Sesshomaru observava seus homens se organizarem nos extensos campos do Oeste, seus olhos atentos observando a formação cuidadosa de guerreiros, as montarias bestiais igualmente arranjadas com lanceiros em suas selas, o leve chuvisco matinal caindo sobre eles, juntando-se aos resquícios de orvalho nas folhas de capim que cobriam o chão. Ele andou a passos lentos, sem pressa, entre as fileiras, tomando o tempo de analisar o youki emitido por cada soldado, vez ou outra sugerindo mudanças de posição de acordo com seu julgamento.
Aquela preparação que durara tantos meses, que muitas vezes pareceu rumar a lugar nenhum, estava finalmente chegando à sua reta final. Mais um pouco de treinamento e estariam prontos para marchar, esperançosamente em alguns dias. E tudo aquilo apenas fora possível graças à Rin, que lhe permitiu uma boa visão do youkai que enfrentariam, além de uma amostra direta e impecável de seu cheiro. E, é claro, Sesshomaru havia feito questão que todos soubessem a quem agradecer pelo progresso, o que terminou de colocar o que restava de opositores completamente aos pés da jovem humana.
Era um takayoukai, como o nome sugeria. E, embora houvesse muitos deles por aí, Sesshomaru reconheceu o sutil cheiro daquela linhagem específica. Junto à pista anterior de que encontrava-se no Sul, não lhe restavam mais dúvidas sobre aonde ir, após uma última consulta nos arquivos de territórios, só para ter certeza. Uma pequena mansão no Sul pertencia a uma família quase falida de youkais falcão, que fizera negócios com seu pai certa vez em uma tentativa de se salvar da ruína. InuTaisho nada pode fazer por eles na época, e talvez o rancor viesse desde aquela ocasião.
Independente do motivo, Sesshomaru sabia de uma coisa muito bem. Em breve, as ambições de Takayama estariam despedaçadas e enterradas sob um monte de outros cadáveres, assim como ele próprio.
- Descansar! - Ele ordenou em voz alta para a multidão de guerreiros, uma vez que estava momentaneamente satisfeito com os resultados.
Os homens rapidamente se dispersaram em grupos isolados de conversa e até mesmo pequenas disputas. Sesshomaru os deixou ter o entretenimento por enquanto, decidindo ocupar-se de seu problema principal: Rin.
Havia deixado que ela dormisse até mais tarde naquele dia, sabendo como o clima chuvoso a desanimava com suas amadas atividades ao ar livre. Além disso, ela merecia o descanso. Com o conhecimento de que ele poderia estar partindo para a guerra qualquer dia desses, os dois amantes estavam se certificando de que suas últimas noites juntos fossem lembradas, caso fossem ficar separados por muito tempo. O que o levava de volta ao dilema principal, o que fazer com Rin no meio de tudo aquilo?
Rin despertou de seu sono profundo, apenas sua perna direita enroscada em um lençol enquanto o resto de seu corpo nu estava exposto, mas felizmente não havia ninguém ali para ver. Ou bem que poderia ter, pensou ela, já sentindo a falta do parceiro. Ela riu, percebendo como estava se tornando cada vez mais indecente quando se tratava de Sesshomaru, mas simplesmente não conseguia ter o bastante de seus beijos, suas carícias, seus movimentos... Oh deuses, seus movimentos...
Respirou fundo, procurando dissipar fantasias pecaminosas que não tinha como realizar naquele momento. Cuidaria delas mais tarde, tinha certeza. Agora, precisava se vestir e voltar ao seu quarto antes que dessem por sua falta. A mesma rotina de toda manhã, da qual Rin mal podia esperar para se livrar.
Ainda rindo consigo mesma, entretida com a própria imaginação, ela entrou em seu quarto e foi direto para sua banheira de água perfumada, apressando-se o máximo possível em seu banho. Quando Asai bateu à porta, pedindo permissão para entrar, ela tinha acabado de se enrolar em uma toalha.
Com todas as marcas de amor estampando sua pele, que eram reforçadas sempre que estavam começando a desaparecer, Rin acabou definindo que tomaria seus banhos por conta própria, já que não saberia como explicar provas tão vívidas de suas escapadas durante a madrugada. Entretanto, realmente estava se tornando muito descuidada nos últimos dias, aquele segredo não podia durar muito mais tempo.
- Entre. - Disse em voz alta, sorrindo para a amiga quando a viu trazer sua refeição matinal. - Bom dia, Asai.
- Já está de pé, Rin. - A lontra comentou, colocando a mesinha com a comida no lugar de sempre. - Senhor Sesshomaru disse que você devia dormir mais um pouco hoje.
- Eu não sou tão dorminhoca assim.
Asai riu em resposta, deixando que a humana iniciasse seu desjejum enquanto começava a recolher quimonos que deviam ser lavados. Ela parou, pensativa, ao analisar um detalhe entre as coisas de sua ama.
- Hmm, eu estava indo buscar mais algodão para você, mas parece que ainda nem usou os últimos que deixei. - A criada falou, intrigada com a caixinha de madeira, ainda perfeitamente cheia do algodão que a humana precisava usar mensalmente para conter seus sangramentos femininos.
Rin imediatamente deixou cair o bolinho de arroz que segurava, a peça de comida mergulhando descuidadamente na xícara de chá verde, respingando um pouco sobre a bandeja. Sua voz parecia ter se perdido, sem saber o que dizer, enquanto Asai apenas dava de ombros, colocando a caixa fechada de volta no lugar.
- Bom, essas coisas acontecem às vezes. Vai entender a natureza... - Disse, voltando a suas tarefas, recolhendo o obi que Rin havia usado no dia anterior. - Mas, para fêmeas solteiras como nós, não é nada para se preocupar, não é verdade?
A lontra se virou para lhe lançar um sorriso amigável, mas o gesto desapareceu quando viu que a humana ainda estava paralisada no lugar, a mão erguida no ar como se ainda segurasse o bolinho, os olhos fixados em lugar nenhum. A criada pendeu a cabeça para o lado, confusa, até que a compreensão começou a atingi-la.
- Rin... - Ela começou a falar vagarosamente, com muita cautela. - Não vá me dizer que você está... Dormindo com alguém?
Rin saiu de seu transe com aquela pergunta, o rosto ruborizando completamente, como se fizesse questão de confirmar a hipótese independentemente do que ela dissesse. Ela tentou pensar rápido, apenas dizer que não era da conta de Asai ou algo do tipo, mas as palavras se embolavam em sua boca, saindo em um embaralhado de gaguejos em vez de uma frase coesa.
Asai cobriu a boca com ambas as mãos, soltando a pilha de roupas que estivera reunindo, seus olhos negros se arregalando.
- Oh não, Rin...
- N-não se preocupe com isso. - Ela conseguiu dizer finalmente, apesar de o coração ainda estar batendo desesperadamente com a possibilidade.
- Mas Rin, querida... - Insistiu Asai, genuinamente preocupada, se apressando para sentar-se de frente para a humana. - Para isso acontecer agora, e aqui... Digo, não há humanos no Oeste, o que quer dizer que...
- Por favor, Asai. Apenas deixe isso para lá. - Ela pediu, sem saber mais a que recorrer, precisava de mais tempo para pensar.
A lontra a olhou com olhos sérios, o olhar mais sério que Rin já viu a serva lhe dirigir. Asai pegou as mãos dela, prendendo-as entre as suas em um gesto de conforto e confiança.
- Eu não estou querendo me meter na sua vida, Rin. Mas isso é muito sério, se você realmente tem tido er... relações com alguém do Oeste... O fruto disso não poderia ser outra coisa além de um meio-youkai. - Alertou ela, como se Rin já não estivesse perfeitamente ciente daquilo. - E, especialmente se esse alguém for quem eu acredito que seja...
- O que é que tem?
A criada respirou fundo, decidida a acabar com os rodeios. Olhando-a nos olhos, ela desembuchou de uma vez:
- Rin, hanyous são proibidos aqui, em quaisquer circunstâncias. - Explicou, agravada. - E quem baniu a mistura de raças foi o próprio senhor Sesshomaru.
Rin apenas negou com a cabeça, como se rejeitasse aquelas palavras como uma verdade. Mesmo que fosse verdade, certamente não se aplicava à ela. Afinal, Asai não sabia que estava falando com a mais recente prometida do senhor do Oeste, aquele posto tinha que lhe conceder certos privilégios, não?
- Eu estou falando muito sério, Rin! - A voz da amiga agora era mais urgente, o tom mais alto que ela já havia usado em sua presença. - Se realmente existe a possibilidade de você estar... Grávida de um youkai... Isso é um grande risco. Eu estou te avisando agora porque me preocupo muito com você. E as leis são muito claras, se alguém mais descobrir, se ele descobrir, pode ser que só te restem duas escolhas.
- Q-que escolhas? - Rin perguntou, embora estivesse morrendo de medo da resposta.
- Permanecer no Oeste e abrir mão desse filhote. Ou escapar para algum lugar bem distante, onde ele não vá te encontrar.
A humana se colocou de pé subitamente, precisando se mover, caso contrário sentia que ia começar a passar mal. Ela caminhou pelo quarto aleatoriamente, correndo as mãos pelos cabelos em um sinal de preocupação.
- Não, ele não faria isso. Não comigo...
A criada a seguia, as sobrancelhas franzidas em solidariedade.
- Pode ser que tenha razão, ele é sempre diferente quando se trata de você. - Concordou, tentando forçar um pequeno sorriso. - Mas e se não for o caso? Você precisa reconhecer esse risco e tomar as devidas precauções.
Rin permaneceu em silêncio, aquela última fala ressoando em sua cabeça. Ela fechou os olhos, completamente confusa e perdida. Asai suspirou, apoiando uma mão em seu ombro antes de se afastar.
- Se não acredita em mim, leia você mesma o decreto e tire suas próprias conclusões, minha querida. Eu soube que agora você possui acesso aos arquivos do castelo. - Ela disse, indo recolher as roupas que havia deixado cair. - Vou te deixar um pouco sozinha, me parece que você precisa pensar.
A humana apenas a observou sair, as palavras ainda presas na garganta. Suas pernas começaram a fraquejar, e Rin voltou a se sentar, suas mãos inconscientemente indo para sua barriga, alisando a pele perfeitamente plana, tentando absorver as informações que ainda não haviam entrado em seu cérebro.
Ela procurou se acalmar, aquilo podia não ser nada, como Asai havia dito. Atrasos como aquele aconteciam o tempo todo, embora Rin não se lembrasse de costumarem acontecer com ela. E para decidirem começar logo agora que Sesshomaru e ela estavam tão... próximos... Seria uma grande coincidência.
Precisava começar a aceitar a possibilidade de que aquilo podia realmente estar acontecendo, que podia realmente haver um pequenino crescendo dentro dela naquele momento. Ela pensou nos avisos da amiga, mordendo os lábios com a tensão. Asai não sabia o que estava falando, ela não sabia quão envolvidos Rin e Sesshomaru estavam... Afinal, se ele decidiu torná-la senhora do Oeste, certamente devia ter se preparado para que algo assim pudesse acontecer, talvez estivesse até mesmo esperando por isso. Mas ele nem ao menos tocou no assunto com ela...
Rin apertou os olhos, lembrando-se de que não era Mizuno. Não era uma fêmea perfeita gerada com o propósito de dar filhos poderosos a ele, nem ao menos tinha essa capacidade, era só humana. Não, não eram os filhos que Sesshomaru queria dela, mas algo que ele julgava mais valioso, sua assistência na construção do império dele. Mas, ainda assim, se fosse apenas isso, ele não precisava tê-la levado para seu futon repetidas vezes, certamente ele estava preparado para aceitar um efeito colateral como aquele.
Rin gemeu em frustração com sua indecisão, tentando se convencer de que ela estava certa, de que Sesshomaru ficaria ao lado dela independente do que a ausência de seu sangramento viesse a significar. Mas a voz de Asai ainda soava no fundo de sua mente, com aquele lembrete que a aterrorizava completamente.
E se não for o caso?
E se Sesshomaru estivesse apenas deixando-se levar pelo desejo? E se ele realmente estivesse pretendendo simplesmente pedir que ela abrisse mão daquele bebê, como Asai havia dito? Ela apertou mais as mãos contra o abdômen, sentindo lágrimas começarem a se formar em seus olhos, lembrando-se de que, se realmente não fosse lhe dada uma escolha no assunto, ela não poderia escapar dele com as próprias pernas, não poderia lutar contra ele. Estava disposta a correr aquele risco?
Não, ele nunca faria isso. Não chegaria ao ponto de obrigá-la a algo assim. Rin sabia, através de suas observações ao longo dos anos, que seu senhor não morria de amores pelos humanos, e sabia melhor ainda que sua repulsa por misturas das duas raças era ainda mais profunda, uma sequela do relacionamento proibido que levara o seu pai à ruína.
Mas, no momento em que escolheu dormir com ela, de novo e de novo, ele escolheu abrir mão de todo aquele ódio. No momento em que disse que a amava, mesmo que tivesse sido apenas uma única vez, ele tinha que ter aceitado as repercussões de tudo aquilo. Aquelas leis estúpidas tinham que ter ficado no passado, não havia como continuarem a existir na mesma linha do tempo em que ele dizia a amar.
Asai não sabia daquela verdade como Rin sabia. Não o conhecia como ela conhecia.
Contaria suas suspeitas a ele, ela decidiu finalmente. Com a decisão tomada, ela procurou terminar o que havia restado de seu café-da-manhã, apenas para descobrir que havia perdido todo o apetite com aquele estresse inesperado. Suas mãos despedaçavam um pãozinho, sua cabeça em outro lugar, voando para os diferentes cenários futuros que continuavam a atormentá-la, mesmo depois de ter se convencido a simplesmente ouvir a resposta do próprio Sesshomaru antes de tirar quaisquer conclusões.
Após destruir completamente o anteriormente belo arranjo de sua comida, fazendo-a parecer ainda mais intragável do que antes, Rin finalmente percebeu que no fundo não conseguia se decidir, que sua sempre inabalável confiança em seu senhor simplesmente não chegava até aquele domínio, não quando algo tão importante estava em jogo.
Ela ainda não compreendia como podia ser assim, nem ao menos tinha certeza se realmente estava esperando algum bebê afinal de contas, mas aquela incerteza não parecia importar. Era como se ela já soubesse, como se tivesse vivido uma vida inteira com aquele conhecimento e agora simplesmente não pudesse suportar a possibilidade de perder aquela promessa de criaturinha que ela nem conhecia ainda. Não importava. Ela o amava, de uma forma tão avassaladora que fugia à sua compreensão, fora de qualquer noção de racionalidade que ela conhecia. A necessidade de protegê-lo de qualquer ameaça que fosse era tão forte que Rin não conseguia sossegar até que tivesse absoluta certeza de que estava tudo bem.
Eu não vou contar. Ela pensou por fim, contradizendo sua primeira decisão. Não ainda.
A questão era muito delicada, não podia agir impulsivamente. Precisava de mais informações, de mais garantias, talvez levantar o assunto vagamente e observar a reação de seu parceiro a ajudasse a avaliar melhor quão aberto à ideia ele realmente estava.
Ela suspirou em exaustão mental, ainda confusa com aquela reviravolta. Nunca antes em sua vida achou que chegaria um dia em que precisaria temer Sesshomaru, mas era à ela que ele havia prometido seu amor e proteção. Ela não tinha como saber se aquela promessa se estendia a terceiros, se o pequeno dentro dela seria digno de alcançar a misericórdia do frio youkai da maneira que ela havia provado ser. Não era por ela que ela temia naquela manhã, e sim por algo muito mais precioso.
Desistindo de uma vez da comida, Rin largou a bandeja no lugar, pondo-se de pé e vestindo o primeiro quimono que avistou, atando-o com o laço mais rápido e simples que conhecia, sem se dar o luxo de esperar que Asai retornasse para ajudá-la a se arrumar.
Determinada, ela saiu do quarto, encontrando sua Guarda no local usual, logo na saída da ala Oeste.
- Bom dia. - Ela saudou como sempre, embora naquele dia em particular as palavras tivessem saído apressadas demais, e o sorriso radiante estivesse ausente de seu rosto.
Apesar de terem reparado na agitação da humana, os guardas apenas responderam à saudação, retendo-se ao trabalho que consistia basicamente de segui-la por aí. Rin já estava acostumada com a presença deles àquela altura, então não se incomodou, seguindo até seu destino.
Suas visitas à sala de arquivos já haviam se tornado uma rotina desde quando Sesshomaru apresentara sua proposta à ela, pouco mais de um mês atrás, então sua entrada lá foi completamente natural. A Guarda aguardou no corredor, como de praxe, nada fora do normal.
Mas, por dentro, o coração de Rin batia forte em nervosismo enquanto ela começava a revirar as prateleiras empoeiradas com pergaminhos mais velhos do que sua falecida avó, tentando encontrar o que procurava em meio àquela desorganização. Amaldiçoou a si mesma por sempre ter adiado fazer a arrumação que pensava que devia fazer toda vez que vinha ali.
Ela abriu e fechou diferentes pergaminhos repetidas vezes, uma pilha de documentos consultados se formando aos seus pés enquanto ela continuava verificando os restantes, passando por tratados antigos, acordos, decretos, correspondências, até que por fim algo chamou sua atenção. A assinatura de Sesshomaru em um papel muito antigo para ter sido escrita no governo atual. Ela desdobrou a escritura com muito cuidado, devido à fragilidade do documento gasto pelo tempo.
Seus olhos analisaram com apreensão e curiosidade a elegante escrita de seu senhor, percebendo apenas com algumas palavras-chave que havia encontrado o que buscava.
Tendo em consideração a absoluta superioridade da raça dos youkais sobre todas as outras criaturas, e dando a devida atenção ao crescente número alarmante de traidores da própria raça, que insistem em manchar a pureza desta, fica terminantemente proibido que haja envolvimento entre youkais e qualquer outra espécie. Humanos em especial.
Não deverá jamais habitar essas terras aquele que for fruto de tais relações, seja um visitante ou um nativo. Caso as relações se deem do lado de fora das fronteiras, fêmeas que carregarem tais aberrações não mais poderão retornar e, se o fizerem, serão convidadas ao exílio, ou serão responsáveis por eliminar a abominação híbrida pelos próprios meios, podendo assim permanecer sob pequena pena [...]
Rin parou de ler, incapaz de prosseguir, seu estômago revirando em desconforto enquanto ela absorvia aquelas palavras horríveis. Ela enrolou o papel novamente, enfiando-o no meio dos outros e se afastando da estante como se o móvel estivesse pegando fogo de repente. Era o que ela desejava, que aquele absurdo queimasse até as cinzas, que aquelas palavras escritas em uma caligrafia tão bela para esconder o horror por trás do seu significado fossem consumidas até não sobrar mais nada.
Ela sabia que Sesshomaru havia tido suas opiniões sobre hanyous no passado, mas não conseguia acreditar que ele havia realmente escrito aquilo. Era uma coisa detestá-los, outra completamente diferente era culpar bebês inocentes pela própria existência, antes mesmo de seus nascimentos condenando-os à morte, negando-lhes o direito de respirar o ar do qual todos os seres desfrutavam.
Ela fechou os olhos, segurando-se para não chorar ao imaginar as implicações daquele decreto, mas não suportou o peso ao pensar que a próxima a ser punida com aquelas regras poderia ser ela mesma. Não conseguia suportar o terror de pensar no procedimento que envolvia “eliminar a aberração pelos próprios meios”, um dos crimes mais graves dos quais Kaede havia lhe falado ao receber visitas de mulheres em desespero, mulheres sem um marido e com uma criança no ventre, que vinham até ela procurando um fim para o que consideravam um tormento para toda a vida, uma humilhação, uma desonra.
Poucas coisas no mundo poderiam ser piores do que interromper propositalmente uma gestação, uma mãe deliberadamente tirar a vida inocente do próprio filho antes mesmo de olhá-lo nos olhos pela primeira vez...
Não, Sesshomaru não faria isso, não com ela pelo menos. Não estava certa sobre os riscos que um procedimento intrusivo como aquele poderia oferecer a uma fêmea youkai, mas para uma humana como ela... Podia até mesmo causar sua morte e ela sabia que seu senhor jamais permitiria que corresse um risco tão grande.
Pelo estado do papel, ela podia estimar que datava de pelo menos um século, e Rin sabia que desde a morte do último general, fora a mãe de Sesshomaru quem manteve a ordem naquelas terras no lugar do filho. Para ele ter se dado o trabalho de voltar ali só para escrever um decreto como aquele, a ferida da traição do pai ainda devia estar fresca, certamente era da época da infância de Inuyasha.
Rin respirou fundo, lembrando-se do entendimento que os meios-irmãos acabaram encontrando ao longo dos anos, a ponto de Sesshomaru ter confiado a ele a guarda de Rin por tanto tempo. Aquele ódio todo havia ficado no passado, tinha que ter ficado no passado. Sesshomaru provavelmente nem se lembrava mais de que havia escrito algo tão pavoroso quanto aquilo algum dia, ela tentava se convencer.
No fim das contas, tudo que ela tinha era aquilo, pequenos retalhos do passado de seu senhor. Ela não podia trabalhar só com aquelas informações tão desatualizadas, provavelmente já não valiam de nada para julgar o Sesshomaru que ela conhecia hoje. Aquele que lhe sussurrava palavras de afeto enquanto acariciava sua pele, que lhe cobria de beijos até que ela não fosse mais que uma poça de arrepios e suspiros, que lhe enchia de desejo só com um olhar que parecia gritar o quanto ele a desejava também, que colocava a si mesmo em risco apenas para protegê-la. Aquele era o Sesshomaru que ela amava, não o homem que havia escrito aquelas palavras, que havia se referido ao seu pequeno e puro bebê como uma aberração, uma abominação.
Os dois não podiam ser a mesma pessoa, simplesmente não podiam.
Com um último suspiro, ela se acalmou, percebendo como aquilo não levaria a nada. Por que estava com tanto medo? Era sobre Sesshomaru que estava falando, aquele que jamais faria algo para magoá-la, mesmo que por dentro ele detestasse a existência da criança. Ele havia pedido que Rin confiasse nele, não importando o que acontecesse, e era isso o que precisava fazer.
Quando a humana saiu da sala, seu rosto estava perfeitamente sério, as lágrimas sorrateiras estavam secas. Não era o seu estado mais natural, mas era o melhor que podia fazer.
Procurando afastar-se daquele local deprimente, ela voltou a andar pelo corredor, mal conseguindo dar um passo antes de um pequeno youkai verde cruzar seu caminho, vindo da direção perpendicular, descuidado em sua correria.
Jaken freou antes que pudesse se chocar com a humana desavisada, mas ela instintivamente se colocou na defensiva, as mãos na frente da barriga como se tentasse proteger seu bem mais valioso.
- Ah Rin, te encontrei! - Ele disse, exasperado, sem nem ao menos se incomodar com um pedido de desculpas. Ela honestamente esperava um pouco mais de consideração agora que ele sabia da diferença gritante de classes entre os dois. - O senhor Sesshomaru solicita a sua presença.
O coração que ela tanto custou a acalmar naquela manhã começou a bater freneticamente mais uma vez ao ouvir aquele nome. Ela tentou agir com naturalidade, escondendo a confusão de pensamentos que corriam em desespero por sua cabeça.
- Anh... S-sim... - Ela limpou a garganta, tentando corrigir a voz falha. - Eu já vou. Obrigada, senhor Jaken.
Ele assentiu com uma expressão de dever cumprido, orgulhoso de si mesmo por executar aquela simples tarefa. Mas logo ergueu uma sobrancelha, percebendo a postura peculiar da humana.
- Você está com dor de barriga ou algo assim?
Rin o olhou em confusão por um momento, até perceber que ainda tinha as mãos ao redor do abdômen de forma inconsciente. Rapidamente, ela as recolheu.
- Não! D-digo, sim. Um pouco. - Corrigiu, percebendo que um mal estar era muito mais fácil de explicar do que a verdade. - Não se preocupe, eu tenho remédios, logo passa.
Jaken a fitou com seus grandes olhos, desconfiado com o titubear. Antes que ele pudesse argumentar, Rin o empurrou de volta na direção de onde ele veio, forçando-o a caminhar.
- Vamos logo, o senhor Sesshomaru não gosta de esperar.
xXx
Rin adentrou a sala onde Sesshomaru a esperava, fazendo o seu melhor para colocar um sorriso no rosto, como se nada tivesse acontecido desde que ele lhe dera um breve beijo de despedida de manhã cedo até ali.
Ela se sentou ao lado dele sem precisar de um convite, livremente movendo uma mão para alisar os cabelos prateados sedosos, reparando em como estavam úmidos. Nem havia percebido que já começara a chover lá fora, com todos os outros problemas em sua mente.
- Como está se sentindo hoje? - Ele perguntou casualmente, estendendo um braço para envolver a cintura dela, trazendo-a para mais perto.
Rin imediatamente enrijeceu sua postura, desconfiada da pergunta dele, como se ele tivesse algum motivo para desconfiar de que ela estivesse se sentindo diferente naquele dia. Certamente Asai não teria dado com a língua nos dentes, depois de todo o discurso daquela manhã.
Ela relaxou após tomar mais um tempo para processar as palavras dele, percebendo que estava apenas referindo-se ao incidente com Hayashi. Passaram-se apenas dois dias desde que receberam a notícia, e a dor ainda era recente, pegando-a de surpresa em momentos aleatórios de vez em quando, trazendo lágrimas aos seus olhos. Sesshomaru estava apenas preocupado.
- Melhor. - Ela respondeu enfim, embora sua primeira reação já tivesse denunciado ao youkai que havia algo errado com ela, mas Rin rapidamente mudou o assunto, tirando o foco de cima dela. - Como vão as preparações?
- É justamente sobre o que eu pretendia falar. - Ele disse, deixando que ela escapasse do primeiro assunto. - Estão progredindo bem, logo os homens estarão prontos.
Ela prendeu a respiração, um pouco nervosa com aquela perspectiva. Logo seu senhor estaria indo à guerra contra aquele que assassinou sua mãe, que assassinou Hayashi. Não podia evitar a preocupação que se instalava em sua mente ao pensar nos perigos que ele estaria correndo, parte dela querendo implorar para que ele não fosse, para que permanecessem ali e esperassem que Takayama simplesmente desistisse.
Mas sabia que, em primeiro lugar, ele não lhe daria ouvidos. E, em segundo lugar, era necessário. Não era o bastante que o inimigo simplesmente recuasse. Mesmo Rin, com sua personalidade naturalmente compassiva e pacífica, sabia que Takayama precisava pagar, que eles deviam aquela vingança à mãe de seu senhor, a Hayashi. Era uma questão de honra.
- Ainda estou planejando os arranjos, mas minha ideia principal é que você fique aqui, com sua guarda pessoal. - Ele prosseguiu, ignorando o medo no olhar dela. - A princípio, devo deixar um terço do exército para trás, guardando o castelo.
- Um terço?! - Ela arfou, exasperada. Estavam falando do homem que derrubou o Castelo nas Nuvens com absurda facilidade, sem deixar rastros. Aquela fração de guerreiros poderia fazer falta no campo de batalha, contra um oponente tão formidável. - Não há necessidade, senhor Sesshomaru. O senhor enfrentará a pior parte, as coisas devem ficar bem tranquilas por aqui.
- Eu não vou arriscar por baixo, quando se trata da sua segurança. Temos que considerar a possibilidade de que ele aproveite a minha distração com a batalha para tentar um ataque aqui. - Explicou ele, em seu tom de voz sério.
Sesshomaru não se sentia nem um pouco confortável de estar longe dela em um momento tão vulnerável, mas não podia também simplesmente carregá-la com ele até o epicentro do problema, para perto de Takayama. Se achasse que o risco fosse realmente grande, não hesitaria em deixar até mesmo o exército inteiro com ela e ir ele sozinho derrotar o inimigo por conta própria.
Rin não gostava nada daquela ideia de, além de não poder ajudar em nada, ainda acabar atrapalhando, obrigando parte do exército a ficar para trás para protegê-la. Até mesmo quanto à Guarda do Lírio, apesar de nunca terem reclamado do serviço tedioso ao qual eles mesmos se voluntariaram, Rin sabia que estavam morrendo de vontade de irem à batalha também.
Apesar disso, estava com medo de ficar ali sozinha, sem Sesshomaru, especialmente na situação em que ela desconfiava se encontrar. Mas não podia exatamente pedir que ele adiasse o confronto por... nove meses?
- Eu não preciso ficar aqui. - Ela falou de repente, a ideia brotando em sua mente. - Não seria melhor que eu não estivesse exatamente no primeiro lugar onde Takayama viria me procurar?
Sesshomaru apenas esperou que ela elaborasse a sugestão, paciente.
- Eu poderia voltar ao vilarejo. Não seria necessário desperdiçar tantos soldados em um lugar tão menos arriscado. - Argumentou. - E, se qualquer coisa acontecer, Inuyasha estaria lá.
Rin sorriu com a própria ideia, começando a ficar mais animada. Estaria de volta entre pessoas que amava e, principalmente, que compreenderiam sua condição atual e a ajudariam a lidar com isso. Não se sentiria mais tão perdida se tivesse Kagome, Kaede e Sango para lhe aconselharem.
Mas seu parceiro acabou com sua animação com uma única monossílaba, curto e direto:
- Não. - Ele disse, em um tom que não deixava espaço para discussão. - Não vou enviá-la àquele lugar.
Não fazia sentido para ele que Rin tivesse acesso a uma verdadeira fortaleza militar e decidisse que era melhor se abrigar em um vilarejo humano miserável, onde os homens pareciam pensar que ferramentas para arar a terra e armas de combate fossem a mesma coisa.
- Mas-
- Rin, eu disse não. – Ele cortou antes que ela pudesse reclamar, o que obviamente não adiantou de nada.
- Eu não quero ter que ficar aqui sendo um estorvo para todo mundo!
- Isso não é sobre o que você quer.
A forma abrupta e fria com a qual ele falou a fez recuar de imediato, mágoa aparecendo em sua expressão. Não era típico dela se deixar ser afetada pela autoridade de Sesshomaru, havia aprendido a respeitá-la desde a infância, estava acostumada. Mas, naquele dia em especial, sentia-se mais fragilizada que o normal, mais sensível. O que realmente queria era que ele a abraçasse e a convencesse de que estava tudo bem, não aquilo.
Porém, em vez de tentar uma conciliação, de tentar dissuadi-lo com palavras suaves como sempre fazia quando a discussão não estava indo a seu favor, Rin levantou o queixo para olhá-lo nos olhos não com o seu típico olhar de persuasão que sempre funcionava com ele, mas sim com olhos duros e desafiadores.
- Mas ninguém vai procurar por mim lá! E não vou precisar de toda essa mobilização! Se esses soldados souberem que perderam toda a diversão da luta por minha causa, eles mesmos me matam. - Continuou ela, insistente. - Apenas Inuyasha e a Tessaiga devem ser o suficiente.
Sesshomaru bufou, impaciente com aquela teimosia. Já havia deixado claro o suficiente que não mediria esforços para mantê-la protegida, mas a humana não parecia querer entender. Era quase como se ela tivesse motivos secundários para querer voltar ao vilarejo, como uma alegre reunião de amigos, o que era impensável no meio de toda aquela crise.
- Basta dessa discussão inútil, eu já disse que não irá a lugar algum. - Reforçou o youkai, não se preocupando nem um pouco em manter a voz razoavelmente controlada. Nada o irritava mais do que ser questionado, achava que Rin já havia aprendido aquela lição quando enfrentaram o primeiro mercenário, no caminho para o Oeste. - Como se eu fosse confiar sua segurança, em uma situação dessas, àquele vira-lata imundo. O que um mestiço execrável poderia fazer contra um exército de youkais completos?
Rin o encarou, boquiaberta e totalmente paralisada. Embora ele estivesse praticamente gritando as palavras para ela, tudo que a humana conseguia ouvir era vira-lata; mestiço execrável. Ela inconscientemente tentou se afastar, percebendo que ainda tinha um braço de Sesshomaru a segurando levemente. Como se aquele simples contato fosse tóxico, como se tivesse veneno escorrendo das garras dele, ela removeu o membro de sua cintura abruptamente, rastejando no chão por um momento antes de se pôr de pé, os olhos inundados de lágrimas frescas que brotavam sem permissão.
O youkai a olhou de volta, intrigado com o estranho comportamento da parceira. Começava a achar que havia sido um pouco duro demais com ela, à medida que as lágrimas translúcidas começavam a escorrer pela bochecha dela, pingando de seu queixo e maculando o piso antes impecável.
- Não acredito que disse isso... - Ela falou, em um fio de voz quase inaudível.
Ele ergueu uma sobrancelha, confuso com a escolha de palavras dela. Não achava que o problema era sobre o que ele havia dito, mas sobre como havia dito. Todo mundo sabia que ele considerava Inuyasha fraco, o que havia de grave em dizer isso?
Sesshomaru apenas ergueu uma mão na direção dela, indicando para que voltasse a se sentar, para poderem conversar propriamente agora que as lágrimas dela já haviam apagado as brasas de sua irritação. Mas Rin apenas balançou a cabeça em negativa, dando mais um passo para trás, para mais longe dele.
- Rin? - Ele chamou, se esticando um pouco em uma tentativa de segurar a mão dela e trazê-la de volta para o seu lado, mas assim que seus dedos quase a alcançaram, a humana simplesmente se virou e correu para a porta. - Rin!
Sesshomaru finalmente levantou de seu assento, pretendendo impedi-la de sair, mas ela já estava escancarando a porta em um movimento desesperado, fugindo da sala o mais rápido que podia, empurrando seus guardas para fora de seu caminho. Ele parou no lugar, observando-a desaparecer no corredor, mais confuso do que nunca.
O que havia dado nessa menina hoje?
Rin correu sem rumo pelos corredores, o castelo de repente parecia sufocante, ela não conseguia respirar! Mas talvez fossem só os soluços presos em sua garganta, ou o esforço da corrida. De qualquer maneira, ela continuou correndo sem olhar para trás, até abrir uma porta em desespero para sair daquele lugar. Quase chorou de alívio ao ver seu jardim se abrir à sua frente, mas não havia espaço para um sentimento tão prazeroso dentro dela, de forma que apenas sentou no chão da varanda e continuou chorando de desespero mesmo.
Todas as esperanças estúpidas às quais ela vinha se agarrando haviam desmoronado com aquela única fala de Sesshomaru. Não, sua repulsa por meio-youkais não havia ficado no passado, estava fresca e borbulhando na superfície, pronta para ser liberada na primeira oportunidade. Ela pousou uma mão sobre a barriga lisa novamente, lamentando ao pensar que o que crescia ali jamais seria amado por seu genitor, mesmo que tivesse a chance de nascer. Rin pensou de novo no decreto de seu senhor, no procedimento que ele não tão sutilmente sugeria que fosse adotado. Talvez ele fosse apenas esperar que o “problema” não estivesse mais dentro dela para se livrar dele...
Ela sabia que as duas possibilidades eram inaceitáveis. Aquele bebê não tinha culpa nenhuma de quem seus pais eram, ele não precisava pagar por isso, não era justo!
A humana ouviu passos, sobressaltando-se por um momento antes de verificar que era apenas a Guarda do Lírio parando ao seu lado na varanda. Ela os encarou com olhos avermelhados e inchados, desviando o olhar em seguida.
- Eu quero ficar sozinha. - Disse em voz baixa, como se não fosse óbvio.
Os guardas se entreolharam, todos sabendo bem a resposta correta para aquele pedido. Haviam jurado a Sesshomaru que seriam a sombra daquela humana, a não ser que o próprio os dispensasse, como ele frequentemente fazia, a fim de ficar a sós com ela sabe-se lá para que.
Apesar disso, a situação ali era absurdamente desconfortável para todos os envolvidos e, sendo eles youkais, não precisavam exatamente estarem grudados nela o tempo inteiro para serem capazes de interferir se ela estivesse em perigo.
- Vamos ficar no campo auditivo. - Kotarou disse em nome do grupo que ele de certa forma fundou, compadecido com o sofrimento da menina. - Se precisar de qualquer coisa, é só gritar.
Rin assentiu fracamente, não se dando o trabalho de levantar a cabeça para vê-los partirem. Nada mais tinha espaço em sua mente. A batalha, os preparativos, até mesmo a perda de Hayashi, tudo aquilo desapareceu em uma nuvem de poeira. Só havia uma coisa na qual ela conseguia pensar, que era a segurança e bem-estar de seu precioso bebê.
Era estranho como, apesar de sempre ter tido jeito com crianças, ela nunca tivesse sido particularmente obcecada com a ideia de maternidade, provavelmente por nunca ter pensado que poderia ter o homem que ela amava, que ele nunca a presentearia com tal milagre. Mas, agora que se encontrava exatamente naquela situação, todos os seus instintos gritavam para que ela não colocasse aquela vida em risco, mesmo que esse risco fosse representado pelo próprio dono de seu coração.
Ela precisava de tempo, de distância. Talvez pudesse convencê-lo de que um meio-youkai não era tão repugnante assim, talvez pudesse levá-lo a aceitá-lo da mesma forma que ele havia aceitado-a. Mas não naquele momento onde as coisas ainda eram tão frágeis, tão incertas.
Rin suspirou em frustração, suas lágrimas de lamento continuando a cair enquanto ela levantava e começava a caminhar lentamente em meio às flores que se exibiam em espetaculares cores ao seu redor. Ela não as via, como se fossem cinzas e desbotadas. Sentia-se tão perdida e amedrontada, precisava mais do que nunca de alguém que a guiasse, não sabia o que fazer. A única pessoa com quem ela podia contar ali era Asai e as palavras da criada ainda ecoavam em sua cabeça:
“Permanecer no Oeste e abrir mão desse filhote. Ou escapar para algum lugar bem distante, onde ele não vá te encontrar.”
Não podia jamais abrir mão daquele pequeno botão de rosa que prometia desabrochar em algo tão lindo algum dia. Muito menos ir a um lugar qualquer assim, onde seria uma presa fácil. Só havia um destino aonde ela poderia ir, mas seria relativamente fácil para Sesshomaru encontrá-la lá. Entretanto, ele estava tão imerso em sua guerra, tão ocupado com seus planos de batalha... Talvez fosse demorar algum tempo até que ele pudesse ir atrás dela, não poderia se ausentar agora quando todos dependiam dele. E, até lá, Rin esperava já ter uma decisão concreta.
A chuva estava ficando mais pesada, mas a humana não se importou nem um pouco, como se nem pudesse sentir as gotas geladas caírem sobre seu rosto, misturando-se às lágrimas quentes. Aproveitando-se de sua decisão momentânea, antes que perdesse a coragem, ela olhou ao redor, buscando qualquer indicativo de que estivesse sendo vigiada. Nem sinal de seus guardas, ou qualquer outra pessoa. Confiante e, ao mesmo tempo, absurdamente insegura, ela voltou a correr, saindo do jardim pelo lado oposto e se dirigindo a um lugar onde normalmente não ia, mas que parecia sua única rota de fuga no momento.
Ela parou ao alcançar os estábulos, apoiando-se em uma parede por um instante para recuperar o fôlego, antes de começar a caminhar entre as baias. A maioria estava vazia, já que as montarias foram levadas ao campo de treinamento, o que tornava fácil para ela encontrar o que procurava, quase sendo capaz de sorrir ao ver o velho amigo.
- Ah-Un. - Ela saudou, estendendo uma mão para acariciar suas crinas. - Já faz algum tempo que não venho te visitar, me desculpe. Mas preciso muito da sua ajuda agora.
Ela abriu a portinhola, pegando as rédeas penduradas na parede ao lado e apressadamente arranjando-as ao redor das duas cabeças. O dragão a olhou com desconfiança, emitindo um breve som de protesto com uma das cabeças.
- Não me olhe assim, eu realmente preciso que você me leve de volta ao vilarejo, Ah-Un.
A criatura pareceu franzir as sobrancelhas desconfortavelmente, enquanto Rin começava a atar a sela em suas costas. Rin sabia que o amigo começava a perceber que ela estava tramando algo, algo que não deveria estar fazendo.
- Por favor! - Ela enfatizou, tentando puxá-lo para fora, lutando contra o peso colossal da criatura. - Eu prometo te dar muitas cenouras!
Ah-Un finalmente cedeu aos pedidos da humana, movendo-se em direção à ela. Rin assentiu em gratidão, guiando-o até o exterior para que pudesse montar.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.