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História Unwell - Culpa, fidelidade e mortes que dão errado


Escrita por: caulaty

Capítulo 12 - Culpa, fidelidade e mortes que dão errado


A primeira coisa que você precisa saber é que Kenny McCormick nunca quis morrer de fato. Não no sentido integral da palavra, morrer para sempre, morrer para continuar morto, morrer para nunca mais voltar. Essa não era uma opção, mesmo que ele a quisesse. Nunca foi. Kenny já havia tido inúmeras experiências com a morte, mas foi somente depois do suicídio de sua irmã que ele começou a provocá-la. Kenny passou a infância e adolescência inteira sem entender o que era, odiando-se por não ser como todos os outros seres humanos, se é que ele poderia ser considerado humano.

Era solitário demais. Então, ele atingiu determinado ponto em que a dor dilacerante de cada último suspiro se tornou a única coisa que o fazia se sentir vivo. Era confortável. A morte era a sua melhor companhia. Talvez ele nunca tivesse desistido de encontrar sua irmã cada vez que morria, mas isso jamais aconteceu. Para onde quer que ele fosse, não era lá que Karen estava.

Não foi a primeira vez que ele tentou morrer desde que foi morar no apartamento de Kyle. Já se enforcou no chuveiro, já se atirou da janela, mas tentava resistir ao desejo porque nunca quis impôr esse tipo de desespero a Kyle, a ninguém. Mesmo que ele não fosse se lembrar de nada logo em seguida, mesmo que seu cadáver ensanguentado fosse desaparecer e tudo voltasse ao normal, Kenny jamais quis que ele passasse por isso. Ele nunca seria capaz de compreender totalmente o que acontecia, qual era a natureza de seu “dom”, e portanto, não gostava de tratá-lo levianamente. Kenny não entendia nada de física, mas lembrava-se de ter lido na adolescência sobre universos paralelos e se perguntava se cada morte sua não produzia uma realidade diferente em algum plano. Não queria imaginar que Kyle estaria sofrendo por sua culpa em plano nenhum, em realidade nenhuma.

A primeira coisa que enxergou foi um teto turvo, extremamente branco, uma imagem que levou algum tempo até se formar de forma nítida diante de seus olhos. Ele piscou algumas vezes, apertando os olhos, deitando a cabeça um pouco de lado enquanto tentava olhar ao seu redor. O olhar esbarrou com aquele rosto pálido e exausto, com olheiras escuras que nunca estiveram lá antes, não daquela maneira. Kenny estava dopado demais para se lembrar do que havia acontecido, mas algo havia dado errado. Muito errado. Ele nunca havia sentido coisa igual antes de encontrar a figura recolhida de Kyle naquela poltrona ao lado da cama de hospital, parecendo tão terrivelmente frágil e tão forte ao mesmo tempo. Se tudo tivesse corrido como planejado, Kyle não teria um olhar tão triste no rosto. O fato de que o ruivo tentou erguer o canto dos lábios para disfarçar a expressão destruída ao perceber o loiro retomando consciência apenas tornou a sensação imensamente pior.

O quarto era particular. Kenny nunca havia estado em um quarto particular em sua vida. Podia contar nos dedos de uma mão quantas vezes esteve em um hospital antes. A luz delicada do sol penetrava as cortinas beges entreabertas, indicado que o dia já se encaminhava para o final. Ou talvez estivesse amanhecendo, Kenny não fazia a menor ideia. Ele balançou a cabeça lentamente no travesseiro, o corpo inteiro parecendo tão mole e incapaz, o peso afundando no colchão. Kenny apertou os olhos, sentindo vontade de chorar.

-Merda. - Murmurou, comprimindo a voz, lutando contra as lágrimas com toda força que tinha. Não era muita. A vontade era muito mais orgânica do que psicológica, uma resposta do corpo para a quantidade de estresse e trauma ao qual ele fora submetido. Chegava a um limite.

Não olhava mais para Kyle, não queria olhar, não conseguia olhar. Mas pôde sentir a mão quente do ruivo tocando seu braço nu por cima da manta que o cobria, os dedos percorriam tão delicadamente a gaze que envolvia a carne dilacerada dos seus antebraços, os ferimentos cobertos e limpos. Kenny teve vontade de recolher o braço para tirá-lo do alcance de Kyle, mas não teve força nos membros para fazê-lo. Estava grogue, confuso, sua mente envolta por uma neblina de inconsciência e remédios, as memórias se montando em flashes.

-Ei. - A voz de Kyle, tão doce quanto perturbadora, trouxe-o de volta à realidade da situação. A mão de dedos longos percorreu a extensão do braço dele, arrepiando os pelos de Kenny com a suavidade do toque. Esperou ouvir aquela voz novamente, mas, sabe-se lá por quanto tempo, Kyle continuou em silêncio.

Kenny não queria encontrar aqueles olhos verdes. Porque sabia o que estava ali dentro; Kyle sempre teve uma tendência a esconder bem o seu medo e o seu choro, assim como tentava fazer naquele exato momento, mas falhava miseravelmente. Todo o seu senso de auto-controle havia ido pro saco junto com todo o seu senso de segurança, de normalidade. Kenny não queria encarar aquele homem que teria uma vida perfeitamente saudável e estabilizada se ele nunca tivesse estacionado a merda do seu fusca em frente ao edifício de Kyle. Essa era a vergonha de Kenny. Uma vergonha que ele jamais poderia explicar, porque Kyle não entenderia.

-Você me deu um puta susto. - Kyle sussurrou com uma voz firme, secando a lágrima solitária que escorria pelo seu rosto, usando a mão livre, entrelaçando seus dedos nos de Kenny.

O loiro fechou os olhos. Seus dedos continuaram moles, não envolveram a mão de Kyle.

Ele não havia reparado na enfermeira que trocava uma bandeja de materiais até ela se aproximar da cama com um sorriso gentil; a visão de Kenny era quase turva, o rosto dela não se formava com nitidez. Ele sentia enjoo.

-Como se sente, Kenny? - Ela perguntou, abraçada a uma prancheta.

Ele encolheu os ombros em resposta, desviando o olhar da mulher para encarar os próprios braços, as bandagens ocultando o estrago que ele mesmo causara, gerando aquela falsa sensação de que tudo já estava curado. Seus braços pareciam tão brancos contra o azul bebê do cobertor. Ele não se reconhecia.

-Que bom que você acordou. O doutor já vem conversar com você. - A enfermeira disse. Ela tinha um cabelo ruivo muito mais alaranjado do que o de Kyle.

Kenny piscou devagar. Não sentia dor, não exatamente. Devia estar muito dopado mesmo, ele pensou. Kyle endireitou as costas e afastou a mão do seu braço, levantando-se, suspirando fundo. Havia tanta coisa fervendo em seu cérebro, Kenny podia ver, mas Kyle não diria nada. Ainda não. Por algum motivo, Kenny não conseguia mais tirar os olhos dele. Talvez porque Kyle não o olhava de volta, focando sua atenção em servir um copo d’água da jarra ao lado, na mesa de cabeceira.

-Desculpa. - Kenny murmurou apertado, uma vez que a enfermeira havia deixado o quarto.

Kyle se virou para ele, parecendo tão assustado a ponto de quase derramar água na superfície de madeira. Pôs a jarra sobre a mesa, abaixando a cabeça por um segundo, o maxilar tenso. Não sabia o que dizer, Kenny viu em seus olhos. Kyle o encarou de pé, segurando o copo cheio.

-Kenny… Você não tem pelo que se desculpar. - Ele arrastou os pés novamente para mais perto da cama, deixando o copo sobre a mesa de cabeceira. Não se sentou. Ele parecia tão grande na perspectiva de Kenny. - Eu só… Eu queria muito que você tivesse me dito o quanto estava pesado.

Antes que Kenny pudesse responder (embora não soubesse como e não tivesse vontade de falar), Kevin Stoley entrou no quarto. Kenny quase não o reconheceu assim, homem feito, de jaleco branco. Kevin tinha um rosto tão liso que parecia nunca ter crescido barba naquele rosto. Tinha uma arcada dentária irritantemente branca e reta que só os maridos da Barbie deveriam ter. Kenny odiava médicos, todos os médicos com seus jalecos e dentes brancos. Então, ver um rosto familiar como o de Kevin foi reconfortante, ainda que houvesse um quê de humilhação.

Ele tinha traços asiáticos no rosto, provavelmente japoneses, os olhos pequenos de íris tão negras que mal se diferenciavam das pupilas. Ele tinha um sorriso de pessoa genuinamente boa, algo que Kenny enxergava com a sensibilidade de um cachorro. Kevin se aproximou da cama com um sorriso sutil, não forçado, os olhos pequenos e brilhantes.

-Kenny. É muito bom revê-lo. - Kevin disse com a quantidade apropriada de gentileza, uma prancheta embaixo do braço esquerdo, as mãos nos bolsos do jaleco. - Como se sente?

Kenny era capaz de entender porque as pessoas em hospitais faziam uma pergunta tão retórica quanto essa. Não respondeu, engolindo o acúmulo de saliva e se ajeitando debaixo da coberta fina, colocando os dois braços sob ela. Não respondeu. Não fez contato visual com ele. Não fingiu estar feliz em revê-lo também, porque Kevin não era muito mais do que um colega de classe da infância e a única coisa que sabia sobre ele era que gostava muito de Star Trek. Ou era Star Wars? Kenny não se lembrava.

Kyle voltou a se sentar na poltrona, esfregando os olhos com uma das mãos, e depois encarou Kevin em expectativa, cruzando uma perna sobre a outra.

-Você sabe o que aconteceu? - Kevin perguntou a Kenny em uma voz que teria deixado o loiro irritado pela condescendência, se ele ainda tivesse alguma energia para desperdiçar em coisas tão banais quanto sentir raiva.

-Mais ou menos. - Respondeu em uma voz grogue, presa na garganta.

-Token te encontrou. - Kyle respondeu, parecendo sem forças para dizer qualquer outra coisa.

-Talvez você ainda não consiga perceber isso, mas foi um pequeno milagre que um médico te encontrado. - Kevin disse, pegando a prancheta de debaixo do braço para dar uma olhada breve, não percebendo o sorriso amargo que pincelou os lábios de Kenny por um instante. É, milagre. Isso sim era um milagre. E não o fato de que tudo estaria normal se ele tivesse apenas morrido em paz como queria. - Ele conseguiu parar o sangramento, você já estava relativamente estabilizado quando chegou aqui. Você perdeu muito sangue, deve continuar se sentindo grogue por hoje. Nós temos alguns exames a fazer quando você estiver se sentindo um pouco mais forte, mas a princípio, não deve haver sequela. Você vai ficar bem, Kenny.

Enquanto Kevin falava, Kenny pressionava os lábios e olhava em direção à janela, o pequeno movimento que a cortina fazia pela fresta aberta do vidro. Descasou as duas mãos sobre o abdômen embaixo do cobertor, sentindo-o subir e descer lentamente conforme respirava, o rosto em branco. Já não tinha mais vontade de chorar.

-Você está na ala psiquiátrica. - Kevin prosseguiu, após uma pausa hesitante. - É importante que você fique sobre observação para que nós possamos entender o que aconteceu. Devido ao seu histórico… O psiquiatra legalmente responsável pelo seu acompanhamento reportou que você não tem comparecido às consultas no último mês e meio. As consultas são parte da sua condicional, Kenny. - Kevin falava em uma voz extremamente cuidadosa, sem resquício de julgamento, mas mesmo assim, Kyle sentiu a necessidade de se levantar em defensiva.

Aproximou-se do leito, levando uma mão à coxa de Kenny, descansando a mão por cima do cobertor enquanto encarava o rosto do loiro à espera de pelo menos um olhar; a expressão de Kenny parecia rígida, fechada de forma que Kyle jamais vira antes.

-Kenny. - Kyle chamou, a voz trêmula e magoada, falhando. Chamava aquele nome como se estivesse implorando por alguma coisa. Para que ele entendesse, talvez. Mas Kenny entendia. Entendia muito bem. - Eu… Eu sinto que isso é culpa minha. Você precisa de cuidados que eu não posso dar, se eu tivesse me dado conta disso antes… Talvez não tivesse chegado a esse ponto.

Kenny fechou os olhos devagar, usando todo o seu resto de força para lutar contra a vontade de virar a cabeça e encarar aqueles olhos verdes gigantescos, porque sabia que ele estava chorando. Sua voz demonstrava um pouco disso, mas Kyle era muito bom em chorar e falar ao mesmo tempo. Kenny podia senti-lo secando as bochechas úmidas com as mãos, retirando aquela que descansava sobre sua perna. Podia sentir o medo de Kyle, como ele pisava em gelo fino que poderia quebrar a qualquer instante. E além de tudo, ele se culpava. Kenny queria desaparecer.

-Você ficará em observação pelas próximas 48 horas. - Kevin disse, limpando a garganta. Parecia muito seguro de si, aquela tranquilidade médica que Kenny também detestava. - Mas como as coisas estão agora, eu quero que você entenda que a sua internação parece ser a única possibilidade viável. Para que nós possamos trabalhar no seu bem estar.

Kenny assentiu devagar. Ainda levou alguns segundos para virar o rosto em direção aos dois, a expressão dura como pedra, a boca reta e os olhos secos.

-Você pode sair? - Kenny perguntou baixinho, finalmente encarando Kyle.

-O quê?

-Enquanto a gente fala disso. - E, voltando seus olhos para o médico. - Eu sei que é protocolo, que você é obrigado a falar essas coisas que eu já sei. Mas se você vai falar, eu não quero que ele fique aqui.

-Kenny… - Kyle disse. Kenny não olhou diretamente para o seu rosto, e nem tinha que fazê-lo para perceber o quanto ele parecia assustado, perdendo a vontade de chorar de repente.

Kevin pôs uma mão firme no ombro de Kyle e apertou de leve em um gesto de apoio, mas Kyle estava anestesiado demais para se dar conta, com seus lábios entreabertos e as pálpebras trêmulas, quase sem piscar. Passou alguns instantes em silêncio, encarando o loiro que não o encarava de volta.

-Eu… Tá. Tudo bem. - Disse, tentando parecer o menos magoado possível, mas para Kenny, ele era transparente.

-É bom você dar uma volta. Você está aqui há mais de seis horas, vai comer alguma coisa. - Kevin disse a ele, oferecendo um sorriso fraco que formava covinhas em suas bochechas, mas Kyle olhava para o chão e para as paredes, arrastando os pés para trás antes de andar em direção à porta.

 

Após a conversa com Kevin Stoley, que não durou mais do que dez minutos que Kenny passou em silêncio absoluto, ele fechou os olhos assim que o doutor se despediu, deslizando para a inconsciência doce que as drogas proporcionavam, mas nada que injetassem em seu corpo jamais poderia se comparar ao alívio da morte. E isso havia sido arrancado dele. E ele jamais poderia explicar isso aos médicos imbecis que lutaram para salvar sua vida, a Kyle, a qualquer pessoa que entendesse a morte como o fim de tudo. Aquela era a droga certa. Porque, durante alguns segundos, Kenny podia se desprender da carne e todas as dores que ela carregava. E sem isso, sem o alívio de poder respirar sem os pulmões, Kenny dormiu, esperando sonhar com sua irmã.

 

Mas não sonhou com nada.

 

Não sabia quanto tempo havia se passado quando abriu os olhos novamente, mas estava tudo escuro lá fora, e dentro do quarto, apenas o abajur pincelava o quarto com uma fraca luz alaranjada. Também entrava luz pela grande janela que dava para o corredor do hospital, com venezianas abertas. Não havia ninguém no quarto, o que era estranho, porque parte da “observação” pós-tentativa de suicídio que Kevin explicou envolvia sempre haver alguém com ele. Mas Kenny ouvia vozes. Vozes altas, ainda que abafadas pela parede do quarto. Ele piscou algumas vezes, tentando identificar as silhuetas do outro lado do vidro. Eram três pessoas.

-Essa merda é culpa sua! - Craig gritava, os olhos pretos carregados de ódio, gesticulando fora de controle. Ele cuspia ao falar. - Você usou ele, seu filho da puta!

Kyle estava parado a alguns passos dele, mais próximo à porta, uma dureza inabalável tomando conta de sua face. Não parecia particularmente mexido pelas palavras ferinas do homem ou ameaçado pela linguagem corporal violenta dele. Havia uma dor profunda em seus olhos verdes, um cansaço marcando a pele, como se ele não tivesse energia para aquela conversa.

Diante da falta de reação, Craig começou a se aproximar com o punho fechado, o que fez Token – a terceira pessoa – se colocar entre os dois e encarar Craig com uma expressão que mesclava defensiva e compaixão, porque Token o amava profundamente e não queria ter que machucá-lo. Mas o faria se fosse preciso, especialmente quando ele atacava Kyle num estado em que o ruivo não tinha forças para se defender, nem tentaria. Quando o segurança do hospital – um senhor negro de 55 anos chamado Albert com quem Token adorava tomar cerveja após o expediente – fez menção de se aproximar, Token esticou a mão como se dissesse “tá tudo bem”. O homem só recuou por se tratar de Token, por ser um médico daquele hospital, uma pessoa em quem Albert confiava e a quem respeitava profundamente. Mesmo assim, ficou próximo, esperando para fazer seu trabalho. Já eram onze da noite, os outros pacientes estavam dormindo e aquele homem alto de cabelos negros não parava de gritar.

Token tinha uma mão no peito de Craig, o rosto bem próximo ao seu, embora o outro continuasse com os olhos fixos em Kyle.

-Me solta, caralho!

-Te acalma. - Token disse com firmeza. - O Kenny tá dormindo. Você não tá ajudando ninguém assim.

-Eu sabia que ia dar merda ele chegar perto de você de novo! - Craig continuou, direcionando a voz agressiva a Kyle, que massageava as têmporas como se sentisse uma dor de cabeça explosiva. - Olha o que você fez com ele!

-Cala essa boca, Craig. - Token disse da forma mais contida que pôde.

-Sai da minha frente! Eu quero ver ele!

-Você não vai entrar assim. - Token o segurou pelos ombros, os olhos pedintes, implorando com a expressão que o amigo o escutasse. - Cara, por favor, não me obriga a pedir pro segurança te tirar daqui. O horário de visita acabou faz duas horas, e mesmo que não tivesse… Você tá bêbado, cara, eu te levo pra casa. Amanhã você vê ele.

-Você é trouxa ou o quê?! Como é que você vai defender esse merda depois do que ele fez contigo?! - Ele deu um passo para trás, soltando um riso amargurado, esfregando o rosto com as duas mãos antes de abrir os braços, gritando mais alto. - Eles tão trepando, Token, como é que você não enxerga?! O Kenny tá nessa cama por causa dele!

Foi a primeira coisa a sair dos lábios de Craig que realmente pareceu atingir os ouvidos de Kyle. O ruivo pôs uma mão no batente da porta e franziu as sobrancelhas, parecendo muito mais confuso do que ofendido. Token não deixou de lançar um olhar breve a Kyle antes de empurrar Craig de forma mais incisiva, forçando-o a dar alguns passos para trás. Era difícil dizer o que exatamente se passava na mente de Token Black naquele momento, mas ele era um homem de prioridades fortes. O que Craig disse o deixou visivelmente perturbado, mas ele não demonstrou isso por mais de dois segundos.

-Já chega, Craig.

Mas as mãos de Craig agarravam os braços dele para quebrar o contato, embora não parecesse ter muita força nos membros superiores. Podia ser o álcool em seu organismo ou apenas a sensação de ter sido atropelado por um caminhão quando recebeu o telefonema com a notícia, mas pela primeira vez durante aquela noite, Kyle enxergou Craig Tucker de verdade. Para além das palavras agressivas, da linguagem corporal descontrolada.

-Larga ele, Token. - Kyle disse em seu tom cansado, respirando fundo, com alguma empatia nos olhos pelo fato de Craig se parecer tanto com um bicho agressivo, mas só por ter um espinho fincado na pata. Era sofrível de assistir, porque Craig não tinha condições de demonstrar aquele turbilhão de medo e dor e saudade e incerteza do futuro. Por isso, ele gritava. Por isso, ele ameaçava bater.

Token não protestou, porque tinha a sensibilidade aguçada o suficiente para entender coisas que não eram ditas. E, quando o fez, Craig deu um passo para trás, quase cambaleando, empurrando Token em uma resposta impulsiva, sacudindo a cabeça. Parecia tão perturbado. Levou a mão ao vidro da janela que dava para o quarto de Kenny, primeiro para se apoiar, mas em seguida, sua atenção se voltou ao corpo de Kenny, deitado na cama, que podia ser visto através da janela. Não falhou aos olhos de Kyle perceber esse momento de fragilidade tomando conta do rosto de Craig quando viu Kenny de olhos abertos, perfeitamente lúcido e o observando de dentro do quarto. Pareceu se esquecer da raiva de repente, não havia traço algum de violência restante em seu corpo. As pontas dos dedos deslizavam para baixo pela superfície do vidro, o atrito produzindo um som incômodo, mas Craig sequer podia ouvi-lo. Seus olhos se fecharam como se reprimisse uma profunda vontade de chorar, contorcendo o rosto em uma careta dolorosa.

Da sua cama, a figura pálida de Kenny parecia tão frágil, como se ele nunca tivesse conseguido ficar de pé sozinho. Mas ele encarava Craig com olhos fortes, uma expressão quase em branco, as pupilas dilatadas, sem vitalidade para fazer qualquer coisa além de balançar a cabeça negativamente, tão devagar, comunicando tudo naquele gesto fraco e simples. Sabia que havia acabado de, simbolicamente, enfiar uma adaga no estômago daquele Craig bêbado e assustado, que seria incapaz de entender que a única – ou principal – motivação de Kenny era protegê-lo. Assim como Token. Em partes, até como Kyle.

-Ele está bem, Craig. - Kyle disse na voz mais carregada de compaixão que tinha a oferecer naquele estado. - Amanhã você pode vê-lo.

-Vamos. - Token quase sussurrou, repousando uma mão amigável no ombro de Craig, que recuou como se aquilo machucasse. Afastou-se do vidro. - Eu te levo pra casa.

Por um instante, pareceu que Craig estava disposto a colaborar. Mas de repente, em um rompante, ele se voltou a Kyle novamente.

-Eu devia te dar a surra que você merece. - Disse em uma voz muito mais baixa e controlada, apontando o dedo indicador em direção ao ruivo. - O Token pode não enxergar a putaria de vocês, mesmo que esteja bem na cara dele, mas eu vejo. Eu sei que o Kenny sempre te quis, eu sei que você é tóxico pra ele. E você também sabe. - Ele falava cuspindo sem querer. - Você sabe que isso tudo é culpa sua.

Kyle balançou a cabeça de um lado ao outro, um sorriso amargo brotando em seu rosto pela ironia do que escutava. Agora, era difícil encontrar a compaixão em seus olhos verdes.

-Eu não sou você, Craig. - Respondeu. - Tem certeza de que você quer falar disso? Você não quer que eu faça com o Token o que você faz com o seu marido, é?!

Kyle se arrependeu imediatamente, assim que as palavras acabaram de deixar sua boca. Esse era o motivo pelo qual ele não queria responder nada para começo de conversa, porque tinha uma dificuldade compulsória de filtrar as coisas que dizia. Como era esperado, esse foi o momento em que o segurança precisou intervir, porque Craig avançou como um cachorro raivoso. Token acompanhou para fora sem fazer contato visual com Kyle, pedindo para que Albert o soltasse o tempo inteiro.

 

Quando Token voltou, Kyle estava adormecido na poltrona ao lado da cama de Kenny, coberto por uma manta de lã fina. Entrou cuidadosamente no quarto para não acordar nenhum dos dois, mas Kyle ergueu a cabeça assim que ele colocou o pé no quarto e a claridade do corredor entrou pela porta aberta. Kenny estava deitado de costas para os dois, encolhido sob as cobertas, virado para a parede. Token se aproximou da poltrona e tocou o ombro de Kyle, umedecendo os lábios, parecendo um tanto nervoso. Kyle entendeu que ele queria, ou precisava conversar. O ruivo assentiu com a cabeça e empurrou a manta de lã, sentindo frio nas pernas ao se levantar e seguir Token para fora do quarto.

-Ele está bem? - Kyle perguntou, referindo-se certamente a Craig, mas Token sacudiu a cabeça sem dizer que sim ou que não, encostando-se na parede do corredor de braços cruzados. A porta do quarto estava fechada.

-Você está bem? - Token retribuiu a pergunta, porque falar de Craig parecia inútil àquela altura. Kyle encolheu os ombros. Não parecia haver resposta para isso também. Token estudou sua expressão exausta, parecendo arrependido de tê-lo acordado, ainda que por acidente. Passou a língua sobre os dentes enquanto pensava. - Kyle… Eu não quero… Eu sei que isso é uma hora de merda pra falar sobre isso, mas tem coisas que eu preciso entender.

-Você acredita no que ele disse? - Kyle perguntou sem parecer ofendido. Era uma pergunta honesta. Talvez o nível de exaustão não lhe permitisse sentir raiva. Ou o fato de que precisavam falar baixo.

-Eu não sei. Ei, olha só. - Token o segurou gentilmente pelos braços, aproximando o rosto do seu. - Eu não vou ficar com raiva. Eu não quero brigar, não hoje, não aqui. E eu também não vou a lugar nenhum se você me disser que… Eu não sei, Kyle. - A mão leve de Token tocou a mandíbula do ruivo, depois dos dedos subiram delicadamente pela bochecha dele, e Kyle fechou os olhos em resposta. Estava apoiado de lado contra a parede, descansando o próprio peso. - Você é meu melhor amigo. - Token sussurrou. - Toda mágoa ou raiva ou dor vem depois. Hoje, aqui, eu só quero te ajudar.

Talvez tudo tenha ficado muito claro desde aquele momento. Kyle não contou nada sobre o beijo, sobre as coisas que sentia, não naquela noite, não no hospital. Mas a culpa em seus olhos quando ele contorceu o rosto para prender o choro, e de forma inútil, pois aquela enxurrada de lágrimas veio de qualquer forma, talvez isso tenha sido claro o suficiente para Token. É importante saber que ele estava sendo completamente honesto nas coisas que disse. E por isso, seus braços não hesitaram ao envolver o tronco de Kyle e puxá-lo apertado contra o seu peito, descansando o queixo no topo da cabeça dele, as mãos acariciando suas costas e seus cabelos enquanto ele chorava baixinho, soluçando, escondendo o rosto na curva do pescoço de Token, sua mão agarrando com força o tecido da camisa dele.

-Shh. - Token sussurrava, deitando a bochecha contra a testa de Kyle, fechando os olhos. - Eu tô aqui.

 

Durante os próximos dois dias, Kyle foi para casa apenas uma vez para tomar banho e dar comida ao gato. Não foi ao trabalho, comeu e dormiu no hospital, tomou cinco copos de café preto por dia. Kenny não falava com ele e estava apagado na maior parte do tempo, não queria comer nada e ignorava as enfermeiras. A hora do remédio era a mais difícil, não porque ele demonstrasse resistência, mas porque ele não demonstrava coisa alguma. Não fazia contato visual, não reconhecia a presença de quem estivesse falando com ele, fosse o próprio médico, Kyle ou Token, a enfermeira ruiva, ninguém. Eventualmente, se deixado em paz com o remédio no criado mudo, ele tomava sozinho e voltava a dormir.

Eram quase oito da noite. Havia uma enfermeira dentro do quarto com Kenny enquanto ele dormia, enquanto Kyle saía para buscar café. Estava particularmente frustrado aquela noite. Dormia em uma poltrona, sentado, o que estava começando a resultar em torcicolos. Kenny tinha pesadelos a noite inteira, o que fazia com que Kyle sempre dormisse com a audição em alerta, mas quando tentava se aproximar, Kenny sempre o empurrava e dizia que estava tudo bem. Não queria ser tocado. Acordava suando frio, a pele gelada e úmida, e empurrava as cobertas para descontar a raiva em alguma coisa. E Kyle não podia ajudá-lo. Não sabia como.

Kenny não aceitava nada dele. Não queria os chocolates que ele contrabandeava para o quarto contra as normas do hospital para tentar melhorar o humor de Kenny, não queria ouvir as músicas que ele trazia, não queria suporte emocional, não queria Kyle perto dele. Ponto. E Kyle sabia que não deveria se deixar magoar por nada disso, sabia que era a depressão e o trauma falando, sabia que precisava ser mais forte do que isso. Kevin reforçava isso para ele o tempo todo, assim como Token. Racionalmente, ele entendia todas essas coisas.

Isso não mudava o fato de que Kyle se sentia prestes a desabar toda vez que colocava o pé para fora daquele quarto. Era bom que estivesse cercado por enfermeiras e outros pacientes enquanto caminhava até a máquina de café, porque caso estivesse sozinho, seus olhos certamente se encheriam de lágrimas. Eles ficavam gradualmente mais vermelhos, mas Kyle respirou fundo e segurou o ar nos pulmões durante um bom tempo, esfregando o rosto com a mão livre que não segurava o copo de papel com café preto até a boca e uma tampa marrom que evitava respigamentos.

-Merda. - Sussurrou baixo, seus pés parando de andar por um segundo, as solas do tênis fazendo um som agudo contra o piso gelado de linóleo. Se Kyle pudesse ser perfeitamente honesto, esses passeios curtos até a máquina de café ou até o refeitório eram um alívio maior do que ele seria capaz de admitir. Porque dentro daquele quarto, havia momentos em que Kyle tinha certeza de que enlouqueceria. Pelo silêncio de Kenny, ou pela sua rejeição, ou por enxergar o que os remédios faziam com ele. Kenny nunca quis tomá-los, nunca quis os antidepressivos, os antipsicóticos, os ansiolíticos, as pequenas cápsulas que o transformavam nessa casca vazia indiferente. Ele estava dopado o tempo inteiro. Talvez isso fosse o que realmente fazia aquelas lágrimas arderem nos olhos de Kyle.

Então ele andava pelos corredores do hospital. Ou ia até o piso da maternidade para olhar os bebês. Ou usava o banheiro do corredor em vez de o banheiro do quarto. Porque ficar dentro daquele quarto encarando o mesmo vaso de girassóis, fingindo que conseguia ler enquanto Kenny dormia, discutindo com ele para que Kenny, pelo amor de deus, tomasse pelo menos duas colheres de sopa, todas essas coisas forçavam a sua sanidade. E ele só se sentia mais culpado.

Ele tinha que voltar ao quarto. E queria voltar, queria estar perto dele o tempo todo, ainda que seu corpo não aguentasse. Dava pequenos goles no café enquanto caminhava de volta em direção à porta do quarto 206, mas parou ao perceber a presença familiar de alguém sentado do lado de fora, em um pequeno sofá no corredor largo, que dava de frente para a janela do quarto de Kenny. O homem ali sentado era loiro, mas um cabelo loiro mais amarelado, os fios repicados como se não fossem penteados há vinte anos, e ele batia um dos pés ansiosamente contra o chão, a cabeça baixa. Kyle precisou se aproximar o suficiente para ter certeza de que conhecia aquele rosto, e o fez com cautela, as sobrancelhas franzidas para demonstrar o quão confuso (ou surpreso) estava com a presença de Tweek Tweak.

-Tweek? - Chamou, virando o rosto de lado sutilmente. - O que você…?

-Kyle. - Ele respondeu no tom de uma criança que é pega fazendo algo errado, mas não chegou a se espantar. Também não se levantou. - Oi.

-Oi… - Kyle disse em uma voz desconfiada, mas quase sorrindo. Observou Tweek alisando o tecido da calça na região das coxas, e depois ajeitar a gola da camisa amassada, tentando parecer apresentável. Parecia que ele não dormia bem há uma semana, mas esse era um aspecto quase que natural de sua aparência, desde que Kyle o conhecera. Após gastar alguns segundos em pé, Kyle respirou fundo e se sentou ao lado dele. - Você veio visitar?

-Ahn? Ah. Não… Não exatamente. - O rosto de Tweek ficou vermelho de repente. Ele encarava o chão, as duas mãos apertando o tecido da barra da camisa com força. Ele mordeu um pouco o lábio e sacudiu a cabeça, parecendo tão envergonhado de estar ali que Kyle sentiu vontade de tocá-lo no ombro e dizer que estava tudo bem, mas sabia que contato físico com Tweek poderia tornar as coisas piores. Ele não lidava muito bem com isso. - Eu só precisava saber como ele tá.

Kyle ofereceu um sorriso gentil.

-É muito bom que você tenha vindo. Ele vai ficar bem, os médicos estão otimistas. - Porque era isso que se deveria dizer, Kyle sabia, e cumpria muito bem essa tabela. Deu um suspiro profundo. - É só levar um dia de cada vez.

-É… Isso é bom. Que bom. Eu fico feliz. - Tweek disse, mas não parecia feliz. Parecia apenas nervoso. - Ei, Kyle… Já que eu te encontrei, eu também queria… Quer dizer, eu sinto muito pelo Craig. - Finalmente, os olhos verde escuros de Tweek encontraram o rosto de Kyle, parecendo perfeitamente honestos. - Eu sei que ele veio aqui. E ele não te culpa de verdade pelo que aconteceu, ele só… Ele ficou muito assustado com tudo.

-Não se preocupa com isso. Eu sei. E você não tem que se desculpar por ele, Tweek.

O loiro encolheu os ombros. Kyle deu mais um gole no café antes de oferecê-lo, mas Tweek recusou. Cafeína o deixava ansioso, ele havia diminuído consideravelmente a quantidade de café nos últimos quatro anos. Alguns segundos se passaram em silêncio. Kyle umedeceu os lábios e encarou a janela que dava para o quarto; podia ver a enfermeira se movendo lá dentro. A luz estava acesa e Kenny estava acordado, mas estavam afastados demais da janela para que Kenny pudesse enxergá-los ou vice versa. Se eles estivessem de pé, conseguiriam.

-Ele ficou louco quando soube que Kenny tinha… - Tweek prosseguiu em uma voz muito baixa, porém, muito mais segura do que antes.

-Você sabia que eles ainda se falavam? - Kyle perguntou, sentindo-se bastante desconfortável de repente. Gostava de Tweek, sempre gostara dele. Estava exausto demais para pensar sobre as coisas que não tinham a ver diretamente com a saúde de Kenny, mas mesmo assim, não gostava da ideia de conversar com Tweek sabendo de coisas que o magoariam profundamente.

Para sua surpresa, Tweek ofereceu um sorriso pequeno e triste, os olhos fixos no chão, até que engoliu o acúmulo de saliva na boca e voltou a encarar o outro.

-Eu sei sobre eles, Kyle. - Tweek disse no tom mais são que Kyle já ouviu dele em toda a sua vida. - Sobre o que eles fazem, faziam. Eu sempre soube. Não precisa fazer essa cara.

Agora, foram as bochechas de Kyle que coraram levemente por se perceber encarando Tweek com pena nos olhos.

-Craig…? Ele te contou? - Kyle perguntou com os olhos estreitos, tentando limpar todo e qualquer julgamento de sua voz.

-Não. Mas ele sabe que eu sei. Nós não falamos dessas coisas, sabe… - Nesse momento, Tweek parecia falar mais para si mesmo do que para Kyle, a ponto do ruivo sentir que estava invadindo alguma coisa íntima. - Das coisas que ele precisa e eu não posso dar. - Ele fez mais uma longa pausa. Kyle não conseguia tirar os olhos dele. Por fim, Tweek quase riu, embora fosse um riso tão fraco e infeliz. - Não significa que ele não me ame.

-Eu nunca pensei isso. - Kyle reafirmou, assentindo com a cabeça.

-É, mas você sabe que é o que a maioria das pessoas acha. - Tweek falava com uma firmeza delicada. Kyle não se lembrava de tê-lo visto assim, tão seguro de si. Após uma breve pausa, Kyle relaxou um pouco os ombros, dando mais um gole no café amargo, sentindo o gosto impregnar pela sua língua e pelo céu da boca. Tweek encarava a janela em silêncio. - Eu nunca desejei mal a ele. Kenny é… Ele é muito especial. Eu espero com todo o meu coração que ele fique bem.

-Eu tenho certeza de que ele adoraria ouvir isso de você, Tweek.

O loiro fez uma careta de descontentamento e sacudiu negativamente a cabeça.

-Não… É melhor não. Mas você pode entrar, não se sinta obrigado a ficar aqui comigo.

Kyle sorriu.

-Pra ser honesto, Tweek… Falar com você foi a única coisa que me fez sentir um pouco melhor desde que ele foi internado.

Tweek também retribuiu o sorriso como se não esperasse ouvir algo bom. Trouxe a mão ao joelho de Kyle, virando o tronco para se colocar de frente para ele, dobrando uma perna em cima do sofá.

-Eu sei que isso tudo é muito difícil pra você, mas vou te pedir uma coisa. Tente não tratá-lo como se ele fosse quebrar a qualquer momento, sabe? É muito pior quando as pessoas te tratam como se você fosse incapaz. - E com isso, ele recolheu a mão.

Kyle assentiu levemente, absorvendo as palavras, mas sua cabeça latejava demais. Trouxe a mão às têmporas e massageou de leve, deixando o ar escapar pela boca.

-Eu me sinto tão inútil.

-Você não é. Às vezes, só ter alguém por perto é tudo que a gente precisa.

Ouvir aquelas palavras deixando os lábios de Tweek, em uma voz tão doce e tão honesta, apenas aumentou consideravelmente a vontade que Kyle já reprimia de chorar como uma criança. Era engraçado. Ele não falava com Tweek há meses, não era alguém que fizesse parte de sua vida, e ainda assim, quando as lágrimas escorreram, ele não sentiu vergonha. Porque o que ele dizia era verdade. Ter alguém ali, alguém que simplesmente queria oferecer apoio, era tudo de que Kyle precisava. Tweek não o afagou, não tentou usar palavras inúteis para confortá-lo, não tentou abraçá-lo e dizer que tudo ficaria bem. Mas estava ali. Estava junto. E Kyle esfregou as bochechas para secá-las, deixando que aquele fluxo de frustração fosse lentamente liberado para que ele pudesse voltar ao quarto. Estava assustado. Não sabia exatamente o que seria dos próximos dias, não sabia até que ponto as coisas que aconteceram foram sua culpa. Sabia apenas que amava Kenny McCormick com toda força que havia em cada fibra do seu corpo, amava-o com toda intensidade com que se pode amar outro ser humano, e estava disposto a ser qualquer coisa que ele precisasse.



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