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História Unfinished business - And even though it's different now you're still here somehow


Escrita por: Believe8

Notas do Autor


Se quiserem ouvir as músicas dessa fanfic, elas são I Miss You, da Miley Cyrus, e Eyes Shut, do Years & Years.
Boa leitura.

Capítulo 1 - And even though it's different now you're still here somehow


Ele nunca quis ser pai. Na verdade, sempre jurou de pé junto que não servia para esse papel, mesmo que Margarida dissesse o contrário. Afinal, ninguém via o que ele tinha de melhor como aquela caipirinha que havia roubado o seu coração sem chances de devolução.

E ela tanto quis que o fez querer também. Era um pecado não deixar que ela fosse mãe só porque ele não tinha o menor jeito com crianças. Jorge não havia nascido para isso, mas Margarida sim, e tinha tanto jeito. Com certeza seria a melhor mãe do mundo.

Quando o exame deu positivo, parecia que ela havia ganhado o maior prêmio da loteria, tamanha a sua excitação. E é claro que isso o contagiou, como não? Seriam pais, afinal.

O médico recomendou que interrompessem a gestação logo na primeira consulta. Margarida tinha um problema grave, daqueles que você nunca decora o nome ou descobre a existência até que se engravide. O melhor seria interromper e fazer o tratamento, para dali há algum tempo tentar de novo.

Jorge apenas balançou a cabeça concordando, mas Margarida se negou prontamente. Mesmo após toda a persuasão, a sua resposta continuou a ser não. Seu amor pelo filho já era maior do que qualquer medo ou insegurança, e ela tinha fé que tudo daria certo e o bebê ficaria bem.

O marido a olhou admirado. Ela realmente havia nascido para ser a melhor mãe do mundo. E, quanta ironia, nunca chegou a conhecer a filha. A criança sobreviveu ao parto, mas a sua mãe nunca chegou a ver o seu rosto ou deixou a sala de cirurgia com vida.

E o mundo do terceiro elemento daquela equação chamada família? Deixou de existir naquele preciso momento. Sentado, em choque, repassava o melhor de sua vida em sua cabeça, sem acreditar que havia acabado.

─ Filho? ─ Alberto sentou ao seu lado, segurando o seu ombro ─ Eu sinto muito, meu filho.

─ Ela não pode ter morrido, pai, não pode. ─ soluçou o jovem homem, tremendo ─ Eu não posso viver sem a Margarida, eu não sei viver sem ela.

─ Jorge, você vai precisar ser forte. ─ seu pai o lembrou, angustiado. Conhecia bem o filho e sabia o quão destrutivo ele poderia ser na dor ─ Sua filha precisa de você.

─ Eu não estou nem aí para aquela criança, eu só quero a minha mulher. ─ o loiro se levantou nervoso, praticamente espumando ao falar do bebê que acabara de nascer.

─ Ela é sua filha e eu não vou permitir que fale assim dela. ─ seu pai também se levantou. Vendo que Jorge não iria recuar, resolveu apelar ─ Vai deixar partir aquilo pelo qual a Margarida tanto lutou e deu a vida?

Como esperado, aquilo o desarmou. Jorge caminhou até o vidro espelhado, de onde podia ver o interior da sala de cirurgia. Um lençol cobria a esposa até o pescoço, deixando apenas a sua cabeça de fora. Quem a visse, poderia jurar que ela estava apenas dormindo.

─ Pela Margarida, e só por ela, eu vou cuidar dessa criança, porque era o que ela queria. Mas não espere que eu a ame, pai, ou que eu seja o pai dela. Eu sempre disse que para isso eu não servia, e em momento nenhum eu menti. ─ decretou Jorge, as lágrimas descendo sem vergonha por sua face.

 

~*~

 

─ Jorge, eu to com medo. ─ ela se agarrou ao seu braço, tremendo. Ele também tremia, mas tentava disfarças ─ Não foi assim que eu imaginei as coisas.

─ Eu sei que não, minha linda, mas vai dar tudo certo, você mesma disse isso desde o começo. ─ o marido tentou acalmá-la, acariciando o seu rosto.

A pressão dela estava muito alta, um agravante que se apresentou no final da já complicada gestação. Agora, em uma cesárea às pressas, tudo era muito arriscado.

─ Eu amo tanto vocês dois. ─ sussurrou Margarida, apertando o braço do marido com mais força.

─ E eu amo você mais do que qualquer coisa no mundo, Margarida. Você é o melhor de mim. ─ o homem garantiu, beijando a sua testa.

─ Você vai cuidar dela sempre, não é? Da nossa florzinha? ─ ele sentiu um bloco de gelo no estomago ao ouvir isso, temendo que ela estivesse entregando os pontos.

─ Você vai me ensinar a cuidar dela? ─ ele devolveu a pergunta, de forma a garantir que ela continuaria a lutar.

─ Eu nunca vou abandonar vocês dois, meu loirinho... Vocês são a minha vida. ─ e foi a última coisa que ela disse antes de sua cabeça tombar e o seu aperto perder força. Os monitores começaram a apitar e um par de braços o puxou para longe da esposa antes que ele pudesse sequer raciocinar o que estava acontecendo.

Foi a última vez que a viu ainda com vida.

E aquela lembrança vinha lhe atormentar, como em todas as noites. Cinco anos, 1826 dias, e em cada um deles havia revivido esse momento em sua mente ao entrar no quarto dos dois na hora de dormir. Algo que nunca fazia, é claro.

Garrafas e mais garrafas enfeitando as prateleiras. As roupas dela ainda intocadas no armário, borrifadas periodicamente com o seu perfume para que ele pudesse sempre sentir a sua presença. Na cabeceira do lado dela, tudo da forma como estava naquela manhã: os livros sobre gravidez, o potinho de vitaminas e o copo de florezinhas.

Jorge apanhou uma garrafa e encheu o primeiro copo da noite, se observando no espelho à frente. Há muito havia deixado de ser aquele rapaz bonito e vistoso, cheio de saúde e vitalidade. Sua pele estava transparente de tão branca, havia emagrecido quase metade de seu peso e o rosto estava vincando por olheiras e marcas de tristeza e dor.

Todas as noites bebia sem parar, chorando e se lamentando. Bebia até vomitar, até despencar, até perder a consciência, esperando se aquele seria o dia em que Deus atenderia as suas preces e o levaria para junto de sua Margarida.

Mas isso nunca acontecia. Ele sempre despertava no outro dia, um pouco mais afundado na lama e na desgraça, tendo como castigo mais um dia de vida pela frente e uma única expressão em sua cabeça.

Negócios inacabados.

Então ia para o trabalho, se matava por mais de oito horas seguidas, tentava deixar tudo resolvido e ia para casa, recomeçar o seu mártir. Mas no outro dia, o resultado era sempre o mesmo.

Os pais e os amigos tentaram de tudo para ajudá-lo, levantá-lo e fazer Jorge ver que ainda havia uma vida para se viver, mas só se pode ajudar quem quer ser ajudado. Ele nunca tinha aceitado um não ou que lhe tirassem o que queria, e agora a vida tinha tirado o seu bem mais precioso, seu amor maior, a única coisa sem a qual, ele jurava, não podia viver.

E nada que ninguém fizesse poderia mudar isso.

 

~*~

 

─Lírio? Margarida, a nossa filha vai ser zoada por toda a escola. Por que não Lilian? Significa Lírio. ─ Jorge tentou persuadir a esposa, que estava na banheira acariciando a barriga distraidamente.

─ Minha mãe se chama Rosa, eu me chamo Margarida, e a nossa filha vai ter nome de flor também. E eu gosto de Lírio... É a flor que nasce e permanece pura em meio a toda a podridão do lodo à sua volta, assim como eu quero que a nossa florzinha seja. ─ ela finalizou o assunto, se divertindo com os chutinhos em concordância.

Mas ele não respeitou o seu desejo. Ele nomeou a criança de Lilian Garcia Cavalieri, e essa foi a sua única atitude como pai, ou ao menos responsável por aquela criança. Depois disso, nem os olhos quis colocar nela.

A pequena Lilian cresceu sendo chamada de Lírio por todos à sua volta, e sendo criada pelo amor de seu avô Alberto, sua avó Rosana e sua avó Rosa. Suas tias Maria Joaquina, Marcelina e Alicia sempre a visitavam e a levavam para passear, e quem cuidava dela era Joana, que havia cuidado bem de sua tia Majo e agora dedicava todo o seu tempo para a sua florzinha.

Era uma criança doce, amável, de grande coração e pureza infinita. Era uma miniatura da mãe que nunca havia conhecido mas de quem sempre ouvia falar. Só os olhos que havia herdado do pai, como via nas fotos pela casa. Porque o pai, em pessoa, só via de longe. Ele nunca lhe dirigira uma palavra, e ela não entendia porquê.

A vovó Rosa dizia que a sua mamãe agora morava no céu com os anjinhos, e quando a via nas fotos pensava que ela realmente parecia um deles. O papai também era muito bonito e sorridente nas fotos com a mamãe, mas quando andava pela casa parecia um fantasma, sempre com o rosto fechado.

Pensava se algum dia o veria sorrir pessoalmente.

 

~*~

 

Aquela sexta-feira estava conseguindo ser a pior que ele já havia enfrentado. Geralmente, era um dia de paz, considerando que os seus pais ou a mãe de Margarida teriam levado a menina dali mais cedo para só trazê-la de volta no domingo à noite, dando a Jorge um pouco de tranquilidade daquele olhar pidão que tanto o irritava.

Ela pedia que ele lhe desse amor de pai, após ter arrancado o amor de sua vida dele.

Mas aquele dia era diferente, pois o dia seguinte era diferente também. No sábado, Lilian completaria o seu quinto aniversário. E Jorge prantearia mais um ano sem a sua Margarida.

Nos anos anteriores, ela sumiu de casa dias antes e Jorge sumiu pelo mundo por quase uma semana. Os avós sempre cuidaram da comemoração de seu aniversário com muito carinho e afinco, até mesmo Rosa, mas para o pai de coração ranzinza não havia nada o que se comemorar naquele dia maldito.

Porém, para aquele ano, a garota pediu uma festinha em sua casa, disse que queria passar o dia todo lá, com Joana e os seus brinquedos e os avós e todos que amava. E após uma grande discussão com o próprio pai, Jorge aquiesceu e concordou, mas avisou que não estaria lá para ver o que fariam.

Seus planos eram de sumir durante a semana, mas compromissos de trabalho o impediram de fazê-lo. Então, na sexta, chegou e foi direto para o seu quarto, disposto a se embebedar mais do que o usual e sumir logo cedo no dia seguinte.

Não soube precisar o momento exato, mas em determinado ponto da noite começou a quebrar coisas em seu quarto. Primeiro um abajur, depois um espelho. Afogou os livros de gravidez da esposa na privada e quebrou o seu vidro de perfume, impregnando o cheiro por todo o cômodo.

Em algum momento durante tudo isso, perdeu a consciência caído próximo a janela. A chuva chegou e o ensopou pela fresta aberta, e quanto ele tornou a abrir os olhos, acreditou ter chegado ao paraíso.

Pois anjos só existem por lá, e o que via à sua frente era um anjo.

─ Margarida? ─ perguntou com a voz entrecortada, observando o olhar triste que ela lhe dirigia.

─ Por que, Jorge? Por quê? ─ perguntou ela, a voz decepcionada.

─ Eu não sei viver sem você, meu amor. Eu não posso viver sem você. ─ ele chorou como um bebê, estendendo a mão para tocá-la. Ela a segurou e o calor o envolveu, trazendo alegria ─ Você é tudo para mim, sempre foi.

─ Mas eu te deixei um pedacinho meu, para te amar e cuidar de você.

─ Eu não quero aquela menina, eu só quero você. Inteira, viva, do meu lado. Ela não é um pedaço seu.

─ É sim, meu amor. Ela é um pedaço meu, um pedaço seu, a materialização do nosso amor e do quão bonito ele foi. Ela é o lírio no lodo, Jorge, você não percebe isso? Ela é a beleza que brotou em meio a dor e a tristeza, o pontinho de luz que iluminou as trevas para todos... Menos para o papai ranzinza que insiste em se afundar na dor. ─ Margarida acariciou os cabelos desalinhados dele ─ Ela precisa de você, meu amor. E você precisa dela.

─ Por favor, Marga, me leva com você para onde quer que for. ─ ele implorou e ela se deitou ao seu lado, o abraçando.

─ Eu vou sempre estar com você, meu loirinho. Mas você ainda tem negócios inacabados a resolver. Eu resolvi todos os meus, falta você resolver os seus. ─ Margarida sussurrou contra o peito dele, fazendo o calor se espalhar pelo local há tanto tempo ressecado pelo gelo.

─ E quais são, minha flor? O que eu preciso fazer para estar com você?

─ Sair da escuridão, Jorge, e encontrar a luz.

 

~*~

 

Quando acordou novamente, estava deitado em sua cama, bem coberto e seco. Alguns panos estavam perto da janela, úmidos, e um saco de lixo estava cheio ali perto. Observou a sua mão e viu que estava cheia de curativos, encobrindo os machucados causados pelos socos no espelho.

Olhou o relógio na cabeceira e constatou: era dia 13 de maio, o dia que tanto temia e odiava. Sentou na cama, sentindo o corpo todo dolorido, e suspirou. O sonho da noite passada havia sido o seu melhor e menos doloroso em anos, e parecera tão real que por um segundo jurou ter visto o rosto de Margarida bem ali, na sua frente, acariciando a sua face.

Foi até o banheiro e encontrou uma aspirina. Engoliu com um gole de água da pia e começou a remexer os armários, em busca de algo que não sabia ao certo o que era. Nas gavetas, encontrou algo que havia esquecido há muito tempo. As polaroides que ele e Margarida tiravam a cada mês que se completava da gestação. A última, que estava por cima, trazia algo escrito. Estava um pouco manchado pelo bolor causado pela umidade, mas ele ainda podia ler.

─ Para o papai, com todo o nosso amor. Das suas flores <3 ─ ele leu, sentando na privada e recomeçando a chorar.

Saia da escuridão e encontre a luz, ela disse. Bom, Jorge sabia afinal qual era o seu assunto inacabado.

 

~*~

 

Lilian estava cercada de presentes. Cupcakes, bolos, pães, geleias e Nutella preenchiam a mesa, além dos sucos favoritos da pequena criança, que era paparicada por seus três avós.

Rosa, bastante emocionada, agradecia a oportunidade de ter tanta luz e amor em um dia que deveria ser de profundo luto e dor pela perda de sua garotinha. Mas Deus havia sido tão bom que, ao lhe tirar Margarida, lhe deixara um lírio de puro amor.

─ E então, Lírio, gostando do seu aniversário? ─ perguntou a vovó Rosana, acariciando a cabecinha da criança. Era impressionante como a netinha havia mudado o seu coração tão azedo e amargurado.

─ É o melhor da minha vida, vovó. ─ garantiu a criança, sorrindo animada ─ E ainda vai melhorar.

A verdade é que adorava as festas que os avós organizavam em buffets cheios de brinquedos, mas tinha um plano para aquele dia. Seu papai nunca ia nas festas, porque ele pouco saia de casa. Então, nada mais lógico do que fazer a festa em casa, certo?

Tinha tido essa ideia no aniversário de Paulinho, seu melhor amigo, alguns meses antes. Como a sua irmãzinha estava muito pequenininha, a tia Alicia e o tio Paulo fizeram uma festinha em casa para ele, e o tio Paulo tinha segurado ele no colo na hora do “parabéns”.

Se fizesse a sua festinha em casa, talvez o papai fizesse isso também.

Enquanto comiam na sala e abriam os presentes, ouviram passos na escada. Todos ficaram em silêncio observando Jorge descer os degraus, a aparência um pouco melhor do que estavam habituados a ver.

─ Bom dia. ─ ele cumprimentou, com a voz rouca. Estava um tanto envergonhado, pensando quem deles teria ido ao seu quarto na noite anterior e o socorrido.

─ Bom dia, meu filho. ─ cumprimentou Alberto, surpreso ao vê-lo ali.

─ Bom dia, papai. ─ Lírio saudou do chão, meio insegura.

─ Bom dia, Lilian. ─ ele era a única pessoa que a chamava assim.

─ O senhor sabe que dia é hoje? ─ perguntou ela, ansiosa.

Ele a encarou por um momento, no qual os seus pais e a sogra temeram pelo o que ele iria responder. Por fim, ele caminhou alguns passos e parou em frente a filha, se abaixando até ficar da sua altura.

─ Hoje é seu aniversário. ─ ele disse, sério. A pequena assentiu com a cabeça, um sorrisinho no rosto. O pai estendeu a mão, que ela segurou ─ Parabéns.

A garotinha não agradeceu, não por falta de modos, mas por excesso de emoção. Se atirou contra Jorge, o fazendo cair sentado, e o abraçou apertado. Ele hesitou por alguns segundos, antes de a abraçar de volta. De onde estavam ali do lado, os mais velhos observavam a cena em um misto de choque e deslumbramento.

─ É a primeira vez que o senhor me dá parabéns. ─ contou a baixinha, animada, assim que se soltou do pai.

─ É, eu sei. ─ ele sorriu, um pouco inseguro ─ Hã, que horas é a sua festa?

─ Às 17h, não é vovó? ─ ela perguntou para Rosana, que confirmou.

─ Dá tempo de você ir em um lugar comigo antes? ─ o pai perguntou recebendo um aceno afirmativo instantâneo, enquanto os avós se entreolhavam preocupados.

 

~*~

 

Havia pegado o carro de seu pai emprestado por causa da cadeirinha que Lírio precisava para se sentar. Ele não a tinha, e era muito trabalhoso trocá-la de veículo.

A menininha ia no banco traseiro, em silêncio, admirando todo o caminho pelo qual passavam. No volante, Jorge batucava os dedos de modo nervoso, sem saber ao certo como se portar. Fazia tantos anos que cortava volta da filha e evitava lhe dirigir sequer um olhar, que agora estar em sua presença era desconcertante.

─ Papai, o seu dedo está melhor? ─ perguntou a criança, após um tempo. Ele encarou os curativos, surpreso.

─ Estão sim, Lilian, obrigado por perguntar. ─ ele respondeu, incerto.

─ A Joana que limpou a bagunça no quarto, mas eu fiz o curativo no seu dedo. Usei quase uma caixa inteira de band-aids, tinha muitos cortinhos. ─ ela explicou, séria.

─ Você que cuidou da minha mão? ─ ele perguntou surpreso.

─ É, eu ouvi o barulho no seu quarto. Aí eu entrei e você estava chorando e tomando chuva, e a vovó disse que isso faz mal. Então eu chamei a Joana e ela fechou a janela. Aí eu te chamei e você foi para a cama. Acho que você é um zumbi, papai, porque estava andando e dormindo. Eu peguei o secador e te sequei inteirinho enquanto a Joana cuidava do quarto. Depois, peguei os band-aids e coloquei nos seus dodóis, que nem o vovô faz comigo. E você dormiu que nem um anjinho. ─ ela contou de forma distraída, a atenção ainda perdida pela janela.

─ Bom... Muito obrigado por isso, Lilian. ─ Jorge agradeceu, emocionado e desconcertado.

─ Só você me chama assim. ─ ela comentou, rindo ─ Você sabia que a mamãe queria que eu me chamasse Lírio? Eu gosto de Lírio.

─ Sabia sim. ─ o pai concordou, apertando o volante com força e fazendo a curva ─ Chegamos.

─ Que lugar é esse, papai?

─ É o cemitério, Lilian. Viemos visitar uma pessoa importante.

Ele a segurou pela mão e a guiou por todo o caminho já conhecido, percorrido por ele todos os sábados, finados, aniversários de casamento, e principalmente, naquele mesmo dia todos os anos.

Pararam em frente a lápide e Lírio a analisou em silêncio.

─ É a mamãe essa da foto, não é? ─ ela perguntou, apontando o pequeno retrato no mármore.

─ É sim, Lilian. O que você sabe sobre ela?

─ Eu sei que, quando eu nasci, o Papai do Céu chamou ela para morar lá com Ele. E ela foi, muito triste e muito feliz. Triste porque ia ficar longe da gente, feliz porque ia ficar com o Papai do Céu. E que, de onde ela está, ela sempre olha por mim, por você, pela vovó, pela tia Alicia, pela tia Majo, pela tia Marce... ─ a pequena contou, observando a data escrita ─ É o dia do meu aniversário, olha.

─ É sim. ─ Jorge abaixou ao lado dela, indicando as inscrições ─ Aqui está Margarida Garcia Cavalieri, e esse aqui é o dia que ela nasceu. E esse, o seu aniversário, é o dia em que ela foi morar com o Papai do Céu.

─ Por isso você está sempre triste e bravo, papai? Por que você sente saudade da mamãe? ─ perguntou a perspectiva garotinha.

─ Sua mãe foi a melhor pessoa que eu conheci na vida, Lilian, o meu grande amor. Eu nunca amei e nem vou amar alguém como eu amei a Margarida, de uma forma tão irracional e arrebatadora que eu não sei nem explicar. Ela sempre mexeu comigo de alguma forma, e quando eu deixei o meu orgulho e preconceito de lado, encontrei a pessoa mais perfeita do mundo, e para a minha sorte, ela me amava tanto quanto eu a amava. ─ ele contou, começando a chorar.

─ E por que o Papai do Céu levou ela então? ─ perguntou a criança, secando as suas lágrimas com carinho.

─ Porque ela era um anjo, e o lugar dos anjos é no Céu. ─ Jorge sorriu, segurando a mãozinha entre as suas ─ Eu e a sua mãe nos amamos muito, de forma muito intensa. E você é o resultado disso, Lilian. É o fruto desse amor tão bonito que tivemos.

─ Mas você não me ama? Porque você está sempre longe. ─ o desabafo era esperado, mas não deixou de ser difícil de lidar.

─ Você ainda é muito pequena para entender como é complicado o mundo dos adultos, Lilian. Eu fiquei destruído para todo o mundo depois que a sua mãe partiu, não só para você. E não é fácil para mim te olhar, Lilian, não é nenhum pouco fácil. Lembrar todos os planos que eu e a sua mãe tínhamos, os nossos sonhos, e como não pudemos realizá-los. E você é tão parecida com ela, tão parecida. Se não fossem os olhos azuis, você poderia ser ela. ─ ele desabafou, as lágrimas caindo sem dó.

─ Desculpa, papai.

─ Pelo o que, Lilian?

─ O Papai do Céu chamou a mamãe porque eu nasci. Se eu não tivesse nascido, ela ainda estaria aqui com você e você seria feliz.

─ Não, eu não seria. ─ ele garantiu, acariciando o rostinho dela ─ Porque a sua mãe não seria feliz. Não existia nada no mundo que ela quisesse mais do que você, Lírio, e a vida dela nunca seria feliz sem você.

─ Você me chamou de Lírio. ─ ela riu baixinho, arrancando um sorriso dele.

─ Que tal nos sentarmos aqui um pouco e eu te contar mais sobre a sua mãe, Lírio? ─ ele perguntou, se ajeitando melhor na grama e vendo a filha fazer o mesmo ─ A sua mãe descobriu que estava grávida em uma noite quente de setembro. Ela fez um teste e deu positivo, e ela começou a pular pelo quarto como se fosse uma louca...

 

~*~

 

Chegaram em casa bem em cima da hora. Se os mais velhos se preocuparam ou estranharam, não demonstraram. Apenas sorriram ao ver Jorge entrar com a filha no colo.

Ele pediu que Joana a arrumasse enquanto ele se trocava, para que pudessem receber os convidados. Foi ao seu quarto e se banhou, colocando a roupa mais informal que conseguiu encontrar no guarda-roupa.

Rumou para o quarto da filha com um presente improvisado em mãos. Parou na porta, admirando o local. Estava do jeitinho que ele e Margarida haviam montado anos antes, uma exigência dela de que fizessem tudo, de pintar a colocar o papel de parede. A única diferença era que o berço colonial havia sido trocado por uma cama branca de dossel.

─ Papai? Eu estou bonita? ─ Lírio chamou a sua atenção, fazendo-o sorrir e se aproximar.

─ Está linda, florzinha. Eu... Eu tenho um presente para você. ─ ele estendeu a foto velha para ela, vendo seus olhinhos brilharem.

─ Sou eu aqui? Na barriga da mamãe? ─ ela perguntou, animada.

─ É sim, foi alguns dias antes de você nascer. Sabe o que está escrito? ─ ela negou ─ Para o papai, com todo o nosso amor. Das suas flores <3. Não tem nenhuma foto sua com a sua mãe, mas essa pode quebrar um galho.

─ Eu adorei. Obrigada, papai. ─ ela o abraçou, correndo até a mesinha ao lado de sua cama e encaixando a foto em um porta-retratos. Jorge o reconheceu como sendo da sala, uma de suas fotos favoritas com Margarida no dia do casamento ─ Eu peguei para pôr aqui. O senhor não ficou bravo, não é?

─ Claro que não, Lírio. ─ ele prometeu, sorrindo emocionado ─ Essa é uma foto linda.

─ É sim, muito bonita. Você e a mamãe estavam lindos. E agora, tem eu e a mamãe. ─ ela apontou, animada ─ Tem alguma foto minha com você, papai?

─ Ainda não, florzinha, mas podemos tirar hoje se você quiser. ─ ele ofereceu, recebendo um aceno afirmativo ─ Vamos descer? Acho que os seus amiguinhos já estão chegando.

Lá embaixo, as famílias de Paulo e Alicia, Marcelina e Mário, Maria Joaquina e Cirilo já haviam chegado. Os adultos conversavam com Alberto, enquanto as crianças eram recepcionadas pelas avós da aniversariante.

Ao verem pai e filha descendo, todos os encararam por um tempo, um pequeno sorriso brotando no rosto dos mais velho.

Logo Lírio era abraçada e cumprimentada por todos, feliz até dizer chega. Os convidados continuavam a chegar e, para o seu alívio, ninguém parecia interessado em falar no aparecimento repentino de Jorge. Sabia que isso ainda viria, mas aquele não era o momento.

A festa foi maravilhosa, repleta de alegria e diversão, afastando Jorge de todos os sentimentos horríveis que o acompanhavam habitualmente e que se intensificavam nesse dia. Foi só amor, amor e mais amor.

Na hora de cantar “parabéns”, Lírio correu até ele, pedindo se ele poderia segurá-la. O pai concordou sem hesitar, a tomando nos braços e caminhando até o bolo.

Ninguém os acompanhou, sentindo que aquele era um momento só dos dois. Cantaram com a garotinha enroscada ao pescoço do pai, os dois sorrindo de forma terna um para o outro.

Se fechasse os olhos, Jorge podia sentir Margarida ali com eles, os braços ao redor de sua cintura cantando animada. Se os abrisse, poderia ver o seu desejo realizado no sorriso de sua filha.

Havia descoberto afinal qual era o seu negócio inacabado e agora aceitava que ele duraria por muito tempo ainda. Sua missão era cuidar bem daquele lírio de amor que havia nascido em meio ao lodo de dor e tristeza. Ele dedicaria a sua vida para fazer sua filha feliz, até que Deus e Margarida considerassem a sua missão cumprida e a morte viesse abraçá-lo de bom grado, para levá-lo uma vez mais para junto de seu grande amor.


Notas Finais


Sim, eu estou em uma vibe MUITO bad, está se aproximando o aniversário de morte de uma pessoa muito querida e isso me afeta. Então eu estou ouvindo música triste, e as fics estão saindo triste. Paciência.
Todo mundo gostou tanto de Jorgerida que eu quis fazer uma oneshot deles. Só que saiu meio... Depre? Achei linda, mas depre HAHAHAHA
Enfim, se tiverem outras músicas (alegres) para uma oneshot, podem enviar! Vai que surge algo bom, né?
Espero que tenham gostado e um grande beijo! ;*


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