História Unwanted - Capítulo LXXV

LXXV

O despertador nem precisou trabalhar naquela manhã. De sua janela, Avril viu os primeiros raios de sol chegarem até a Stanway. Se ela mal tinha dormido na noite anterior por apenas suspeitar da gravidez, como dormir agora que ela tinha a confirmação?

Ela até tentou dormir, cobriu-se com o coberto, fechou os olhos e se manteve lá parada por horas. Talvez até tenha cochilado, mas é algo impreciso, nem ela mesma tem certeza sobre isso. O que ela lembra sobre aquela noite era o frio interno que sentia. Ela queria ligar para a mãe dela e pedir colo... Mas ela não podia, até porque era mais fácil Marie brigar com ela do que apoiá-la. Pelo menos, a primeiro momento.

Depois de já ter amanhecido, ela recorreu ao seu velho amigo: o violão. Ele sempre a fazia sentir-se tão bem, ela tinha esperança de que ele a ajudasse agora. Porém, foi tudo tão estranho, as notas sempre pareciam erradas, nada parecia certo. Aquilo acabou a estressando mais do que ajudando.

Também tentou escrever. Pegou seu caderninho e sua lapiseira e começou. Apenas rabiscos e palavras desconexas surgiram. Nada de bom saiu daquilo, mesmo que ela forçasse ao máximo. Novamente, ela se irritou. Por que ela não se sentia mais feliz ao fazer aquilo que antes era motivo de tanta alegria para ela? Por que ela não conseguia fazer aquelas atividades?

Quando chegou a hora, Avril tomou banho e se preparou para mais um dia de aula, mesmo que aquilo não fizesse o mínimo sentindo naquele momento. Vestiu-se corretamente dessa vez, passou maquiagem para esconder a derrota em seu rosto e suspirou fundo para tentar controlar sua mente àquela manhã. Ninguém poderia nem imaginar o que se passava por trás daquela maquiagem preta.

Quando já pronta, ela foi até o refeitório. Ela não se alimentava bem há dias, mas ela precisava mudar isso, ainda mais porque as consequências da alimentação ruim não viriam somente para ela.

– Olhem como o olho dela parece olho de peixe morto. – comentou alguém atrás de Avril, o que fez algumas meninas rirem. – Chamarei você agora assim, peixe morto.

Avril olhou rapidamente para trás e reconheceu Ariana e seu novo grupo. Ariana ainda tentava se manter no lugar que antes era da Taylor, mesmo que fosse quase obvio que Taylor retomaria o seu lugar. Ela e seu grupo tentavam impor autoridade no refeitório como se aquilo as tornassem superiores. 

A nova vítima era uma menina com longos e lisos cabelos castanhos. Avril não conseguia ver o rosto dela, já que a garota estava de costas para ela, mas achava que não a conhecia. Por um momento, Avril se viu naquela menina. Mesmo que Avril sempre respondesse aos insultos que lhe eram ditos, ela se sentia como aquela menina por dentro. Ombros levemente curvados, olhar grudado no prato e uma enorme sensação de desamparo. Ninguém nunca a defendeu, todos se calavam enquanto as “donas” da escola faziam o que queriam. Todos tinham medo, Avril sabia disso. Para quê colocar o seu pescoço em risco se pode apenas ignorar o sofrimento alheio?

Numa ação quase suicida, Avril levantou de onde estava e disse:

– Ariana, se estamos agora dando apelidos umas para as outras, vou te chamar de formiga.

– Hã? – disse Ariana a olhando confusa.

Avril bufou e revirou os olhos.

– Estou usando a sua pouca altura para te apelidar, lesada. Ou você prefere pouca sombra? Já sei, que tal pintora de rodapé? Também tem smurf, umpa-lumpa, a lista é enorme. – disse Avril fingindo animação com os apelidos.

– Você fala como se fosse muito mais alta que eu. – falou Ariana irritada.

– Posso não ser muito mais alta, mas ainda sou maior e isso já basta.

– Então é assim? Vou te apelidar também então...

Ariana ficou esperando alguma ideia surgir, mas nada apareceu. Desde que Avril começou a se vestir melhor, ela não poderia usar os apelidos que Taylor usava. Também não poderia rir da baixa estatura de Avril como Taylor fazia.

– Estou esperando, Ariana. Qual será o meu apelido? Ou será que você não consegue colocar essa cabeça para pensar sem a Taylor? – disse Avril.

Nesse momento, muitas meninas já observavam a confusão. Avril sorriu ao notar a expressão de raiva em Ariana, ela havia tocado no ponto perfeito naquele momento: questionar a superioridade da Ariana usando o nome da Taylor.

– Você está se achando muito, não é, Avril? Pois espera pra ver. Você não devia ter mexido comigo. – Ariana disse em tom ameaçador.

– Você não devia ter mexido comigo. – repetiu Avril de um modo mais agudo. – Ariana, você é que nem aqueles cachorros pequenos, só late. Já sei, vou te chamar de chihuahua agora.

Ariana grunhiu de raiva e saiu batendo os pés. As cópias dela a seguiram. Avril pegou a sua bandeja e foi até a menina que acabara de defender.

– Posso sentar aqui? – Avril perguntou enquanto já sentava.

– É... Claro. – respondeu a menina um pouco tímida. – Obrigada por isso.

– Não há de quê. Odeio essas meninas, sempre se achando as superiores e donas do mundo. Você precisa aprender a se defender, pois elas não largarão do seu pé tão cedo. Agora, nem do meu largarão. – disse Avril, que depois deu uma mordida em seu sanduíche. – Qual o seu nome?

– Jasmine.

– Quantos anos?

– 14.

– Nossa, cada dia que passa elas estão pegando no pé de meninas menores. Eu sou a Avril, tenho 16.

– Eu sei. Eu sempre te admirei por enfrentar essas meninas.

– Nossa, valeu.

– O que foi aquilo? – perguntou Britney rindo. Ela e Amy tinham acabado de chegar com as suas bandejas até a mesa que Avril estava. – Ariana ficou puta.

– Aquela menina me irrita. Sentem com a gente. – disse Avril e assim elas fizeram. – Amy, Britney, essa é a Jasmine. Jasmine, essas são Amy e Britney.

– Prazer. – disse Jasmine timidamente.

– Prazer. – Britney disse.

– Prazer. Jasmine, não ligue para aquelas meninas, não vale a pena. – disse Amy.

– Eu sei... Antes eu só tinha que lidar com as meninas da minha sala, mas agora me apareceram essas. – explicou Jasmine.

– Ariana quer aparecer para tomar o lugar da Taylor, mas ela não vai conseguir. Taylor sabe ser bem mais vadia que ela. – Britney disse.

– Por isso ela está tão desesperada por atenção hoje. A suspensão da Taylor acaba hoje, ou seja, ela logo vai aparecer por aqui. – Avril falou.

– Você não está com medo, Avril? Agora, Taylor também vai querer o lugar dela de volta, então bem provável pegar no seu pé de novo. – Britney disse.

– Se ela vier com frescura para o meu lado, eu dou na cara dela. Eu realmente estou sem paciência hoje. – Avril respondeu.

Mal Avril tinha terminado a sua frase e Taylor passou poucas mesas a frente ao lado de Lizz. A maioria das garotas que estavam no refeitório observava a cena nesse momento. Ariana e suas seguidoras estavam sentadas na mesa que Taylor costumava sentar e Taylor caminhava até elas.

– Eita, é agora. – disse Amy animada.

Taylor e Lizz pararam em frente à mesa e Ariana levantou a visão para encará-las.

– Vaza. – Taylor ordenou.

– Não. – disse Ariana.

– Sai! – disse Taylor devagar para que sua mensagem ficasse bem clara. – Essa mesa sempre foi minha, não é agora que eu irei perdê-la para uma anã de jardim cabeçuda.

Alguns funcionários do refeitório correram até o local do impasse e pediram que Taylor deixasse Ariana em paz. Taylor sorriu para eles e disse que sentaria na mesa do lado, e foi o que ela fez segundos depois. Os funcionários saíram mais tranquilos de lá.

Ariana já se sentia vitoriosa. Para ela, a primeira batalha já tinha sido ganha. Pobre ilusão... Taylor, ao notar que os funcionários já não a observavam, levantou de onde estava e derramou um dos dois sucos que havia pegado em cima da mesa e dos lanches das três garotas.

– Você quer essa mesa? Faça bom proveito então. – disse Taylor enquanto voltava a se sentar.

Ariana levantou e avançou em Taylor, a qual apenas gritou. Logo os funcionários entraram em ação e puxaram Ariana para longe. Ou melhor, puxaram-na para a sala da Jeanie. Não adiantou ela falar que a Taylor tinha derramado suco em sua mesa, Taylor logo desmentiu falando que estava sentada quieta na sua mesa. Como prova, mostrou seu suco cheio.

Realmente, aquela quinta-feira não era o dia de Ariana.

Amy, Britney e Jasmine comentaram e riram um pouco da situação. Aquela briga seria boa, e, como Jasmine comentou, era bom não ser o alvo de nenhuma das duas naquele momento. Avril se manteve a parte da conversa, sua mente já tinha voltado para os seus problemas e as decisões que teria que tomar, a rixa entre Ariana e Taylor era tão banal para ela.

Quando o sinal soou, as quatro se despediram e foram para as suas salas. Somente Britney e Amy teriam aulas juntas àquele dia. Avril caminhou até a sua sala e sentou mais ao fundo da sala como sempre. Ela sabia que não prestaria atenção na aula, então o melhor a fazer seria fugir do olhar fuzilante do professor.

Taylor entrou ao lado de Lizz na sala de aula. Avril não a notou, estava sentada com uma postura bem relaxada na cadeira enquanto olhava para o seu caderno e batia a lapiseira no mesmo como se estivesse pensando.

– Eu já volto. – disse Taylor para Lizz, a qual apenas assentiu e sentou em uma das cadeiras da frente.

Taylor caminhou até Avril e se abaixou ao lado da cadeira da loira menor.

– Como você está? – perguntou, assustando Avril, pois esta nem havia notado a aproximação dela.

– Bem, ótima. – respondeu Avril com um sorriso no canto dos lábios.

– Avril... pode ser sincera comigo. Se quiser, eu posso te ajudar a contar para o Harry e...

– Não esqueça da sua promessa. Não conte nada a ninguém, Taylor. – disse Avril, cortando-a.

– Não falarei, prometo. Mas se precisar de ajudar ou apenas alguém para conversar, você já sabe.

Depois disso, Taylor levantou e foi para o seu lugar. Ela não entendia aquela vontade de ajudar a Avril nesse momento difícil. Talvez estivesse surgindo nela humanidade, empatia, coisas que antes lhe faltavam. Seria consequência dos seus tempos difíceis ou seria influência do Evan? Taylor odiava admitir, mas agora a opinião do Evan valia algo para ela. Ela o escutava, considerava o que ele falava e isso a irritava um pouco. 

A aula sobre sistema nervoso pareceu passar bem mais devagar do que deveria. Assim que terminou, Taylor explicou a Lizz que tinha coisas a resolver com a Avril. Mesmo a contragosto, Lizz aceitou e foi lanchar com outras garotas. Enquanto Avril arrumava seu material, Taylor foi até ela novamente. Taylor percebia o quão péssima Avril estava.

– Eu ainda nem te contei o que fiz com a Demi. Vamos lanchar e eu te conto. – disse Taylor assim que chegou até Avril.

– Não me leve a mal, mas eu não ligo.

– Vamos, será bom para distrair você. Você agora precisa de distração, não pode ficar assim na fossa o dia todo, isso faz mal para você e para... você sabe. 

– Eu vou lanchar no jardim. – disse Avril enquanto pegava suas coisas pronta para sair.

– Eu vou com você.

– Faça o que quiser.

As duas chegaram ao refeitório juntas, o que foi bem estranho para aquelas que esperavam uma briga entre elas. Mas, se ambas tinham uma inimizade em comum, Ariana, seria normal que uma trégua fosse feita.

Com os lanches em mãos, Taylor seguiu Avril até o jardim dos fundos. Lá, Avril se sentou ao chão e Taylor a observou.

– O que você está esperando? – perguntou Avril.

– Por que sentar logo no chão? Pode ter bichos por aí.

Avril revirou os olhos e desviou sua atenção de Taylor, ela não estava com paciência para aquilo. Ela pegou a sua coxinha e abriu sua lata de refrigerante. Enquanto isso, Taylor ainda se mantinha no dilema de sentar ou não sentar. Por fim, acabou sentando.

Taylor contou sobre o presente que tinha deixado no xampu da Demi sorrindo vitoriosa. Avril não esboçou reação alguma, mas prestou atenção.

– Que cena mais excêntrica. – disse Evan, surgindo na frente das duas.

Ele logo se abaixou e se juntou as duas garotas.

– Por quê? – Avril perguntou.

– Ué, vocês não se odiavam?

– Passado, meu caro Evan. – respondeu Taylor.

Taylor e Evan continuaram a conversar mais naturalmente enquanto Avril aproveitou a deixa para se fechar o máximo possível. Ela às vezes até prestava atenção na conversa dos dois, mas não estava se sentindo confortável ali. O dia estava se resumindo a isso: não se sentir confortável em lugar nenhum, não se sentir confortável fazendo nada.

Quando terminou seu lanche, Avril afirmou que precisava pegar algo em seu quarto e levantou. Taylor até tentou questionar e pedir para que ela ficasse mais um pouco, mas Avril praticamente fugiu dela. Evan achou estranho, mas achou melhor não comentar nada.

Ao chegar em seu quarto, Avril pegou o seu celular e o ligou novamente. Ela tinha que responder as mensagens de Harry e explica-lhe que não tinha condições de organizar nada para esse sábado. Ela já tinha a desculpa perfeita para isso: provas e trabalhos urgentes para fazer. Ela sentia muito pelo Niall, ela sabia que ele ficaria imensamente feliz com a festa, mas agora ela realmente não tinha condições de se dedicar a isso.

Após explicar tudo ao Harry, ele perguntou-lhe porque ela tinha feito o que fez no dia anterior. Ela explicou-lhe que não estava se sentindo bem, que preferiu não falar com ele e nem ninguém naquele momento.

“Mas você já está melhor?” perguntou.

“Não tão bem, mas estou melhor. Eu preciso ir”.

“Espera, só um minuto. Eu só queria dizer que se você pudesse me perdoar, eu gostaria de ser seu amigo. Não amigo como antes, talvez não convenha, mas ao menos conhecidos que se dão bem”.

“Harry, eu preciso ir” respondeu Avril, pouco antes de desligar o celular novamente.

Falar com Harry lembrava-lhe de seus problemas e isso era o que ela menos queria agora, mesmo que fosse praticamente impossível esquecer. Ela também não poderia simplesmente cortar contato com ele, pelo menos não agora. Talvez Taylor estivesse certa, talvez ele lhe apoiasse. Talvez Adam também. Essa era a única pequena esperança que crescia dentro dela, ter o apoio deles dois.

Não adiantava ficar remoendo isso agora. Primeiro, ela precisava contar para os seus pais para que pudessem fazer um exame de sangue e confirmar ou não a gravidez. Depois, ela veria como faria com os possíveis pais. Mesmo que ela quisesse apenas ignorar aquela situação, ela sabia que não poderia. Uma hora ou outra, a barriga cresceria e seria pior.

Novamente, o sinal soou. De novo, ela precisava fingir interesse na aula. Sem a mínima vontade, ela levantou da sua cama e seguiu em direção à sala de aula. Ao chegar lá, uma garota lhe pediu ajuda com o conteúdo, ela queria saber até onde o professor já tinha ensinado. Avril pegou o seu caderno e foi até ela. Ela quis apenas entregar o caderno e voltar, mas a menina a segurou e a encheu de perguntas. A cabeça da Avril estava um pouco lenta, então suas respostas saíam um pouco vagas, o que dava espaço a garota para perguntar mais. Avril estava quase para perder a paciência quando a garota finalmente a liberou.