— Está tudo pronto. Tudo fechado. Estamos só esperando sua permissão, Zach. — o tal Evan diz, olhando de Zach para Paris. — Estão preparados para contar a ela?
— Me contar o que?!
Três pares de olhos assustados me encaram e saio totalmente do corredor, encostando perto do balcão. O que está tudo pronto? O que eu preciso saber? Por que diabos eles estão falando da minha vida como se fosse um programa de TV? Os três se entreolharam, como se estivesse decidindo-se quem iria me contar. O que eu ia descobrir era o que estava me deixando com medo. Quão ruim pode ser? Ou melhor, quão bom pode ser?
— Tá legal, eu conto. — Paris diz, levantando os braços e caminha até mim. Seus olhos parecem estupidamente brilhantes, como se ela fosse a que mais gostaria de dizer algo. — Na verdade, eu não sei como contar. Como eu conto, pai?
— Eu vou começar pelo começo, então. — Zach aproxima-se dessa vez. — Jasmine, esse é Evan. Advogado e amigo da sua mãe há muito tempo.
— Da... da minha mãe? — minhas sobrancelhas se franzem. — O que eu preciso saber? É sobre ela? Alguém me diz alguma coisa!
— Depois que a sua mãe morreu, eu me mudei de Atlanta com a minha família. Eu sei que deveria ter ficado para ao menos manter os olhos em você e no Max, mas eu simplesmente não aguentava Charles e como ele manipulava tudo ao seu redor. — o tal Evan começa a dizer. — Eu fui uma das testemunhas quando ela escreveu e assinou o testamento no hospital, Jasmine. Do testamento que você tem conhecimento, o que dizia?
— Dizia que ela deixou tudo para o Charles, porque ele saberia como lidar com tudo. Inclusive comigo e com Max. — respondo, com a voz trêmula.
— Nada disso está escrito no testamento original. O testamento que ela assinou, que é o oficial, não está escrito nada disso.
— Não estou em condições de racionar agora, seja lá quem você for. — passo as mãos pelo cabelo, dando as costas para eles. — Meu pai falsificou um testamento, é isso?
— Ele não é seu pai.
Olho para Zach com os olhos aguados e sinto um espasmo percorrer pelo meu corpo ao me dar conta. Por isso ele ia frequentemente a hamburgueria e me dava gorjetas altas demais para alguém que não me conhecia. Ele sabe a minha situação com Charles desde o início. Paris também sabe. Ambos sabem o que Charles e Alexia me fizeram passar desde que apareceram em minha vida tão de repente e, ainda assim, não me tiraram daquele inferno. Poderiam ter me tirado há meses e nenhum deles tiveram a coragem de me contar a verdade. Por que? Por medo de como eu iria reagir? Por medo de eu não aceita-los? Em que posição estou de não aceitar qualquer pessoa que queira o meu bem? Nenhuma. Não acreditaria nele, obviamente, se ele aparecesse me contando que é meu pai. Desconfiaria de que seria um tipo de pegadinha de Charles para me vigiar. Por que eles não me tiraram do inferno que era viver com aquele homem? Por que Zach não me procurou logo depois que a minha mãe morreu se sempre soube que eu sou sua filha?
— Vocês mentiram pra mim. — olho para Paris também, que está chorando. — Vocês sabiam de toda a merda que acontecia na minha casa, me ouviam reclamar. Vocês poderiam ter me tirado daquela casa há meses! — digo, indignada.
— Não é bem assim. — Zach balança a cabeça, tentando aproximar-se.
— Não! — ergo o indicador, como um aviso. Me viro para Evan. — Quero saber de tudo. Como Charles conseguiu falsificar um maldito testamento por todos esses anos?
— Preciso começar dizendo que sua mãe só teve você e Max. De filhos, eu digo.
— Alexia... ela não é... como assim? — sento em uma das cadeiras, sem forças para me manter em pé.
— Seus pais tiveram constantes brigas há anos atrás. Ele teve um caso com outra mulher e essa mulher morreu ao dar luz a Alexia. — Evan explica, cauteloso. — Sua mãe não o amava, mas eles mantinham um casamento baseado em mentiras. Sua mãe também tinha um caso. — Evan olha para Zach, que está encarando os próprios pés. — Não sei porque eles não se separaram, mas a sua mãe aceitou criar Alexia. Ela me disse que gostaria que fizessem isso se você estivesse sozinha, sem ela.
Apoio os cotovelos na mesa e cubro o rosto com as mãos, sem conseguir conter o choro. Eu daria qualquer coisa para ver minha mãe ao menos mais uma vez. Quero que ela explique tudo. Quero que ela me conte porque manteve um casamento regado a mentiras, falsidade, farpas e ódio. Queria que ela me contasse de suas aventuras proibidas com o homem que realmente amava. Zach também a amava. Consigo perceber só pela forma que ele tenta controlar a emoção também.
— Quando ela descobriu que estava grávida, terminou tudo comigo. — Zach começa a dizer. — Na cabeça dela estava sendo egoísta comigo. Ela tinha uma vida formada, mesmo que fosse com um homem que não amava, enquanto tudo o que eu fazia era em função dela. — ele balança a cabeça, magoado. — Não me contou que teria você. Apenas terminou, sem aviso prévio. Eu estava magoado demais e fui embora de Atlanta. Foi quando conheci a mãe da Paris.
— Quando v-você descobriu sobre mim? — olho para Zach, que me encara de volta. Consigo perceber que ele quer se aproximar. Me abraçar. Mas ainda não estou preparada, preciso saber de tudo.
— Quando te vi pela primeira vez. — diz, simplesmente. — Na primeira vez que fui até o lugar onde você trabalha, eu apenas queria te ver por saber que era filha dela, mas... — ele abaixa a gola da camisa social e vejo uma marca de nascença em sua nuca. Idêntica a minha. Ou a minha idêntica a sua. Cubro o rosto com as mãos novamente, entre soluços. — Todo dia que eu ia lá quis te contar. Sabia que você poderia não acreditar em mim, mas seria só mostrar a marca que você saberia.
— Há quanto tempo você sabe, Paris? — olho para a minha... irmã.
— Meu pai me contou quando descobriu e eu quis conhece-la, mas foi naquelas condições. Somos tão parecidas, não somos? — ela sorri e sinto vontade de abraça-la. Ainda não dou o braço a torcer.
— O que está tudo pronto? — olho para Evan.
— Charles conseguiu falsificar o testamento com a ajuda de um tabelião importante aqui em Atlanta. August Warner.
Olho para Travis com os olhos arregalados e ele balança a cabeça, aproximando-se de mim. Entrelaço meus dedos aos dele.
— Sou filho de August Warner. — Travis diz, parecendo ter vergonha de quem é seu pai. Eu também teria, sinceramente. — O que vai acontecer? Tem outro motivo por eles serem ligados até hoje, não tem?
— Tem, garoto. — Evan assente. — Tenho investigado Charles e August há meses. Estão envolvidos em fraudes até o último fio de cabelo. — diz. — A maior delas foi um desvio de milhões da empresa da sua mãe no último ano, Jasmine. Ele diz que a comanda, mas tem uma pessoa por trás disso tudo e ela quem estava monitorando a entrada e saída das contas bancárias.
— Quem? — franzo as sobrancelhas.
— Jamie Parker.
Penso que vou desmaiar. O ar falta em meus pulmões e algo martela em minha cabeça, entretanto, não esboço nenhuma reação.
— Ela... ela era amiga da minha mãe?
— Sim. — Zach responde. — Somos amigos desde o jardim de infância. Sua mãe não confiava em mais ninguém além dela para cuidar de tudo.
— Mas ela... ela colocou Valerie no mesmo internato que eu de propósito?! — pergunto, sem entender absolutamente nada.
Jamie esteve ao meu lado esse tempo todo, tratando-me como se eu fosse alguém da família ou até mesmo sua filha, porque realmente tenho ligação com ela. Valerie sabe disso? Valerie sabe que Charles está sendo monitorado há anos e se aproximou de mim com um propósito? Manter-me por perto e segura?
— Sim. Estamos investigando Charles há muito tempo, sem saber se ele o seu pai verdadeiro ou não. — diz. — Bom, existem mandados judiciais contra ele e August Warner. E aposto que os oficiais estão indo até suas casas nesse exato momento. Além de todos os roubos, serão acusados por falsidade ideológica. Falsificaram um documento, passando-se pela sua mãe.
— Ele vai... ele vai ser preso.
— E toda a herança é sua e do seu irmão. Ela nem ao menos citou o nome de Charles e Alexia no testamento real. Citou o nome dos filhos, de Jamie, de Zach e o meu. Apenas.
— Tudo é meu e do meu irmão?
— Tudo, Jasmine. Até mesmo a casa que você costumava morar. Se você quiser, pode ir até lá e expulsa-los nesse exato momento.
— Charles irá preso. — não estou acreditando no que estou ouvindo. É bom demais para ser verdade. Tem que ter algo errado.
Tudo bem, acho que o "algo errado" foram os anos que Max e eu passamos morando com pessoas praticamente desconhecidas e que nos detestavam.
— E o que acontecerá com Alexia?
— Bom, ela sabia o plano.
— Espera. Qual era o plano exato? Me jogar na rua depois que eu me tornasse maior de idade e ficar com tudo que é meu e do Max?
— Provavelmente. Queriam mantê-la longe para que você não fosse uma ameaça a fortuna. Não deu muito certo.
— A minha mãe era milionária. Não é possível que ela tenha deixado a grande parte para Max e eu...
— Ela deixou. — Zach sorri. — Quer me devolver todos as gorjetas de duzentos dólares que te dei? Acho que ainda vai sobrar. — brinca.
Solto uma risada, incrédula. Tudo era nosso. E o tudo é muito.
— E a empresa também está em suas mãos, Jasmine.
— Eu já sei o que farei com a empresa. Não tenho interesse em comandá-la, mas sei quem fará isso. — digo, levantando da cadeira. — Eu não estou acreditando em tudo isso. É muita coisa para eu processar.
— Qual é a melhor parte? — Paris pergunta, curiosa. — Que você é milionária ou que você é milionária?
— Acho que a melhor parte é saber que eu tenho um pai e uma irmã melhores do que eu achava que tinha.
Paris não se segura dessa vez. Ela vem correndo me abraçar e solto uma risada enquanto a abraço de volta. Meu olhar se encontra com o de Travis por cima do ombro de Paris e ele sorri para mim, como se estivesse sentindo todo o alívio que eu estou sentindo. Mando um beijo em sua direção e ele pisca para mim, com os lábios dizendo um “eu te amo”. Sinto meu coração disparar como se fosse a primeira vez e aperto Paris ainda mais enquanto respondo que também o amo.
— O que você vai fazer? — Paris me pergunta.
— Não faço ideia. Primeiro preciso conversar com o meu irmão e vou até a casa que eu costumava morar. — respondo. — Travis, pode ligar para o Max, por favor? — peço e ele assente, pegando o celular.
— Você não vai nem dar um abraço no meu pai? — Paris sussurra. — No nosso pai.
Zach parece feliz. Ele e Evan estão conversando sobre algo e ele é atraído pelo meu olhar. Aproximo-me cautelosamente e paro em sua frente.
— Obrigada por ter ido me procurar e por ter me ajudado. E por... — desvio o olhar para minhas mãos. — E por ter amado a minha mãe. Ela merecia muito mais do que Charles ou a vida que levava. Tenho certeza que os momentos em que ficava com você eram os melhores que ela poderia ter.
— Como se fosse um esforço amar a sua mãe. — ele sorri, como se estivesse se lembrando. — Ela era uma mulher extraordinária. E você também vai ser. Já é, na verdade.
Sorrio sem descolar os braços e dou um passo a frente para abraça-lo.
— Vocês vão ficar aqui? — pergunto enquanto ele me abraça de volta.
— Provavelmente não. Acho que vamos para Nova York.
— É um ótimo lugar. — assinto, querendo-os longe de Atlanta também. — Eu... eu preciso contar para o meu irmão. Tudo bem se a gente combinar algo amanhã? — olho para Paris e ela assente, abraçando-me mais uma vez.
E eu definitivamente preciso de um tempo para pensar. Despeço-me de todos eles, ainda com todas as informações martelando em minha mente e noto que Travis está me acompanhando com o olhar como se eu estivesse prestes a surtar. E, bom, eu estou. Me jogo em seus braços e ele solta uma risada divertida ao tirar os meus pés do chão. É um mix de emoções, para ser honesta. Não sei se estou chorando, rindo ou se é os dois ao mesmo tempo. Só sei que parece que tirei um peso das minhas costas e um alívio invadia meu coração cada vez que eu me lembrava. Não sei o que farei com o dinheiro, para ser honesta. Não quero que ele acabe e eu sou nova demais para tomar decisões difíceis como essa.
— Merda, preciso falar com a Jamie. E com a Valerie. E com o Max. — digo quando entramos em seu carro.
— Falei para o Max que estamos indo buscá-lo no hospital. Podemos ir na casa da Jamie depois e você fala com todos eles.
— É. Você vai estar comigo, né?
— Sempre, Minnie. — ele beija o dorso de minha mão e me aproximo para lhe dar um selinho.
"Jasmine: Está em casa, Valerie?"
"Valerie: Sim."
"Jasmine: A sua mãe também está?"
"Valerie: Sim! Por que?? Aconteceu alguma coisa?"
"Jasmine: Nada. Só estou indo pra aí."
Espero que Jamie me conte literalmente tudo, desde o começo. Tenho certeza de que elas eram as maiores confidentes uma da outra. E conversar com ela, será como ler o diário da minha mãe.
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