parecia ter vergonha de colocar em palavras o que realmente aconteceu: numa briga com a namorada, ele havia a agredido. Mas mesmo que sentisse vergonha e estivesse arrependido, aquilo não mudava os fatos.

– Eu tentei mesmo denunciá-lo. – confessei. – Mas a sua namorada não quis e pediu que eu não o fizesse. Então deixei pra lá.

– Ela não é minha namorada.

– Não importa. Eu ainda não concordo com o que você fez. Com o que tem feito. Você tem se mostrado ser um homem terrível... Mas eu não tenho o direito de julgar ninguém. Também não sou aquela que deve te perdoar. Talvez essa seja uma oportunidade de conhecer outros lados de você... E mesmo que nunca sejamos amigos, também não precisamos ser inimigos.

Frederico não respondeu. Virou o olhar para as ruas e não voltou a olhar para mim. Não sabia se ele estava constrangido ou terrivelmente surpreso. Eu não queria guardar rancor de ninguém, pois sabia que a mágoa só fere quem a possui. Ter ressentimentos em relação a uma pessoa é a mesma coisa que tomar um veneno. Ele te corrói, e não vale a pena se sacrificar porque imagina estar ferindo a outra pessoa, quando na realidade o maior ferido é você mesmo.

Todas as pessoas erravam. Eu não sabia se podia acreditar que Frederico um dia entenderia seus erros e mudaria. Eu mal o conhecia. Mas sabia que um mundo dá volta demais para que alguém seja eternamente ruim.

Ver a bondade nos outros não dizia nada sobre eles. Dizia muito sobre mim. Afinal de contas, refletimos nas pessoas aquilo que temos dentro de nós.



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