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História Um xote com o demônio - Sobre os que vão e os que ficam...


Escrita por: JuliaBodegas

Notas do Autor


Bem, cá estamos... Espero que gostem e Até o próximo ! =)

Capítulo 2 - Sobre os que vão e os que ficam...


Fanfic / Fanfiction Um xote com o demônio - Sobre os que vão e os que ficam...

De volta da feira, enfiou-se casa adentro ate a sala das trempes, pegando fogo o dia lá fora, afundou a urgência da sede no fundo pote, de barriga friinha como se pertencesse a outro universo, depois de duas canecas d’água, assegurou-se de que não havia mais ninguém na cozinha, entregou-se a um velho hábito que costumava fazer quando ninguém olhava. Imergia a mão ate o pulso na aguinha fria do pote e aí parecia que o corpo todo adormecia nesse mergulho.

Nesse instante, deu-se conta de que, do lado de fora no quintal estavam uns descascando um arroz... Entreteu-se na conversa das mulheres em volta do pilão pelejando com o arroz de casca, uma delas, escorada no jirau limpando palhinha da arupemba, aguardava a próxima remessa do pilão. O assunto, nem de longe tinha a ver com a tarefa, era eco do que se falava no mercado e em toda parte: a festa da procissão. Mas, aqui, com uma particularidade, a avó, ao mencionarem o coronel, pegou-se em lembrar de Luisinha que ela mesma tinha trazido a luz e nessa hora olhava as próprias mãos sem desgruda-las da moagem, no pilão que outra sustentava pelas bordas. ‘“Agora uma moça, mas nesses dias há de ser uma mulherzinha casada, diferente da outra mais velha...”

- É, porque se sair à D. Luzia, não adianta nada aquela buniteza toda.

-Fica nada!- Acudiu outra- Nesses festejo mesmo, se duvidar volta casada ou compromissada que vem gente aí de tudo que é canto...

Dijibe fixara a vista numa antiga mancha na parede, rastro escuro da chama de uma lamparina, e a mão enfim imergiu com o caneco, mas sem nenhuma sede.

As filhas do coronel, Maria Luzia, a mais velha e Luíza Maria, Luizinha, eram seguramente as moças mais comentadas do lugar. Raro era vê-las, salvo quando passeavam a cavalo, embevecendo o povoado pela vista da beleza feminil em cavalos soberbos, criados apenas para serem exibidos. Tinha um menino também, mas a ele não era dada a idade de cavalgar, ainda que fosse conhecida a historia da desobediência que havia quase rendido uma tragédia ao coronel, a aventura de montar sem a permissão do coronel, rendeu-lhe uma queda além de ser duas vezes mais vigiado que antes pelos vaqueiros que serviam a seu pai e, um bônus, realmente temido, a promessa de uma surra caso reincidisse, promessa feita no leito enquanto ele tremia de febre que ameaçava dissolve-lo em gotas geladas de um suor que umedecia a cama ao ponto de não saber se havia urinado quando vinham trocá-lo.

A queda do cavalo foi por dias comentada, e, se agora já não estava tão mais na boca do povo, devia-se ao alvoroço em toro das festas de semana santa o esquecimento, mas, ainda não tinha um mês do acontecido. O menino inventou de apostar com outros moleques da fazenda sobre que era corajoso ao ponto de montar um dos animais que pastavam, afobou-se e foi como deu-se a queda que tamanho prejuízo lhe causou. O coronel, quando informado do ocorrido mandou sacrificarem o animal. Encomendou a Damião de João batista a sorte do animal. E é sabido que vaqueiro se apega mais a bicho que a gente e dessa feita é que Damião, acovardou-se na hora de matar o bicho e decidiu dar outro destino. Coronel deixou claro que não estava doando montaria a ninguém, queria acima de tudo que o bicho deixasse de existir, não bastava tira-lo da sua terra. Obediente a este detalhe, ninguém atreveu-se a toma-lo pra si. E Damião depois de muito matutar, encontrou solução pro caso sem matar o animal e sem descuidar de que o coronel soubesse que continuava vivo. Contavam, sem confirmação nenhuma, que o bicho fora levado pra longe, uma lagoa ou rio atravessado separava-o agora do povoado. Por segurança de que não voltasse adivinhando o caminho, cuidou Damião de amarra-lo ao pé de uma arvore com corda longa o suficiente para que ele pudesse beber e comer do capim que margeava o riacho. Calculou que, passado certo tempo a corda trataria de apodrecer e enfim libertá-lo, e assim, livre e esquecido do caminho, ganharia outros rumos.

Um punhado considerável de arroz pilado dançava sua brancura na arupemba que, ora e outra o lançava alto afim de o vento separar as cascas, uma vez limpo destas, era despejado sobre um imenso pano estendido para este fim, para logo receber outra remessa. O assunto avançava agora para os detalhes rodeados de curiosidade sobre a encomenda do coronel no armazém de uma vila próxima, dizia-se, sempre entre marteladas do pilão, dos ricos partidos de tecido levados à costureira e antevia-se o luxo dos vestidos... Ele deu-se conta pela primeira vez da imensa pobreza que o cercava e toda menção ao coronel e as festividades mais o amofinaram.

Num canto perto da telha, uma aranha pairava como levitando na teia que não se via, encandeado pela claridade do dia lá fora, Dijibe percorreu com os olhos a nervura das varas sob o barro batido das paredes, costumava contá-las enquanto bebia água... Ao sol eram mais evidentes, de modo que de fora, a casa magrinha exibia suas costelas morenas, idênticas às outras da vizinhança.

Por isso fervilhavam em alvoroço pela expectativa da pujança da festa. Leilões, quermesses, as danças, a beleza dos vestidos, dos cantos e das rezas, a procissão pra queima de Judas. Todo esse corolário de acontecimentos eram envolvidos com roupagem nova, e recebidos aguardados como a um parente da cidade, mas, uma visita e uma alegria para todas as casas   e todos os olhos. Pensou em Luisinha... “Seria possível a ela parecer ainda mais bonita?” e decidiu-se. Também ele iria aos festejos!

A decisão estava tomada, cabia agora, resolver pequenas questões como roupas, calçados e montaria, afinal não se tratava apenas de comparecer, mas de apresentar-se em traje adequado às festividades. E, seguramente não poderia fazê-lo com o surrão de todos os dias, tampouco em panos de missa, com o surrado uniforme de domingo. Quem dançaria com ele? E, principalmente, Luizinha... Bem que, longe da intenção de sequer aproximar-se dela, a ambição se limitava a vê-la no vestido de seda encomendada num fardo vindo da cidade grande.

Dijibe pegou-se muito tempo a matutar um estratagema para este caso e entristecia-se já em admitir que a coragem e o entusiasmo pereciam e que o mais provável mesmo é que, como de costume, curtiria o acontecido pelo comentário dos que tivessem ido. Como na velha anedota do “foi com os que ficam”, referente aos desafortunados que aproveitam das festas somente aquilo que lhes é contado, sobras da impressão alheia.

 

 



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