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História Unfinished business - Finally.


Escrita por: Believe8

Capítulo 2 - Finally.


Não se passou um dia sem que ele sentisse a falta dela; de seu cheiro, seu sorriso, sua voz, seu toque. Mas a partir do momento em que ele se permitiu tirar o gelo de seu coração e ter o peito novamente aquecido pelo amor de seu Lírio, a dor ficou mais fácil de administrar.

Desde o dia do 5º aniversário de vida de Lírio e de morte de Margarida, Jorge Cavalieri passou a dedicar cada uma das batidas de seu coração, respirações de seu pulmão e piscar de seus olhos à filha e a fazê-la feliz.

A ensinou a andar de bicicleta, cuidou de seus ralados no joelho, compareceu as apresentações de escola. A ajudou com tabuada, equação e frações, explicou as regras de gramática e ortografia, relembrou física, química e biologia. Pagou o melhor dos colégios para ela, mas não se importou de mudá-la para um mais “simples” para atender sua vontade e deixar que ela ficasse perto dos amiguinhos.

E por mais que seus aniversários fossem difíceis e dolorosos, Jorge celebrou e se alegrou em cada um deles. Com muita força, encontrava a voz de Margarida dentro de seu coração lhe lembrando que precisava encontrar a luz e concluir seus negócios inacabados, e isso implicava em não se deixar afundar, mesmo em um dia como aquele.

Viu a filha dar seu primeiro beijo durante sua mega-festa de 15 anos, em Paulinho Guerra, seu melhor amigo de uma vida inteira. Teve sua primeira briga realmente feia com ela no dia seguinte, quando tentou lhe dar um sermão e proibi-la de namorar. Alguns meses depois, viu o coração dela se partir pela primeira vez, quando o garoto se formou no colegial e mudou de estado para fazer faculdade, deixando a namoradinha para trás.

A verdade é que não foi fácil criar Lírio sozinho, não se deixar afundar, sucumbir à escuridão, ensinar tudo o que a filha precisava aprender e ser um bom pai. Ele não brincava quando dizia para Margarida que não tinha vocação para esse papel, mas ela também não mentia quando assegurava que o amor que ele sentiria pela florzinha dos dois o ensinaria tudo o que ele precisava saber.

~*~

“Lírio Garcia Cavalieri, você não ouse me dar as costas.” Jorge gritou e reprendeu a filha, rebelde com seus 15 anos recém-completos. “Eu estou falando com você!”

“Ah, me erra!” Rebateu a adolescente, subindo as escadas de forma dura. “Para de ciúme irracional, você nem se importa!”

“Do que você está falando?” Questionou o loiro de meia idade, irritado.

“Você nunca me quis, nunca me amou, não liga para mim! Só cuida de mim porque tem esperança que a mamãe venha do céu te buscar para ficar com ela se você fizer um bom trabalho.” A adolescente explodiu todo o seu ressentimento na cara do pai, que baqueou. “Pai, me desculpa, eu...”

“Sabe qual era a minha vontade ontem, Lilian?” Ele só a chamava pelo nome de batismo quando estava com raiva. “Passar o dia bebendo, sentado em frente ao túmulo da sua mãe... Chorar e sofrer por mais um ano sem ela, mais 365 dias sem ter o amor da minha vida ao meu lado. Mas eu escolhi não fazer isso! Escolhi celebrar sua vida, a luz que você trouxe para as nossas vidas em meio a escuridão da morte da sua mãe. Ela escolheu morrer para que você pudesse viver, e em honra a escolha dela, eu faço o meu melhor todos os dias.”

“E por mim, pai? Você faz alguma coisa por mim? Você por acaso me ama? Ou simplesmente está aqui ainda porque eu sou o que restou da sua Margarida, e sou o que te resta?” Os olhos azuis da menina se encheram de lágrimas, um reflexo do que acontecia com as orbes claras do homem loiro.

“Se eu não te amasse, Lírio, eu teria ido embora há muito tempo, não importando o que eu senti pela sua mãe e nem nada assim. Se eu ainda estou aqui, se eu tenho feto tudo o que faço, é porque eu te amo, minha filha, e realmente quero ser o melhor que eu puder para você.”

Ele nunca havia sido uma pessoa fácil, logo não esperava isso da filha. Por mais doce e gentil que ela fosse, seu gênio ainda era difícil de controlar, especialmente em momentos de raiva e dor. Não foi apenas essa vez que se desentenderam e jogaram barbáries um na cara do outro, isso na verdade se tornou bastante comum na adolescência da menina.

Mas aprenderam a passar por isso. Descobriram a maravilha do perdão e do arrependimento, da compreensão e da moderação. Jorge aprendeu a respirar profundamente e tentar entender, e Lírio se esforçou para ouvir o que o pai tinha a dizer e entender o quão difícil era para ele fazer papel de pai e mãe, e lhe ensinar tudo o que ela precisava saber.

Construíram uma relação só deles, de uma forma que fosse benéfica para os dois. A menina sabia que poderia contar qualquer coisa para ele, da forma correta, e Jorge sempre fazia o possível para que suas reações não fossem explosivas ou desagradáveis. Apesar dos esforços, ele nunca conseguiu agir da mesma forma que os amigos para com seus filhos, mas Lírio nunca duvidou realmente, em momento algum, do amor que ele tinha por ela.

~*~

“Canadá, Lírio? Tem certeza disso?” Jorge analisava as propostas que a filha tinha acabado de entregar, compenetrado.

“Tenho, pai, tenho sim.” Confirmou a menina. “Você sabe que eu adoro Toronto, é meu lugar favorito desde a primeira que o visitamos, quando eu tinha sete anos. Essa chance de intercâmbio é tudo o que eu queria.”

“Eu não sabia que você queria tanto deixar o Brasil.”

“Não é o Brasil em si, pai, é tudo o que aconteceu aqui. Você sabe, tem o mesmo sentimento que eu.” Ele não podia negar. “Eu te amo muito, e sei que você me ama também, mas... Vivemos engessados. Eu nunca nos senti tão vivos, tão pai e filha do que quando estamos longe de São Paulo, longe dessa casa... Longe um do outro! Você olha para mim e vê a mamãe; eu olho para você e sinto a tristeza por ter tirado ela de você. Talvez eu me mudar, construir minha vida em outro lugar, vá ser bom para nós dois. E talvez você seguir em frente vá ser bom para você também.”

Hoje , Jorge já tinha 65 anos. Lírio tinha 37 e ainda vivia em Toronto, com o marido e dois filhos. Vinha visitar o pai ao menos duas vezes no ano, durante as férias escolares dos filhos, mas se falavam todos os dias, sem falta. O outrora loiro era apaixonado pelos dois netos, e eles eram loucos pelo avô brasileiro e adoravam quando ele ia visitá-los, sem prazo para voltar para casa. Agora que já estava aposentado, o homem havia entregado sua vida e seu tempo para a família.

A neta mais velha, Daisy, era seu grande xodó. O nome da primogênita de Lírio era a versão inglesa do nome da mãe que ela não havia conhecido, mas que havia dado sua vida pela dela. A menina era idêntica a mãe e a avó de quem herdara o nome, e gostava de abraçar o avô bem apertado, lhe dizendo que o amava muito.

Já Nick, o caçula, gostava que o avô lhe ensinasse tudo. Desde andar de bicicleta até escrever em letra manuscrita, tudo ele queria que fosse explicado pelo homem mais velho, mesmo que por Skype. Ele e Daisy preenchiam todos os buraquinhos que havia no coração do avô, mesmo que eles ainda não tivessem conhecimento de tais buracos.

“Vovô?” Apesar de criados como canadenses, os dois dominavam muito bem a língua portuguesa. “Por que você não tem uma esposa?”

“Eu tenho uma esposa, Nick, a avó de vocês.”

“Mas a mamãe disse que a vovó Margarida está no céu.” Lembrou Daisy, sentada com eles na praça enquanto tomavam sorvete.

“Sim, está... Mas mesmo assim, ela é minha esposa. Eu amo a avó de vocês hoje da mesma forma que eu amava aos 17 anos, quando começamos a namorar. Há quase 50 anos eu entreguei meu coração para ela, e quando ela morreu, o levou junto para o céu.” Contou o homem, com um sorriso saudoso.

“E não ficou nenhum pedacinho aqui?”

“Ficou, Nick... A sua mãe. Antes de partir e levar meu coração, a vovó Margarida deixou um pedacinho dela e de mim na sua mãe. E então ela fez crescer um coração novo dentro de mim, e esse coração é inteirinho dela e de vocês dois.” Garantiu o avô, vendo os netos sorrirem.

“Você acha que a vovó está guardando seu coração lá no céu, vovô?” Questionou Daisy.

“Tenho certeza, querida. Um dia, quando eu tiver feito tudo o que eu preciso aqui nesse mundo, sua avó vai vir e me devolver meu coração, e me levar para junto dela. E esse coração que bate aqui agora, que é de vocês dois e da sua mãe, vai ficar aqui para vocês.”

“Como um coração pode ficar, vovô?”

“Ele não está falando para valer, Nick.” Daisy revirou os olhos para o irmãozinho. “Ele quer dizer que o amor dele vai ficar aqui com a gente, assim como o da vovó ficou com ele e a mamãe, quando ela morreu.”

~*~

Lírio encarava o pai, atenta. Apesar de mais novo que seus sogros, Jorge estava bem mais acabado que eles. Todo o sofrimento, amargura e bebedeira de seus primeiros cinco anos de vida agora cobravam um preço, envelhecendo o homem mais depressa.

 “Deixa eu te ajudar.” A mulher entrou no quarto, indo pegar as cobertas que ele tentava estender sobre a cama.

“Obrigado, florzinha.”

“Adoro quando você me chama assim.” Confessou ela, ajeitando a cama. “Me faz sentir criança de novo.”

“Eu sei, você adorava.” O mais velho sorriu. “Mania da sua mãe, você sabe... Ela tinha uma problema muito sério com flores.”

“O nome Lírio está aqui para provar isso.”

“Eu tentei que fosse Lilian, Deus sabe bem.”

“Não ligo, eu gosto de Lírio.” A filha segurou sua mão, sentando ao seu lado na cama. “Obrigada.”

“Pelo o quê, filha?”

“Por tudo, pai... Eu sei que não foi fácil. Perder a mamãe da forma que você perdeu, ter que conviver comigo e com toda a dor que isso trazia. Vencer seus demônios e ser pai e mãe para mim, mesmo com meus chiliques e birras conforme eu crescia. Ter me deixado partir, abrir mão de mim, sendo que eu fui o que sobrou da mamãe.”

“Lírio, pare, por favor.” Jorge segurou o rosto da filha com carinho. “Como eu te disse uma vez, nunca houve nada que sua mãe quis mais do que você, minha filha. Ela lutou com cada célula do corpo dela, cada pouquinho de força, para que você viesse a esse mundo e fosse feliz, da forma que quisesse. Minha missão nada mais é do que velar por você e sua felicidade, te ajudar a conquistar o que você quiser e precisar. Eu te peço desculpas se às vezes fui distante, um pai um pouco frio até.”

“Você é o melhor pai de todos, e o melhor avô também. Me criou, deu carinho, força e coragem quando precisei.” Lírio o abraçou com força, emocionada. “Eu queria que nossa vida pudesse ter sido diferente, que a mamãe tivesse ficado com a gente. Mas eu amei tudo o que vivemos, lutamos e conquistamos.”

“Eu também, florzinha, eu também.” Jorge beijou sua testa com carinho. “Te amo, meu lírio no lodo.”

“Também te amo, meu coração ranzinza. Demais.”

~*~

Durante aquela noite, nevou. Jorge acordou suando, apesar disso, pois seu corpo estava quente. Ao acordar, piscou os olhos e jurou que o calor era o céu.

Pois o anjo que estava à sua frente pertencia ao céu, e para o estar vendo, queria dizer que estava lá.

“Senti sua falta, minha caipirinha.” Disse com a voz rouca.

“Eu também, loirinho... A cada segundo desses anos todos.” Margarida deu um sorriso enorme, do jeito que ele tanto amava. “Está na hora, Jorge.”

“Está?”

“Está... Seu último negócio inacabado se resolveu, meu amor. Você se perdoou, e a Lírio se perdoou. Acima de tudo, vocês perdoaram um ao outro. Agora nossa filha vai poder seguir realmente em paz com sua vida, sabendo que você não a culpa de nada. E nós vamos afinal poder seguir nosso caminho... Juntos.” A morena acariciou o rosto do homem, colocando a mão em seu peito. “Isso é seu.”

“Não, Margarida, ele sempre foi seu.” Jorge sorriu ao sentir seu peito aquecer. “Você é meu coração, e eu só o tenho no peito quando estou com você.”

“Nós não vamos mais nos separar, meu amor, eu prometo.” Ela levantou, lhe estendendo a mão. “Vamos?”

Ele se levantou da cama, deixando aquele corpo velho e sofrido para trás. Se ergueu como o moço jovem e cheio de vitalidade que era quando a abraçou pela última vez, afinal completo depois de quase quarenta anos quebrado e com dor.

Os dois entrelaçaram seus dedos e sorriram um para o outro. Deixaram o quarto e caminharam pelo corredor da casa, passando pela sala. Ali, enrolada em cobertas, vendo um álbum de foto antigas, Lírio ria e chorava.

Jorge e Margarida se aproximaram da filha, mesmo sabendo que ela não poderia vê-los, apenas sentir seu calor e amor em seu coração.

“Você foi meu maior sonho, meu lírio... Minha missão foi te trazer ao mundo, meu desafio foi ter que escolher partir e te deixar aqui. Mas eu te acompanhei em cada passo do teu caminho até aqui, e agora sei que vai conseguir seguir sem medo.” Sussurrou a mãe, acariciando seu rosto.

“Você foi meu negócio inacabado, Lírio, minha maior lição. Obrigado pela sua paciência, filha. Seja feliz.” Desejou o pai, beijando o topo de sua cabeça.

Apesar de não ver, Lírio pôde sentir o toque suave em seu rosto e o calor gostoso no topo de sua cabeça. Uma lágrima escorreu e pingou na foto aberta em seu colo, na qual se viam os pais abraçados e a grande barriga que a abrigava, talvez o único registro que havia dos três.

E então, Jorge e Margarida afinal puderam seguir em frente, além, para o que quer que os esperasse. Seguiram juntos e de mãos dadas para a luz da eternidade, onde ficariam juntos para sempre, agora que nenhum dos dois mais tinha negócios inacabados e podiam afinal estar em paz.


Notas Finais


Tem exato um ano que escrevi a primeira parte dessa fic, só demorei um dia a mais para postar. Em alguns dias, se completam três anos que minha sobrinha chegou a esse mundo, e logo em seguida já voltou a assumir seu lugar de anjinho no céu. Essa é talvez a época mais foda do ano para mim, e isso acaba refletido nas histórias. Porém, esse ano está sendo um pouco mais iluminado, e por isso, decidi que essa história merecia um final feliz; pelo menos, tão feliz quanto possível.
Espero que tenham gostado desse pequeno bônus e de saber que o Jorge conseguiu. Espero que todos nós consigamos, e um dia encontremos aqueles que amamos no que quer que venha a seguir.
Beijos cheios de luz, gente!


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