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História Unintended - Missão


Escrita por: eveelima

Notas do Autor


Oii gente! Mil desculpas pelo sumiço, o semestre tá uma loucura porque to com muita matéria mas to bem surpresa que to dando conta super bem até :D
Só que isso demanda um tempinho. Pra piorar eu tive um pouco de dificuldade com o início desse capítulo que não me deixava prosseguir.

Não ficou tão grande quanto os últimos, mas achei melhor postar "pouco" do que nada.
Espero que gostem. Se já não tiverem esquecido de mim, isto é haha

Capítulo 39 - Missão


Rin despertou no familiar conforto de seu futon, as belas cortinas douradas no teto deixando passar a tímida luz do sol de fim de inverno. Sentia-se um pouco grogue, as memórias da noite anterior nubladas em sua mente, até que inconscientemente pousou uma mão sobre o ventre, como havia se acostumado a fazer nos últimos meses, e o sentiu quase plano. Então as memórias a inundaram, as lembranças vagas de ter chegado ao castelo desacordada no colo de Sesshomaru, e alguns flashes de consciência enquanto Kagome a limpava com toalhas e água quente.

Ela se sentou abruptamente, olhando ao redor e invocando memórias um pouco mais antigas, percebendo que quaisquer sinais de luta no quarto haviam sido apagados, exceto pela precária porta improvisada na entrada, consistindo apenas de tábuas de madeira selando o vão.

- Como se sente? - A voz séria de Sesshomaru a chamou do outro lado do enorme cômodo, e só então Rin percebeu que ele estivera o tempo inteiro em sua mesa, folheando alguns documentos.

Não conseguiu evitar o sorriso bobo que se formou em seu rosto ao reparar que, embora seu senhor parecesse realmente focado no que quer que estivesse escrevendo em seus papéis, sobre suas pernas cruzadas, envolvida em uma manta tão felpuda quando a pelagem que ele carregava no ombro, estava a figura adormecida de Miyuki. Os dois pareciam extremamente confortáveis com o arranjo, apesar de logo ao lado da mesa haver um lindo cesto trançado adornado com fitas e forrado com lençóis macios, onde a menina originalmente deveria estar.

- Estou bem... – Ela respondeu, acalmando-se imediatamente ao vê-lo ali com a filha. Era tão bom poder olhá-la sob a luz do dia, em uma atmosfera mais tranquila do que o terror da noite passada.

Sem conseguir evitar, Rin levantou-se prontamente, procurando ficar o mais próximo possível de sua nova família finalmente completa. Ela acomodou-se confortavelmente sobre algumas almofadas ao lado do youkai, deitando-se sobre a barriga como um pequeno prazer do qual não pudera desfrutar por vários meses. Não queria atrapalhá-lo em seu trabalho, muito menos o descanso da filha, mas ainda havia perguntas pendentes depois de tudo o que ocorrera.

– Quanto tempo eu dormi?

- Nós chegamos na alvorada, agora já é o final da tarde. – Ele a informou, fazendo seu pânico retornar rapidamente.

Rin o olhou com enormes olhos espantados. Como a haviam deixado dormir tanto?!

- Eu não podia ter dormido esse tempo todo! Eu-

- Você estava exausta, Rin.

Ela balançou a cabeça, descartando totalmente aquela justificativa como um motivo válido para terem permitido que ela negligenciasse suas obrigações por tanto tempo.

- Mas Miyuki precisa mamar e já fazem horas-

- Ela estava com a ama de leite agora há pouco. – Ele esclareceu calmamente, ainda perfeitamente focado em seus afazeres. Rin piscou, completamente confusa.

- E desde quando temos uma ama de leite?

Sesshomaru a fitou finalmente, igualmente confuso com a pergunta.

- Uma das primeiras coisas a se fazer diante da gravidez de uma fêmea da nobreza é procurar adicionar uma ama de leite à lista de empregados. – Explicou, percebendo que talvez não fosse tão óbvio assim para ela. Afinal, onde ela havia crescido, provavelmente ninguém teria condições de arcar com o relativo luxo.

- Mas eu sou a mãe dela... - Ela tentou argumentar, ainda sem entender qual seria a necessidade de algo daquele tipo. Normalmente, seria um último recurso usado apenas para o caso de a mãe não conseguir produzir leite por algum motivo, ou, em casos extremos, se esta houver morrido durante o parto. Rin não gostava de nenhuma daquelas duas perspectivas.

- Você é uma nobre agora. - Ele completou, a voz ainda perfeitamente didática e paciente. - Nenhuma fêmea do clã alimenta os próprios filhotes, se não precisar.

Ela revirou os olhos com aquilo. Francamente! Como se houvesse algo que pudesse ser mais importante para ela do que cuidar da própria filha! Podia ser a imperatriz suprema do mundo inteiro, mas seria mãe de Miyuki em primeiro lugar. Ali não a deixavam nem mesmo se banhar por conta própria, agora mais isso?

- Eu não preciso de ninguém para fazer o meu trabalho por mim! - Rin protestou, sentindo uma estranha sensação de indignação borbulhando dentro dela. A fazia lembrar-se do que costumava sentir ao ver Mizuno ao lado de Sesshomaru, mas não era exatamente a mesma coisa.

Ansiando para assegurar seu direito, ela estendeu as mãos em direção ao embrulho adormecido no colo do parceiro, pretendendo tomá-la em seus próprios braços em uma tentativa irracional de compensar o tempo em que haviam sido privadas da companhia uma da outra. Mas, antes que ela pudesse fazer mais um movimento, as mãos de Sesshomaru a puxaram, os braços fortes do daiyoukai a envolvendo imediatamente em um aperto irresistível, pressionando-a contra o seu peito. Ele tocou os lábios em sua bochecha, pressionando o nariz contra sua pele e apreciando seu cheiro com muito mais apreço depois de ter experimentado a sensação de ser privado da capacidade de senti-lo. Rin permaneceu paralisada, não estando esperando aquela reação repentina.

- Pois bem, - Ele sussurrou próximo ao seu ouvido, amolecendo-a imediatamente. - Administre suas tarefas como preferir. Eu não pretendia interferir.

Aquelas palavras, aquele abraço, dissolveram completamente o sentimento tumultuoso que ela estivera experimentando, trazendo à tona apenas o afeto descomunal que nutria por aquele homem e todo o terror que passara ao pensar por um instante que podia ter acabado sem ele, o alívio de saber que ele estava ali intacto em seus braços.

- Eu estive tão preocupada com o senhor! - Ela confessou, abraçando-o de volta com todo o afinco que conseguia sem perturbar o bebê no colo dele. - Não quero que passemos por algo assim nunca mais.

Sesshomaru balançou a cabeça, duvidando que ela pudesse ter se preocupado sequer uma pequena fração do que ele havia. O receio de perdê-la e, juntamente, jamais ser capaz de conhecer aquela minúscula e frágil criatura que dormia com uma respiração tranquila, havia sido uma das experiências mais desconcertantes de sua vida.

Naquela noite de grandes e perigosos inconvenientes, o daiyoukai fora forçado a encarar toda a força da última lição que seu pai tentara lhe ensinar antes de partir: O caminho para o poder supremo passava diretamente pela necessidade de proteger alguém. Era fácil demais lutar apenas por si mesmo, viver em benefício próprio, sempre focado nos próprios objetivos, como ele fizera durante toda a vida. Mas, ter o poder de manter em segurança aqueles que lhe são valiosos, aqueles que são frágeis e vulneráveis... Esse era o desafio derradeiro. E Sesshomaru se recusava veemente a falhar no próximo teste.

Mas agora que tinha Rin ali, o episódio estava parcialmente esquecido, seu orgulho ferido se aquietando momentaneamente para dar espaço àquela necessidade que sobrepunha facilmente todo o resto. A necessidade de Rin. Muito havia acontecido desde que se reencontraram, de forma que não tiveram exatamente a oportunidade de aproveitar a companhia um do outro, mas naquele momento, não havia nada de que ele precisava mais do que sentir sua fêmea presa e segura em seu abraço.

- Está tudo bem agora, você está a salvo. E Miyuki também.

Rin sorriu, o rosto choroso com as novas emoções que começavam a invadi-la. Ela se afastou para poder beijá-lo docemente sobre os lábios, apenas um delicado toque que era mais que o suficiente para dizer o quanto o amava.

Finalmente, ele a soltou, deixando que a atmosfera de reunião se dissolvesse aos poucos, levando junto com ela a cor avermelhada no rosto de sua Rin. Depois de todo aquele tempo, ela ainda se encabulava com os gestos mais simples. Ele adorava aquele traço.

- Não se preocupe. - Enfatizou. - Isso vai terminar logo.

A sutileza da promessa de violência na última frase chamou a atenção de Rin aos assuntos mais urgentes, somados ao fato de que estavam os três ali, unidos como uma verdadeira família deve ser, o que apenas a fez lembrar-se de que não havia sido assim na noite anterior, quando haviam sido separados.

- O que aconteceu no castelo depois que eu saí? – Ela perguntou, finalmente. – Estão todos bem? Minha Guarda? Os criados? A cidade? E o senhor Jaken?

- A maioria está em boas condições. Derrotar os invasores foi, na verdade, bastante fácil. – Explicou, finalmente deixando de lado por completo as atividades prévias, repousando o pincel dentro do pote de tinta negra e estendendo a folha mais recente para que a escrita pudesse secar propriamente antes de enrolá-la. – Eles não passavam de uma distração para o real objetivo, que era chegar até mim e até você.

- E o que aconteceu com Takayama?

O youkai deu de ombros, procurando manter uma expressão de indiferença, mas seus dentes estavam trincados por baixo dos lábios.

- Eu não tive muito tempo para lidar com ele, meu foco estava em chegar até você e garantir que estivesse segura. Não sei onde ele está agora, mas uma coisa é certa: ele morrerá pelas minhas garras em breve.

Aquelas últimas palavras haviam sido ditas com um falso tom casual de seriedade, mas Rin podia sentir, escondida por baixo, toda a fúria contida de seu parceiro. Não o culpava por sentir-se assim. Graças à intervenção de Takayama ela fora obrigada a dar à luz em condições tão precárias que nem mesmo as camponesas menos privilegiadas do vilarejo precisavam vivenciar. Sem contar o sofrimento causado ao seu senhor, por aquele horrendo truque apelativo de magia divina.

Mas, por outro lado, Rin ainda temia. Que outras jogadas sujas Takayama ainda teria nas mãos? Quem saberia se eles teriam o suficiente para superá-las com apenas um grande exército e um general incrivelmente poderoso? E, além de tudo aquilo, havia aquela pequena jóia preciosa no colo de Sesshomaru, uma criatura tão impossivelmente frágil e ao mesmo tempo tão ameaçada.

- Não está pensando em ir atrás dele agora, está? – Ela resolveu verbalizar suas dúvidas, a voz baixa como se no fundo esperasse que ele não a ouvisse, para que não pudesse responder o que ela temia.

- Esperar aquele tempo todo foi um erro.

- O senhor estava apenas tomando como prioridade cuidar de mim, do bebê-

- Vocês duas podiam ter sido facilmente mortas ontem. – Ele a cortou com um semi-rosnado de frustração, o ruído rapidamente fazendo Rin se encolher. – E, se não o foram, em momento algum foi graças a mim.

Ela permaneceu quieta diante das palavras raivosas, sem ter realmente como rebater aqueles argumentos e sem mais justificativas que não envolvessem admitir que apenas queria que ele permanecesse ali ao lado dela.

- Mas serei eu quem dará um fim a isso, de uma vez por todas. Da próxima vez que Takayama e eu nos encontrarmos... – Sesshomaru tinha uma expressão igualmente determinada e ameaçadora no rosto, a mente trabalhando as mais grotescas formas com as quais poderia acabar com a vida daquele que já havia ficado em seu caminho mais do que podia tolerar, mas seus pensamentos assassinos foram interrompidos bruscamente pelo choro agudo da criança em seu colo.

O casal simultaneamente se sobressaltou com o som, os dois estando ouvindo-o pela primeira vez. A pequena Miyuki tinha o rosto avermelhado, os olhos apertados, enquanto sua garganta informava sua insatisfação.

Rin parecia desesperar-se com o protesto sonoro da filha, imediatamente a pegando no braço e pressionando-a contra o peito, experimentando mudá-la de posição e partindo para balançadas gentis quando as duas estratégias não funcionaram. Ela havia acabado de comer e não havia se sujado ainda...

- O que foi, querida?

- Creio que a assustei. - Sesshomaru respondeu à pergunta retórica, cuidadosamente tratando de colocar sua energia sinistra sob controle, deixando que a meia-youkai entendesse aos poucos que não havia ameaça alguma por perto.

Em pouco tempo, ela se acalmou, o choro reduzindo-se a baixos soluços até cessar completamente.

Rin não resistiu a sorrir para o parceiro, agora que o problema parecia resolvido. Mais uma vez, sua experiência em lidar com crianças não só era inutilizada, como também fora superada por um completo leigo. Bom, não podia subestimar o fator instintivo que parecia reger a espécie inu e que, aparentemente, sua filha havia herdado.

Assim que a criança se aquietou por completo, Rin aproveitou para admirar o quanto quisesse a perfeição daquele rostinho rosado, deixando de lado a breve discussão. Na noite anterior, estivera tão escuro e ela estivera tão incrivelmente cansada que mal conseguiu absorver todos os traços da criança. Miyuki agora estava perfeitamente limpa e devidamente aquecida do frio intenso. Na luz de fim de tarde, Rin podia ver com clareza cada detalhe dos brilhantes olhos dourados emoldurados por cílios abundantes que poucos recém-nascidos teriam apresentado.

- Olá, dorminhoca. - Ela murmurou para o bebê, que permanecia perfeitamente silencioso, a boca entreaberta como se estivesse prestando a mais absoluta atenção no rosto da mulher que a segurava. - Me desculpe ter te deixado com aquela moça malvada mais cedo. Eu prometo que estaremos sempre juntas agora.

- Me parece que sua mãe está cometendo um leve exagero. - Sesshomaru comentou, juntando-se à esposa na atividade de apreciar a figura que eles haviam gerado. O confuso bebê imediatamente desviou o olhar para ele ao ouvir sua voz.

- É, mas é o seu pai quem força cinco guerreiros a ficarem me seguindo o tempo todo quando ele não está comigo. - Rin rebateu, lançando um sorriso provocativo para o parceiro. - Eu posso ser superprotetora só dessa vez.

- Justo. - Ele concordou, inconscientemente erguendo sua mão na direção de Miyuki, que prontamente interceptou o dedo indicador com sua pequena mão e tentou colocá-lo na boca.

Rin observou a inocente interação com um sorriso encantado, notando pela primeira vez as protuberantes garras transparentes em cada um dos dedos da menina, embora ainda fossem frágeis o suficiente para se dobrarem quando ela tentava pressioná-las contra uma superfície rígida como a pele de Sesshomaru.

Prestando mais atenção, a humana começou a reparar mais uma característica que havia passado despercebida. Ou que, na verdade, havia sido mal interpretada. Quando tivera o primeiro vislumbre das orelhinhas caninas de Miyuki, na noite anterior, a impressão havia sido de que a pelagem nas pontas ainda não havia crescido, embora a filha tivesse uma boa quantidade de cabelos na cabeça para uma recém-nascida. Mas, agora que olhava bem de perto e com iluminação o suficiente, podia notar que, na verdade, as extremidades das orelhas eram cobertas de finos pelos brancos, que apresentavam o mesmo brilho prateado dos longos cabelos do daiyoukai ao seu lado.

Rin não podia estar mais eufórica ao encontrar mais aquele pequeno traço de seu senhor na primogênita. Os cabelos brancos eram de longe sua característica favorita no youkai, e ela estivera secretamente esperando que fossem herdados por seu bebê. Satisfeita com o resultado final, Rin alegremente estendeu os dedos para delicadamente acariciar as orelhinhas, sorrindo ao vê-las se abaixarem automaticamente para permitir o toque com mais facilidade.

Sesshomaru, por outro lado, tinha apenas uma parte de sua atenção presa à cena terna. Desde que havia pisado no castelo, encontrava-se com dificuldades para deixar em segundo plano a ansiedade por vingança que corria em suas veias como uma substância viciante, algo que apenas se agravava à medida que ele se privava de saciar. Não conseguia evitar lembrar-se de que deixara sua presa escapar justo quando tivera a oportunidade de eliminá-lo de uma vez por todas. Poderia ter ido atrás da trilha de Takayama, mas sequer considerou aquela opção quando precisava tanto saber se Rin estava bem.

Não se arrependia da escolha instintiva, pois jamais poderia se perdoar se algo houvesse acontecido à sua parceira enquanto se banhava em sangue inimigo. Se a perdesse, não poderia considerar-se vitorioso, mesmo derrotando Takayama. Mas agora ela estava novamente em sua fortaleza, sua condição de gravidez estava no passado, e o daiyoukai só conseguia enxergar em sua frente o caminho desimpedido para que finalmente pudesse resolver seus assuntos pendentes. O único motivo de estar ali até agora fora apenas para esperar que ela acordasse e pudesse ter a certeza de que estava mesmo em perfeita saúde.

- Rin. - Ele falou, chamando a atenção da humana que havia se distraído completamente ao brincar com as orelhas do filhote. - Você deve permanecer aqui. Eu retornarei quando o problema estiver sanado definitivamente.

Rin ajeitou Miyuki nos braços, os olhos se arregalando em surpresa momentânea. Após alguns segundos de ponderação, ela procurou se acalmar, assentindo brevemente com a cabeça. Não lhe adiantaria de nada questionar os planos de Sesshomaru. Em primeiro lugar, ele parecia realmente decidido e, em segundo, era mesmo o melhor curso de ação a ser tomado diante dos últimos acontecimentos.

Não queria deixá-lo ir, sentia-se novamente como a criança que ele sempre tentava deixar para trás em algum lugar seguro na época da perseguição a Naraku. Mas, apesar de todo o seu amadurecimento, ela ainda não era muito mais do que aquela criança do passado. Além do mais, tinha sua própria criança para se preocupar no momento.

O daiyoukai pôs-se de pé, tomando o papel onde estivera escrevendo, enrolando-o e guardando-o dentro da abertura de seu haori.

Assim que Sesshomaru aproximou-se da porta, Rin se apressou em dizer-lhe uma última despedida, mas ele se virou de volta para ela a tempo de falar primeiro:

- Ontem, você demonstrou muita bravura, Rin. - Ele disse, a voz completamente indiferente como era seu tom mais usual. - Mas vou garantir que não precise fazê-lo de novo.

E então, ele saiu, selando novamente a entrada com a tábua de madeira e deixando para trás uma Rin estupefata e boquiaberta. Elogios em geral já eram uma extrema raridade para o daiyoukai, mas aqueles que reconheciam a força e coragem de alguém, eram completamente inéditos.

Eu ouvi direito?

 

xXx

Sesshomaru andava calmamente pela fina camada de neve que ainda permanecia presa ao chão como se, assim como o conflito que o aguardava no horizonte, também se recusasse a desaparecer por completo tão facilmente. O sol, que já era tímido desde o início daquele dia, já havia se ausentado do céu para finalmente ceder lugar à escuridão. Quase podia sorrir, ao imaginar que logo seria Takayama a ver de perto a escuridão de seu fim. E, de preferência, seria um fim bastante sangrento.

Não havia sido difícil mobilizar seus soldados a se colocarem a postos para aquela última batalha, já que a maioria deles estava mais ansiosa para ver o fim daquela prolongada afronta do que o próprio Sesshomaru. O ataque surpresa de Takayama tornara aquela batalha uma questão pessoal para muitos, mas Sesshomaru não permitiria a ninguém roubar sua vítima.

Porém, antes disso, havia um certo alguém que não cooperaria com seus planos com tanta facilidade. E o daiyoukai só precisava de uma olhada na cara emburrada do meio-irmão para saber disso.

- O que foi, Sesshomaru? Também não aguenta ficar enfornado dentro do seu grandioso castelo?

Sesshomaru observou o hanyou casualmente deitado sobre o tronco de árvore que havia se tornado o seu favorito desde que chegara no Oeste, acostumado com a falta de elegância do parente. De fato, se não tivesse um faro tão bom e não houvesse as semelhanças físicas óbvias entre eles, nunca se deixaria convencer de que um ser daquele calibre compartilhava do seu sangue.

- Vim apenas para deixá-lo ciente de minha ausência nos próximos dias. - Explicou, com indiferença. - Rin será novamente confiada à sua vigilância.

Como esperado, Inuyasha franziu o cenho, saltando de seu galho e pousando à frente do mais velho.

- Lá vem você de novo querendo me dar ordens! - Protestou, claramente insatisfeito. - Kagome e eu só viemos para esse inferno de lugar para ajudar com a gravidez da Rin! Já é mais que hora de darmos o fora daqui.

Sesshomaru reprimiu o impulso de revirar os olhos. Inuyasha podia simplesmente admitir que se preocupava com a segurança de Rin, mas é claro que seria esperar demais dele.

- Obviamente, está livre para ir quando quiser. - O youkai afirmou. - Entretanto, vai permanecer. Por Rin. E Miyuki.

Aquilo aquietou o hanyou, suas orelhas se erguendo em atenção diante do argumento. Ele voltou os expressivos olhos dourados para os apáticos do irmão, a curvatura de sua boca voltada para baixo.

- Escuta aqui, eu ainda não comprei essa sua boa-vontade com a pirralhinha hein. - Avisou ele, desconfiado. - Quer dizer que agora você é todo tolerante com meio-youkais...

Sesshomaru permitiu que sua fachada calma se desfizesse por um momento, só o suficiente para que pudesse estreitar os olhos para o mais novo. O vento frio do fim de estação soprou entre as árvores nuas da floresta, balançando os cabelos longos dos irmãos que se encaravam.

- Não existe “boa vontade” ou “tolerância”. Ela é minha prole. - Ele disse, por fim, trazendo uma expressão de surpresa para o rosto do meio-youkai. - E é muita presunção da sua parte colocar-se no nível dela, quando, mesmo com um dia de vida, ela já está bem acima de você.

Inuyasha rosnou com indignação, os caninos se mostrando facilmente sob os lábios.

- É o quê?! Aquela pirralhinha? - Berrou ele, vendo o irmão simplesmente lhe dar as costas e seguir seu caminho calmamente. - Pois eu quero só ver ela contra a Tessaiga e eu!

Sesshomaru o ignorou, fazendo seu melhor para esconder o humor. Inuyasha era tão facilmente provocável...

Mas o mais importante estava feito. A amizade de Rin era valiosa o suficiente para que o tolo de seu meio-irmão se sentisse compelido a protegê-la, como havia feito durante boa parte da infância da humana. Àquela altura, cada uma das peças no jogo tinha seu próprio papel a desempenhar.

Era hora de Sesshomaru cumprir o dele de uma vez por todas.

 

xXx

Fazia apenas dois dias que Sesshomaru havia partido junto ao seu exército e, desde então, Rin procurou manter a mente ocupada com a nova tarefa que vinha com a maternidade. Infelizmente, acabara descobrindo que sua filha não lhe dava trabalho o suficiente para impedi-la de se preocupar com o daiyoukai.

Miyuki gostava de passar boa parte do tempo em prolongados cochilos e, quando acordada, tendia a permanecer quieta e se entreter com as coisas mais simples como a ponta de um lençol. Seria uma verdadeira bênção, se Rin ao menos conseguisse usar o tempo livre para repousar. Em vez disso, sua mente estava constantemente inundada com preocupações e receios, e uma vontade incessante de apenas ver Sesshomaru e assegurar-se de que tudo estava realmente de acordo com os planos.

Naquela tarde ela passeava de um lado para o outro em seu quarto, sentindo seu coração acelerado. Tentava não ser paranoica ao ponto de interpretar aquilo como um sinal ruim, e apenas ficaria maluca se realmente se convencesse de que algo havia dado errado e não tivesse nenhum modo de confirmar se estava certa ou não.

Mas Rin não conseguia tirar aquilo da cabeça e, quando Miyuki repentinamente despertou de seu sono perfeitamente tranquilo e começou a rosnar sem motivo algum, ela apenas sentiu-se mais nervosa.

Miyuki não rosnava ou chorava, ela sempre parecia procurar formas mais graciosas de avisar quando precisava de alguma coisa. A única vez em que Rin a havia ouvido chorar fora quando Sesshomaru se empolgara ao descrever seus planos de vingança, antes de partir para cumpri-los. Quanto àquele comportamento específico, era a primeira vez que o testemunhava.

Apressadamente, Rin retirou a filha do aconchego do cesto belamente decorado onde ela descansava, envolvendo-a nas mantas felpudas e abraçando-a calorosamente contra o peito

- Você está sentindo também, Miyuki?

A criança apenas respondeu com mais rosnados incessantes, e Rin se viu incapaz de acalmar a si mesma, muito menos à pequena. As orelhas triangulares de Miyuki apontavam para cima em total alerta, os lábios puxados para trás em uma tentativa de mostrar os caninos em ameaça e, em vez disso, exibindo apenas uma gengiva macia e rosada ainda sem dentes.

Intrigada, Rin reparou que o bebê não estava sendo completamente irracional em seu comportamento, já que parecia que os olhos dourados de Miyuki estavam definitivamente fixados em um objetivo, um ponto prendendo sua atenção do outro lado do quarto.

A humana cautelosamente andou em direção ao aparente alvo da hanyou, os rosnados apenas se agravando quanto mais se aproximavam do enorme armário. Ao abri-lo, Rin analisou vagamente os itens de vestimenta distribuídos organizadamente nas prateleiras até seus olhos encontrarem uma simples caixa de madeira que guardava um certo artefato com o qual não se preocupava havia algum tempo.

Mas, agora, quando olhava o recipiente que continha a Meidou Seki, não conseguia ignorar a impressão extremamente forte de que todo o incômodo que sentia estava de alguma forma relacionado à pedra mística. Sesshomaru havia dito para que não mexesse com ela sem supervisão, mas Rin não podia evitar abrir a caixa cuidadosamente, o dedo indicador se estendendo para tocar a superfície negra polida da pedra quando-

A humana pulou no lugar ao ouvir uma batida na porta, o coração quase saindo pela boca.

- Entre! - Ela tentou gritar por cima do protesto sonoro de Miyuki, fechando a caixa e ajeitando sua postura para quem quer que a visitava, se esforçando para fingir que não estava aprontando nada.

Um de seus guardas colocou a cabeça para dentro, mantendo o restante do corpo do lado de fora.

- Rin, está tudo bem aqui? - Perguntou ele, hesitantemente. - Seu filhote não para de rosnar...

- E-eu... Está. Está tudo bem. - Ela titubeou, claramente nervosa. - Eu não sei o que ela tem, mas... Deve passar logo.

O youkai ergueu uma sobrancelha, levemente desconfiado, mas assentiu.

- Se precisar de algo...

- Obrigada. - Ela disse rapidamente, ansiosa por dispensar a companhia.

Uma vez que a porta voltou a se fechar e Rin se viu novamente a sós com o som incessante da filha, ela voltou a encarar o armário. E, na mesma hora, voltou a abrir a porta improvisada do quarto, dando de cara com seus cinco guardas no corredor.

- Er... Na verdade, eu preciso de um favor. - Ela confessou, mudando de ideia. - Desculpem, eu sei que ser babá não é o trabalho de vocês, mas será que alguém poderia levá-la até Kagome para mim? Eu não sei mais o que fazer.

Os homens se entreolharam, como se esperassem que algum deles fosse se voluntariar ao serviço inesperado, correndo o risco de derrubar a herdeira de Sesshomaru no chão ou algo assim. Mas, mais estranho do que eles terem que se prestar a cuidar da pequena hanyou por um curto percurso, era o fato de Rin não ir simplesmente entregá-la à sacerdotisa por conta própria. Ela parecia nunca querer se separar da criaturinha se pudesse evitar.

Quando a hesitação durou tempo demais e a menina ainda continuava a reclamar a plenos pulmões, Rin estava prestes a mudar seu pedido e solicitar apenas que alguém lhe trouxesse Asai, mas Inuyasha surgiu no corredor em um salto repentino, um franzir profundo em sua testa enquanto ele abria caminho entre os guardas para chegar até Rin.

- Maldição, deixe que eu levo, ninguém aguenta mais essa barulheira! - Ele ofereceu, estendendo as mãos para que Rin lhe entregasse a criança. - Além do mais, não podemos esperar que esses youkais metidos a besta queiram sequer tocar em uma meia-youkai, não é mesmo? Francamente...

- Nós não estamos incomodados com a procedência do filhote, apenas não fomos designados...

- Está tudo bem, não precisam discutir. - Rin interferiu, sabendo que não podia culpar Inuyasha pelo julgamento precipitado. - Obrigada, Inuyasha... Diga à Kagome que eu já vou vê-la, eu só preciso fazer... Uma coisa.

Assim que o hanyou saiu de vista, Rin rapidamente voltou aos seus aposentos, o coração ainda batendo rápido com a sensação estranha que a chamava até a Meidou Seki. Apressando-se como se estivesse lidando com uma verdadeira emergência, agora que sabia de onde vinha, a senhora do Oeste finalmente tomou o objeto místico, herança da senhora antes dela, nas mãos. Seus olhos fecharam-se em concentração, tentando recordar-se exatamente os procedimentos que lhe garantiram sucesso no uso daquele artefato da última vez.

A energia veio facilmente com apenas um pouco de foco. Sentindo o gentil fluxo por seu corpo, Rin ergueu a pedra para o vazio e, magicamente, um portal negro se abriu para a escuridão do submundo. Ela observou a escuridão profunda, hesitando por um momento quando sentiu o frio do outro lado.

Antes que pudesse decidir o que fazer a partir dali, a porta do quarto voltou a se abrir com urgência, dessa vez seus guardas não se incomodaram em bater.

- Rin, nós sentimos... – Um começou a dizer, mas parou ao ver o misterioso portal logo à frente da sua senhora. – O que está acontecendo?

- Vocês precisam me acompanhar aonde quer que eu vá, certo? – Ela lembrou, sentindo-se mais confiante em enfrentar a escuridão agora que tinha companhia. – Acho que tenho algum assunto a resolver no Meidou.

- Meidou?

Ela não respondeu, simplesmente se virou de volta para a abertura, deliberadamente adentrando-a. Sem tempo para mais questionamentos, a Guarda do Lírio se apressou a segui-la, o portal se fechando assim que o último deles o ultrapassou.

A senhora do Oeste analisou a paisagem familiar. Nada havia mudado desde sua última aventura ali, ainda era apenas uma tortuosa estrada de terra e um infinito de trevas com misteriosos pontos aleatórios de luz. Mas ela estivera certa, o chamado certamente vinha de lá. Ou melhor, Miyuki estivera certa.

Sua hipótese foi rapidamente confirmada quando uma nostálgica voz a chamou, vindo de suas costas, causando-lhe arrepios.

- Já faz algum tempo, humana de estimação. – A voz clara de um amigo muito querido saudou e Rin se virou imediatamente na direção do som, a mão sobre o coração e os olhos se enchendo de lágrimas com a imagem perfeita do inuyoukai alto de cabelos claros e amigáveis olhos dourados. – Ou será que devo chamá-la de minha senhora?

Ela respirou fundo, lutando para controlar as lágrimas abundantes que completavam de uma forma muito peculiar o sorriso esplendoroso em seu rosto. Rindo, ela replicou:

- Até parece, você não chama nem o senhor Sesshomaru como se deve.

Hayashi lhe sorriu de volta e Rin não podia acreditar em como havia sentido falta daquele sorriso. Sem conseguir se conter, ela fechou a distância entre eles, uma parte de sua mente preocupada que fosse apenas atravessá-lo como se fosse um fantasma, embora suas dúvidas tivessem se dissipado no instante em que o envolveu em um abraço apertado. Era como se ele nunca tivesse partido.

- Hayashi!

A guarda permaneceu paralisada enquanto os dois amigos se reuniam, sem conseguir entender o que estava acontecendo e como o antigo segundo em comando de Sesshomaru poderia estar ali em carne e osso. Ou, pelo menos, parecia estar.

A aparição a abraçou de volta, deixando que a humana descarregasse suas emoções, antes de afastá-la para que pudesse lhe falar.

- Finalmente, Rin. Eu já estava achando que você ia simplesmente ignorar meu chamado.

Ela cruzou os braços, erguendo uma sobrancelha.

- Então era você quem estava incomodando minha filha.

- Bem, eu estava chamando por você. Não é minha culpa que as duas estejam conectadas e ela seja um pouco mais perceptiva do que você. – Ele justificou, dando de ombros. – Aliás, meus parabéns. Você tem uma filha incrível.

O sorriso da humana tomava seu rosto quase completamente, as lágrimas sorrateiras de felicidade ainda escapando ocasionalmente pelas laterais dos olhos amendoados.

- Você a viu daqui?

- Nós não vemos as coisas, Rin. Nós sabemos das coisas. Eu dizer que sua filha é incrível após vê-la seria apenas minha opinião. Mas se eu sei, é um fato.

Ela se permitiu tomar aquilo como um genuíno elogio, até que pareceu processar melhor o que Hayashi havia dito, tentando deixar de lado o absurdo de ele sequer estar ali para dizer alguma coisa.

- Espere, você me chamou? Como? – Perguntou, confusa. Achava que a única pessoa capaz de tal feito fosse a mãe de Sesshomaru, e apenas graças ao resgate de sua alma no último segundo antes de sua morte. Aparentemente, não era bem assim. – E, mais importante, se podia fazer isso, por que só agora? Tem ideia de como senti sua falta?!

- Tudo tem seu tempo, Rin, e o que tenho para te dizer precisava ser dito agora.

Rin ficou perfeitamente estática, sua atenção completamente focada no amigo. Quando Hayashi começava a falar sério, era porque provavelmente era importante. E, considerando que ele havia praticamente voltado dos mortos apenas para lhe falar, devia ser mesmo.

- Apesar dos meus esforços de intervir nos planos daquele falcão desgraçado, Sesshomaru ainda continua tomando a decisão errada.

- Intervir nos planos de Takayama? – Rin questionou, e Hayashi riu, um divertimento cruel em sua expressão.

- Veja bem, Takayama tem a habilidade de conversar com os mortos, é assim que ele conseguia antecipar os planos de Sesshomaru. Os mortos sabem de todas as coisas. – Explicou, trazendo uma expressão ainda mais confusa para a face da humana. – Mas agora ele definitivamente se arrepende amargamente de ter me matado, já que desse lado do plano eu posso facilmente sabotar os informantes dele, e agora ele já não sabe de mais nada.

Os olhos de Rin se arregalaram com a afirmação, chocada que as estratégias estivessem se desenrolando de uma forma tão inacreditável. Então, ela o puxou pelo braço, ansiosa para mais dados.

- Espere, então você também sabe de tudo! Tudo mesmo? Vai chover amanhã?

Rin pretendia que a última pergunta fosse uma brincadeira, mas o inuyoukai a retornou uma resposta seria e sombria:

- Sim. Choverá sangue sobre o campo de batalha.

- De quem? – A voz da humana não era mais do que um sussurro baixo, apreensiva.

- Muitas pessoas. Seu trabalho agora é impedir que Sesshomaru seja uma delas. – Hayashi disse, com determinação. – E que você e sua filha não sejam os próximos uma vez que ele esteja fora do caminho. É esse o desfecho que Takayama conhece; é esse o desfecho com o qual ele está contando. E é esse o desfecho que você precisa mudar, Rin.

Apenas com a menção do nome de seu senhor e o aviso que ela mais temia, de que ele estava correndo perigo, foi o suficiente para ganhar a atenção completa da senhora do Oeste. Ela segurou a pedra negra em seu pescoço, um olhar decidido em suas belas feições.

- O que eu preciso fazer?

- Você deve permanecer ao lado de Sesshomaru. Não devem lutar separados-

Uma mão com garras se ergueu, interrompendo a conversa dos dois amigos, enquanto a Guarda, que se mantivera o tempo inteiro levemente afastada, postava-se à frente para encarar a aparição de Hayashi.

- Está louco? Rin no campo de batalhas?

- O senhor Sesshomaru arranca nossa cabeça se a deixarmos ir até lá.

Hayashi sibilou, os olhos dourados queimando em ameaça ao encarar o empecilho que se formava ali.

- É bom vocês não esquecerem de que, depois que o Sesshomaru acabar com vocês, ainda vão ter que se ver comigo aqui embaixo, se alguma coisa acontecer com a humana.

- Por isso mesmo que-

- Ela tem que fazer o que eu digo! É o único jeito de surpreender Takayama agora que Sesshomaru obviamente tomou a decisão mais previsível possível, de manter a humana dele afastada do conflito.

Os Guardas estavam prestes a replicar com teimosia, quando Rin simplesmente gesticulou para que cessassem a discussão.

- Eu vou. – Ela afirmou, determinada. – Se o senhor Sesshomaru precisa de mim, mesmo que não saiba disso, eu definitivamente estarei lá.

Hayashi sorriu vitorioso, já perfeitamente ciente do que aquela decisão arriscada significaria para eles no fim das contas. A Guarda do Lírio permaneceu insatisfeita, cientes do risco absurdo que aquilo desencadearia e, principalmente, da fúria de Sesshomaru quando percebesse.

Rin não se importava com o que qualquer um deles pensava de tudo aquilo, tudo que lhe importava naquele momento era proteger sua família.

- Mas você vai me dizer o que está acontecendo, Hayashi? Se você sabe o desfecho, então...

Ele balançou a cabeça em negativa antes que ela pudesse concluir o pedido, já sabendo o que iria dizer.

- Te adiantar os eventos a seguir apenas te confundiria e arriscaria meu plano. Apenas confie em mim, sei exatamente o que estou fazendo.

- Mas o que eu tenho que fazer lá? – Ela perguntou, sem sequer conseguir imaginar como apenas estar lá não acabaria atrapalhando completamente a luta de seu senhor no fim das contas.

- Você saberá.

- Deuses Hayashi, você sabe de tudo e não me diz nada! Será que não tem ninguém mais informativo por aqui não? – Questionou ela, impaciente. – Aliás, todas as pessoas que já morreram estão aqui?

- Apenas as que morreram recentemente. Mas isso não é assunto para agora. Vá e faça o que eu disse. – Ele apressou. – Vá até Sesshomaru e não deixe que ele te afaste de novo.

A humana assentiu, decidida e firme. Ela apertou a pedra mística em suas mãos, preparando-se para sair dali e seguir as instruções do aliado, mas, antes de abrir o portal, virou-se novamente para a aparição, lançando-lhe um último olhar hesitante. Ainda não sabia bem como aquilo tudo funcionava ou se alguma vez conseguiria vê-lo de novo, mas se a vida de seu senhor estava em perigo, não havia tempo a ser perdido.

- Adeus, Hayashi. - Ela sussurrou, acenando para seus guardas em seguida e deixando o buraco negro guiá-los novamente para o mundo real.

 

xXx

 

Sesshomaru observou o largo horizonte, suas botas firmemente plantadas sobre a borda do precipício sem se preocupar nem um pouco com a queda abaixo ou o vento forte que soprava contra suas costas. No terreno inferior, a neve se acumulava com menos intensidade, pequenas áreas verdes já sendo visíveis por baixo do branco aqui e ali. E, mais além, seus olhos capturavam um vislumbre da concentração inimiga. Como era esperado, o relevo servia como um empecilho para o grupo vindo do sul, obrigando-os a ter que subir um grande declive para alcançar o território inu, o que se tornava deveras complicado ao considerar um grupo tão grande de youkais.

Aquilo justificava a alternativa usada por Takayama, usando uma pequena seleção de homens para executar uma infiltração no castelo do Oeste e tentar uma abordagem mais direta e sorrateira. Mas o plano inimigo havia falhado, majoritariamente graças à sua incapacidade de capturar a senhora do Oeste, e agora que Sesshomaru os olhava de cima, sentia seu youki se agitar em antecipação ao ataque que fariam em breve.

Ele fechou os olhos, deixando o vento agitado que vinha da direção costeira agitar seus cabelos, e pensou na satisfação de terminar de uma vez por todas com toda aquela dor de cabeça e, principalmente, retornar para o lado de Rin. Se se concentrasse o bastante, quase podia sentir o cheiro dela, e com ele vinham outras memórias à superfície, como a textura de sua pele e cabelos, o som da sua risada, a luz de seu olhar apaixonado que ela dirigia apenas a ele.

Ele se virou, percebendo que o vento havia mudado de direção. O movimento brusco fez pedaços de pequenas rochas e acúmulo de neve caírem precipício abaixo, mas o youkai não permaneceu no local por tempo o suficiente para ouvir o som dos detritos se chocando com o solo de nível inferior. Em um instante, ele estava saltando de volta ao acampamento, ao perceber que não estivera imaginando o cheiro dela.

Rin estava ali, bem ali.

 

- Aaaah, o que você está fazendo aqui?! - A voz característica de Jaken gritou, chamando a atenção não só dos recém-chegados aos quais ele se dirigia, como também de todo o resto dos soldados que passava por perto. - O que vocês todos estão fazendo aqui, afinal?

O pequeno youkai verde tinha os olhos arregalados, não conseguindo acreditar no grupo que se encontrava à sua frente. A inconsequente humana que parecia sempre lhe causar problemas na primeira oportunidade, carregando no colo a criança de seu senhor, junto ao grupo de guerreiros que fora designado a protegê-la dentro dos limites do castelo, e ainda os insolentes meio-youkai e sacerdotisa que, com certeza, tinham um dedo naquilo também.

- Voltem agora mesmo para o castelo! - Jaken comandou, gesticulando com as mãos na direção de onde vieram. - Aproveitem que o senhor Sesshomaru ainda não viu-

A fala do servo fora interrompida por uma elegante bota que o chutou para o lado sem cerimônias, a figura imponente e amedrontadora do líder daquele exército aparecendo por trás dele. Jaken quase engasgou com o susto, rapidamente se preparando para se curvar até o chão e jurar por todos os deuses que ele não tinha nada a ver com aquele absurdo, mas imediatamente se calou ao ver que os olhos frios de Sesshomaru estavam fixos na figura indefesa de Rin.

- O que está fazendo, Rin? - Ele perguntou, em um tom de temperatura tão baixa que rivalizava diretamente com a neve aos seus pés. - Pensei ter dito para que aguardasse o meu retorno.

Rin suspirou pesadamente. Havia passado a viagem inteira se preparando para o que diria a Sesshomaru, sabendo que de todos os outros ele seria o mais difícil de se convencer. E ela já tivera trabalho o suficiente com a Guarda do Lírio, Kagome e Inuyasha. Não podia voltar atrás agora, independentemente do que seu senhor dissesse.

- Eu precisava estar aqui. É um assunto complicado, mas-

- Esqueça. - Ele a cortou, tentando focar-se menos nos motivos de ela ter agido de forma tão irresponsável e mais na urgência de tirá-la dali antes que a batalha se iniciasse. -  Falaremos sobre isso depois. Agora volte.

A humana tornou a suspirar. Calmamente, ela entregou Miyuki à Kagome, mantendo a postura firme e olhando o parceiro nos olhos. Nunca em sua vida ela havia sido tão desafiante, não de forma tão direta, e cada parte de seu cérebro parecia reagir à ordem dele com o hábito construído sobre uma base sólida de respeito ao longo de grande parte de sua vida, forçando-a a simplesmente obedecer e fazer o que ele lhe dizia. Mas ela não podia, não daquela vez.

- Senhor Sesshomaru, eu não posso voltar.

O tom de seriedade e a surpresa da resposta o fizeram pausar por um instante. Ele ergueu uma sobrancelha, intrigado.

- E por que não?

- Eu conversei com Hayashi. Ele tinha novas informações sobre essa batalha... - Ela ignorou a elevação ainda maior da sobrancelha do daiyoukai à menção do nome, prosseguindo com pressa para aproveitar o espaço que ele lhe estava cedendo para se explicar. - Eu sei que o senhor disse para não usar a pedra, mas isso não importa. Takayama sabe o que o senhor vai fazer e ele está preparado para isso.

- Você veio até aqui só para me avisar sobre isso?

- Não é uma questão de aviso! Eu preciso estar aqui, por algum motivo isso frustraria os planos de Takayama!

- E como isso se daria?

- Eu não sei. - Ela confessou, frustrada com a resposta precária. Sesshomaru estreitou os olhos, insatisfeito. - Hayashi não me deu muitos detalhes, mas ele deixou bem claro que eu devo me manter ao seu lado.

- Na batalha? De forma alguma. - Negou, como quem dá a discussão por encerrado.

- Foi exatamente o que nós dissemos a ele, senhor. - Um membro da Guarda tentou dizer, mas Sesshomaru calou os intrusos com um só olhar.

- Vá para casa, Rin. E não faça mais algo assim novamente.

A resolução de Sesshomaru de retirar sua fêmea do cenário de perigo era forte como aço, de forma que lhe parecia muito mais plausível simplesmente enfrentar qualquer armadilha que Takayama houvesse preparado do que arriscar a vida de Rin apenas para pegar o inimigo de surpresa de alguma forma que ele nem sequer conseguia imaginar ainda.

A estratégia de Hayashi, por mais que fosse confiável, não havia sido explicada o suficiente para que Sesshomaru a analisasse com o próprio olhar crítico e, por mais que contasse com a habilidade do falecido aliado em desenvolver boas abordagens para batalhas - afinal, não o havia feito seu segundo em comando sem motivo -, apenas aquelas breves justificativas jamais poderiam ser o suficiente para que deixasse o destino de Rin nas mãos do desconhecido.

- Eu não vou. - A voz da humana à sua frente respondeu, a cabeça se balançando em negativa.

Todo o acampamento já havia parado suas atividades àquela altura para assistir, estupefato, a jovem humana repetidamente desacatar o general, e ninguém ousava dizer uma palavra enquanto o casal se encarava no frio de fim de inverno, cada um firme em sua posição, cada um com seu queixo devidamente erguido. O daiyoukai reprimiu o impulso de rosnar com a teimosia prolongada, mantendo sua seriedade típica que ele sabia ter um efeito muito mais poderoso do que qualquer reação abertamente violenta.

- Já basta dessa discussão sem sentido. - Ele avisou. - Não me faça te tratar como uma criança, Rin.

- O senhor já está fazendo isso! - Ela rebateu, finalmente elevando o tom de voz com a indignação e impaciência que a situação provocava. Já podia sentir lágrimas sorrateiras começarem a brotar nos cantos dos olhos, mas se recusava a deixá-las transbordarem justamente quando estava tentando ser levada a sério.

Sesshomaru estava prestes a repreendê-la pela maneira de falar, mas decidiu apenas terminar logo com aquilo. Era possível que os inimigos já estivessem bastante cientes de sua presença ali, e sua prioridade era mais do que tudo resolver aquele problema logo. Rin o ouviria mais tarde, quando o conflito estivesse terminado.

- Chega. Levem Rin de volta para casa. - Ele se dirigiu diretamente à Guarda do Lírio, que observava a conversa em silêncio desde a última interrupção. - Agora.

A humana arregalou os olhos com o comando, imediatamente segurando a manga do haori de Sesshomaru para manter a atenção dele. Depois de todo o trabalho que tivera para convencer seus guardas a virem com ela até ali, apenas um comando de seu senhor poderia levar tudo por água abaixo. Mas Rin não podia permitir, os avisos de Hayashi haviam sido sérios demais, e ela sabia do fundo do coração que as consequências de ignorá-los seriam mais do que poderia suportar.

- Não! Vocês estavam lá também! - Ela gritou para a Guarda, tentando manter-se firme em meio ao desespero. - Vocês ouviram o que Hayashi disse!

- Sinto muito, Rin. - Kotarou lamentou, dando um passo em direção à ela, que apenas envolveu mais o braço ao redor do de Sesshomaru, como se esperasse que ele fosse protegê-la contra aqueles que ele mesmo havia mandado a levarem dali. - Ele realmente não falou muita coisa útil...

- Ele disse o bastante. O aviso dele foi claro! - Insistiu ela. As palavras dele ainda eram audíveis e urgentes em sua cabeça. Ela precisava permanecer ali. Hayashi havia feito de tudo apenas para avisá-la disso, e Rin não iria voltar atrás agora que já estava exatamente onde devia estar.

- Eu não vou deixá-lo. - Ela falou em voz baixa, agora que estava bem ao lado do daiyoukai, quase como um sussurro, mas forte como uma promessa. - Confie em mim, só dessa vez. Por favor.

Ela podia sentir a postura rígida dele se aliviar só um pouco, e a forma gentil que ela falara, com o tom típico que ela sempre usava quando queria muito convencê-lo de algo, pareceu surtir efeito o suficiente para que ele suavizasse também o próprio tom.

- Apenas vá com eles, Rin. - Ele permaneceu firme em sua decisão, apesar da voz que dessa vez soava mais como um sincero pedido do que uma ordem. - Não devia ter trazido Miyuki também.

- Kagome vai protegê-la! - Rin se apressou em afirmar, com esperanças de que esse fosse o único empecilho. - Eu já tenho tudo planejado.

A miko interveio sob menção de seu nome, a criança em questão confortavelmente deitada em seus braços, os olhos dourados apenas observando a discussão de seus pais no mais absoluto silêncio.

- Eu posso erguer uma barreira sagrada ao nosso redor. - Kagome assegurou, revelando os planos de Rin. - Nenhum youkai poderá passar por ela, ou mesmo saber que estamos aqui.

Sesshomaru pausou com aquela informação. De fato, ele não gostava da ideia de mandar Rin de volta ao castelo com a batalha tão próxima do início, agora que ela já havia saído da segurança da fortaleza. Mas mantê-la no acampamento seria muito mais perigoso, exceto...

- Ótimo. Mantenha ambas Rin e Miyuki sob a barreira, então. - Decidiu ele, para a surpresa da humana ao seu lado.

- Não, eu irei com o senhor.

- Rin-

- Ah, vá para o inferno! - A voz retumbante de Inuyasha interrompeu o que o meio-irmão estava prestes a dizer. - Ela já não falou que tem um bom motivo? Deixa de ser cabeça-dura, Sesshomaru!

O daiyoukai - que já estava com sua paciência por um fio com a única pessoa para quem ele achava ter um estoque infinito de paciência, quem dirá para os outros querendo lhe dizer o que fazer - estava prestes a rebater a intromissão com violência, quando um súbito trovão soou, o tempo parecendo fechar de repente embora a tendência dos últimos dias fizesse parecer que ia abrir.

Com um raio repentino que caiu bem ao lado do grupo, um cheiro familiar permitiu que os inu reconhecessem o recém-chegado mesmo que estivesse oculto pela fumaça que seu pouso havia causado.

- Totosai. - Sesshomaru falou, indiferente, observando a nuvem se dissipar até mostrar a figura da vaca de três olhos que o ferreiro usava como montaria e o próprio velho youkai sobre o lombo do animal, com seu inseparável martelo apoiado no ombro.

 


Notas Finais


Fanart do capítulo: https://c1.staticflickr.com/5/4242/35026312240_c0b6a13635_k.jpg [ALELUIA FANART DE GENTE!!!]

Aliás, avisos sobre fanarts anteriores pra quem não viu e quer ver (aproveitei o bloqueio de escrita pra desenhar um pouco):
>Capítulo "Lírio do Oeste": Adicionei fanart que não tinha;
>Capítulo "Visitantes": Adicionei fanart finalizada porque só tinha o rascunho;
>Capítulo "Noite Longa": Adicionei fanart nova finalizada porque a anterior era qualquer bosta.

Agora, sobre esse capítulo! AAAAH TEMOS HAYASHI DE VOLTAAAA!!! SEU LINDO!!!! Que saudade que eu tava desse amorzinho.
E, finalmente, parece que a porrada vai comer. Mas será que o Sessh vai seguir os conselhos do Hayashi? E será que vai dar bom pros nossos protagonistas? E o que diabos o Totosai quer também??
Descubram nos próximos episódios!

Não vai ser dessa vez que vou poder me comprometer a voltar com meu cronograma de updates. :/
Agora tenho que ir, tenho um teste e uma prova amanhã mas jurei pra todos os deuses que não ia deixar chegar em um mês sem postar aqui então fiz meu melhor. Desculpem qualquer coisa. To animada pro próximo capítulo então é provável que saia coisa boa.

Muito obrigada a todos! Beijos!


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