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História Único Motivo Para Viver - A família que o coração escolheu


Escrita por: Musuke

Notas do Autor


Betado por Dri :3

Capítulo 5 - A família que o coração escolheu


Capítulo 5: A família que o coração escolheu

 

 Quando seus lábios finalmente se separaram, a mente de Tsuna parecia estar vagando em algum lugar longe dali. Conseguiu ver o rosto de Kyoko corar violentamente bem próximo ao seu e só então se deu conta do que havia acabado de fazer.

- Hiiiee! – gritou dando um pulo para trás se afastando da moça, sentia como se todo o corpo estivesse em chamas – Me perdoe! Me perdoe! – implorava enquanto curvava o corpo para frente várias e várias vezes em reverências desajeitadas e desesperadas.

 Kyoko o olhava com surpresa, tocou os próprios lábios e deu um risinho.

- Tudo bem. – disse ela virando para o lado o rosto corado. Deu um riso nervoso e soltou o ar que nem percebeu que havia prendido. Um silêncio constrangedor caiu sobre os dois, nenhum se atrevia a olhar para o outro. – Eu... tenho que ir embora... Está tarde.

Assentiu. Ajudou a moça a guardar as coisas sem coragem de olhar para ela.  Em seu interior a felicidade se misturava com o constrangimento e o medo. Por que ela queria ir embora de repente?  Será Kyoko havia ficado brava, mas era boa demais para dizer? E se não quisesse mais se encontrar com ele por causa do seu atrevimento? Ela devia achá-lo um pervertido ou coisa do tipo.

Ela se levantou e ele continuou sentado de cabeça baixa.

- Então... amanhã na mesma hora? – seu peito pareceu explodir de felicidade ao ouvi-la dizer isso, finalmente olhou para ela.

- Sim! – respondeu quase gritando, sem conseguir conter a felicidade. Mordeu os lábios para não começar a rir como um maníaco – Quer dizer... Por mim tudo bem.

- Então até amanhã – disse ela sorrindo, deu-lhe as costas e foi embora saltitando. Quando ela saiu de sua vista soltou o grito de felicidade que estava segurando, uma alegria eufórica o consumiu e ele saiu correndo de volta ao castelo.

Suas pernas o levaram de volta em segurança, teve certeza que de alguma forma elas sabiam o caminho sozinhas, pois sua cabeça estava muito concentrada em outras coisas para prestar atenção aonde ia. Abriu as portas do salão de entrada e conseguiu se imaginar entrando ali com Kyoko, ela toda vestida de branco, a noiva mais linda do mundo.

Depois do casamento teria a festa e eles dançariam juntos alegremente. Cantarolou a música e começou a rodopiar com pelo salão, dançando a valsa com ela. Tsuna não sabia dançar, mas quem liga para isso? No mundo de sonhos onde estava tudo era perfeito, e os dois recém casados dançavam juntos felizes.

Enquanto dançavam os dois passaram por Giotto e Ugetsu que os encaravam, um tinha um sorriso estranho e o outro um olhar abismado. Estranhou a atitude dos homens, qual o problema deles?

Foi ai que ele entendeu: O problema é que Giotto e Ugetsu não estavam em seus sonhos, e sim no salão real observando o menino cantarolar e dançar sozinho.  Paralisou e fitou os homens desejando que um buraco se abrisse no chão e o engolisse naquele momento tão embaraçoso.

- É... Oi Tsuna – disse Ugetsu com um sorriso. Nem mesmo conseguiu responder.

- Teve um bom dia? – perguntou Giotto se segurando para não rir. Piscou sentindo o estômago revirar e tendo certeza que estava vermelho como nunca. Sua vontade era sair correndo dali, mas as pernas não lhe obedeciam – Vou entender isso como um sim.

Ugetsu olhou para Giotto com confusão e o loiro não conseguiu mais segurar e explodiu em uma gargalhada alta.

- Tsuna tem uma namorada – explicou Giotto e Ugetsu riu.

- Não! – gritou tendo certeza que iria ter um ataque do coração. – Não diga essas coisas vergonhosas Gio!

Nesse momento a porta atrás dos dois se abriu de modo estrondoso e dela surgiu G. Droga. Ele olhou para o sorriso de Ugetsu, Giotto rindo baixinho e Tsuna tão vermelho quanto chamas da tempestade e franziu o cenho achando tudo muito estranho.

- O que aconteceu aqui?

- Tsuna estava dançando. – começou Ugetsu.

-Sozinho. – completou Giotto dando bastante ênfase a palavra e lançando um olhar significativo para o ruivo que entendeu de imediato.

- Aaaaaaaaah – o ruivo sorriu – Fez coisas divertidas hoje não é Tsuna? – não entendeu bem o que ele queria dizer com isso, mas seu sorriso malicioso e o jeito como falou o deixou ainda mais vermelho (se é que era possível).

Giotto mais uma vez não aguentou e gargalhou, dessa vez até Ugetsu se juntou a ele.

- E-e-eu vo-vou para o meu quar-quarto – gaguejou e se apressou em direção as escadas, encarando o chão.

- Espera, vou com você. Precisamos conversar – disse Giotto tentando se recompor e veio atrás dele.

 - E você G? – ouviu Ugetsu perguntar, o ruivo olhou para ele – Você está ficando velho. Quando vai arrumar uma esposa?

  - CUIDA DA SUA VIDA! – berrou o ruivo e ergueu o pé, o moreno deu um salto para trás escapando por pouco de ter a cabeça chutada.

- Que violência – disse Ugetsu rindo. Ouviu Giotto dar um risinho pela cena dos dois amigos e o loiro colocou a mão em suas costas o guiando para onde poderiam conversar tranquilamente.

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Não podia se atrasar! Marcara com ela ao meio dia e sabia que já devia ser tarde. Andou apressado pelos corredores do castelo. Giotto saía de seu quarto no momento em que passara por ele.

- Não vai almoçar com a gente Tsuna? – perguntou Giotto.

Parou de andar e virou-se para o irmão encolhendo os ombros com um ar de culpa.

- Desculpe Gio, não vai dar.

- Tudo bem – o irmão deu um meio sorriso triste.  Giotto sentia sua falta agora que ele passava cada vez mais tempo fora de casa – Tome cuidado. Não se esqueça da nossa conversa de antes, quero conhecer essa garota.

Assentiu tentando imaginar um modo de adiar aquilo. Havia conversado com Kyoko sobre isso, ela ainda não se sentia pronta para estar entre dragões e não queria força-la a nada. Despediu-se de Giotto e atravessou o corredor apressado em direção as escadas.

- Volte a tempo para o jantar! – ouviu a voz de Giotto gritar quando já descia as escadas e já o havia perdido de vista.

- Vou tentar! – gritou de volta sem parar para responder.

Na base da escada, encostado a uma parede havia um grande relógio antigo de madeira, daqueles que se tem que dar corda. Olhou para ele e viu que faltavam apenas 30 minutos para a hora marcada para o encontro com Kyoko. Arregalou os olhos percebendo que estava mais atrasado do que imaginava, pois o caminho até Namimori não demorava menos de 50 minutos a pé. Deu meia volta desistindo do caminho que normalmente usava, pelas passagens subterrâneas seria mais rápido, já que era um caminho em linha reta até uma parte mais isolada da muralha da Terra dos Dragões, e atravessando a cidade dos dragões ele faria muitas curvas até chegar a muralha e poder sair.

Correu a toda velocidade em direção a cozinha, a abertura para as passagens era um alçapão na adega. A portinhola era feita para se mesclar ao piso, então poucas pessoas sabiam de sua existência. Gio lhe dissera que as passagens foram construídas pela família Vongola há séculos atrás quando aquelas terras estavam divididas pela guerra que tinha como objetivo dominar todo o território. Elas eram usadas para que pessoas importantes e mantimentos pudessem ir de um lado ao outro sem serem atacados e saqueados. Com o passar dos anos a maior parte das passagens havia se tornado inviável para o uso, pois a maioria havia cedido ou estava prestes a ceder. A que levava do castelo a muralha era uma das poucas que ainda era segura, Giotto havia lhe ensinado isso e ele acreditava no irmão.

O problema era que estava tão concentrado em sua corrida que mal prestara atenção no caminho, e ao fazer a curva dera de cara com o peito de alguém.

- Ai! – reclamou caindo sentado no chão.

- Seu desgra... – começou a insultar entre dentes uma voz masculina. Tsuna imediatamente se encolheu com o tom raivoso, sem coragem de olhar para a pessoa e dizer algo, mas nem precisou, pois a própria pessoa interrompeu xingamento -  Tsuna-sama me perdoe!

Olhou para cima vendo Gokudera com os olhos arregalados de preocupação.

  -Não se preocupe, a culpa foi minha. Me desculpe... – Gokudera se ajoelhou na sua frente.

 - O senhor está bem? – assentiu, mas Gokudera ainda parecia mais desesperado do que era necessário – Me perdoe, por favor. Não foi minha intenção.

Gokudera o pegou pelos ombros e o ergueu, colocando-o de pé sem o menor esforço, e Tsuna não pôde deixar de se espantar em como ele havia ficado forte nos últimos dez anos. Ele realmente não era mais aquele garotinho de olhos arregalados e amedrontados que chegara ao castelo escondido atrás de G, tão frágil que parecia que iria se quebrar caso alguém falasse muito alto com ele.

Tsuna ficara feliz com a chegada dele, pois mesmo com Giotto ele era uma criança muito solitária e não havia outra criança com quem ele podia brincar. Foi bem difícil conquistar a amizade de Gokudera, ele era muito fechado. Mas quando finalmente conseguiu o menino pareceu se transformar pouco a pouco, se tornando mais forte graças a orientação de G, e por alguma razão assumindo o papel de seu protetor. Nunca entendera o porquê de tanta devoção.

- Eu estou bem Gokudera-kun. É sério – disse, o rapaz pareceu se acalmar um pouco e Tsuna se lembrou que estava atrasado – Tenho que ir. Até mais tarde

- Tsuna-sama, por que tanta pressa? Algum problema? Quer que eu vá com o senhor? – perguntou Gokudera preocupado. Tsuna arregalou os olhos, conseguiu perceber a aproximação de alguém, mas não deu muita atenção, estava mais preocupado com outra coisa. A última coisa que ele poderia querer era Gokudera segurando vela.

- Não precisa! – as palavras saíram muito rápido, demonstrando afobação, o que o fez parecer um tanto grosseiro. Gokudera entortou a cabeça piscando sem entender a atitude – Desculpa, eu não quis falar assim. Eu... posso fazer isso sozinho, você pode ficar ai.

Gokudera assentiu com vigor.

 - Fica! – ordenou alguém ao lado de Gokudera, e Tsuna viu que era G com um sorriso maléfico lhe apontando o dedo – Senta! Late! – Gokudera olhou para ele furioso.

- Que merda é essa? – perguntou Gokudera aumentando o tom de voz, G deu uma risada com uma pitada de crueldade.

- Bom menino! – a mão que lhe apontava foi em direção ao topo de sua cabeça dando tapinhas nela.

- O que você tá fazendo G? – perguntou olhando para os tapas sonoros que G dava na cabeça do rapaz, Gokudera abaixava mais a cabeça a cada tapa. G olhou para ele, sem parar o que estava fazendo, com um sorriso cínico.

- Carinho no totó – Tsuna arregalou ainda mais os próprios olhos, os som dos tapas estava ficando mais altos.

- Pra mim parece que você tá tentando quebrar a cabeça dele – G riu e com a mesma mão deu um leve empurrão no rapaz.  Se G lhe estapeasse daquele jeito Tsuna imaginou que se quebraria todo, mas Gokudera parecia mais irritado com o deboche do que com dor. Pela cara ele iria começar a berrar com o professor a qualquer momento, como não estava com vontade ver a confusão... – Tenho que ir, estou atrasado.

 Disse e saiu correndo antes que mais alguém lhe atrasasse mais.

         

Gokudera observou Tsuna desaparecer ao virar no corredor.

- Que merda...? – começou já gritando furioso, mas quando olhou para onde G estava viu que ele havia sumido. Olhou em todas as direções o procurando, mas estava sozinho – Maldito mestre idiota! Que droga de mania de me deixar falando sozinho!

Como odiava quando G brincava com ele daquela forma. G era desbocado, insolente e debochado com muitas pessoas, mas com Gokudera ele era terrível! Sempre debochando dele, aquele maldito. Sinceramente não entendia o porquê de G tratá-lo assim, será que ele o considerava uma válvula de escape? Esse era o jeito dele de “aliviar a tensão”, como Alaude costumava dizer quando estava irritado e queria alguém pra brigar? Se era assim que procurasse outro, droga!

Mais tarde naquele dia durante o almoço viu que Giotto-sama parecia preocupado com alguma coisa. Concluiu que era com Tsuna, essas saídas dele estavam começando a preocupa-lo, pois o mais novo demorava muito para voltar sempre que saia.

- Não fique com essa cara enrugada como maracujá murcho, você está me fazendo perder o apetite – disse G quebrando o silêncio – Ele vai ficar bem, você precisa deixá-lo crescer.

Não entendia como ele podia ser tão abusado, aquilo não era jeito de falar com seu líder. Mesmo não concordando, Gokudera preferiu ficar calado. Se Giotto-sama parecia não se importar então ele não tinha o direito de dizer nada.

- Não é isso – respondeu o loiro, e depois repensou – Não é isso. Eu confesso que pra mim é difícil deixá-lo crescer, pra mim ele sempre vai ser meu garotinho que depende de mim para tudo, mas é outra coisa que me incomoda.             

-Que seria...?

Giotto suspirou largando os talheres e esfregou as têmporas, seu corpo inteiro parecia tenso.

G deixou o garfo cair sobre o prato e encarou Giotto interessado. O próprio Gokudera parou de comer para prestar atenção no que Giotto dizia. O loiro era sempre a tranquilidade e bom humor encarnados em um corpo de Dragão do Céu, então vê-lo tão nervoso era mais do que incômodo.

- Estou com um mau pressentimento - G franziu o cenho e depois abaixou o rosto pensativo. Ele confiava na intuição de Giotto, e se Giotto achava que havia algo errado ele iria começar a investigar atrás do que quer que fosse.

Quando a noite começou a se aproximar e Tsuna não apareceu, Hayato começou a se preocupar. Procurou-o por todos os cantos, mas não o encontrou. Por estar procurando por Tsuna acabou não indo jantar com Giotto-sama e G.

Viu-o entrar no castelo pouco depois do jantar e subir para falar com o irmão. Suspirou aliviado ao ter certeza que ele estava bem e que parecia estranhamente feliz, o que Giotto-sama havia dito durante o almoço lhe deixara nervoso.  

Andava mais tranquilo por um dos corredores do castelo, haviam grandes janelas em um dos lados. Casualmente olhou para uma delas e algo lhe chamou a atenção, parou e se aproximou olhando através da vidraça.

- A guardiã está de olhos fechados – sussurrou olhando para o céu escurecido. Afastou-se e sacudiu a cabeça para se livrar daqueles pensamentos idiotas e voltou ao seu caminho. Era só uma história boba, a lua desaparecia com frequência e nem por isso acontecia um apocalipse uma vez por mês.

Encontrara G na sala ampla que eles usavam para as aulas. A sala era pintada de amarelo claro, e apesar de ampla, tinha poucos móveis.  Apenas uma grande prateleira com livros na parede oposta a porta, uma mesa de mogno e algumas cadeiras acolchoadas.

O ruivo estava com as costas apoiadas em uma parede, o olhar perdido encarando o vazio. Aquilo pareceu muito esquisito, em que G estava tão concentrado para nem notar sua entrada?

- G? – chamou e o ruivo assustou-se. Afastou-se da parede e deu um passo em sua direção, mas acabou tropeçando em alguma coisa e teve que se segurar a uma cadeira próxima para não cair de cara no chão.

- Merda! – ele reclamou se recompondo. Achou o tropeção estranho também, ainda mais pela sua forma tão desajeitada e patética. – O que você quer, Hayato? – perguntou o ruivo com irritação.

Gokudera piscou achando a situação cada vez mais estranha. Tudo bem, o ruivo estar irritado era normal. O tom grosseiro para com ele também era normal. Mas o ruivo parecia mais grosseiro do que o normal, como se estivesse ansioso em se livrar dele.

- Só vim avisar que Tsuna-sama está de volta.

- Tudo bem. Caia fora daqui – ele fez um gesto de enxotar com uma das mãos, realmente ele estava ansioso em se livrar dele.

Pensou em dar meia volta e deixar o mestre em paz, o humor dele estava pior do que de costume e ele não queria ser sua vítima. Mas então se lembrou da brincadeira de mais cedo e decidiu ficar, se ele estava irritado que se dane, iria ficar ainda mais, pois ele não iria embora.

- Mas você não me ensinou nada essa semana mestre G – disse com um ar desafiador e G o fuzilou com o olhar.

- Não importa o quanto eu te bata você não aprende a quem deve respeito não é mesmo garoto? – deu de ombros e andou até onde G estava – Você é teimoso como uma mula.

- Se Giotto-sama estivesse aqui tenho certeza que ele daria um de seus sorrisos e diria: “Com quem será que ele aprendeu isso?” – falou o rapaz tentando imitar o jeito que Giotto-sama falava. Um pequeno sorriso se desenhou nos lábios de G, embora o ruivo tentasse contê-lo.

- Você é um insolente. E Giotto um idiota - Aí ele acertou no ponto fraco de Gokudera.

- Não fale assim de Giotto-sama! – reclamou o rapaz cruzando os braços com raiva, G rodou os olhos.

- Você e sua... – um barulho cavernoso preencheu o ambiente e G se interrompeu confuso, Gokudera corou levemente ao ouvir – Isso foi o seu estômago? – a resposta do rapaz foi soltar um bufo e olhar para o outro lado – Você ainda não jantou Hayato? – não era exatamente uma pergunta, soava mais como uma bronca.

- Dragões podem ficar dias sem comer – resmungou o rapaz.

- Isso não quer dizer que devam – rebateu o homem irritado – Francamente, quanta irresponsabilidade. Tenho que andar atrás de você com um babador também?

- Pare de me tratar como criança!

- Pare de agir como criança!

E por incrível que pareça eles não estavam discutindo (pelo menos não para o padrão dos dois), esse era o tipo de conversa que eles tinham normalmente, geralmente acabava com G tendo que ameaçar ou esbofetear o aluno para ele calar a boca. Não era atoa que todos diziam que eles tinham uma relação de aluno e professor muito esquisita.

- Eu não estou agindo como criança droga. Eu fui atrás de Tsuna-sama, estava preocupado com ele depois do que Giotto-sama disse, sei que você também ficou preocupado. Meu jantar poderia esperar até meses se fosse para cuidar da segurança de Tsuna-sama.

G encarou o aluno por alguns instantes em silêncio. Olhando para o homem percebeu que ele estava piscando devagar, como se suas pálpebras estivessem pesadas.

– G você está pálido – disse o rapaz ficando preocupado ­– Você está bem? - levou a mão em direção ao rosto de seu mestre a fim de lhe examinar os olhos, G afastou sua mão com um tapa.

- Estou ótimo – G suspirou ao ver que ele não estava nada convencido – Comi algo que não me fez bem, estou enjoado. Agora pare de me olhar com essa cara patética, está me irritando.

- Que mau humor! – reclamou o rapaz fechando a cara. Era isso o que ganhava por se preocupar com seu mestre, G era um tremendo mal agradecido.

- Voltando ao assunto... – começou ao ruivo – Então você deixou de comer para procurar Tsuna? Sua fidelidade aos Vongola é mesmo inabalável não é?

- É claro! A sua também não é? – G não respondeu a pergunta, nem precisava, era óbvio que sim. Gokudera desviou o olhar – Assim como a você, eles me acolheram. Devo minha vida a eles, como eu poderia não ser fiel? Giotto-sama permitiu que uma criança perdida morasse no mesmo teto que ele, e Tsuna... Tsuna foi o primeiro amigo que eu tive. Ele era superior a mim, mas nunca me tratou como tal. Ele foi a primeira pessoa depois que minha família morreu que fazia as coisas por mim sem nenhum interesse, sem querer nada em troca, ele só tentava me fazer sorrir, mesmo sendo difícil.

Gokudera-kun você quer brincar comigo? A voz do pequeno Tsuna de 4 anos veio em sua cabeça. Não, fora sua resposta. E todo dia ele perguntava a mesma coisa, sempre trazendo doces para ele. Por que quer eu brinque com você? Todo mundo me acha estranho por causa da cor do meu cabelo.  Perguntou depois de várias tentativas de Tsuna. Na vila onde nascera prateado era uma cor comum de cabelo, mas naquelas terras ninguém tinha essa cor.

Porque eu quero alguém pra brincar. E eu acho seu cabelo muito legal, parece que seu cabelo é feito de fios de prata. Se juntar acho que dá pra fazer aquelas coisas que as mulheres usam no pescoço, disse o menino gesticulando para ilustrar o que falava. Acabou rindo do que ele disse, e Tsuna pareceu ficar muito alegre por vê-lo sorrir. Quero que sorria sempre, Gokudera-kun. Achou aquilo muito estranho. Por quê? Perguntou. Porque eu quero que seja feliz, ele respondeu

E ainda não fazia sentido. Seu pai lhe dizia que ninguém fazia nada se não quisesse algo em troca. Por quê? Insistiu. Porque a gente só pode ser feliz se a família estiver feliz, disse ele sorrindo como se houvesse dito a coisa mais normal do mundo, até mesmo com aquela pouca idade a coisa pareceu um absurdo. Família? Não temos o mesmo sangue, disse a ele. Gio diz que família é mais do que sangue, família é o que o coração escolhe. E o meu coração escolheu você e G como família.

Aquilo o deixara em choque. Nunca entendeu direito a lógica de Tsuna, de simplesmente chegar do nada e decidir que ele era da família, mas mesmo assim ficara muito feliz. Pela primeira vez em muito tempo, ele sentia que pertencia a algum lugar e não queria perder aquilo por nada no mundo.

- Seguirei a Vongola até o último dia da minha vida. – disse Gokudera com convicção - Eu sei como ser grato. Nunca vou esquecer o que fizeram Giotto-sama, Tsuna-sama e principalmente... – Gokudera forçara a si mesmo a calar a boca, não podia continuar.

- Que piegas. – disse G com um pequeno sorriso.

A verdade é que a pessoa a quem mais ele era grato era G, embora ele nunca fosse dizer isso em voz alta. Diferente de Giotto e Tsuna, G não demostrava sentimentos, e ele era tão fechado que Gokudera acabara se fechando perto dele. Quando criança, sempre que tentava dizer algo que sentia a ele, G dizia isso: “Que piegas”. Giotto-sama dizia que esse era o jeito dele, e que ele nunca deveria duvidar que G se importava muito com ele. Não duvidava (pelo menos não a maior parte do tempo), mas por causa disso seu orgulho nunca lhe permitiu dizer a G o quanto era grato e dizer o que o ruivo significava para ele.

G podia ser a tempestade furiosa e destrutiva para todo mundo, mas para o rapaz, ele fora o cálido raio de sol que iluminou a caverna fria e escura onde vivia.

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Ele tinha apenas quatro anos quando tudo aconteceu. Não se lembrava de quase nada. Sabia que vivia em uma pequena vila de dragões que era isolada do mundo. Lembrava-se de uma mamãe, cujo o rosto estava apagado, mas lembrava do sorriso gentil e os cabelos prateados. Lembrava-se de um papai, que era só um grande e severo borrão. E de uma doce irmã mais velha, que cantava para ele dormir.

Um dia uma doença caiu sobre a vila, pouco a pouco as pessoas iam morrendo, até que um dia a doença batera na porta de sua casa. A mamãe, o papai e irmã mais velha adoeceram, mas por alguma razão, ele não. Lembrava-se de seus corpos cheios de feridas horrendas, eles tinham febre e falavam coisas sem sentido que o deixava apavorado. Os moradores arrastaram os corpos de papai e mamãe e atearam fogo, diziam que queriam evitar que a doença continuasse se espalhando. Mas a irmã mais velha, diferente de mamãe e papai estava acordada, mas sem forças para lutar.  

Agarrou-se a ela, eles não podiam queimá-la também. Lutou, mordeu e arranhou inutilmente todos que tentavam tirar ele de cima dela, no final só conseguiu chorar e implorar. Eles não lhe deram ouvidos. Bateram nele para conseguir fazer com que a soltasse, e quando ele soltou, eles a jogaram na fogueira.

Ele se esqueceu de muita coisa com o passar dos anos, mas nunca se esqueceu dos gritos da irmã enquanto seu corpo era consumido pelas chamas. Por que estavam fazendo isso com sua família? Por que eram tão maus? Sua família era bondosa e nunca machucara ninguém. Aquilo não era justo.

Ele observou ela queimar. Observou todos eles queimarem, mas não conseguiu fazer nada e isso era o pior. E o menino?  Ele ouvira alguém dizer. Pôde estar doente também, a doença apenas não se manifestou ainda. É só uma questão de tempo. Gokudera podia ser muito pequeno, e não entender porquê tudo aquilo estava acontecendo, mas o olhar daquelas pessoas realmente lhe assustou. Desespero. Ele só saberia o nome anos depois e como aquilo levava as pessoas a tomarem atitudes terríveis. Mesmo sem entender nada, alguma coisa lá no fundo do peito sabia que não era boa coisa.

Então ele correu. Fugiu o mais rápido que conseguiu para dentro da floresta.  Para um mundo onde não havia pessoas amadas sendo queimadas, para um mundo onde não havia pessoas assustadoras que batiam nele. Para um mundo onde não havia nada.

Ele vagou por dias e dias, tantos que até perdeu a conta. No começo ele tentou voar, mas quanto mais voava mais perdido ficava. Acabou desistindo de voar e só ficou andando sem rumo. Não era como se tivesse para onde ir mesmo.

A pouca água que encontrou tinha um gosto esquisito de barro. Quanto a comida, ele não tinha ideia de como conseguir. Tudo lhe assustava. Qualquer som ou vulto lhe fazia correr em disparada até que não tivesse mais fôlego. Ele tinha certeza que os moradores estavam lhe perseguindo, e quando dormia ele sonhava que eles o jogavam na fogueira junto com a irmã, e quase podia sentir as chamas lhe queimarem.

Com o passar do tempo ele não via mais o que estava a sua volta. Era como se estivesse andando em círculos no escuro, ele não via, ouvia ou sentia mais nada. E perdido, amedrontado e faminto ele desistiu.

Ele passou a desejar aquela fogueira, tudo seria melhor se o tivessem atirado lá dentro, estaria com mamãe, papai e a irmã lá dentro. Sentou-se embaixo de uma árvore e esperou. Esperou que os moradores o encontrassem e o jogassem naquela fogueira.

Mas eles nunca apareceram. Quem apareceu foi outra pessoa.

Algo passara voando sobre sua cabeça, numa velocidade tão grande que o vento que a criatura trouxe quase lhe derrubou. Não se importou com isso, se manteve sentado com a cabeça baixa, era como se o mundo começasse a se apagar, pouco a pouco deixando de existir.

O vento então veio na direção oposta e ouviu um baque, ainda assim não se moveu. Pôde ver um par de pés se aproximando e alguém ficou de cócoras na sua frente, mas a visão não era clara.

- Menino? – a voz ríspida lhe chamou, mas ele não respondeu. – Você é surdo menino? - Gokudera o ouviu chamar, só que era como se ouvisse de outro lugar, não de dentro do seu corpo. Como se estivesse distante demais para alcançá-lo. O homem ergueu seu rosto e forçou a lhe encarar – Santo Deus! – exclamou o homem com horror.

Piscou e conseguiu finalmente focar no rosto do homem. Ele era ruivo e tinha olhos vermelho claro, mas o que lhe chamou atenção foi o estranho desenho que ele tinha no lado direito do rosto. Sem pensar no que estava fazendo, afinal ele não pensava em mais nada além da fogueira, ergueu uma das pequenas mãozinhas e a colocou sobre o lado direito de sua face, fascinado com o estranho desenho. O homem franziu as sobrancelhas estranhando atitude, mas não disse nada. O homem se afastou, abriu uma sacola de viagem que carregava a tiracolo e dela tirou um cantil.

- Beba – ordenou o homem colocando o cantil em sua boca. O líquido fresco e maravilhoso desceu por sua garganta, e era como se lentamente ele estivesse sendo puxado de volta para seu corpo, bebeu tão rápido que acabou se engasgando – Devagar. A água não vai fugir – disse ele com a voz calma e gentil agora.

Quando acabou de beber o homem abriu novamente a sacola e de dentro dela tirou um pão que estendeu em sua direção. Sentiu os olhos se encherem de lágrimas sem acreditar que aquilo era real, seu estômago doía tanto que parecia estar devorando a si mesmo, mas não teve coragem de pegá-lo. Fungou tendo certeza de que se tocasse no pão ele iria desaparecer, aquilo só podia ser um tipo de sonho. O homem percebeu que ele não ia pegar o pão, com um suspiro tirou um pedaço pequeno e colocou em sua boca. Ele sentiu a sua textura macia e fofinha e engoliu sem mastigar. Era real! Ele mal podia acreditar. As lágrimas escorreram por seu rosto.

Olhou para o homem, mas em vez de pegar o pão abriu a boca para ele. O homem não pôde evitar um risinho, pegou mais um pedaço e colocou em sua boca, novamente engoliu sem mastigar. Estendeu novamente a mãozinha, não em direção ao pão, e sim em direção ao desenho no rosto do homem. Ele encarou sua mão e depois o rosto do menino, suspirou e aproximou o rosto de sua mão, deixando que o menino o tocasse. O homem lhe deu mais pedaços de pão.

- Mastigue ou vai lhe fazer mal – ele disse e lhe deu mais um pedaço. Quando terminou de comer o pão, percebeu que aquilo não era o suficiente para lhe saciar a fome, mas seu estômago parecia menos triste agora – Desculpe, é só o que eu tenho.

Assentiu ainda segurando o rosto do homem. Hayato precisava ter certeza de que ele estava ali e que não ia fugir.

- Me chame de G – o homem disse – Qual o seu nome menino?

- Hayato – respondeu, e depois de tanto tempo sem falar com ninguém a voz soou estranha aos próprios ouvidos, arranhada.

- Você está perdido, Hayato? – assentiu, não queria falar de novo – Onde estão seus pais? – a pergunta fez com que se lembrasse de tudo, soltou o rosto de G e colou as duas mãos sobre o próprio, chorando copiosamente. G de alguma forma despertara nele alguma coisa, e agora ele tinha de novo medo da fogueira.

- Eles vão me jogar lá! Eles vão me jogar lá! – gritou e quis correr para o mais longe possível, G lhe segurou pelos os braços e ele começou a debater desesperadamente.

- Ei, ei se acalme. Está tudo bem – o homem gritou com ele, mas isso estranhamente conseguiu acalmar o menino. Parou de lutar e ficou olhando para o homem, as lágrimas ainda escorriam por seu rosto.

- Eles vão me jogar na fogueira junto com mamãe, papai e a mana – disse entre soluços, os olhos arregalados de medo. G o fitou e travou a mandíbula, e Hayato viu o caroço em sua garganta subir e descer.  

 - Eu não vou deixar – G disse com firmeza – Prometo que ninguém vai te machucar, Hayato – e o menino acreditou, simples assim.

Parou de chorar e ficou encarando G com os olhos brilhantes. Tinha certeza que G o protegeria, e isso fez com que sentisse um quentinho lá dentro, uma coisa que ele nem sabia mais como era. G o soltou e ficou pensativo.

- Hayato... Você quer ir comigo para...?

- Sim! – apressou-se em dizer com medo que o homem mudasse de ideia. Não importava para onde fosse, queria ir junto com G. O ruivo assentiu.

- Vou te levar para conhecer um amigo.

Sorriu e abraçou o ruivo com força. G levantou as duas mãos, surpreso com o abraço. Por um momento ele ficou paralisado, como se estivesse sem jeito e não soubesse o que fazer. Desajeitadamente ele passou o braços ao redor do menino, o pegou no colo e o levou para longe.

               

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Desde então ele morava no castelo. G assumira a responsabilidade de lhe educar e ensinar a ser um guerreiro. Lembrar-se de tudo isso fez com que a vontade de dizer tudo a G aumentasse, mas preferia morder a própria língua a admitir aquelas coisas a ele.

- Tire esse traseiro estúpido da minha sala e vá procurar algo para comer – ordenou G fazendo novamente o gesto de enxotar.

- Mas...

- Vamos treinar mais tarde. Quero testar suas habilidades de rastreador durante a noite. Rastrear durante o dia é uma coisa, durante a noite é completamente diferente.

Detestava quando G falava com ele como se ele fosse um idiota. Ele sabia disso droga!

- Eu sei muito bem disso, seu... – antes que tivesse a chance de completar a ofensa o ruivo foi para o seu lado, passou o braço ao redor de seu pescoço, a garganta pressionada pela parte de trás de seu cotovelo, e puxou com força a cabeça do rapaz a apertando contra suas costelas – Isso dói! – reclamou.

- Aprenda a falar direito com seu mestre, imbecil! – ralhou o homem.  Lutou furiosamente para se livrar do aperto, mas foi inútil. Colocou a mão nas costas de G e tentou empurrar para poder se soltar, mas também não deu certo.

- Me solte! – gritou com raiva. Aquela cena ridícula fazia com que se sentisse um garotinho bobo.

- Hayato – chamou G, mas seu tom agora era tranquilo, tão incomum naquele homem. A surpresa o fez parar de lutar, e G afrouxou o aperto em seu pescoço, mas não o soltou. Olhou para seu rosto (ou tentou, dada a situação desconfortável em que se encontrava), o ruivo não olhava para ele e sim para algum ponto além – Você é um bom garoto – piscou. Aquilo era algum tipo de deboche? Lembrando-se de mais cedo teve a certeza que era, G não lhe elogiaria sem motivo.

- Isso é algum tipo de piada? – perguntou cerrando os olhos. G deu um risinho.

- Só quero que nunca se esqueça de seus ideais e que nunca desista de lutar pelo que acredita. Lute até não ter mais forças, e mesmo quando achar que não pôde mais, continue lutando – do que diabos G estava falando? Será que o homem estava bêbado? – Se não fizer isso eu vou te bater como você nunca apanhou na vida.

Riu.

- Tudo bem, ainda é você. Já estava começando a pensar que você estava possuído por um demônio muito doido – disse a G – É claro que farei isso. Agora pode me soltar? Isso é irritante.

- Seu moleque abusado! – ofendeu G, mas pôde ver parcialmente o sorriso dele – Não tem jeito, você é um cabeça oca rebelde que nunca vai aprender. Você é mesmo como eu...  – a palavra seguinte veio como um sussurro tão baixo que Gokudera não teve certeza se ouvira direito, mas foi tão chocante que o rapaz amoleceu, e quando G o soltou ele quase caiu.

Ficou encarando o homem com uma expressão de choque.

- Vá logo idiota! – gritou G lhe dando um empurrão em direção a porta.

- Merda! – gritou, mais por hábito do que por qualquer outra coisa.

- Esteja aqui em 1 hora. Se atrasar 1 segundo, farei você sofrer – ameaçou o ruivo.

- Sim senhor – disse e soltou um bufo, mas quando saiu da sala e G não podia mais ver o seu rosto, ele sorriu.

A frase se repetiu em um sua mente, e ele novamente se perguntou se havia entendido direito.

Você é mesmo como eu, filho.

Deu de ombros, tentando se convencer de que havia entendido errado, era só revirar o passado para confirmar isso.

Quando tinha por volta dos oito anos de idade, G fizera uma longa viagem a mando de Giotto. Desde que chegara ao castelo nunca havia ficado mais do que dois dias sem vê-lo, então, quando o ruivo apareceu uma semana depois ele correu feliz em sua direção, uma palavra escapando acidentalmente de seus lábios: Pai.

A palavra simplesmente escapou, e foi algo tão inocente que ele nem percebeu o que havia dito, pelo menos não até ver a expressão do homem. G ficou paralisado, o encarando com uma expressão de puro choque.

Por mais triste que fosse pensar nisso, sempre que tentava lembrar-se de seu verdadeiro pai, a imagem era distorcida, e quando se esforçava para clareá-la era o rosto de G que aparecia. Com o passar dos anos apenas aceitou a ideia, mas nunca a expressara até aquele dia. Mas quando G ficou em silêncio, apenas lhe encarando com aquele olhar chocado, ele finalmente se deu conta do que havia dito ele e se arrependeu. Teve a certeza de que G havia ficado bravo por ele usar aquele termo. Saiu correndo envergonhado, e nunca mais se atreveu a dizer aquela palavra de novo.

Um pequeno fato que Gokudera Hayato jamais saberia: G ficara perplexo quando o garoto deixara escapar a palavra “Pai”, ele realmente não esperava por aquilo. Mas embora nunca fosse admitir, depois que a palavra saíra do pequeno, o sonho do ruivo se tornou que o menino o chamasse assim novamente.

 

Tem algo errado. G se sentia enjoado desde o jantar, imaginando que alguma coisa havia lhe feito mal foi para sua sala para poder ficar sozinho, não gostava de gente ao seu redor quando estava doente, isso lhe incomodava. Encostou-se na parede se sentindo sonolento e nauseado. Surpreendeu-se com a aparição de Hayato, como não o vira chegar? Quando se afastou da parede para ir em direção ao rapaz o mundo pareceu girar, e ele quase perdeu o controle do próprio corpo, felizmente conseguiu disfarçar fingindo que havia tropeçado.

Que merda estava acontecendo? Havia contraído alguma doença estranha?

Tentara se livrar de Hayato para poder tomar alguma providência, não queria preocupá-lo, mas o rapaz estava bancando o teimoso.  Enquanto conversava com ele sentia calafrios e vertigens e não estava gostando nada disso, fez o possível para disfarçar e prosseguiu a conversa do modo mais natural que conseguiu.

– G você está pálido – disse o rapaz com preocupação estampada no rosto ­– Você está bem? – Maldição! Sabia que o prateado já havia notado sua urgência em se livrar dele. Às vezes era um saco Hayato ser tão inteligente!

Ver o quanto ele havia se tornado inteligente e forte, e principalmente ver a determinação em seu olhar quando falara dos Vongola lhe fizera pensar que havia feito um bom trabalho. E não pôde evitar se encher de orgulho pelo rapaz que havia criado, e que agora já era quase um homem.

Quando a visão começou a ficar turva ele teve certeza que era algo além de uma simples doença, algo definitivamente estava acontecendo. Estava ficando com dificuldade em raciocinar e as palavras começavam a sair sem controle, sem antes passar por um filtro. Ele havia chamado Hayato de filho ou fora só impressão?

De qualquer forma precisava descobrir o que estava acontecendo e não queria o prateado no caminho, quando finalmente conseguira se livrar do rapaz se apressou em direção a porta, mas as pernas param de lhe obedecer e o corpo inteiro amoleceu. Sentiu a si mesmo caindo, mas tudo o que conseguiu fazer foi apoiar se sobre as mãos e só então viu como todo o corpo tremia. Era como se o ar estivesse ficando rarefeito e encher os pulmões se tornava algo difícil. Tentou se levantar, mas foi inútil, seu corpo se recusava a lhe responder, o medo se apossou dele e o raciocínio lhe escapou, sua mente não estava funcionando direito.  

Algo subiu por sua garganta e antes que pudesse evitar o líquido amargo e esverdeado foi expelido para fora de sua boca. Tossiu enquanto vomitava e tentava respirar. Se sua cabeça não estivesse tão turva ele teria percebido há muito tempo e teria tomado providências e avisado Giotto antes, mas mesmo com o raciocínio embotado ele entendeu.

Havia sido envenenado.

- Nufufufu – reconheceu aquela risada odiável antes de ver o maldito Daemon se aproximar – Que cena patética.

- Foi você! – rosnou ofegante, a sua intenção era berrar com ele, mas não tinha fôlego o suficiente. Daemon parou ao seu lado e G o encarou com o mais profundo ódio, tudo o desejava era ter forças para trucidar o maldito.

-Finalmente estou vendo você no lugar em que merece lixo imundo – riu o bastardo – Eu não sei o que o pai de Giotto tinha na cabeça para trazer um lixo das ruas como você para o castelo – Daemon lhe chutou as costelas e o ruivo rolou para longe, tentou se levantar. Precisava matar aquele infeliz, mas não conseguia - E como se não fosse bastante Giotto escolheu um inseto como você para ser seu general e segundo em comando dessas terras, sendo que eu era o seu amigo. Como ele pôde?! – gritou.

- É que ele sabia qual de nós era o melhor – provocou G e sorriu, em seus dentes era possível ver o sangue. Não se rebaixaria a aquele maldito nunca. – Você é tão patético que teve que se rebaixar a me envenenar, pois é um inútil que nunca me venceria.

O rosto de Deamon se encheu ódio e ele deu mais um chute em G, e o homem caiu em decúbito dorsal.  O ruivo rosnou. Transforme-se droga! Mas era inútil, o corpo não lhe respondia. Daemon parecia mais calmo depois de lhe chutar, ajoelhou-se ao seu lado com aquele sorriso que G tanto odiava.

- Mas agora acabou. Aproveite a estadia no inferno seu lixo – ele deu a sua risada idiota. A visão se tornara completamente turva agora, e respirar era um desafio, mas ainda encarava Daemon com todo o ódio que sentia – A única coisa que lamento é que aquele garoto irritante não tenha pegado a surpresinha que preparei para ele também - arregalou os olhos compreendendo. Hayato, ele tinha a intenção de envenená-lo também – Nufufufu. Que olhar amedrontado é esse, poderoso G? Se eu soubesse que você teria essa reação teria matado o garoto primeiro para que você pudesse ver.

- Maldito! – a voz saíra muito fraca e se odiou por isso.

- Mas não se preocupe – disse se levantando, dando as costas a G e andando em direção a porta – Todos aqueles com quem você se importa logo estarão mortos também.

- Daemon! – chamou e o maldito se virou para ele – Você vai pagar por tudo! E eu estarei lá para ver você ser despedaçado, eu juro! – por um momento Daemon ficou sério diante da firmeza de sua ameaça, mas depois riu.

- Não diga besteiras – disse e voltou a caminhar para a saída e não olhou mais para trás – Faça o favor de morrer logo, seu inseto.

Maldito Daemon!  

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Conversava com Gio sobre Kyoko. O encontro havia sido perfeito e ele não poderia estar mais feliz. Foi então que ouviram gritos de mulher, uma empregada entrara em pânico no quarto sem nem bater na porta. Giotto se levantou da cama em um salto e Tsuna fez o mesmo.

- O que houve? – perguntou Giotto preocupado.

- G-sama... e-ele.... – gaguejou a mulher chorando. Giotto nem esperou ela terminar, saiu correndo em direção à sala de G. Tentou seguir o irmão, mas ele era muito rápido e chegou muito antes.

Era óbvio que havia acontecido algo terrível, era como se pudesse sentir no ar. Estancou o passo assim que chegou a porta. A sala era mesma de sempre, mas a atmosfera estava pesada.

Ele vira o irmão primeiro. Giotto estava com os olhos arregalados de pavor e nem mesmo piscava, a mão estava sobre a boca como se ele estivesse tentando impedir a si mesmo de gritar, só isso bastou para lhe assustar. Foi só aí que ele o viu.

O corpo estendido no chão e os olhos vermelhos vidrados estavam voltados em sua direção. O rosto do ruivo sempre franzido veio em sua mente e foi difícil associar a imagem daquele homem sempre enérgico e petulante a aquele corpo imóvel e pálido.

- G? – seus lábios tremiam e Tsuna tentou dar um passo, mas suas pernas falharam e ele teve que se segurar a maçaneta da porta para não cair, sentia seus músculos subitamente pesados, como se estivessem segurando o peso do mundo que desabava ao seu redor.

Aquilo era um tipo de pesadelo não era? Tinha que ser. G caído daquele jeito, com os olhos sem vida que de modo perturbador pareciam olhar para ele, tinha que ser um pesadelo. Mordeu a própria língua na esperança de que aquilo o fizesse acordar, e continuou mordendo mesmo depois de sentir o gosto do sangue, mas ainda estava dentro do pesadelo.

G por favor, levanta, gritou Tsuna em pensamento, já que sua voz havia lhe escapado completamente.

Não podia ser verdade. G era forte, sempre tão teimoso e durão que sentia que nada poderia derrubá-lo. Ele ia levantar a qualquer momento, tinha certeza. Ele iria levantar, dizer que era uma piada e xingar todo mundo por estarem com aquelas caras. Sorriu tremulamente, sim ele com certeza faria isso. Se não era um pesadelo então com certeza era uma piada infame.

Encarou o corpo e ficou esperando. Vamos G, levanta. Nada aconteceu, o sorriso ia se desfazendo enquanto as lágrimas corriam por seu rosto.

Tsunayoshi di Vongola, acho bom que já tenha levantado esse traseiro preguiçoso daí! A voz do ruivo esquentadinho gritava em algum lugar de sua mente. Quem iria gritar com ele todas as manhãs? Ele não conseguia imaginar a vida sem as broncas de G.

Por favor, G eu te imploro. Eu estou chorando, por favor, grita comigo, me bate, faz qualquer coisa, mas por tudo que é mais sagrado faça alguma coisa. Diga para eu deixar de ser um fraco, por favor. Implorou, mas nada acontecia. G não se levantava para brigar com ele.

Levou a mão em direção ao ombro que G havia apertado no dia da reunião, quase sentia a mão dele ali novamente. Agarrou o ombro com força, era como se seu coração estivesse sendo feito em pedaços, era tão doloroso que tinha medo de não aguentar. G eu preciso de você. Olhou para o irmão procurando apoio, Giotto estava petrificado e também parecia não acreditar.

Lembrou-se do que o irmão dissera no dia da reunião: Eu não sei o que faria sem você, meu amigo.

Droga G! Todos precisavam dele, ele não podia fazer isso! Ele não podia abandoná-los, o que seria deles sem o ruivo esquentadinho? G estava lá desde que Tsuna se entendia por gente, sempre cuidando deles, sempre os protegendo e enfiando juízo em suas cabeças. G, por favor... Tentou mais uma vez.

Mas se Tsuna pensava que aquilo era o pior que poderia acontecer estava muito enganado, o pior ainda estava por vir.

Alguém parou ao seu lado, e ao se virar ele reconheceu imediatamente o cabelo prateado. Gokudera olhava para tudo com tanta frieza que Tsuna estremeceu. Ele caminhou a passos lentos em direção a G, passou por Giotto e parou ao lado do corpo do professor olhando para baixo com uma expressão neutra. Tsuna ficou horrorizado, não esperava essa falta de reação de Gokudera, ele não parecia estar triste, com raiva ou nem mesmo surpreso, só olhava com frieza para G.

- O que está fazendo? – perguntou Giotto tão espantado quanto Tsuna. A única resposta de Gokudera foi erguer o pé e sacudir levemente G com o pé, como se estivesse tentando acordar o professor. Giotto trincou os dentes, esticou a mão para ele e disse com uma voz embargada: – Saia daí Hayato-kun.

Gokudera não desviou os olhos de G, continuou balançando seu corpo.

- Não posso Giotto-sama, G vai me ensinar a rastrear durante a noite.

Os dois Vongola arregalaram os olhos cheios de lágrimas. Foi só então que Tsuna percebeu: Os olhos de Gokudera não estavam frios. Estavam vazios.

Aquele era o Gokudera, mas ao mesmo tempo não era. Era como se ele fosse uma casca vazia. Como se Gokudera houvesse ido para outro lugar, um lugar mais seguro onde ele não tinha que ver G morto.

- Gokudera-kun... – chamou com uma voz chorosa, e imediatamente se arrependeu disso. Seu chamado pareceu trazer Gokudera de volta de onde quer que estivesse, o prateado olhou para ele e depois seu olhar desceu de volta para G.

- G? – chamou o rapaz com a voz chocada, seus joelhos falharam e ele caiu ao lado do corpo – G-G? – a mão tão trêmula quanto a voz tocou a tatuagem no rosto de G.

Ao ver que G não respondia, sua expressão mudou. Dele escapou um som pesado, como se estivesse buscando o ar. Gokudera sempre fora um rapaz forte, determinado e mal humorado, que agia como se não precisasse de ninguém, como se fosse capaz de resolver tudo sozinho. Mas aquele Gokudera era diferente, ele parecia tão frágil e... perdido.

Seu rosto se contorceu com uma dor tão profunda e cortante que Tsuna não suportou olhar, aquela era a pior parte. Ouviu Gokudera dar um grito doloroso e os passos do irmão correndo em direção ao rapaz, ele ergueu Gokudera pelos cotovelos e o arrastou para longe de G.

- Pra fora! – o loiro ordenou, e sabia que Giotto falava com ele também. Obedeceu. Giotto conseguiu arrastar Gokudera um metro pra longe da sala até o rapaz firmar os pés e força-lo a parar, o prateado quis correr de volta para a sala, mas Giotto o segurou pelos braços, ficou ao lado dos dois apenas observando, sem saber o que fazer.

- Me solta! – o rapaz lutou para se soltar de Giotto – Me solta agora! – Giotto firmou o aperto e Gokudera percebeu que não conseguiria se livrar dele, e o que veio a seguir chocou Tsuna. Gokudera parou de lutar e olhou nos olhos de Giotto, seus olhos brilhavam vermelho  – Por favor... – implorou, seus lábios tremiam – Precisamos ajudá-lo.

E ao ouvir isso Giotto fez algo que não havia feito nem mesmo quando viu o corpo de G. Pela primeira vez em sua vida, ele viu Giotto chorar. Uma lágrima solitária escorreu por seu rosto enquanto ele observava a dor do rapaz.

- É tarde demais, Hayato. Ele se foi.

Tsuna se sentia um inútil por não conseguir fazer nada quando a ficha finalmente caiu para Gokudera. Ele não chorou, mas era possível ver em seu rosto seus sentimentos e isso foi infinitamente pior de olhar. Era como se Gokudera estivesse ruindo bem ali na sua frente, se despedaçando enquanto assimilava a verdade, e o mais terrível é que Tsuna não sabia como pegar os pedaços.

Em seu rosto havia misto de sentimentos horríveis: uma dor profunda e lancinante, confusão e até medo.

Tsuna imaginou que aquele tinha sido o olhar que ele tinha quando estava perdido e sozinho na floresta, só que dessa vez, não havia um G para salvá-lo.

-Eu... nunca disse a ele Giotto-sama. Eu precisava dizer...  – a voz sofrida dele chegou aos seus ouvidos, Giotto pareceu entender do que se tratava.

- Ele sabia Hayato – disse o irmão e abraçou com força o prateado, as lágrimas escorriam livremente no rosto do loiro – Aquele idiota sabia.

Gokudera deixou-se abraçar, mas não correspondeu, ele parecia mole entre os braços de Giotto, havia perdido as forças, se esgotado. Ainda conseguia ver aquela expressão no rosto dele.

Tsuna poderia se esquecer de muitas coisas, mas jamais se esqueceria daquele momento. Nos anos que se seguiriam aquele terrível olhar no rosto de Gokudera iria atormentar os seus sonhos.


Notas Finais


Oiiii pessoas
O que acharam do capítulo?
Pobre Hay, como ele vai lidar com o que aconteceu agora?
Obrigada a todos que estão lendo e acompanhando essa fic.
Beijos e até o próximo?


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