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História Uma outra chance - Prólogo


Escrita por: evaamaca

Capítulo 1 - Prólogo


LUTO

 

Vemos como a vida é simples quando separamos os pertences de alguém em caixas. Roupas que costumavam vestir, lavar, dobrar, adornos para enfeitar, livros para ler, remédios e mais remédio, em vão.

As coisas ficam enquanto a pessoa vai-se. Vai-se para o desconhecido, para o nada, para a escuridão e isso assusta. O ar é tenso, quase tão denso que não se pode respirar profundamente, é tristeza, é saudade e medo, principalmente medo.

É o capítulo final de uma história, a última frase, a última sentença. É a despedida de uma mente que jamais fará parte do mesmo mundo das mentes. O luto deve ser negro, pois é na cor preta que todas as cores juntas se formam.

E assim, minha querida avó se foi. Era cor vibrante, hoje é preto. Ela me ensinou a tocar música, ensinou que tenho voz, se fez presente para eu ser presente, me ensinou idiomas, francês, inglês e hebraico. Minha querida avó me ensinou a desenhar e o mais importante, ser dona do meu próprio traço. Talvez porque ela mesma não pode ser.

Não foi fácil para ela, nem para outros da sua época e muito menos para seus pais, histórias que jamais pude ouvir, histórias que eram caladas pelo silêncio de uma lágrima, traumas incrustradas na memória e que fora passada de geração a geração. Talvez o efeito desse trauma tenha sido maior nos filhos, no caso a minha avó que desde pequena fora incentivada a excelência a não falhar e continuar a memória de tantos outros que pereceram antes dela.

Não era algo falado, era algo sutil. Vovó aprendera ao seu redor o que era esperado de sua geração, carregar o peso do futuro tirado de seus pais e isso não é algo fácil. Foi a maior prova de amor pelo seu próximo de que ela poderia dar. Mas ela não sabia disso, de fato, ela achava a carga pesada demais e sem significado. Não conseguia entender porque tanto ódio contra aqueles que eram iguais a ela, não entendia porque ser minoria e a minoria conseguir se destacar era tão assustador, não entendia o medo, não entendia o controle, não entendia o preconceito.

Aos treze anos, vovó foi mandada a um Colégio Interno no interior do Paraná, um colégio para meninas com diretores protestantes. Ela era uma forasteira, não só por não ser do Paraná mas também por não ser protestante. O motivo de ser mandada -ela era ótima pianista e lá havia um ótimo professor de piano francês. Os diretores eram americanos, dizia ela, mas não tinha certeza se eram americanos ou britânicos, afinal quando ela contou essa história para mim, ela já estava com setenta e dois anos e a memória escapava. Era fácil lembrar-se dos nomes, dos rostos jovens capturados em belas fotos de perfil em preto e branco, mas lembrar-se de voz e de sotaques era difícil para ela.

Ela contou-me sua história quando eu com vinte e quatro anos, formada e prestes a me casar, cancelei um noivado, deixando todos surpresos. Motivo -eu não o amava mais e me via pressionada casar com ele apenas por sermos, iguais.

Ainda lembro de ouvir que alguém como eu poderia saber como era ser, bisneta de pessoas como meus bisavós e que alguém como eu, entenderia todos os aspectos culturais nossos. Ele me apoiaria e juntos estaríamos continuando uma história milenar. Olha esse peso, cancelar essa expectativa foi uma das coisas mais dificeis que tive que fazer até então. Mas não foi tão difícil após saber de sua infidelidade, esse fato ninguém quis saber ou discutir. Eu era a errada.

Não posso culpar as pessoas que estiveram toda a minha vida ao meu lado, eu os amo, e eu amo a minha cultura e jamais um casamento me faria reafirma-la, pelo contrário, eu acredito que seja na adversidade e o seu afinco que reafirma.

O que a minha avó dizer ao contar a sua história, não era como a adversidade do Colegio interno protestante a fez reafirmar a sua fé e sua cultura, mas sim um caso de amor secreto, não mais agora que ela contou-me.

Pensei que ela estava louca a principio, pensei “Finalmente a idade a alcançou e ela começou a falar coisa sem nexo”. Minha avó sempre foi muito ativa e muito inteligente e o seu espirito jovem demais. Juntas dominávamos qualquer lugar onde estávamos, riamos de coisas absurdas ou de coisa nenhuma e somente a ela eu conseguia contar os meus problemas. Diferente de mim, minha avó não teve muita escolha ao aceitar casar-se com meu avô, era o peso do trauma, diminuindo suas vontades em dever. Aos dezoito anos, minha avó disse adeus ao Colégio e se inscreveu em um curso de Artes em São Paulo.

Seu amor secreto pelo que soube, voltou ao Rio Grande do Sul, próximo a sua família e lá escrevia-lhe cartas. Um dia, colocou algumas peças de roupa em uma mala e partiu para São Paulo, fazer uma visita surpresa à minha avó. Ninguem poderia saber que minha avó tinha ido fazer uma viagem e o pobre rapaz, ficara esperando o dia todo por ela, em frente à loja de joias do meu bisavô. Foi a última vez que houve uma tentativa de encontro entre os dois, pois nessa viagem, vovó fizera um admirador, meu avô e em alguns anos mais tarde, casaram-se.

Vovó disse que se correspondiam e que pensava seriamente em fugir se não fosse aquela culpa corroendo sua honra e a expectativa grande por ela ser a única filha mulher. Um dia as cartas pararam, a saudade amenizou, a vida de estudante ocupou-lhe os sentimentos forçados a esconder e ele passou a existir a seu passado alegre e infantil.

Ela me dissera que os melhores anos da vida dela fora nesse colégio e que lá ela floresceu. De tímida menina a mulher eloquente. Casou-se com meu avô, teve três filhos, seis netos e quando meu avô morreu precocemente aos quarenta e seis anos, pensou no antigo namorado, proibido por ser diferente.

Quero que quem leia não pense que a minha família seja preconceituosa, não é isso. Aceita-se pessoas independentemente de onde sejam, porém é o trauma histórico que causou a expectativa de perpetuidade a um povo perseguido. Unirmos tornamo-nos fortes e não deixamos os costumes morrer e foi essa a escolha da minha avó.

E vendo a minha recusa ela me chama e ao encontrar-lhe esperava por um discurso, uma bronca e não uma confissão. Eu fizera algo que ela não pode fazer e agora em sua memória eu vivo uma vida que talvez ela teria. Depois de terminar o meu noivado eu encontrei uma outra pessoa, mas essa breve história não será sobre mim, será sobre ela. Tentarei com o pouco que ela me contou e o pouco o que eu descobri, escrever uma história diferente para ela, caso ela tivesse fugido, caso ele tivesse a encontrado em frente à loja de joias do meu bisavô. Acho que a minha avó gostaria disso, acho que ela se divertiria e quem sabe, aonde ela está, ela tenha acesso wifi e consiga ler por aqui.

 


Notas Finais


Quero pedir desculpa caso eu tenha ofendido alguém, não era essa a intenção.


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