Encontro Valerie e Jamie preocupadas no instante em que abro a porta da casa. Para ser honesta, não sei se estou feliz por saber que Jamie é meu anjo da guarda durante todos esses anos ou se estou chateada por ela ter mantido segredo sobre conhecer a minha mãe. E não apenas a conhecia, como era sua melhor amiga. Ela sabia coisas sobre minha mãe todo esse tempo e se manteve quieta. Lembro que ela sempre tentava me tirar da casa de Charles e eu pensava que era apenas porque ela se importava muito comigo, mas tinha muito por trás que eu nem sonhava. Por que complicar tudo? Por que não me contou desde o começo? Não digo nada mesmo quando elas insistem para que eu diga logo de uma vez o que aconteceu. O motivo de eu estar com os olhos inchados, a maquiagem borrada e as mãos ainda trêmulas. É muita coisa para eu processar de uma hora para outra; começando por saber que estou livre de Charles de uma vez por todas e que não preciso mais me sentir culpada por odiá-lo. Por mais que ele fosse um monstro, me sentia mal por odiar o meu próprio pai. E, bom, ele não é. E agora eu sei que não o odeio. Sinto pena. Sinto pena por ter deixado que a ambição e o poder puxarem todas as suas qualidades e o cegarem. Tenho pena. Ele já irá pagar por tudo que fez e odiá-lo só me fará mal. Preciso dizer a ele que o perdoo, mesmo que ele não tenha me pedido. Um grito vindo da Valerie me desperta dos devaneios e encaro as duas mulheres a minha frente.
— Quando você pretendia me contar que conhecia a minha mãe? — olho para Jamie, que me olha como se já soubesse que era sobre isso que ela iria falar. Valerie franze as sobrancelhas e tenho a confirmação de que ela não faz ideia. Menos mal. — Quando ia me contar que sabia de toda a verdade durante todo esse tempo e me permitiu ficar na mesma casa daquele homem que não é o meu pai?
— Jasmine...
— Não quero desculpas, Jamie. Quero a verdade.
— O que diabos está acontecendo aqui? Você teve a confirmação de que Charles não é o seu pai, Jazzy? Fala comigo! — Valerie pede, parecendo aflita.
— Conte a ela.
Jamie suspira, passando as mãos pelo cabelo.
— Eu estudava com Candice quando estava no ensino médio. — Jamie começa a falar. — Em Seattle, como vocês sabem que é onde ela nasceu. E assim que ela se tornou maior de idade decidiu que faria o que seu pai queria e comandaria a empresa. Nós duas viemos fazer faculdade aqui em Atlanta. Moramos juntas. — ela abre um sorriso, certamente se lembrando. — A sua mãe era incrível, Jazzy. Ela era minha irmã de coração e ainda é. — vejo que seus olhos aguam e sinto meu coração se apertar. Ela sente falta dela também. — O Charles fazia faculdade de business com ela, mas ela ainda namorava o Zach naquela época. Ele veio para cá também. O problema foi que as coisas começaram a se desandar entre eles e a Candice encontrou apoio no Charles, que já sabia que ela era Candice Roden desde o início. Eu sentia que ele não era um cara legal e, por mais que falasse para ela, seu coração estava partido por causa do Zach. Charles e ela começaram a namorar e, um pouco antes do seu aniversário de vinte e um anos, ela teve a ideia de criar uma filial da empresa aqui em Atlanta. Charles só estava na cola dela e interessado no poder que ela já tinha tão jovem.
Ele sempre esteve interessado no que ela tinha. Não me surpreenderia se ouvisse que ele nunca a amou de verdade.
— Tudo estava dando certo aqui. Entre aspas, claro. Ela e Charles se casaram dois anos depois de ela se formar na faculdade. Zach tinha ido embora daqui há muito tempo e Candice tinha parado de falar nele, por mais que ainda o amasse. — diz, limpando o rosto. Está emotiva, como eu. — Eu fui uma péssima amiga e abandonei aqui. Depois do casamento, ele começou a se mostrar quem realmente era. Candice não tinha coragem de se divorciar, porque sentia que devia algo a ele por ter sido o amparo para quando ela estava na pior. Ele foi criando seu próprio negócio às custas dela, os anos foram passado e a traição surgiu. A mãe da Alexia costumava ser colega da sua mãe e, quando descobriu a gravidez, foi até a casa deles e contou tudo. Alexia nasceu prematura e sua mãe morreu no parto, então a Candice decidiu criar a garota, por mais que estivesse pensando em se separar. Durante a gravidez da mãe da Alexia, Zach voltou para a cidade e eles voltaram a se encontrar. Eu voltei. Grávida. — ela olha para Valerie, que está boquiaberta com a quantidade de informações. — E ela me contou que também estava grávida. De Zach.
— Zach é seu pai! E Paris... Paris é sua irmã! — Valerie balança a cabeça, perplexa. — Eu sempre disse que ela parecida com você, sem saber disso tudo.
— Eu a incentivei muito a se divorciar de Charles e ela quase chegou a fazer isso, mas a sua mãe... ela tinha o coração mole demais, Jasmine. Foi só Charles implorar para que ela não o deixasse, que ela ficou. — Jamie prossegue. — Zach estava disposto a largar tudo na Flórida para ficar com ela, mas ela tinha medo de fazer o mesmo. Ela terminou com Zach e esse voltou para onde morava antes. Charles sempre soube que você não era filha dele, entretanto, eles fizeram um acordo que se dedicariam um ao outro. Seriam uma família. Candice, Charles, Alexia e você.
— Acho que não deu muito certo.
— Não mesmo. Charles foi procurar Zach na Flórida ao saber que ele esteve aqui.
— Espera. Estou confusa. Charles sabia que eu não era filha dele. — digo, sem entender.
— Mas não sabia que era de Zach. Eles chegaram a se conhecer na universidade e sempre tiveram confusões. — diz. — A partir daí, a forma que Charles te tratava mudou. E o acordo dele com a sua mãe foi por água a baixo. Ele se revelou ainda mais, se tornou um tipo de casamento tóxico, onde Candice não conseguia encontrar uma saída.
Sinto meus olhos arderem só de imaginar o quanto a minha mãe sofreu antes de ficar doente.
— Max, Jamie. Max. Ele... se Charles e a minha mãe estavam nessa situação, eles não teriam feito alguma coisa, certo? Ele é filho do Charles?
— Eu não sei. Sua mãe também não sabia. Ela teve uma noite com Charles, mas Zach... ele teve problemas com a esposa, mãe da Paris, e acabou voltando para cá. Ela também não sabia de quem era.
— E se... e se ele for do Zach também? Ele nem faz ideia!
— Se quem for do Zach? — escutamos a voz de Max. Ele e Travis entram na sala. — O que está rolando, Jazzy? Por que vocês estão chorando? Travis não quis me contar muita coisa.
— Não sou filha do Charles. Sente e escute o resto, por favor.
— Não é... que?! A mamãe teve um caso?
— Vou te dizer três coisas: Zach é meu pai, Alexia não é nossa irmã e talvez você também não seja filho do Charles. — digo. — Isso virou uma loucura! Ela, claramente, ainda amava Zach. Por que manteve o casamento?
— É difícil sair de uma relação tóxica, Jazzy. Eu sei disso por experiência própria, em relação ao pai da Valerie. Enquanto Candice estava sofrendo aqui, eu também estava sofrendo longe. — ela balança a cabeça. — Eu consegui me livrar. Ela, não.
— Vocês precisam fazer um teste de DNA! — digo, me virando para Max.
— Como assim Alexia não é nossa irmã?
— Charles engravidou outra mulher e ela morreu no parto. Mamãe decidiu cuidar da Alexia, mas ela também estava tendo um caso. Com o ex-namorado, o Zach.
— Então a Paris é sua irmã?
— Isso não é nem o começo da história toda, Max. — digo, virando-me para ele. — O papai falsificou o testamento que a mamãe deixou antes de morrer. Falsificou junto com o August Warner. — Max olha para Travis, que balança a cabeça para deixar claro que não sabia de nada. — E tudo da família Roden é nosso, Max. Tudo.
Max pisca diversas vezes seguidas, sem acreditar. — Tudo?
— Tudo.
— Tenho investigado Charles há muitos anos, desde que ele te mandou para o internato, Jasmine. — diz. — Como eu disse, sua mãe e eu éramos parceiras. Inclusive no comando da empresa. Eu era da parte de finanças e controlava o que saía e entrada das contas bancárias. Dos últimos dois anos para cá, tiveram desvios de milhões em um nome desconhecido. E precisávamos ter uma ligação ao nome do Charles. O advogado da sua mãe, que acredito que você conheceu... — assinto. — Ele estava investigando a parte do testamento. Ele tinha ido embora da cidade e voltou quando comuniquei a ele da minha desconfiança. Não tive acesso a nada da Candice após a sua morte. Charles sabia da nossa ligação e quis me tirar do controle da empresa, mas não conseguiu. Charles já havia sido acusado de fraude quando vocês eram mais novos, mas o caso foi fechado com a doença da Candice e tudo mais. O caso foi reaberto e as investigações secretas começaram. Estávamos juntando provas o suficiente para colocá-lo na cadeia, sem chance de que o pagamento de uma fiança o tirasse. E, claro, isso inclui o pai do Travis.
— E vocês conseguiram. — Max diz, incrédulo. — Como... você sabia que a Jazzy não era filha dele durante todo esse tempo e permitiu que ela ficasse naquela casa?
— Eu não poderia fazer nada que o fizesse desconfiar, Max. Charles é esperto e, se ele ao menos desconfiasse, conseguiria eliminar todas as provas. Foi muito difícil conseguir juntar tudo isso.
— Por isso você me colocou no colégio interno. Não foi por dificuldade financeira nenhuma. — Valerie olha para a mãe.
— Não, isso é verdade. Você não ficou um ano sem estudar à toa. — diz. — Realmente passamos por dificuldade. A diferença era que meus pais não tiveram condições tão duras quanto eu contei. Eles concordaram pagar o internato por saberem da situação e eu encontrei muitas portas abertas em Paris. Conheci muitas pessoas. E tive tempo para investigar e procurar por Zach. Nunca contei a ele que você era dele.
— Eu sei dessa parte. Ele quis me conhecer por saber que eu era filha da Candice, mas por uma coincidência descobriu a verdade.
— Que coincidência? — Max pergunta.
Aponto para minha marca de nascença na nuca. — É idêntica a dele.
— Uau! — Max assobia. — Estou me sentindo em um filme! Isso é sério mesmo? Não tem câmeras nesse lugar? — ele olha em volta, procurando pelas câmeras.
— Nem brinca. Está bom demais para ser verdade. — digo a ele, que assente com os olhos levemente arregalados.
— Eu só quero saber agora... quem é meu pai?
— Preciso ligar para o Zach. — levanto do sofá, mas não lembro onde está meu celular. — Está com você? — olho para Travis.
— Sim. — ele estende o aparelho em minha direção e o pego.
— Eu falo com ele, Jazzy. — Jamie diz e assinto, entregando o celular para ela.
Olho para Valerie, que ainda parece estar captando todas as informações. Sento ao seu lado e a abraço, que não hesita em me abraçar também.
— Como ela sabia que viraríamos amigas? Não teria como ela prever isso.
— Foi uma coincidência boa, Valerie. — digo. — É de alma.
— O que você vai fazer agora? — ela se afasta para poder me olhar. — O que vai fazer com o dinheiro, com a empresa, com você mesma?
— Acabei de completar dezoito anos. É muita responsabilidade pensar nisso agora. — balanço a cabeça. — Primeiro quero saber se tem alguma chance de Max ser filho de Zach. E depois quero conversar com Charles. E com Alexia.
— Por que?
— Preciso disso para me libertar. Preciso olhar no olho deles e... você sabe.
— Depois de tudo que eles fizeram, você quer perdoá-los? — indaga, entendo o que eu quis dizer.
— Preciso disso. Eu passei anos morando com desconhecidos, Valerie. Preciso saber o motivo de tudo aquilo se eu não tinha culpa. — digo. — Pelo contrário. Minha mãe acolheu a Alexia, a tratou como filha. Por que ela me odeia tanto a ponto de ter coragem de usar uma faca contra mim? Quero dizer, acredito que ela tenha sido influenciada pelo Charles, mas... é preciso ter coragem para pegar uma faca e ter coragem de usá-la em alguém.
— Também acho que ela foi influenciada. Ou talvez ela só tenha inveja por ser a bastarda.
— Todos naquela família eram bastardos de algum jeito. Não faz sentido.
Jamie voltou da cozinha e me devolve o celular.
— Ele disse que faz o exame de DNA quando vocês quiserem.
— Preciso de um tempo, cara. É muita coisa para eu processar e ainda quero voltar para o hospital com a Lacey.
— Eu vou com você e eu falo para o doutor sobre a coleta de sangue para o exame. — digo para Max e ele assente.
— Você deveria ficar, Minnie. — Travis se aproxima, tirando meu cabelo do rosto. — O dia foi cheio demais. Você precisa descansar e ter um tempo para processar tudo isso.
— É, Jazzy. Talvez seja melhor. — Max concorda com Travis.
— E você, Max? Você também precisa descansar. Não saiu do hospital em nenhum momento.
— Então vamos fazer assim... — Travis começa a dizer. — Eu vou para o hospital e vocês ficam. Amanhã de manhã venho buscar os dois. Tudo bem?
— Sim. — respondo por mim e por Max. Ele precisa mesmo descansar. — Diga a Lacey que mandei um beijo.
— Quer que eu diga alguma coisa pra ela também, Max? — Travis pergunta.
— Você sabe o que. — Max responde e Travis assente, dando duas batidinhas no ombro do meu irmão.
Travis se despede de todos na sala e eu vou com ele até o carro, abraçando-o pela cintura. Ele me abraça de volta e encosta o queixo no topo da minha cabeça, logo deixando um beijo ali.
— O que você sabe que Max quer dizer? — pergunto, curiosa.
— Ah, tivemos uma conversa enquanto o trazia pra cá. — diz, me abraçando mais forte. Quero ficar aqui. É seguro. — Ele me disse que a ama, acredita?
— Acredito. Sei que você acha que sim, mas não existe essa de que eles são novos demais para amar. — sussurro, levantando o olhar para encará-lo. — Não é algo que você planeja, senão todos planejariam nunca amar por medo do coração partido.
— Ela o ama também.
Abro um sorriso e ele se reflete em Travis. Amo quando ele sorri para mim.
— Você está preparado para as provas finais? Porque eu não.
— Temos uma semana para estudar ainda. Vai dar tudo certo.
— Não vejo a hora de ir embora. E fico meio triste de Charles e Alexia terem estragado Atlanta para mim. Eu costumava gostar dessa cidade.
— A cidade é ótima. O problema são as pessoas que vivem nela. — diz e eu assinto, espalmando seu rosto e o puxo em minha direção. Sorrio entre um beijo o outro.
— Até amanhã. — me afasto para deixa-lo ir, senão irei pedir para que ele durma aqui comigo.
— Até amanhã. — ele deixa um beijo em minha testa e outro em minha boca, então entra no carro.
Volto para dentro de casa e vejo que tem três ligações perdidas da Scarlet. Eu disse a ela que descobri algumas coisas e depois a deixei sem notícia alguma.
“Jasmine: Não vou te contar por mensagem e nem por ligação. Precisa ser pessoalmente e estou sem cabeça para falar sobre isso agora. Me entende, né?”
“Scarlet: Claro que entendo, Jazz! Só estou curiosa. Está tudo bem?”
“Jasmine: Está, sim. Só é muita coisa para digerir.”
“Scarlet: Vai trabalhar amanhã?”
“Jasmine: Preciso ir. E preciso estudar também. Está complicado.”
“Scarlet: Você consegue! Te amo, Jazz. Se precisar de ajuda pra estudar é só me avisar, porque eu posso não parecer, mas sou muito nerd.”
Solto uma risada.
“Jasmine: Hahahaha obrigada, Scar! Também te amo. Preciso dormir agora.”
“Scarlet: Boa noite!”
“Jasmine: Boa noite!”
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.