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História Unforgettable - Capítulo Único


Escrita por: LuPetris

Notas do Autor


Olá amores! Como estão?
Essa One nasceu numa noite de insônia e ficou me atormentando até que enfim consegui terminá-la, rs.
E cá está ela. It's alive!

Sobre a história acho importante avisar que ela é atemporal e nela Rose e Dimitri tem idades aproximadas.

Apesar da música que dá título à fic, se gostarem de ouvir algo enquanto leem, recomendo também a música "You There" da banda Aquilo. Foi ouvindo ela que me veio a inspiração para essa one e acho que se encaixa perfeitamente com seu início. A música tema também pode ser ouvida, mas ela terá um momento exato que vocês verão ;)
Espero que gostem!

Boa leitura!

Capítulo 1 - Capítulo Único


Fanfic / Fanfiction Unforgettable - Capítulo Único

Rose correu para fora da casa levando a aliança apertada na palma de sua mão até que chegou aos pés da macieira e se deixou cair ali junto com as lágrimas que se acumulavam em seus olhos.

Quando o oficial chegara à casa de sua sogra e colocara sobre a mesa a dogtag¹ de Dimitri ainda assim não acreditou no que dizia. Ele podia tê-la perdido em algum confronto. O corpo que estava naquele necrotério devia ser de outra pessoa. Porém, quando o homem lhe entregou a aliança de casamento, a realidade enfim a atingiu. Dimitri jamais a perderia.

Saiu o mais rapidamente que pôde da cozinha antes que o oficial pudesse dizer mais alguma coisa. Deixaria que Olena e Viktoria ouvissem o resto da história.

Não queria saber como aquela aliança fora encontrada junto ao corpo de seu marido dentro do que restou de uma casa bombardeada. Não queria imaginar aquela cena. Queria lembrar do seu Dimitri como o homem lindo e vivo que era. O homem que a amara desde o dia em que se conheceram, que lhe roubara beijos nos estábulos de seu pai, que lhe pedira em casamento embaixo daquela mesma macieira onde se conheceram e lhe recebera no altar com o sorriso mais lindo que aquele pequeno mundo podia presenciar. O homem que em poucas semanas seria pai, mas que nunca saberia disso.

Rose sempre soube dos riscos que Dimitri corria por ser capitão do exército, mas ele sempre retornara vivo, então parecia que aquelas regras nunca se aplicavam a ele. Até aquele dia, até aquele maldito dia.

Era irônico que apenas oito meses antes ele tenha estado ali com ela prometendo que assim que a guerra acabasse iria pedir sua exoneração. Seu camarada, como ela sempre o chamava, dissera que estava cansado das batalhas e de viver longe dela. Queria ter uma vida normal ao lado de sua esposa, cuidar da fazenda da família e criar a legião de filhos que um dia eles teriam.

Mas aquela era a última vez que o veria, a última vez que sentiria seus braços calorosos, a última vez em que fariam amor. E foi justo nessa última vez que ela havia engravidado. Por tantas vezes antes disso ela tentara dar um filho a Dimitri e por todas essas vezes falhara. Era como se alguém lá em cima tivesse um jeito distorcido de brincar com o destino.

Saber que agora iria criar aquele pequeno fruto de seu amor sozinha doía-lhe a alma. Aquele filho era tudo que Dimitri mais sonhara e ele não estaria ali para pegá-lo nos braços, para vê-lo dar os primeiros passos, para ouvi-lo chamá-lo de pai.

Quando enfim as lágrimas pareciam ter-se esgotado horas mais tarde, Viktoria veio ao seu encontro.

– Rose, você precisa entrar. Precisa se agasalhar e comer alguma coisa – ela disse. – Pelo bebê.

Pelo bebê. Essa era a única motivação que a movia agora e foi apenas por isso que atendeu ao apelo da cunhada. Mesmo que só quisesse ficar ali encolhida e chorar até que nada mais restasse, Rose tinha uma vida dentro de si e precisava cuidar dela a todo custo.

Ao se sentar à mesa, ouviu sua sogra e suas demais cunhadas, que haviam vindo após receberem as notícias, falarem sobre o velório, sobre uma cerimônia entre amigos e um enterro com honras militares. Sinceramente, a morena não dava mínima. Tudo o que ela queria era ter seu marido de volta ao seu lado. O resto não importava.

Passou os dias seguintes mergulhada em torpor. Alimentava-se e banhava-se simplesmente pela necessidade de fazê-lo, pelo filho que carregava. Tudo o mais se passava a sua volta como um filme em preto e branco.

Então chegou o dia em que fora levada até o cemitério onde daria o último adeus ao único homem que teve seu coração. Que teve e o levou consigo.

Muito depois da cerimônia acabar, ela continuou ali em pé à beira do túmulo. As pessoas insistiram em tentar levá-la para casa, mas Rose apenas queria ficar sozinha com ele. Olena foi a única que compreendeu isso e deu um jeito de impedir que os outros a importunassem, arrastando-os para sua própria casa para que a nora "tivesse o seu tempo".

Ela não conseguia compreender como tudo havia acabado daquela forma. Como toda a vivacidade de seu camarada acabara por se resumir a uma lápide cinza com dizeres simples: "Dimitri Belikov - Filho adorado, irmão querido e o marido mais amado". Aquilo não descrevia nem de perto tudo o que ele representava. Não demonstrava o homem carinhoso e dedicado que ele fora. O filho atencioso, o irmão preocupado, o amante intenso. Ele não fora apenas um marido, ele fora seu amigo, seu confidente, seu grande amor. Seu único amor.

Dimitri havia sido seu primeiro e seria o último. Por mais que a promessa feita diante do padre dissesse “até que a morte os separe” para ela ia além disso. A morte não poderia separar um amor como o dos dois. Ela seria para sempre dele e nada jamais iria mudar aquilo.

Enquanto divagava àquele respeito alisou a barriga já bastante proeminente. Ali dentro havia uma pequena parte de seu Dimitri que ainda estava viva.

Como se respondendo ao toque, o bebê se mexeu contra a palma de sua mão.

– Eu queria tanto que você o tivesse conhecido, meu filho – falou entre lágrimas. Não sabia como ainda era capaz de produzir alguma, mas elas pareciam nunca cessar. – Você é a prova do nosso amor. A prova de que ele nunca nos deixará. Seu pai vai viver em você e vai viver em mim.

Uma suave brisa acariciou seu rosto e seus cabelos como se Dimitri estivesse ali fazendo aquilo e a morena fechou os olhos, deixando-se imaginar que era isso mesmo que estava acontecendo.

– Eu sei que de alguma forma você está aqui comigo. Eu te amarei para sempre, camarada.

Suas palavras se perderam no vento sendo levadas para longe dali sem que ela se desse conta.

Eu te amarei para sempre, camarada.

Aquela frase subsistiu às intempéries e ao tempo até ser soprada ao ouvido de um homem que se encontrava a milhares de milhas dali.

Ele acordou completamente desnorteado. Olhou à sua volta procurando a dona daquela voz e percebeu que estava em uma grande tenda. Tentou se levantar para averiguar o que estava acontecendo, mas foi impedido por mãos delicadas.

– Enfim está acordado, senhor – disse uma voz feminina a seu lado muito diferente daquela que parecia tê-lo chamado. Quando ele a focalizou viu um belo par de olhos azuis fitando-o de volta. – Estávamos preocupados. Está nessa cama há quase um mês.

Um mês? Perdera um mês de sua vida desacordado?

– Onde estou? – Sua voz saiu rouca pela falta de uso e a enfermeira lhe entregou um copo de água para ajudá-lo.

– Num hospital de campanha. Nós o teríamos enviado para os Estados Unidos antes, mas você não tinha nenhuma identificação, então não sabíamos qual era a sua base. Preferimos deixar que se recuperasse primeiro. Qual o seu nome?

Nome? Forçou sua mente para responder àquela pergunta, mas nada lhe ocorreu. Também não conseguia se lembrar de como chegara ali. Diabos! Nem recordava que estavam no meio de uma guerra.

– Você não está conseguindo se lembrar, não é? – questionou a mulher com um sorriso gentil nos lábios ao perceber sua confusão quando tomava o copo vazio de suas mãos. – Não se preocupe. Isso acontece às vezes. As lembranças vão voltar com o tempo. Tente descansar mais um pouco enquanto busco algo para que possa comer.

Porém, diferente do que a enfermeira, que descobrira chamar-se Natasha, lhe dissera, as lembranças não retornaram. Passou mais uma semana na cama do hospital improvisado forçando sua mente sem nada recordar. Por alguma sorte – ou algum azar – não tivera ferimentos muito críticos além de um tiro de raspão, alguns cortes e queimaduras e a forte pancada na cabeça que lhe rendeu semanas em coma e a maldita amnésia. Também estava um tanto desnutrido e possivelmente mais magro do que deveria ser.

Sem qualquer perspectiva, permaneceu naquele posto avançado após sua alta auxiliando em toda tarefa que lhe fosse oferecida. Tinha esperanças de que alguém o reconhecesse, mas todos tinham tantos problemas e ferimentos próprios com que lidar que ninguém tinha disposição para dar atenção a um homem desmemoriado.

Algum tempo depois, todos os soldados e voluntários receberam ordens para retornar aos Estados Unidos já que a guerra enfim acabara.

Não tendo para onde ir, o russo, como passou a ser conhecido graças a seu sotaque, acabou sendo acolhido pela enfermeira Natasha que se tornara uma grande amiga naqueles dias sombrios. Foram viver na casa da moça na Pensilvânia, onde ele passou a trabalhar como operário em qualquer obra na qual conseguisse ser admitido.

Com o passar dos meses se acostumou àquela rotina. Acordar cedo, trabalhar pesado, passar no posto de saúde para acompanhar Tasha até em casa no fim do dia, jantar, conversar sobre amenidades e dormir.

Apesar de a moça ter se tornado uma constante em sua vida, o russo jamais deixara que qualquer ato desrespeitoso ocorresse entre eles. Não por ela não ser uma mulher atraente e desejável. Ela o era. Também era boa com ele e o tratava com grande carinho, sem nunca lhe cobrar nada, mesmo que parecesse esperar algo mais do que uma simples amizade. O problema é que o homem não conseguia se entregar a Natasha.

Uma imagem havia se formado em sua cabeça poucos dias após despertar e ficava cada vez mais marcante com o tempo. Uma linda morena, de cabelos longos e sorriso encantador que fazia seu coração acelerar apenas por olhá-la, surgia em seus sonhos e o atormentava noite após noite. De alguma forma ele sabia que era ela que o havia chamado no dia em que acordou e que ela o aguardava em algum lugar, mas não conseguia se lembrar onde. Também não conseguia decifrar o nome daquela mulher, quem era ela, nada.

E, conforme aquela imagem se tornava mais e mais vívida, o sentimento de que estava no lugar errado só aumentava. O trabalho na obra e a vida naquela cidade grande o incomodavam. Apesar de se sentir familiarizado com o tipo de serviço que desempenhava, sentia falta de campos abertos e pastos. Possivelmente um cenário pertencente àquele passado que não lembrava e o lugar onde estaria a sua pequena.

Sua relação com Tasha também começou a definhar quando esta desistiu de tentar ajudá-lo a recuperar a memória. No começo, eles sempre conversavam sobre fatos que ela conhecia a respeito dele, sobre como fora encontrado e onde estava, a fim de estimular suas lembranças. E quando algumas possíveis recordações lhe vinham à mente, ambos discutiam aquilo por horas. Só que toda a boa vontade da moça se fora no dia em que o homem comentara a respeito da morena. Natasha começou a diminuir as conversas àquele respeito até nunca mais tocar no assunto.

O russo sentia que seus dias ali estavam contados. Precisava ir embora e procurar sua verdadeira identidade. Tentar encontrar a mulher que povoava os seus sonhos.

Então, ele passou a rezar todas as noites para um Deus no qual nem sabia se acreditava pedindo para se lembrar de mais alguma coisa.

Foi quando algo finalmente piscou dentro de sua mente enevoada após meses de escuridão. Um lugar. Montana.

Era lá! Era nesse local que ela estava.

Uma semana depois já estava com tudo organizado para enfim ir atrás de seu caminho. Natasha insistiu em acompanhá-lo, mas o russo não permitiu. Não iria mais alimentar os sentimentos e as esperanças da mulher por quem nunca sentiria nada. Podia não se recordar nada a respeito da pequena morena além de sua imagem, mas de alguma forma sabia que era ela quem habitava seu coração.

Ele usou o pouco dinheiro que acumulou com o trabalho para fazer a viagem, escolhendo a capital do estado de Montana como ponto de partida. Porém, quando chegou lá, não fazia ideia de por onde começar. Perdeu dias vagando a esmo pela cidade, fazendo um bico aqui outro acolá para poder se manter. Nenhuma nova lembrança lhe ocorria e nada nem ninguém lhe parecia familiar ou o reconhecia.

Será que errara? Será que aquele lugar nada significava e a recordação apenas fora um produto de sua mente desesperada por respostas?

Já estava perdendo as esperanças novamente quando um dia estava sentado em um café e fora interrompido de suas divagações por uma voz espantada:

– Belikov? – Disse um homem de cabelos avermelhados olhando para ele como se tivesse visto um fantasma.

– Está falando comigo? – Perguntou o russo, fitando-o. Belikov. Aquele nome enfim fez algo coçar dentro de sua cabeça.

– Por Deus homem. É você mesmo. Você está vivo!

– Você me conhece? – Insistiu tentando desesperadamente se situar.

– É claro que sim, não está me reconhecendo? Sou Mason. Mason Ashford.

– Sinto muito, eu estou com problemas de memória – admitiu Belikov. Agora sabia que este era seu sobrenome.

Resolveu, então, ser completamente honesto com o homem para ver se descobria mais alguma coisa sobre si.

– Tenho dificuldades em me lembrar a respeito de meu passado e até mesmo a minha identidade.

– Isso explica o porquê de você não ter voltado correndo para Rose até agora.

Rose. A imagem da morena se formou em sua mente no mesmo instante. Era esse o nome dela. Sorriu involuntariamente. Devia ter desconfiado. Ela era tão bela quanto a flor. Rose. Roza. Minha Roza.

– Você parece bem confuso – disse o ruivo, trazendo-o de volta a realidade.

– Desculpe Ashford. Vim para esta cidade seguindo uma lembrança, mas sem saber ao certo o que encontraria. Pode me ajudar? Pode me levar até Rose?

– Claro! – o homem respondeu de forma prestativa. – Estou voltando pra lá agora mesmo. Venha. No caminho conversamos e eu vejo como posso te ajudar a lembrar.

Enquanto rumavam para a pequena cidade de St. Vladimir, Belikov explicou ao outro tudo o que lhe acontecera até ali e o que se lembrava. Mason, por sua vez, fez um resumo dos pontos principais da vida do russo.

Ele enfim descobriu que se chamava Dimitri Belikov e tinha se mudado da Rússia para o povoado para o qual rumavam quando ainda era um adolescente junto com sua mãe, três irmãs e uma avó. Eles tinham uma pequena fazenda de gado leiteiro que era vizinha das terras dos Mazur, os maiores criadores de cavalos da região, e fora graças a isso que conhecera Rosemarie.

Pelo que o rapaz contava, todos eles foram muito amigos na adolescência e, com o tempo, Dimitri e Rose acabaram cedendo à paixão. Durante o namoro, ela ingressou a faculdade de veterinária e ele se alistara no exército contra a vontade da pequena e de sua família. Segundo Ashford, Dimitri sempre dizia que devia algo àquele país que o acolhera tão amavelmente e fazia aquilo como forma de proteger aqueles que amava.

Pouco antes de a guerra começar, a morena e ele haviam se casado e há cerca de seis meses Rose recebera a notícia de que o marido havia morrido em uma explosão.

Era estranho ouvir o relato do ruivo a respeito de sua vida. Ao mesmo tempo que parecia estar ouvindo algo que aconteceu a outra pessoa, toda aquela história lhe era estranhamente familiar. Como se tivesse lido um livro há muitos anos atrás e estivesse relembrando trechos de sua narrativa.

– É aqui – disse Ashford, encostando o carro após algum tempo em que esteve perdido dentre aqueles pensamentos.

– Isso é um cemitério – constatou Belikov analisando o local em que se encontravam.

– Sim, é aqui que Rose está.

O sangue dentro das veias de Dimitri pareceu congelar. Ele podia não se recordar de todos os fatos que Mason lhe falava, mas ele podia sentir o amor por aquela morena incrustado em seu peito mesmo sem ter ideia de como tudo se iniciara. Não era possível que havia chegado tão tarde.

O outro percebeu a consternação no rosto do homem e logo tratou de se explicar.

– Acalme-se, ela está viva. Te trouxe aqui, pois sei que Rose vem todos os dias nesse horário.

O alívio que o russo sentiu foi avassalador. Porém, um novo e inesperado sentimento surgiu após ouvir a explicação do rapaz.

– Como sabe disso? – questionou desconfiado. Por que repentinamente passou a sentir ciúmes do ruivo?

– Minha esposa Mia a auxilia na clínica veterinária e, quando elas encerram o expediente, Rose acaba sempre passando aqui – explicou dando de ombros.

Não fazia ideia de quem era Mia, mas essa informação o tranquilizou um pouco. Quando aquele sentimento irracional o dominou, teve um vislumbre do homem ao seu lado, anos mais jovem, olhando para sua morena como se fosse um pequeno sol.

Dimitri procurou murmurar um agradecimento enquanto saía do carro e tratou de se afastar antes que mais recordações como aquela viessem e ele acabasse se irritando com a pessoa que lhe estendera a mão sem saber quão distantes ou verdadeiras eram aquelas imagens.

Andou ao redor dos túmulos por algum tempo tentando se localizar até que a avistou a uma certa distância. Não havia como não reconhecê-la, era a personificação de seus sonhos, mas ainda mais fascinante.

Ocultou-se por trás de uma árvore para poder vê-la sem que o notasse. Não sabia quais reações poderia despertar nela e preferiu dar um tempo a si mesmo para se preparar.

Só que, mesmo com a distância, o perfume da pequena parece ter flutuado até ele e quando o atingiu provocou uma erupção em seu cérebro. Fragmentos de lembranças se formaram em sua cabeça de forma desordenada.

Recordou de um dia em que a surpreendera escalando a macieira que havia no fundo de sua casa e a morena praticamente caiu em seu colo com o susto. Rose sorriu de forma travessa após se apresentar e explicou que vinha sempre ali para colher as maçãs antes que apodrecessem nos galhos a fim de dar aos cavalos que seu pai criava.

Enquanto ela falava, Dimitri não conseguia desviar os olhos dela. Mesmo aparentando ter no máximo quatorze anos, ela era completamente estonteante. Ele observou seus lábios carnudos de sorriso fácil, seus olhos escuros tão perspicazes e inocentes ao mesmo tempo, sua pele lisa e amendoada que parecia tão convidativa, seus cabelos que aparentavam ser negros, mas que refletiam um tom castanho com a luz do sol e voavam ao vento, desafiando-o a tocar seus fios.

A pequena prometeu que não voltaria a importunar agora que a casa estava ocupada, só que ele não queria isso. Queria que ela voltasse todos os dias para poder observar ainda mais aquela perfeição.

Também lhe veio à mente a imagem de um homem com traços muito semelhantes aos de Rose que o olhava de forma ameaçadora enquanto Dimitri, vestido em um smoking, aguardava a morena ao pé de uma escadaria.

Estava tão nervoso que sentia o suor empapando as palmas das suas mãos que tremiam levemente ao segurar o pequeno buquê de rosas. Porém, isso tudo se desfez quando a viu descendo os degraus em um vestido vermelho que a deixava incrivelmente linda e sexy. O sorriso que ela lhe lançou o fez se sentir quase febril e ele se esqueceu completamente da ameaça imediata que era o homem ao seu lado.

Então, lembrou-se dos dois discutindo. Não conseguia definir ao certo o motivo, mas viu quando a morena gritou para nunca mais procurá-la e fechou a porta de sua casa na cara dele. O russo jurara a si mesmo naquele instante que faria exatamente isso e que essa era a última vez que se importaria com as loucuras dela. Mas, é claro que, no dia seguinte pela manhã, já estava escalando clandestinamente a velha casa até a janela do quarto da morena e a acordando com beijos e um pedido de desculpas por algo que parecia tão pequeno perto do amor que sentia por ela.

Por fim, a lembrança que fez seu corpo vibrar foi a dos olhos dela cheios de lágrimas enquanto seus lábios formavam as palavras que ele tanto ansiara ouvir: "Sim, é tudo o que eu mais quero". Assim que ela disse isso e a felicidade o inundou, Dimitri se sentiu um pouco tolo por estar tão inseguro. Andava com a aliança que sua avó lhe dera no bolso para cima e para baixo, apenas esperando o momento ideal para lhe propor e nunca lhe pareceu tão certo quanto naquela hora em que Rose insistira em colher as maçãs de seu quintal, como no dia em que se conheceram.

Quando finalmente retornou à realidade, o russo sentiu seu rosto molhado pelas lágrimas. Aquelas memórias não estavam inteiras, alguns pedaços eram um pouco confusos, mas ele enfim descobriu quem era e por quem seu coração batia. E ela estava ali, há alguns passos de distância.

Alheia ao que estava acontecendo a poucos metros de si, Rose olhava fixamente para a lápide de seu marido com perguntas que nunca seriam respondidas. Todos lhe diziam que a dor iria diminuir com o tempo, que ela iria aprender a conviver com aquilo, mas já haviam se passado seis meses e aquela ferida parecia não ter se fechado nem um milímetro sequer. E ela sabia que nunca iria.

Nada mais parecia ter sentido sem Dimitri ao seu lado. Tudo que tanto amou, a sua vida no campo, sua profissão, sua família, seus amigos, tudo parecia ter empalidecido.

A única razão para ela ainda se manter em pé era seu filho. Ele era sua motivação para acordar dia após dia, mesmo que lhe fosse tão doloroso. Seu pequeno Dimitri era a única evidência existente do grande amor que havia vivido. Ele e as recordações. Eram tantas, e ela se lembrava de cada uma delas.

Rose se lembrava de cada olhar, de cada toque, de cada jura trocada entre eles. Também se lembrava de cada desentendimento e discussão e isso a fez sorrir de forma triste. Ao mesmo tempo que seus modos de pensar eram tão iguais, seus gênios eram extremamente opostos. Isso gerava uma série de conflitos que sempre terminavam em beijos e pedidos de desculpa acalorados.

Sentia tanta falta disso. Também sentia falta das provocações e sarcasmos que jogavam um para o outro, mas, principalmente, sentia falta de seu sorriso. Dimitri tinha um sorriso que guardava apenas para ela e que lhe iluminava todo o rosto. Ele ficava tão perfeito quando sorria daquela forma e a morena sentia que vivera muitos de seus dias em prol daquele vislumbre.

Suspirou diante dessa memória. Por mais que seu filho agora ocupasse grande parte de seu tempo e seus pensamentos, sabia que o vazio em seu peito jamais diminuiria. Era por isso que todos os dias após o expediente na clínica veterinária continuava indo ali. Precisava de um tempo à sós com seu Dimitri. Precisava dividir com ele suas angústias como sempre fizera, contar a ele o quanto sentia sua falta e o quanto gostaria de poder ter lhe dito que o amava pelo menos mais uma vez.

Você vai, menina. Um dia vocês irão se reencontrar. Tem que ter fé. Era o que lhe dizia Olena nas poucas vezes que desabafou com ela. O problema era que Rose não acreditava em Deus para poder cultivar alguma fé. Não nesse Deus que parecia se divertir com o sofrimento humano, que permitia que aqueles que se amam fossem separados de uma forma tão cruel.

Tentou respirar fundo e enxugar as lágrimas que sorrateiramente marejaram seus olhos. Estava tão cansada de chorar por aquelas feridas que não se curavam, mas simplesmente não podia evitar.

Olhou para o relógio e lentamente se afastou do túmulo indo em direção ao carro. Sabia que não podia se demorar mais, pois Olena já devia estar cansada de cuidar do pequeno Dimka àquela altura do dia. A sogra nunca reclamava de ficar com seu neto, mas a morena sabia quanto trabalho aquela coisinha podia dar.

Dimitri viu quando Rose começou a se afastar. Por mais que tivesse vontade de correr, pegá-la nos braços e jamais largá-la novamente, não queria assustá-la. Para ela, ele havia morrido há meses atrás. Como reagiria se o visse em meio a um cemitério?

Observou-a enquanto se encaminhava a uma velha caminhonete vermelha e se lembrou do quanto detestava vê-la dirigindo aquele negócio. Tanto ele quanto Abe, pai de Rose, insistiam em lhe dar um carro mais novo e mais seguro, mas ela era incrivelmente teimosa. Dizia que era mais fácil chegar às fazendas da região com aquele veículo para fazer o atendimento aos animais.

Sorriu abertamente por mais essa lembrança recuperada. Era como montar um grande quebra cabeças. A cada peça que este recebia mais nítida ficava a imagem do todo que formaria.

Em dado momento, pouco antes de abrir a porta do carro, Rose parou. Diferente de todos os dias em que estivera ali, algo a inquietava. Sentia um formigamento em seu corpo, como se uma pequena corrente elétrica perpassasse por ela. Aquela sensação não lhe era incomum. Sempre sentia aquilo quando Dimitri estava por perto.

Perscrutou seu entorno mesmo sabendo que nada encontraria, sentindo-se uma tola por fazê-lo. Então entrou na caminhonete e rumou para casa tentando evitar pensar naquilo novamente.

O russo observou-a e se perguntou se ela estava sentindo o mesmo que ele. Todas as vezes em que se encontravam no mesmo lugar uma energia parecia os unir e não fora diferente naquele momento. Era como se seus corpos tivessem um poder de reconhecimento mútuo.

Assim que a morena se foi, ele se aproximou da lápide frente a qual ela estivera para ler seus dizeres. "O marido mais amado". Automaticamente olhou para a mão esquerda se dando conta pela primeira vez da falta da aliança que deveria estar ali. No dedo anelar havia apenas uma marca que  começava a se desvanecer. Como a havia perdido?

Tentou forçar sua mente para encontrar uma resposta e, de repente, esta foi transportada para um local muito mais triste e sombrio que aquele cemitério no qual se encontrava. Ouviu uma explosão que só existia em sua cabeça e se agachou ao lado do túmulo a fim de se proteger.

Tudo que via estava oculto por uma espessa névoa que cheirava a pólvora e morte. Conseguia ouvir mais explosões ao longe, mas também haviam sons de gritos de desespero e tiros.

Recordou que seu pelotão havia sido designado para tomar aquela cidade abandonada para transformá-la em um ponto de defesa, porém as tropas inimigas os cercaram e muitos de seus homens haviam sido dizimados. Os sobreviventes estavam escondidos nos postos estratégicos espalhados entre as casas.

Ferido e com poucos suprimentos, Dimitri havia se refugiado junto ao Primeiro-Tenente Ivan Zeklos e alguns outros soldados em um dos prédios em ruínas que servia como uma base central.

Um soldado especialista em comunicação tentava consertar o comunicador que havia sido atingido por um projétil e, após muitas tentativas, conseguiu fazê-lo funcionar precariamente. O russo pôde avisar a tropa aliada mais próxima sobre a situação em que se encontravam e seu posicionamento. Foi quando recebeu ordens para evacuar a cidade dentro das vinte e quatro horas seguintes, pois seriam enviados bombardeiros para pegar os inimigos de surpresa e mandar a coisa toda pelos ares.

Então, o capitão Belikov montou uma estratégia para conseguir avisar aos demais soldados espalhados a respeito do ataque. Não iria abandonar seus homens à própria mercê. Ivan insistiu em acompanhá-lo. Ambos haviam se tornado grandes amigos desde a época em que ainda eram meros recrutas.

Após ir a vários pontos de forma sorrateira e alertar o maior número de combatentes possível, os dois acabaram encurralados em uma casa. Soldados inimigos flanqueavam a rua, fazendo-os perder algumas horas ali dentro sem encontrar uma saída alternativa.

Quanto mais perto da hora marcada para o ataque aéreo, mais Dimitri se agarrava à aliança que estava na corrente em seu pescoço, junto com sua dogtag. Havia retirado-a para não perdê-la, pois, com a falta constante de suprimentos, tinha emagrecido muito e receava que esta acabasse escapulindo do dedo.

Seus pensamentos vagavam para sua Roza naqueles momentos que acreditava serem derradeiros. Não recebia notícias dela desde que partira de St. Vladimir meses antes, já que não havia como suas cartas chegarem até ele.

O russo se arrependia amargamente por ter escolhido aquele caminho. A morena nunca aprovara seu alistamento e chegara a terminar com ele por conta disso uma vez. Obviamente o amor que sentiam levou a melhor naquela discussão, como sempre ocorria, mas nesse momento tinha certeza que devia tê-la dado ouvidos. Se o tivesse feito, agora estaria abraçado a ela, sentindo seu pequeno corpo aninhado em seus braços e, quem sabe, até poderiam estar finalmente esperando seu primeiro filho. Só que nada daquilo aconteceria por culpa da teimosia dele. Por conta da maldita honra que tentava sustentar, jamais iria ver seu amor novamente.

– Eles se afastaram – disse Ivan, arrancando-o daqueles pensamentos. O homem estivera todo o tempo vigiando por uma fresta na janela fechada. – Temos uma chance de tentar escapar. Se corrermos rápido o bastante talvez dê tempo de sair da cidade antes dos aviões chegarem.

Ambos se agarraram àquela esperança e logo traçaram uma rota de fuga. Quando estavam prestes a sair daquela casa abandonada, uma saraivada de tiros rasgou a parede atrás deles de ponta a ponta. Dimitri esperou que a dor o dominasse, porém nada sentiu. Será que seu corpo já estava anestesiado a esse ponto?

Então se virou e percebeu que Ivan estava exatamente às suas costas e recebera todos os projéteis em seu corpo, evitando que o capitão fosse atingido. O homem caiu por cima do russo, agarrando-o pelo colarinho, e este sentiu um puxão em seu pescoço, porém não se deu conta disso na hora. Por alguns instantes tentou reanimar o tenente,mas não havia mais o que fazer. Ele já estava morto.

Em honra ao sacrifício do amigo, Dimitri deu continuidade ao plano de fuga. Apenas quando estava longe do local é que percebeu a falta da corrente em seu pescoço. Ivan a tinha arrancado sem querer em sua queda.

Por um instante hesitou entre continuar fugindo ou retornar pela única coisa que possuía de sua pequena naquele maldito lugar, porém a decisão foi retirada dele quando o ataque aéreo se iniciou. Ele já estava bem afastado do centro principal das explosões, mas o deslocamento de ar provocado por essas aliado aos estilhaços que voavam fizeram seu corpo ser lançado contra uma parede e tudo se tornou escuro.

Quando deu por si, estava de volta ao cemitério, abaixado atrás da lápide como se defendendo-se de possíveis disparos. O suor tomou todo seu corpo e ele respirava de forma ofegante.

Ouvira muitas vezes sobre soldados que passavam por experiências como aquela, refletindo as cicatrizes emocionais provocadas pelas constantes batalhas, mas jamais pensara que pudesse ocorrer com ele. A lembrança do combate lhe fora tão nítida, como se  a tivesse vivenciando naquele instante.

Endireitou-se e buscou se acalmar, mentalizando que estava seguro e bem longe daquele cenário.

Olhou, então, para o túmulo mais uma vez, finalmente se dando conta de que a pessoa que estava enterrada ali em seu lugar era seu amigo Ivan. Como ele havia ficado com sua identificação e sua aliança em mãos ou próximo a seu corpo, deve ter causado aquela confusão. O próprio tenente havia perdido sua dogtag dias antes daquele fato, o que possivelmente colaborou ainda mais para que tal erro ocorresse.

– Eu sinto muito, meu amigo – disse tocando a pedra cinza. – Sinto muito que tenha partido dessa forma e que esteja aqui e não junto aos seus pais e irmãos. Prometo que, assim que tudo tiver sido esclarecido, irei cuidar pessoalmente para que seu corpo seja enviado ao Kansas. E obrigado. Nunca poderei agradecer o suficiente por ter me dado essa segunda chance.

Dimitri não queria nem imaginar a dor pela qual estava passando a família do tenente Zeklos sem ter notícias do que realmente teria ocorrido a este. Deviam estar desnorteados por todos aqueles meses. É claro que esse desfecho não seria o mais feliz para eles, mas pelo menos era melhor que a incerteza.

Foi então que pensou em como sua própria família ficara com a notícia de sua morte. Como Rose ficara.

Percebeu que tivera uma amostra daquilo à pouco e sentiu seu coração se partir em milhares de pedaços. Agora que as memórias estavam ficando mais claras, pôde fazer uma comparação e constatou que ela estava muito abatida e bem mais magra que o normal.

Sua pequena tinha um apetite fora do comum para uma mulher de seu tamanho e se ela havia emagrecido é porque não estava nem um pouco bem. Mas ele iria acabar de uma vez com todo aquele sofrimento. Estava mais do que na hora de reencontrar a sua Roza.

Apesar de não ter completa certeza, acreditava que sua casa não era muito distante dali e pôs-se a andar, seguindo o instinto para guiá-lo na direção correta.

Não muito tempo depois, Rose encostou o carro na lateral de sua casa. Ela desligou o motor e fitou o sobrado por alguns minutos. Este lhe parecia grande demais apenas para ela e seu pequeno, mas jamais cogitaria se afastar dali.

No momento em que ela e Dimitri anunciaram o casamento, Abe ofereceu aquelas terras para construírem o seu lar. Ela ficava na divisa entre as fazendas dos Mazur e dos Belikov, o que os deixaria próximos às duas famílias. Além disso, seu pai sabia que Rose adorava cavalgar para aquele canto e passar horas à beira do rio que cortava as duas terras apenas observando a linda paisagem. Seu camarada também sabia disso e, por esse motivo, construíra a casa de forma que esta ficasse de frente para o rio e a morena sempre tivesse a visão que tanto amava quando se sentava na varanda².

Ele insistira em fazer uma casa bem grande, pois pretendia enchê-la de filhos. A mulher costumava dizer que ele teria sorte se a convencesse a ter um. Como era boba quando era mais jovem! Se Dimitri estivesse ali lhe daria um batalhão filhos, se ele assim quisesse.

Ao saltar da caminhonete, Rose foi recebida efusivamente por seu Golden Retriever. Boomer já estava beirando os dez anos de idade e fora dado a ela por seu russo em algum de seus aniversários antes de começarem a namorar. Ele sabia o quanto a garota era apaixonada por animais e queria fazê-la feliz lhe dando o pequeno filhote.

Mal sabia Dimitri naquela época que para fazer Rose feliz bastava estar ao lado dela. A morena se apaixonara pelo russo no momento em que se conheceram. O garoto sério e de sotaque esquisito tomara seu coração quando a olhou intensamente com aqueles olhos cor de chocolate, fazendo todo seu corpo se aquecer.

A verdade é que ambos entregaram seus corações no mesmo instante, mas, como tinham pouca idade quando isso aconteceu, negaram aquele sentimento a si mesmos, preferindo acreditar que não passava de uma ilusão.

Apesar de nunca se largarem e serem capazes de fazer qualquer coisa para ver o outro sorrindo, continuavam fingindo que a inevitável atração que sentiam um pelo outro não passava de uma grande amizade. Até o dia em que se beijaram pela primeira vez.

Naquele dia, haviam cavalgado pelas pastagens próximas e estavam num dos estábulos de Abe para acomodar os cavalos nas baias após o passeio. A menina não parava de provocar o rapaz por ter perdido para ela quando apostaram um corrida.

– Você não foi justa, Roza – ele dizia com seu sotaque carregado. – Quando propôs a aposta, não me deu nem tempo de pensar e já estava saindo a galope.

– Admita de uma vez que você não é páreo pra mim, camarada – ela devolveu com um sorriso presunçoso antes de arrancar o chapéu da cabeça dele e se afastar alguns metros. – Admita que não é digno de usar o chapéu de John Wayne³.

Ela sabia que estava comprando uma bela briga naquele instante por brincar com o objeto, mas provocá-lo era tentador demais.

Meses antes, Rose descobrira que os utensílios do filme "Bravura Indômita" estavam em leilão e arrematou o chapéu que fora utilizado pelo ator nas filmagens. O russo amava livros e filmes de faroeste americano e ficou maluco quando a morena lhe deu aquele presente.

– Rosemarie Hathaway Mazur, devolva isso agora – ele disse de forma ameaçadora tentando alcançar o chapéu das mãos dela sem sucesso.

Era uma cena um tanto engraçada, já que o garoto era pelo menos trinta centímetros mais alto, apesar de a pequena compensar em velocidade.

– Só quando você admitir que eu sou a melhor – Rose provocou com um brilho de malícia nos olhos.

– Nunca – Dimitri falou de forma determinada pouco antes de fazer uma finta para o lado esquerdo, mas retomando o passo para a direita, enganando-a por um instante e enfim conseguindo pegar a aba do chapéu. A morena tentou puxá-lo das mãos do rapaz, mas acabou se desequilibrando e caindo de costas em um monte de feno, levando-o junto com ela.

No mesmo instante, o russo arrancou o objeto das mãos dela de vez e o jogou longe, se preocupando em imobilizar seus pulsos.

– Retire o que disse – ele ordenou.

– Sobre eu montar melhor do que você? Não posso fazer isso – ela o atiçou. – Trata-se de um fato e contra fatos não há argumentos.

– Não, sobre eu não ser digno do chapéu do John. Retire isso ou não te deixo sair – ameaçou.

Rose riu da preocupação dele, mas logo percebeu a situação em que estavam. Mesmo não estando muito confortável naquela posição, não pôde deixar de sentir quão quente estavam os dedos dele em contato com a pele de seus pulsos, nem quão pressionados estavam os seus corpos um contra o outro ou como seus rostos estavam próximos. Foi então que se deu conta de que não queria que ele a deixasse ir.

Ela notou que Dimitri parecia estar tomando ciência daqueles mesmos fatos quando os olhos dele se escureceram e ele engoliu em seco. Porém, ao invés de se afastar, ele ajeitou os pulsos dela de modo a segurá-los com apenas uma mão e desceu a outra para sua face, acariciando-a com leveza.

A respiração da morena se acelerou no mesmo ritmo que a dele e ela fechou os olhos quando viu sua boca se aproximar da dela lentamente. O russo estava lhe dando a chance de recuar, de falar algo que o impedisse de avançar, mas ela não o fez. Pelo contrário. Rose venceu os centímetros restantes e, quando seus lábios se uniram em um movimento suave que logo foi tomado de intensidade e paixão, ambos souberam que nunca mais poderiam viver sem os beijos um do outro.

– Estava ficando preocupada – Olena falou da porta de acesso à varanda, trazendo-a de volta à realidade.

As memórias que vinham a Rose às vezes eram tão vívidas que ela seria capaz de se perder nelas.

– Desculpe – a morena sorriu timidamente e seguiu em direção à mais velha, levando seu cachorro pela coleira. – Não vi a hora passar.

A mulher olhou-a de forma triste ao abrir espaço para que entrasse na casa junto ao velho animal. Parecia prestes a lhe dizer algo, mas desistiu no último segundo.

– Ele deu muito trabalho? – perguntou a mais jovem a fim de quebrar o silêncio constrangedor que se formou.

– Você sabe que não – a sogra sorriu condescendente. Ainda que o neto o fizesse, ela jamais admitiria. – Acabou cochilando há uns dez minutos. Por que não sobe para vê-lo enquanto termino seu jantar?

– Você não precisa fazer isso – disse Rose fitando Olena com reprimenda. Já havia lhe dito milhares de vezes que não queria dar mais esse trabalho à mulher. Ela já fazia muito cuidando de Dimitri.

– É claro que preciso – devolveu a senhora. – Eu sei que você não se alimenta direito se eu não o fizer.

A morena revirou os olhos, mas não discutiu. Sabia que de nada adiantaria.

Após uma rápida passada no toalete para lavar as mãos, subiu as escadas e foi até o quarto do filho para vê-lo dormir calmamente em seu berço. Passou a mão com suavidade em seus cabelos castanhos ainda um pouco ralos e ele se remexeu inquieto por alguns segundos até se ajeitar novamente.

Ela sorriu para seu pequeno Dimka. Ele era tão parecido com o pai. Os mesmos olhos castanhos e o mesmo tom de cabelo.

Rose nunca se acostumou a chamar Dimitri por seu apelido russo, já que ela tinha sua própria alcunha para se referir a ele, porém pegou o costume de chamar o filho daquela forma por causa das Belikovas. Também era uma forma de diferenciar seus dois amores.

Voltou a descer minutos depois apenas para encontrar Olena aguardando-a com seu prato à mesa. Sentou-se ao lado da mulher que começou a lhe contar alguns detalhes de seu dia com o neto enquanto a outra jantava. Eram pequenas coisas, como um sorriso que ele deu ou algum som novo que produziu.

Nessas horas, a morena sentia uma pontada de culpa por perder esses momentos, mas não queria parar de trabalhar. Ela não o fazia por precisar realmente. Seus pais tinham uma renda considerável e poderiam auxiliá-la com suas despesas, como muitas vezes se ofereceram para fazer, porém ela nunca gostou de ser dependente de ninguém e não seria agora que isso iria acontecer.

Quando terminou de comer, foi até a pia para lavar a louça sob o olhar atento da sogra. Ela percebeu que novamente esta estava ensaiando alguma conversa e tentou se preparar para o que viria.

– Você não acha que está na hora de parar de visitá-lo? – ela questionou por fim, fazendo Rose suspirar.

– Olena...

– Rose – a mulher a interrompeu antes que tentasse se desviar do assunto. Conhecia a nora suficientemente bem para saber que ela o faria. – Você sabe que a morte dele dói tanto em mim quanto em você. Ele era meu filho, meu único menino. Você é mãe agora e entende como me sinto.

Ela entendia, mas não queria nem pensar na possibilidade. Se seu mundo já havia se despedaçado com a morte de Dimitri, perder seu pequeno Dimka, então, seria o seu fim.

– O que quero dizer é que você precisa se desprender dele – continuou Olena. – Seguir em frente.

– Eu estou tentando, é só que... Eu apenas preciso ir lá. Preciso conversar com ele – justificou-se desviando os olhos.

– Não, você não está tentando – a sogra apontou o óbvio. – Já se passaram seis meses e você ainda não mexeu nas coisas dele. Nem a escova de dentes você tirou do lugar. Isso não é saudável.

Rose suspirou mais uma vez. Por mais que Olena sofresse pela perda de Dimitri, ela não entendia realmente o que se passava na cabeça da nora. Nem ela mesma sabia explicar. Apenas sentia que não podia se desfazer de nada que era dele, que devia manter tudo como estava. Tinha uma sensação louca de que seu camarada retornaria a qualquer instante, de que ele iria entrar por aquela porta de repente lhe dizendo que tudo não passara de um pesadelo e que ele retornara por ela.

Há quem diria que isso é normal pelo falto dela não estar preparada para dizer adeus ao marido, mas esse pressentimento era tão forte que a assustava. Cogitava muitas vezes se realmente não estava a ponto de perder sua sanidade.

– Eu não posso – admitiu por fim. – Eu não consigo deixar ele ir.

– Mas você precisa. Para o seu bem e o dele.

Sentiu os olhos se encherem d'água mais uma vez enquanto a mulher falava, porém buscou se controlar. Entendia o que ela queria dizer, apenas não sabia como isso poderia lhe trazer algum bem.

A mais velha respirou fundo, como se tomando coragem para dizer as palavras que se seguiram.

– Você é jovem ainda, pode reconstruir sua vida, encontrar alguém...

– Não. – Foi a vez dela interromper o discurso da outra com um pouco de rispidez.

Olena, de todas as pessoas, deveria saber que Rose jamais poderia ter outro alguém. Que ela jamais conseguiria deixar outro homem entrar em sua vida e ocupar o lugar que era dele.

– Você sabe o quanto Dimitri era especial para mim – a morena disse tentando controlar seu tom de voz, mas buscando dar um ponto final àquela ideia absurda. – Ele é insubstituível.

– Eu sei que ele é – falou a mais velha de forma derrotada. Não havia argumentos contra aquilo. Ela sabia que o filho fora um homem sem igual e que a ligação entre Rose e ele era algo fora do comum. – Eu apenas não quero vê-la desse jeito. Vivendo à sombra de algo que nunca vai voltar.

Rose tinha ciência de que estava fazendo exatamente aquilo, porém não podia evitar. O que vivera com Dimitri fora tão intenso e tão perfeito que tudo o que se sucedeu eram apenas momentos disformes e sem brilho.

– Por que não combina de sair com suas amigas? – sugeriu sua sogra. – Apenas para se divertir. Eu fico com Dimka uma noite pra você.

– Olena, todas as minhas amigas estão casadas, têm suas vidas e seus filhos pra cuidar – Rose riu com um pouco de amargura.

Lissa, Mia, Sydney, Jill. Todas elas tinham alcançado seu tão sonhado final feliz. Era triste admitir, mas ela as invejava por isso e muitas vezes até evitava visitá-las para não ficar remoendo esse sentimento.

– Tenho certeza que abririam uma exceção por você.

– Eu vou pensar, está bem? – a moça cedeu a fim de evitar mais discussão. Era melhor isso do que continuar argumentando.

A outra mulher apenas anuiu, compreendendo que o assunto estava encerrado de vez, e buscou sua bolsa e as chaves do carro para ir embora, já que começava a escurecer.

– Não se chateie com essa conversa – disse quando estava à porta, voltando-se para olhar a moça mais uma vez com os olhos carregados de afeto. –  Eu só quero o seu bem. Você sabe que eu a amo como uma filha, Rose. Que Janine não ouça isso.

A morena riu de verdade pela primeira vez desde que aquela conversa se iniciara e se despediu de Olena novamente, agradecendo por sua ajuda com Dimka.

Enquanto subia as escadas pensou em sua própria mãe. As duas tiveram muitos desentendimentos durante sua vida, mas aprenderam a lidar com isso conforme Rose foi crescendo e amadurecendo. Porém, o fato dela muitas vezes ter corrido para a casa de Olena quando as duas brigavam, procurando o colo da outra mulher, fazia com que Janine morresse de ciúmes dessa. É claro que sua mãe não admitiria isso nem sob ameaça. Era durona demais para demonstrar seus sentimentos tão abertamente.

O único capaz de acabar com toda a pose de Janine Hathaway era seu pequeno Dimitri. Mas também, quem resistiria àquela coisa fofa?

Foi ao quarto dele para dar mais uma olhada e, ao constatar que ainda dormia serenamente, decidiu partir para o banho.

Minutos mais tarde, um pouco mais relaxada, colocou um vestido simples e confortável e retornou ao andar inferior. Ligou o rádio da sala em um volume mais baixo apenas para preencher o silêncio e foi até à cozinha preparar um chocolate quente para si.

Olhou desejosa a garrafa de vinho que estava a um canto, mas já cansara de ouvir mil recomendações da sogra sobre não beber nada alcoólico por conta da amamentação, então isso estava fora de cogitação, mesmo que, muitas vezes, morresse de vontade de afundar sua consciência no líquido rubro.

Há alguns metros dali, Dimitri parou para poder admirar o sobrado branco todo iluminado, após sua longa caminhada. Lembrou-se de como o havia construído desde a fundação até a última gota de tinta aplicada sobre as paredes. Claro que contara com a ajuda de construtores, pedreiros e até mesmo seus amigos para aquele intento, mas poderia se orgulhar de ter estado presente em cada etapa da construção. Queria que fosse o lar perfeito para sua linda esposa.

Ao se aproximar mais da casa, começou a ouvir latidos insistentes que vinham de seu interior. Rose abandonou sua caneca com chocolate quente na cozinha logo que aquilo começou para ver o que se passava com o cachorro. Seu comportamento era completamente anormal. Ele detestava ficar sozinho do lado de fora e, por isso, ela sempre deixava que dormisse na sala ou no corredor, mas hoje ele estava totalmente irrequieto, pulando e arranhando a porta de entrada loucamente, buscando sair.

– O que houve, Boomer? – perguntou tentando contê-lo sem sucesso e observando se havia algum animal na varanda para levá-lo a agir dessa forma. – Vai acordar Dimka se não parar com isso.

Sem encontrar a fonte do alvoroço, decidiu trancá-lo no canil antes que assustasse seu bebê. Pegou-o pela coleira e o guiou por dentro da casa, saindo pela porta dos fundos. O cão tentou fugir algumas vezes e ela teve um tanto de trabalho para fechar a grade com ele pulando e latindo desesperadamente ali.

Bastante intrigada com aquele comportamento, Rose retornou ao interior do sobrado, indo até a janela que dava para a varanda, tentado mais uma vez verificar se havia algo de errado do lado de fora.

Foi quando o viu.

Definitivamente havia um homem observando a casa, próximo a margem do rio. Não conseguia distinguir suas feições por conta da escuridão e não sabia se era algum conhecido, mas não iria arriscar.

Xingando-se mentalmente por não ter dado atenção ao alerta de Boomer antes, foi até a cômoda da sala e retirou uma arma de dentro da gaveta. Dimitri havia lhe ensinado a atirar há alguns anos. Ele dizia que era uma forma dela se proteger em último caso e, pelo visto, chegara a hora de testar suas habilidades.

O russo notou quando Rose apareceu na janela e, instantes depois, assistiu-a sair pela porta da frente com um revólver na mão. Ela devia ter percebido sua presença ali e, sem o reconhecer, acreditou tratar-se de um invasor. E, como a cabeça dura que era, ao invés de se trancar em casa e ligar para o xerife, resolveu enfrentar o perigo por si só.

– Vá embora agora ou eu atiro – ela ordenou com a voz firme, apontando a pistola em sua direção. Sua pequena era tão corajosa quanto imprudente.

Não pôde deixar de temer por sua atitude e dar graças por ser ele ali. Infelizmente, presenciara todo tipo de cena na guerra e sabia o que certos tipos de homens poderiam fazer com uma mulher sozinha e desprotegida. Ainda mais uma mulher tão bela como Rose.

Dimitri começou a andar em direção à morena lentamente, com as palmas das mãos voltadas para cima em sinal de rendição. Não era assim que tinha imaginado aparecer diante dela, mas já que não tinha mais jeito, tentaria não assustá-la.

Ele percebeu a mudança em seu semblante conforme se aproximava e sua face ficava mais visível a ela. Rose primeiro prendeu sua respiração por um instante, então abriu os lábios ligeiramente para soltar o ar e seus olhos se encheram de lágrimas.

– Eu enlouqueci de vez – disse de forma entrecortada pouco antes de abaixar a arma com as mãos oscilantes e soltá-la, deixando-a cair aos seus pés.

– Não, Roza, eu estou aqui de verdade – o russo baixou as mãos e avançou de forma mais decidida a fim de vencer aqueles poucos passos que os separavam.

– Uma alucinação diria exatamente isso – a morena balbuciou, mas ainda assim ele escutou, o que o fez rir instantaneamente. Ela sempre tinha uma resposta para tudo.

Enfim, ele a alcançou e levou suas mãos ao rosto dela, tocando-a com delicadeza. Rose lhe parecia tão frágil, quase prestes a se quebrar e, por isso, conteve a ânsia de apertá-la em seus braços.

– Você sente isso? – perguntou quando ela ofegou ao seu toque. – Você me sente?

A pequena apenas anuiu com a cabeça, sem encontrar forças suficientes para falar. Ela sonhara com aquilo tantas e tantas vezes, mas nunca lhe parecera tão palpável. Estendeu suas mãos e as pousou sobre o peito dele sentindo o calor que emanava de sua pele por baixo da camisa e as batidas de seu coração que estavam tão aceleradas quanto as suas.

Rose perscrutou o rosto que tanto amava em meio às lágrimas que agora corriam por seus olhos em um fluxo contínuo. Na última vez que o vira, seus cabelos estavam curtos, como cabe a todo militar, porém agora eles haviam voltado a crescer. Não chegavam nem perto de ser como eram antes, mas isso era uma questão de tempo. Além disso, a barba dele estava por fazer, o que o tornava ainda mais real.

Porém, o que prendeu sua atenção, foi a intensidade daqueles olhos cor de chocolate. Eles a analisavam com cuidado, como se bebendo a sua imagem. E quanto amor transbordava desses olhos.

Sem se importar mais um segundo se aquilo era verdade ou apenas fruto de sua imaginação, a morena subiu suas mãos pelo corpo dele para enlaçar o seu pescoço a fim de puxá-lo para si e o homem deixou extravasar a necessidade que sentia por abraçá-la. Rodeou-a com seus braços, trazendo o pequeno corpo junto ao seu, sentindo-o trêmulo, e baixou seu rosto até que, enfim, suas bocas se encontraram. As lágrimas dela deram aos seus lábios um sabor salgado, mas isso não importava. Nada mais importava. Eles estavam juntos mais uma vez e finalmente o russo se sentia completo.

O beijo se iniciou com suavidade, como se ambos estivem testando um ao outro, mas logo eles foram tomados pela necessidade e a paixão que os assolava. Suas línguas se encontraram em uma sincronia perfeita, explorando o território que pertencia uma à outra. Rose se agarrou desesperadamente a ele, sentindo suas pernas fraquejarem, ao passo que Dimitri a apertou mais fortemente contra si como se aquele contato nunca fosse suficiente. E na verdade não era.

Estavam sedentos um pelo outro e apenas apartaram os lábios quando respirar se tornou absolutamente essencial. Ainda assim não se afastaram um único milímetro desnecessário, com Dimitri segurando o corpo de sua mulher de forma possessiva enquanto esta se prendia nele como se fosse sua salvação.

– Você está mesmo aqui. Você é real – ela falou com a voz fraca entre golfadas de ar que saiam em arcos rápidos.

– Estou, meu amor – o russo respondeu lançando à Rose um daqueles sorrisos que ela tanto amava. – Eu prometi que voltaria pra você.

Realmente ele havia prometido. Dimitri a havia abraçado quase tão forte como agora e lhe jurara que voltaria como todas as outras vezes. Rose acreditara nessas palavras, pois seu camarada nunca deixara de cumprir nenhuma das promessas que lhe fizera.

Foi por isso que doera tanto quando achou que ele tinha morrido e talvez fora por isso que ela ainda sentia que ele voltaria. E ele o fez.

– Como isso é possível? – ela questionou deixando o choro voltar a dominá-la e o marido afagou sua face para limpar as lágrimas. – Eles disseram que você estava morto, que era você dentro daquele caixão.

– Eu sei, Roza, mas não era. Vamos lá pra dentro que eu te conto tudo o que houve.

– Não sei se tenho forças para andar – ela devolveu sentindo que a única coisa que a mantinha em pé naquele momento era Dimitri.

– Não tem problema, eu levo você. – Ele sorriu mais uma vez antes de soltar seu rosto e passar o braço por baixo dos joelhos de Rose, mantendo o outro em suas costas, e erguendo-a como se não pesasse nada.

A morena soltou uma pequena risada com aquele gesto e se aninhou em Dimitri, sentindo pela primeira vez em muito tempo a sensação de aconchego e proteção que ele sempre lhe transmitia.

Por sua vez, o russo percebeu o quanto Rose lhe parecia pequena e vulnerável, conforme avançava para dentro da casa.

Ele havia se deixado enviar para o outro lado do mundo para defender seu país, enquanto tudo o que realmente precisava proteger estava ali em seus braços. Como fora tolo em perceber isso só agora. Achava que tinha algo a retribuir àquele país, quando, na verdade, tinha uma dívida muito maior para com Rose que jamais conseguiria saldar. Jamais poderia lhe compensar da mesma forma por toda a felicidade e o amor que ela lhe transmitia. Esse amor que o salvara, que o ajudara viver cada um de seus dias até aquele momento.

Ele se sentou no sofá ainda mantendo o pequeno corpo de sua mulher em seu colo e se pôs a narrar todos os acontecimentos, alisando seus longas madeixas escuras enquanto falava. Rose prestou atenção a toda a narrativa com uma paciência incomum para ela. Estava extasiada por poder olhá-lo novamente, sentir sua respiração cálida em seu rosto, sentir seu coração batendo sob sua palma que manteve repousada no peito dele. Dimitri era um verdadeiro milagre e ela sabia que não teria joelhos suficientes para agradecer a Deus por tê-lo trazido de volta. Porque, sim, agora ela podia acreditar que havia alguma força maior olhando por ela. Só podia haver.

– Eu não conseguia aceitar quando seu superior disse que você havia sido morto em batalha – ela contou quando o russo terminou de fazer seu relato e, instintivamente, pegou a aliança do marido que estava pendurada em uma corrente em seu pescoço. Ele acompanhou seu gesto com o olhar, sentindo seu coração se apertar. – Eu só acreditei...

– Quando lhe entregaram minha aliança – Dimitri concluiu a frase por ela, pousando sua mão sobre a dela.

É claro que a pequena acreditaria em sua morte se lhe entregassem o símbolo de sua união. Ele jamais a perderia em sã consciência. Porém ele o fez. E aquele pequeno momento de descuido causou tanta dor a sua amada.

 – Eu sinto muito, minha Roza. Sinto tanto que tenha passado por isso.

– Não é culpa sua, camarada – Rose lhe lançou um sorriso complacente e ele sentiu um sorriso se formar em seu próprio rosto quando ela pronunciou seu apelido. Não fazia ideia do quanto sentira falta de ouvi-la chamando-o assim. – O que importa é que você está aqui.

A pequena soltou o fecho da corrente e fez o aro escorregar para sua palma. Assim que ela pegou a mão esquerda do marido para devolver a aliança ao lugar onde pertencia, o rádio, que até então estava ligado sem ser notado, começou a tocar uma música romântica antiga⁴ que fez mais algumas memórias fervilharem na mente de Dimitri.

Inesquecível.

– Você lembra dessa música? – a morena questionou, olhando-o de soslaio ao beijar a aliança que agora estava de volta em seu dedo anelar.

– Sim, é a nossa música – ele respondeu afagando a palma da mão dela, após forçar um pouco sua mente para capturar aquela lembrança por inteiro. – Nós a dançamos na festa de formatura e você estava perfeita naquele vestido vermelho.

Rose ergueu os cantos dos lábios e seu olhar se suavizou, sendo remetida às mesmas recordações.

Logo após o fim da festa, os dois despistaram os demais e foram para uma velha cabana dentro das terras do pai dela a qual haviam descoberto em uma de suas cavalgadas. Dimitri havia gasto alguns dias depois disso fazendo reparos no local para transformá-lo num refúgio só deles e o que aconteceu ali marcou para sempre suas vidas. Aquela fora a primeira noite em que fizeram amor, a primeira vez dela.

Apesar de a morena receber uma certa fama por ser uma "namoradeira", como Janine a classificava, ela nunca havia passado de alguns beijos e poucos amassos. O russo morrera de ciúmes de cada um daqueles idiotas que ousara cruzar o caminho de sua pequena, mas nunca fez nada a respeito até trocarem seu primeiro beijo nos estábulos. Naquele dia ambos souberam o que significavam um para o outro, mas foi na noite da formatura, naquela simples cabana, que ele soube que ela nunca pertencera a mais ninguém e nunca pertenceria. Rose era apenas dele da mesma forma que ele seria eternamente dela.

– Você recitou cada um dos versos ao meu ouvido enquanto dançávamos – ela comentou, sentindo-o levantá-los do sofá e colocá-la sobre seus pés para enlaçar sua cintura e moverem-se ao ritmo da música.

A morena envolveu seus braços no pescoço dele e repousou sua cabeça no peito do marido, se deixando ser conduzida por alguns minutos. Eles não dançavam realmente, apenas estavam curtindo a proximidade de seus corpos e seus corações após tanto tempo separados.

– Cada frase dessa música não podia ser mais verdadeira – Dimitri disse após algum tempo. – Você é inesquecível, Roza. Mesmo que não me lembrasse quem era, sua imagem estava fixada em minha mente. Era a única certeza que eu tinha sobre mim mesmo.

Rose afastou-se um pouco para poder olhá-lo.

– Mesmo quando esteve com Natasha? – Sua pergunta saiu quase num sussurro e o russo parou de se movimentar ao ver a hesitação em seus olhos.

Durante sua narrativa, ele havia sentido que a pequena ficara um pouco tensa no trecho que envolvera sua amizade com a enfermeira, mas o homem via claramente em sua expressão que ela não o julgava por isso, apenas estava insegura.

– Roza – Dimitri segurou o rosto da esposa com ambas as mãos para que ela pudesse sentir toda a verdade em suas palavras. – Foi a sua voz me chamando que me fez acordar do coma e foi apenas por saber que você existia em algum lugar que continuei vivendo mesmo sem ter esperanças. Nenhuma mulher jamais poderia ocupar o seu espaço. Só existe você em meu coração.

Ele selou suas juras em um beijo calmo e Rose se entregou àquele contato deixando que este aplacasse todas as dúvidas que pudesse ter. Ela sabia que o amor deles era maior do que qualquer coisa, maior até do que a própria morte, e não havia sentido em alimentar aquelas inseguranças.

Cedo demais ele afastou seus lábios, encostando sua testa na dela, olhando-a travessamente.

– Eu é quem deveria estar com ciúmes – disse de forma a provocá-la. – Fiquei tanto tempo fora que você já poderia ter me esquecido e me substituído por outro.

– Seu bobo – a morena deu um pequeno empurrão nele, arrancando-lhe uma risada. – Você sabe que é o único para mim. Eu nunca deixaria outro homem entrar nessa casa... A não ser... – a morena hesitou no meio da frase e o olhou com espanto.

– O que foi, Rose? – O russo se sentiu desconfortável instantaneamente. A não ser quem? Quem estivera ali enquanto ele não estava?

– Venha, eu preciso te mostrar algo – ela se desvencilhou de seus braços e pegou sua mão, já puxando-o no sentido da escada.

Dimitri ficou um pouco atordoado com aquela mudança súbita, mas acabou seguindo-a mesmo assim. Quando já estavam no meio do corredor do andar de cima, Rose virou seu rosto em sua direção, mordendo o lábio inferior, e o olhando com um brilho de expectativa nos olhos.

– Você se lembra da última vez que esteve aqui? – a pequena questionou e ele apenas anuiu. Não tinha uma conta exata em mente, mas sabia que fazia mais de um ano. – Naquela vez você deixou um presente aqui comigo.

Um presente? Do que ela estava falando? Ele forçou a memória para tentar entender aquilo, mas não se recordava de ter deixado nada ali com ela.

Só que, antes que pudesse questionar a respeito, Rose abriu a porta do quarto que ficava mais próximo aos aposentos do casal e indicou com a cabeça para que ele entrasse, abrindo espaço para sua passagem.

Sentindo o coração palpitar no peito ao começar a compreender, Dimitri venceu os passos restantes até a porta, observando o interior do cômodo. Por muito tempo haviam mantido-o sem qualquer móvel, pois esperavam que um dia pudessem decorar este quarto adequadamente para seu primeiro filho. Agora havia uma suave luz vinda de um abajur que iluminava parcamente o ambiente e através dela o russo conseguiu divisar a cômoda onde estava apoiado o objeto, uma poltrona, um pequeno armário e um berço com algumas formas penduradas acima dele.

Ele congelou onde estava. Será possível que poderia ser tão abençoado desta forma?

Olhou para Rose e esta elevou a mão à face dele para limpar uma lágrima que ele nem percebera que deixara escapar.

– Vá até ele, Dimitri. Vá até o seu filho.

Como o militar que era – ou pelo menos fora um dia –, Dimitri nunca hesitava. Nunca tremera diante de um desafio. Porém, naquele momento, ele sentia seu corpo inteiro vibrar. Sentia-se como um garotinho que estava diante do seu maior desafio, o qual, ao mesmo tempo, lhe traria a maior recompensa de toda sua vida.

Obrigou seus pés a se moverem e quebrarem a distância até o berço onde divisou um bebê de cabelos castanhos dormindo tranquilamente. Mais uma vez olhou para a esposa que o seguia de perto, sem saber se lhe pedia permissão para pegá-lo ou se estava questionando se ele era mesmo real. Ela apenas acenou para que o russo avançasse, mal contendo as próprias lágrimas.

Apesar das mãos trêmulas, pegou o filho com firmeza e o ergueu suavemente até seu colo, aninhando-o em apenas um braço. Acariciou com delicadeza seu rostinho e os finos fios de cabelo até escorregar sua mão para a dele que agarrou seu dedo indicador com firmeza. Ele era perfeito.

– Dimka, acorde pra conhecer o papai – Rose falou com a voz embargada ao seu lado, dando um delicado beijo na nuca da criança.

– Você deu meu nome a ele? – O homem perguntou sem desviar seus olhos daquele pequeno milagre, não sabendo como conseguia se emocionar ainda mais. Parecia que seu peito estava prestes a explodir de tanta felicidade.

– Sim. Ele era o único pedaço de você que eu acreditava ainda estar vivo, então achei que fazia todo o sentido.

Sentindo a agitação à sua volta, o bebê acabou acordando e fixou seus olhinhos em Dimitri. Rose se espantou por ele não ter chorado logo de cara, já que Dimka detestava ficar no colo de estranhos. Só que ali não era um estranho. Era o pai dele e, de alguma forma que só a natureza sabia explicar, ele o reconheceu mesmo sem nunca terem estado próximos um do outro antes disso.

– Ei garotão – o russo mudou a posição do filho, apoiando sua cabeça em uma mão e virando-o para ficar de frente para ele. – O papai está tão feliz de te conhecer. Você é tudo o que eu sempre quis, meu filho.

Rose não conseguia parar de rir e chorar ao mesmo tempo. Era uma cena mais do que perfeita. Os dois homens de sua vida enfim juntos. Jamais poderia ser mais feliz do que naquele momento.

– Ele é lindo, Roza – Dimitri comentou tão emocionado quanto. – Tem a sua boca.

– Não, camarada – a mulher sorriu condescendente. – Dimka é uma cópia sua. Às vezes, quando a luz brilha nos cabelos dele ou quando o vejo sorrindo, ele me deixa sem fôlego, pois penso estar vendo você.

A morena se perdeu em lembranças por um instante, deixando escapar uma expressão melancólica, e Dimitri novamente sentiu o peso da culpa por tê-la feito sofrer tanto.

– A única coisa que ele puxou de mim foi a pressa – ela acabou emendando, tratando logo de trazer seus pensamentos para o presente. – Dimka nasceu antes do que devia, quando eu estava apenas com trinta e cinco semanas de gestação. Foi logo após o seu... Bem, o seu suposto enterro.

Ela buscou omitir que os médicos lhe disseram que seu estado emocional havia induzido o parto prematuro, mas o russo pescou aquela informação no ar, olhando-a com pesar. Quantas coisas sua pequena teve de enfrentar sem ele?

– Eu devia ter estado ao seu lado quando isso aconteceu – disse de forma grave, contendo a raiva que sobrepunha o remorso. – Aliás, deveria estar junto a você durante toda a gravidez.

– Não se culpe – ela passou a mão suavemente em seu ombro para acalmá-lo. – Você não tinha como controlar o que aconteceu. E agora você está de volta.

– Estou – reafirmou as palavras da esposa, capturando sua mão para depositar um beijo nela. – E nunca mais sairei do lado de vocês novamente. Não vou deixar que nada mais lhes aconteça, eu prometo.

– Eu sei, meu amor. Acredito em você. Sempre acreditei.

Apesar de toda a emoção que tomara conta do casal, com suas juras sendo reafirmadas diante da verdadeira prova de seu amor, algumas coisas não podiam ser contidas como a fome de um bebê e logo seu choro tomou conta do quarto. Dimitri, compreendendo o que o filho queria, entregou-o à mãe que se sentou na poltrona para amamentar a criança. O russo se ajoelhou frente a eles, observando a imagem mais linda que já vira em toda a sua vida.

A morena olhou para o marido que portava um enorme sorriso no rosto, daqueles que iluminavam sua própria alma, e esticou a mão livre para ele que a arrebatou instantaneamente. Apesar de estar reluzindo felicidade, seu camarada parecia um pouco mais pálido que o normal e olheiras se formavam abaixo de seus olhos.

– Você comeu alguma coisa hoje? – ela questionou.

– Não importa – foi sua resposta, mesmo que enfim tivesse percebido o quanto estava faminto. Aquilo poderia esperar.

– Importa sim – Rose disse severamente. Agora que o tinha junto a si novamente iria enchê-lo com todos os cuidados. – Vai tomar um banho enquanto eu termino de alimentar Dimka e preparo algo para você.

– Roza...

– Faça o que eu te peço, meu amor – ela interrompeu seu protesto com delicadeza. – Terá todo o tempo do mundo para ficar conosco, mas você precisa estar inteiro para isso.

Embora quisesse teimar com a mulher, Dimitri sabia que ela tinha razão e acabou seguindo sua sugestão. Deu um beijo no filho e outro em sua pequena, relutando em soltar sua mão, e então seguiu para o próprio quarto.

Com certo espanto, percebeu como tudo estava exatamente do modo como se recordava. Até mesmo suas roupas continuavam penduradas na ordem em que deixara. Aquilo provocou-lhe um misto de emoções e o fez se questionar como teria sido para sua Roza conviver todo esse tempo com todas aquelas recordações tão presentes. Por que ela se deixara torturar dessa forma?

Por mais duro que fossem seus dias quando não se lembrava de nada, por mais que se martirizasse e se desesperasse por não saber quem era, de certa forma aquilo o protegera da dor da separação. Mas não a Rose. Ela vivera todo esse sofrimento dia após dia, tendo que criar o filho deles até aquele momento sozinha, sem ter qualquer esperança de que poderiam voltar a se encontrar novamente.

Ah, minha menina! Tenho tanto a lhe retribuir.

Após tomar uma ducha rápida e fazer a barba, Dimitri quase sentia como se nem um dia tivesse se passado desde a última vez que estivera ali. Escolheu vestir uma camiseta básica e uma calça de moleton, então desceu para encontrar sua esposa à cozinha que o recebeu com um sorriso luminoso nos lábios.

Rose poderia apostar que nunca mais pararia de sorrir. Seu camarada estava mesmo ali. E agora se parecia tanto com ele mesmo, com a barba feita e vestindo suas próprias roupas. Era como se todos aqueles meses não passassem de um mero pesadelo.

Logo que o russo avançou no cômodo, seu olhar foi atraído para o carrinho de bebê onde Dimka estava concentrado em seu mordedor. Ele se agachou próximo ao filho e brincou com o menino por um instante, sendo observado pela esposa que pôde reparar com mais cuidado o quanto a semelhança entre eles era realmente espantosa. Não só a cor dos olhos e dos cabelos, mas o formato do rosto, do nariz e até mesmo a forma como sorriam um para o outro.

– Coma antes que esfrie – Rose chamou a atenção do marido, colocando o prato sobre a mesa, então se dirigiu ao filho para pegá-lo em seus braços. – Havia sobrado um pouco do que Olena fez e dei uma complementada. Espero que seja o suficiente.

– Está ótimo, Roza. – Dimitri sorriu para ela ao se sentar para saborear a refeição. – Minha mãe tem cozinhado pra você?

– Ela faz isso de teimosa que é – a morena explicou se sentando à mesa também com o filho no colo. – Olena já faz mais do que devia vindo aqui e cuidando de Dimka o dia todo pra mim, mas ela insisti que eu estou magra demais.

– E está – ele devolveu quase em tom de reprimenda, da mesma forma que a sogra o fazia. Rose sentiu vontade de rir daquilo. Não eram só pai e filho que eram parecidos afinal.

– Amamentar emagrece, camarada – ela respondeu, evitando propositalmente os olhos do marido para que ele não percebesse que aquilo não era inteiramente verdade.

– Pode até ser, mas não é o motivo principal e você sabe disso porque não está olhando para mim – insistiu o homem, sabendo exatamente que sua pequena fazia aquilo quando estava escondendo algo dele. Dimitri a conhecia melhor do que a si mesmo. – E nós vamos mudar isso.

– Não vou discutir – ela disse com um brilho de contentamento nos olhos por perceber que certas coisas nunca mudam. – Aliás, acho que nunca mais vou discutir com você por nada.

– Vou me lembrar disso para referências futuras – o homem disse erguendo uma sobrancelha e rindo de forma maliciosa, apesar de sentir o mesmo que a morena.

Rose revirou os olhos de forma dramática e desviou sua atenção para Dimka, tentando fazê-lo repetir a palavra "papai" para mostrar para Dimitri, mas o filho teimosamente ignorava os apelos da mãe. Isso fez o russo soltar uma risada por notar que a criança tinha herdado um dos traços mais marcantes da personalidade da esposa.

Em dado momento, o menino começou a bater suas mãozinhas na mesa rindo e a morena se deu conta que o rádio da sala ainda estava ligado e havia começado a tocar uma das músicas favoritas do marido.

– Esse pequeno traidor adora ouvir essa velharia que sua mãe põe para ele escutar – comentou em tom de provocação. – Antes mesmo de nascer, se agitava todo quando tocava um dos seus cds e Viktoria me fazia ficar ouvindo isso só pra sentir ele se mexer.

Na realidade, era a própria Rose quem colocava as músicas de Dimitri para tocar, mas jde modo algum admitiria isso para ele, já que criticar seu gosto musical era quase um esporte para ela.

Ouvir aquelas canções aliviava o vazio em seu peito provocado pela saudade dele quando estava longe e, depois, por sua morte. Era fácil fingir nessas horas que o russo apenas estava enfurnado em algum dos cômodos consertando algo ou fazendo uma das inúmeras reformas e ampliações que vivia inventado quando estava em casa.

– Queria ter visto você grávida – ele comentou um tanto cabisbaixo, deixando que uma pequena ruga se formasse em sua testa. Mais uma vez se dava conta do quanto havia perdido por estar longe. –  Deve ter ficado linda.

– Eu fiquei enorme, isso sim. Foi a desculpa perfeita pra sua mãe me encher de comida. Ainda mais nas últimas semanas de gestação em que fiquei na casa dela – a pequena contou de forma debochada para aliviar suas preocupações e Dimitri sentiu um pouco de alívio ao perceber que pelo menos sua família estivera cuidando de Roza e seu filho por ele. – Vikka tirou algumas fotos minhas para registrar a evolução da gravidez.

– Onde elas estão? – perguntou já ansioso por vê-las.

Ele fez menção de se levantar, mas permaneceu no lugar ao ver o sorriso de Rose esmorecer e sua expressão nublar-se.

– Com tudo o que aconteceu, não consegui ficar com o álbum e o deixei na casa da Olena. Sua irmã o fez justamente pra te dar quando voltasse e doía demais saber que você nunca o veria.

Ela desviou os olhos, tentando bravamente disfarçar a tristeza que lhe acometeu. Não havia sentido em continuar sentindo aquilo agora que Dimitri estava ali, mas não podia evitar ser dragada para aquela dor que estivera tão presente nos últimos meses.

É claro que o russo não se deixou enganar nem por um instante. Tinha consciência de que demoraria algum tempo para que a pequena conseguisse afastar aquele sofrimento de seu coração e jurou a si mesmo naquele momento que não iria descansar até que a fizesse a mulher mais feliz do mundo.

– Iremos buscar essas fotografias assim que possível. Elas são minhas, afinal – disse antes de  se inclinar para dar um beijo em sua bochecha, fazendo-a olhá-lo mais uma vez e trazendo um novo sorriso para o rosto de sua amada.

– Isso me faz pensar que precisaremos ter um pouco mais de cuidado ao contar as novidades pra sua mãe. Vai matá-la do coração se chegar na casa dela da mesma forma que apareceu aqui.

– Bom, pelo menos tenho certeza que ela não vai me receber com uma arma apontada pro meu peito – Dimitri soltou com um ar de provocação, fazendo com que Rose inundasse o ambiente com sua risada.

– Sinto muito por isso – respondeu dando de ombros.

– Não precisa se desculpar, Roza. Mas me prometa que não fará isso novamente. Poderia não ser eu ali – pediu agora um pouco mais seriamente.

– Só prometo porque eu sei que você está aqui conosco e não precisarei atirar em mais ninguém.

O russo a olhou com cuidado vendo a confiança que a esposa tinha nele faiscar em seus olhos. Como podia merecer uma mulher como aquela?

– Vem cá – pediu, afastando sua cadeira para que ela tivesse espaço para se sentar.

A morena foi até ele ainda carregando o filho e, quando sentou em seu colo, Dimitri os rodeou com seus braços protetores. Naquele momento ele sentiu que abraçava o mundo inteiro. O seu mundo inteiro.

– Você sabe que eu prometi proteger vocês e cumprirei isso, mas não posso estar por perto todo o tempo, então preciso ter certeza que estarão em completa segurança. Se algo acontecesse a vocês, eu não suportaria. Não sou tão forte quanto você.

– Não se preocupe, meu amor, nada vai nos acontecer – Rose falou, pouco antes de aproximar seus lábios dos dele.

O beijo não passou de uma mera carícia, pois Dimka começou a resmungar e ameaçar um pequeno chorinho.

– Temos alguém com ciúmes aqui? – questionou o russo com divertimento.

– Não, acho que temos alguém com a fralda suja e precisando voltar a dormir – a mulher explicou pulando do colo do marido. Ao observar que ele já havia terminado sua refeição, entregou a criança para Dimitri. – Está na hora de aprender como se faz, camarada.

Rose teve a impressão de que, por um instante, pai e filho se entreolharam como se ambos duvidassem da capacidade do mais velho de fazê-lo e teve de rir daquilo.

– Não precisa ter medo, eu te ensino – ela assegurou e o homem se levantou com o menino nos braços para encarar o desafio, seguindo-a para o andar superior.

No final das contas, nem foi tão difícil quanto ele imaginara. A esposa o guiou todo o tempo e Dimka pareceu compreender a inexperiência do pai, comportando-se como um pequeno cavalheiro enquanto estava sendo limpo e trocado. Depois disso, Rose diminuiu as luzes e deixou seus rapazes sozinhos para que Dimitri fizesse o bebê dormir e foi até a cozinha ajeitar a bagunça.

– Obrigado por cuidar da mamãe enquanto o papai não estava por perto – sussurrou quando se viu sozinho com o menino, aconchegando-o em seus braços. – Agora estou de volta pra tomar conta de vocês dois, então não precisa mais se preocupar.

Ele começou a dar algumas voltas no quarto, observando o sono começar a tomar o bebê aos poucos e seus olhinhos se fecharem, conforme acarinhava suavemente sua cabeça.

– Eu já te amo muito, meu filho. Você é o meu maior presente. É mais do que eu mereço.

Então, Dimitri começou a cantar uma velha canção russa que sua mãe sempre cantarolava quando ele e suas irmãs eram crianças. Achava que não acertaria toda letra, mas conseguiu relembrar cada uma das estrofes, sentindo-se extasiado por perceber que menos de vinte e quatro horas antes não se recordava nem de seu nome e, naquele instante, conseguia se lembrar daquela música. Tudo graças a sua Roza e àquele grande amor que os unia.

Quando Dimka estava completamente adormecido, colocou-o com cuidado no berço e ligou a babá eletrônica, como a esposa havia instruído.

Ao se virar para sair do quarto, seu olhar foi instantaneamente capturado pela bela mulher que estava apoiada na soleira da porta. Rose sorria e o olhava com imenso carinho, apesar de estar novamente derrubando algumas lágrimas.

– Você não faz ideia de quantas vezes sonhei com isso – ela balbuciou para Dimitri quando este se aproximou para limpar sua face. – Com você neste quarto junto com Dimka, com a nossa família finalmente completa.

A morena se abrigou nos braços do marido, agarrando-o o mais firmemente que pôde para garantir que ele estava mesmo ali.

– Não precisa mais sonhar – o russo assegurou, apertando-a tão fortemente quanto e a beijou de forma furiosa, tentando aplacar aquele sentimento devastador que se apoderava de seu peito toda vez que a via chorar.

Queria poder dar tudo o que tinha dentro de si para fazê-la esquecer aquela angústia. Queria poder apagar os últimos meses de tristeza apenas com o toque de seus lábios e seus corpos.

– Me perdoa? – ele pediu, apartando minimamente suas bocas, notando que a havia prendido contra a parede do corredor. – Me perdoa por toda essa dor, me perdoa por não ter escutado quando me pediu para não me alistar.

– Eu já te perdoei, camarada – Rose disse segurando o rosto de Dimitri para olhá-lo nos olhos. – Perdoei tudo o que você poderia ter feito e tudo que poderia fazer no dia em que me entreguei a você. No dia em que eu decidi ser sua e de mais ninguém.

– Ah minha Roza – o russo voltou a beijá-la apaixonadamente e desceu suas mãos pelo corpo da esposa para segurá-la firmemente e erguê-la à sua altura. A morena, por sua vez, envolveu a cintura dele com as pernas, escorregando as mãos por seus ombros largos, conforme ele a levava para o quarto.

Com extrema delicadeza, ele pousou a esposa à beira da cama e se ajoelhou a sua frente, olhando-a com admiração. Ela era tudo para ele. Era sua vida. Sua própria alma.

– Eu te amo tanto, Roza. Amo mais do que saberia explicar.

– Não há necessidade de explicar. Eu sinto esse amor em mim da mesma forma – a mulher disse voltando a beijar os lábios do marido em uma gentil exploração.

Dimitri queria ir com calma, queria tomá-la de forma suave, mas a necessidade por Rose dentro de si o devorava como se estivesse sufocando e ela fosse o ar mais doce, então logo o beijo foi se tornando faminto e, quando deu por si, estava arrancando o vestido que ela usava enquanto espalhava beijos por todo seu pescoço.

Um rubor lento e intenso subiu pelo rosto da morena por conta da simplicidade de sua lingerie, em especial o sutiã para amamentação.

– Desculpe. O vestuário de mamãe não inclui nada muito sexy.

– Você é perfeita de qualquer maneira – disse o russo olhando-a com profunda admiração.

Para ele não havia visão mais linda no mundo que a sua mulher. Nenhuma outra poderia lhe roubar o fôlego como ela o fazia.

Ele tirou seu sutiã e tomou seus seios com devoção, ouvindo-a suspirar pesadamente. Rose sentiu o desejo queimar fundo em seu âmago como há muito não sentia e se deixou explorar o tórax de Dimitri para despi-lo de suas peças igualmente.

Logo todas as roupas estavam espalhadas no chão do quarto e o marido a deitou na cama para reverenciar cada centímetro da pele dela com seus beijos, rememorando seu sabor e seus gemidos até que se colocou sobre a pequena e a penetrou com cuidado.

Seus corpos se mexiam em sincronia, como se fossem duas engrenagens que se encaixavam perfeitamente, e seus espíritos se enlaçavam como se fossem um só, levando-os ao ápice devastador que os consumiu como uma chama viva. Naquele momento os dois se sentiram plenos, sentiram-se completos, pois pertenciam aos braços um do outro e nada era mais certo do que isso.

Após alguns instantes, deitaram-se frente a frente na cama com apenas alguns poucos centímetros os separando. Admiraram-se por longos minutos sem trocar uma única palavra. Em seus olhos estava todo o entendimento que necessitavam. Todas as juras, todas as declarações, todos os momentos que passaram juntos estavam ali presentes naquela troca de olhares e a dor, a saudade e as tristezas daqueles meses separados foram se dissipando.

– Por que guardou minhas coisas? – Dimitri questionou, quebrando o silêncio que os abraçava.

Embora Rose tivesse lhe perdoado e enfim pareciam estar prontos para colocar um ponto final em seu sofrimento, sentia a necessidade daquela resposta para poder perdoar a si mesmo.

– Lembra o que você me disse mais cedo sobre como, mesmo sem se lembrar de nada, a minha imagem era a única certeza que tinha?

Ele acenou afirmativamente antes dela prosseguir. Sem dúvida, nunca esqueceria disso.

 – Então, acho que, de certa maneira, aconteceu o mesmo comigo – a pequena disse sorrindo ao passar a ponta dos dedos em sua testa para desfazer o vinco que ali se formara. – De alguma forma eu sentia você, sentia como se aquele não fosse o fim. Algo me dizia que você voltaria exatamente da forma como fez para desfazer o que devia ser um engano. É claro que racionalmente eu sabia que nada disso era possível, afinal eu tinha enterrado você, mas não era algo que eu podia controlar.

O russo lançou um largo sorriso à esposa, fazendo-a ofegar, pensando em quão incrível era o fato de aquela mulher inesquecível considerá-lo tão inesquecível quanto.

De fato, eram a personificação de sua música. Nunca ninguém jamais significaria tanto para ele quanto sua Roza e ele tinha plena convicção que não poderia ter uma ambição maior na vida do que ser o melhor marido que pudesse ser para ela.

– Dizem que uma conexão como a nossa só acontece com almas gêmeas – ele falou, entrelaçando seus dedos nos grossos fios escuros do cabelo da morena, trazendo seu rosto ainda mais junto ao seu. – Pois eu digo que nós somos uma única alma dividida em dois corpos.

Rose capturou os lábios do marido antes que este pudesse prosseguir. Aquelas palavras não poderiam ser mais verdadeiras. Apenas se sentia inteira quando estavam juntos. Eles eram as metades de um todo.

E, naquele momento, ao conectarem seus corpos novamente buscando fundirem-se em um só tais quais seus próprios corações, ambos tiveram a mais pura certeza que, enquanto suas almas perdurassem, jamais estariam sozinhos novamente.

 

_______

 

¹dogtag é a placa de identificação que os soldados levam em seu pescoço que contém informações como nome, número de registro no exército, base de origem, tipo sanguíneo, religião, etc.

 

² A casa é ao estilo da casa da personagem Gabby Holland do filme "A Escolha" baseado no livro homônimo de Nicholas Sparks. Possui o mesmo tipo de varanda com a diferença de que a aqui na fic trata-se de um sobrado:

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(Se não viram o filme, recomendo muitíssimo)

 

³John Wayne é um ator americano famoso por suas atuações nos maiores sucessos do gênero de Western entre as décadas de 50 a 70. Alguns de seus filmes mais famosos são "Rastros de Ódio" de 1956 e "Bravura Indômita" de 1969.

 

⁴ "Unforgettable" - Nat King Cole

https://www.letras.mus.br/nat-king-cole/109730/traducao.html


Notas Finais


E foi isso.
Espero que tenham gostado :)

Foi um prazer enorme escrever essa história e quero muito saber a opinião de vocês. Digam se gostaram, se não gostaram, se a narração está boa, se há algo a ser melhorado, enfim, não deixem de comentar logo ali abaixo. Tenham certeza que vocês farão uma pessoa muito, muito, muito feliz com isso.
E se vocês gostaram muito, mas muito mesmo adicionem esta one aos seus favoritos e recomendem para as amigas, ok?

Um grande beijo!!!

P.S.: Caso queiram ler mais fics de VA de minha autoria é só ir lá no meu perfil que tem todos os links ;)


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