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História Utopia - Fratura exposta


Escrita por: caulaty

Capítulo 10 - Fratura exposta


Cartman estava sentado na poltrona vermelha. Stan estava de pé, com os braços cruzados, pressionando os lábios em ansiedade pelo charuto que havia guardado no bolso. Kenny estava sentado em um banquinho de madeira, os braços apoiados nas coxas, o pé batendo no chão ansiosamente. Kyle tinha o rosto escondido nas duas mãos, sentado no sofá, tentando manter a respiração sob controle. E Christophe estava sentado no chão, como de costume, de frente para todos eles. Já era uma evolução tremenda quando se considera a primeira vez que ele esteve naquela sala, escondido entre a parede e o sofá, sendo observando por aqueles quatro homens como se fosse uma cobaia. Nesse momento, também era observado por eles. Mas escolhera estar ali.

Recapitulando para não mais de uma hora antes, quando Christophe criticou o francês de Kyle para informá-lo que falava inglês (ainda que com um sotaque pesadíssimo), a única coisa que disse em seguida foi: “chame os seus amigos”. Kyle demorou muito tempo para se mover, como se duvidasse da própria sanidade e não tivesse absoluta certeza de que aquilo estava, de fato, acontecendo.

Mas estava. E, sem questionar, Kyle obedeceu. Tomou aquilo, era provável, como um “eu estou pronto para falar”. Foi uma interpretação muito pontual sobre a intenção de Christophe DeLorne, um homem tão difícil de entender. O ruivo parecia apavorado que ele mudasse de ideia de repente e retornasse àquele estado primitivo intocável, como se fosse possível andar para trás dessa forma. Agora, passado algum tempo e com todos os outros presentes, a expressão no rosto de Kyle Broflovski não era nada menos do que odiosa. Christophe não tinha qualquer receio de encará-lo. Havia uma faísca entre eles que era perceptível por qualquer um, de muito longe. Palavras eram mesmo desnecessárias.

-E aí? Eu não tenho a porra do dia inteiro. - Cartman resmungou.

Stan apenas ergueu uma das mãos na direção dele como quem diz “fique quieto”. Seu cenho estava franzido, o que fazia com que ele parecesse muito mais velho. Depois, trouxe a mão ao próprio queixo e começou a alisá-lo, sem afastar os olhos de Christophe.

O francês estava encostado na parede, com as pernas dobradas, as mãos caídas nas laterais do corpo. A cabeça pendia um pouco para um dos lados. Atrás dele, a parede era forrada por um papel damasco que mesclava preto e um tom dourado bastante envelhecido que tinha um brilho esverdeado, muito semelhante à cor dos olhos dele. Acima de sua cabeça, havia dois quadros emoldurados muito coloridos, um ao lado do outro. A moldura era oval. Eram réplicas de uma pintora mexicana da terra debaixo, morta há séculos, que trabalhava com tons quentes fortíssimos, misturando fauna e flora de maneira surrealista. Nos quadros, apareciam imagens de pêssegos, tigres e matagais, muitas aves escondidas. A cena do Toupeira apenas com uma regata branca e uma calça escura, sua pele bronzeada contrastando com todas as informações atrás dele, tudo isso daria uma fotografia belíssima.

-Vocês se acham tão inteligentes. - Christophe começou. Sua voz era gutural, como se a força para falar viesse direto das vísceras. Ele estava cansado e isso transparecia na sua fala sem emoção, sem raiva. Não havia acusação na fala, era uma constatação que quase o desinteressava. Dizia aquilo como se fosse algo óbvio. - Esse foi o verdadeiro problema de vocês. Subestimar os outros, achar que todo mundo nessa merda de cidade está cego pela cortina de fumaça de que tudo é perfeito. Só que todo mundo, no fundo, sabe que não é. Todo mundo sabe o que fundamenta a cidade dos céus é o cadáver de quem vive lá embaixo.

Kenny parou de bater o pé para escutá-lo, mas começou a esfregar as mãos sem perceber. Kyle virou o rosto para o loiro por apenas um segundo, e dentro daquele segundo, desejou estar perto o suficiente para tocar seu ombro. Isso costumava acalmar sua ansiedade. Mas estava recostado no sofá, apático, com os olhos fundos. Não encontrava uma forma de se mover dali.

-E o que isso quer dizer? - Stan perguntou.

-Gregory é muito louco. - Ele prosseguiu como se essa fosse a resposta. Seu sotaque era tão denso que Cartman estreitou os olhos e trouxe o pescoço para frente, como se isso fosse facilitar a compreensão. - Ele é muito fora da casinha, é verdade, mas ele não é idiota. O erro de vocês foi confundir a psicopatia dele com ignorância.

-Ele sabe. - Kyle constatou, endireitando as costas. Tinha as mãos caídas entre as coxas. Sua voz tinha uma insinuação de desespero, mas sem entregar totalmente.

Christophe o encarou nos olhos diretamente por alguns segundos.

-Você acreditou mesmo que ele te daria um escravo um dia depois de você arrombar a casa onde ele guarda toda a sujeira dele? Como uma recompensa? Você não pode ser tão idiota.

Kyle se levantou antes mesmo dele terminar de falar. Não havia ironia, não havia sorriso sádico, tudo saía da boca do Toupeira de forma brusca e honesta. O filho da puta nunca abria a boca, mas quando abria, não havia filtro. Não havia eufemismo nem joguinho. As coisas eram preto no branco. Aquilo já estava alterando a respiração do ruivo, seus ombros cheios de tensão, a cabeça começando a doer.

-Você trabalha pra ele?!

Ele fazia pausas terrivelmente longas antes de responder qualquer coisa, sustentando o contato visual de forma quase agressiva. Quando Kyle estava prestes a gritar com ele, berrar para que ele respondesse, chutá-lo, qualquer coisa que o valha, Christophe sorriu de canto e desviou o olhar para o lado.

-“Trabalhar”, eu suponho que seja uma boa palavra. Apropriado. - Resmungou em voz muito baixa, quase como se falasse para si mesmo. Quando prosseguiu, voltou a falar para todos eles. - Ele não sabia exatamente o que vocês sabiam. Então ele colocou aqui dentro alguém que ele sabia que vocês tratariam como um cachorro, imbecil demais pra entender o que vocês falam. Como eu disse, o erro de vocês é subestimar.

-Tratar como um cachorro?! - Kyle estava gritando a essa altura.

Stan fechou os olhos e começou a pressionar o dedo médio e o indicador na ponte do nariz, respirando fundo.

-Só porque eu não gosto de falar ou de subir em móveis não significa que eu seja retardado. Vocês fizeram exatamente o que ele queria.

Foi a primeira vez em que houve alguma amargura no tom dele.

-Seu filho da puta, eu não confiei em você porque você agia feito um animal, eu confiei em você porque eu nunca ia imaginar que um escravo pudesse estar vigiando praquele monstro! Ele te mandou andar de quatro?!

A expressão de Christophe inflamou de repente, a raiva vindo à tona, ardendo nos seus olhos enquanto ele observava Kyle se aproximando, mantendo os lábios entreabertos, pronto para responder antes mesmo do outro terminar de falar. Levantou-se do chão, evidentemente maior e mais alto do que o ruivo.

-Eu tinha uma porra de uma coleira no meu pescoço, que caralho de escolha eu tinha?! - Gritou em resposta, a voz tão grave e densa que foi como um soco físico no estômago. Ele cuspia enquanto falava, gesticulando com a mão. - Eu não fingi merda nenhuma, ele me escolheu por um motivo. Eu não sei o que é fazer uma escolha de verdade há meses. Você não tem direito nenhum de se sentir traído.

Com isso, Kyle se calou. O ar deixou seus pulmões lentamente, os ombros abaixaram aos poucos, as mãos idem. Ficou ali, de pé, encarando Christophe nos olhos com uma expressão macia, carregada de compaixão e de culpa. Mas nenhuma palavra deixou seus lábios.

Cartman se ajeitou na poltrona, observando-os atentamente naquele momento de silêncio, uma expressão desconfiada no rosto. Alisava a bochecha com o indicador, o queixo encaixado entre ele e o polegar.

-Caralho. - Disse de repente. - Vocês foderam.

-Cartman. - Kenny reprendeu imediatamente, porque não era o momento pras brincadeirinhas indevidas dele. Foi só diante do silêncio dos dois; como Kyle desviou o olhar para os quadros na parede, esfregando a nuca, e como Christophe bufou profundamente, que o loiro repartiu os lábios em choque. Havia uma tensão rígia no ar, tanto que podia ser cortada com uma faca. A expressão do loiro foi se alterando lentamente, os olhos azuis focados nos dois. - Meu Deus. Vocês foderam mesmo.

Kyle se voltou para ele e deu dois passos na sua direção, falando mais baixo como se fosse possível que mais ninguém o ouvisse murmurar:

-A gente não pode falar sobre isso depois?

-Podem. - Stan respondeu antes que Kenny pudesse dizer qualquer coisa. - Devem.

Christophe voltou a se sentar contra a parede. Kyle continuou de pé, de braços cruzados e cabeça baixa. Kenny manteve os olhos fechados por alguns instantes, esfregando o topo da cabeça com a mão, alisando os próprios cabelos para trás enquanto respirava fundo. O ruivo o espiava de canto de vez em quando, mas quando Kenny abriu os olhos, retomou a posição original para continuar ouvindo. Seu foco era de Christophe.

-Eu presumo que você tenha mudado de ideia sobre levar quaisquer informações para o Gregory, pra estar nos contando isso. - O Coronel prosseguiu, sentindo a urgência de que alguém tomasse as rédeas daquela conversa.

-Não exatamente. Ninguém é leal ao Gregory porque quer. A única coisa que mudou é que eu não sou mais escravo dele. E eu sei a quem eu devo isso, eu não sou um ingrato de merda. - Ele disse a última frase diretamente para Kyle. Fez uma pausa muito longa. - Fazia muito tempo... Muito tempo mesmo que ninguém me chamava pelo meu nome.

Aquilo quase arrancou um sorriso triste do ruivo, mas ele simplesmente não conseguiu fazer os cantos da boca se levantarem. Também não era o momento.

-E como é que os escravos são trazidos para cá? - Stan perguntou.

-Algum de vocês tem cigarro? - Christophe disse, olhando para os outros três.

Kenny retirou um maço amassado de dentro do casaco e jogou para ele com um pouco mais de força do que gostaria. Havia um isqueiro dentro, um antigo de prata com o desenho de um kraken destruindo um barco.

-Merci. - Christophe disse quando já estava acendendo o cigarro na boca.

Houve um momento quase erótico entre Christophe e o cigarro na primeira tragada. Era um cigarro vagabundo produzido em Utopia, provavelmente a coisa mais horrenda que já fumou na vida, mas era seu primeiro desde que foi arrastado para aquela vida miserável. Não teve pressa entre uma tragada e outra para responder à pergunta de Stan, que estava impaciente. Christophe quase chegou a sorrir, fechando os olhos pelo prazer que a toxina causava em todo o seu corpo. A fumaça azul era tudo o que faltava para completar a fotografia dele, da parede, dos quadros.

-Eu sei que você não acredita, - Disse, dirigindo-se a Kyle novamente. Sua voz era grossa e rouca. Exausta. - mas depois de um tempo, eu não dizia nada porque alguma coisa em mim queria te proteger. Eu sei que tem coisas que vocês não querem ouvir. Sabe, o filho da puta do Gregory provavelmente nem imaginava que estava me mandando direto para um grupo de resistência abolicionista. Isso, ele não tinha como imaginar. Acho que ele nem sabe que existe esse tipo de coisa. Eu também não sabia. Quando eu entendi que o plano perverso de vocês era acabar com a escravidão...

O cigarro o tornava mais comunicativo. Interrompeu para mais uma tragada longa, deitando a cabeça para trás.

-No fundo, no fundo... Acho que vocês sempre souberam que o trabalho era interno. Bem debaixo do nariz de vocês.

Stan engoliu seco discretamente, a garganta tensa. Até mesmo Cartman se endireitou no sofá. Kenny continuou imóvel como uma pedra. Mal piscava.

-Eu preciso de nomes. - O Coronel disse, finalmente decidindo sentar ao lado de Kyle no sofá.

-Até onde eu sei, ele só tem um aviador contratado. Um imbecil de pele branca e cabelo preto. Eu não sei o nome do infeliz, mas ele foi visitar Gregory diversas vezes enquanto eu estava lá. Ia de uniforme. Vi duas vezes o distintivo e uma plaquinha dourada no peito dele. Estava escrito "Tucker, C."

Kyle virou-se para Kenny imediatamente, o coração bem apertado na garganta. O loiro não o encarou de volta, manteve os dois olhos fixos em Christophe durante longos três segundos. Então, veio uma gargalhada.

-Pelo amor de Deus. - Foi tudo o que disse. Apesar da risada, seus olhos estavam bem carregados de mágoa, de desgosto. Cobriu a boca com o punho e virou de lado. Quase era possível enxergar os pensamentos queimando dentro do seu crânio em uma velocidade extraordinária.

Christophe continuou fumando sem pressa, com os olhos estreitos, percebendo que tocara em uma ferida.

-Craig? - Stan perguntou. Suas costas não tocavam no encosto, ele mantinha a postura perfeitamente ereta. Como Christophe disse, não havia muita surpresa em sua voz. - Craig Tucker?

-Como caralhos eu vou saber? - O Toupeira respondeu apaticamente, soltando a fumaça e encolhendo os ombros. Engatinhou para mais perto de Kenny com o cigarro entre os lábios, exatamente como fazia quando não falava, e jogou para ele o maço emprestado. Parecia que ele estava precisando. Voltou calmamente para o seu lugar.

Kenny apertou o maço no punho com ódio, sacudindo a cabeça.

-Esse merda tá mentindo.

-Olha, eu não sei. - Cartman disse, ponderando enquanto coçava a barba. - Aquele Tucker sempre foi esquisito. Eu nunca gostei daquele viadinho.

-Kenneth. - Stan chamou em seu tom paternal.

-Não. Você nem comece. Eu já tô de saco cheio de você me mandando ter calma.

-Só seja racional sobre isso, por favor.

-Vai te foder, Stan! Você está tão obcecado com isso que acreditaria se ele dissesse que foi um de nós.

-Isso não é...

-Eu preciso de um cigarro. - Kenny interrompeu, levantando-se furiosamente, marchando para a porta.

Kyle esfregou o rosto com uma não só e também se levantou.

-Se eu fosse você, não faria isso. -Cartman disse com um sorriso de delte, como se estivesse se divertindo, quando notou que o ruivo também seguia para a varanda.

-Vai à merda, Cartman.

Kyle bateu a porta atrás de si, tentando deixar toda a sua irritação ali dentro.

Quando virou para o lado, viu Kenny no canto extremo da varanda, apoiado contra o cercado, o cigarro apagado entre os dedos. Não olhou para o ruivo quando o sentiu se aproximando pela visão periférica. Toda vez que Kenny se irritava, as maçãs de seu rosto ficavam coradas. Isso também acontecia quando eles trepavam, o sangue ia direto pra cara dele.

As semanas com o Toupeira foram bom exercício de silêncio. Kyle sentiu que dizer qualquer coisa seria pior, então apenas apoiou-se ao lado dele na cerca de madeira da varanda, olhando pra frente. Já era noite, mas ainda podiam ouvir alguns pássaros no quintal.

-Você acredita nele? - Kenny perguntou depois de algum tempo, finalmente acendendo o cigarro. Já parecia mais calmo.

Kyle umedeceu os lábios.

-Ele é seu amigo. Você é quem tem que me dizer se ele seria capaz desse tipo se coisa. - Respondeu baixinho, olhando para ele, mas Kenny continuava encarando a parede. - Se você me disser que não, eu vou acreditar em você.

Kenny tragou demoradamente, de olhos fechados, até sentir tontura.

-Todo mundo é capaz de qualquer coisa.

-Isso é verdade.

Houve silêncio novamente. Kyle se atreveu a levar a mão à nuca dele e acariciá-lo.

-Eu te amo, Kenny. - Disse baixinho, com um sorriso bastante sutil no canto dos lábios. Quase não aparecia.

O loiro encolheu um pouco o ombro, mas não o suficiente para tentar afastar-lhe a mão. Tragou com vontade e prendeu os olhos nos dele, carregados de ternura, apesar da ruga entre as sobrancelhas. Por fim cedeu, roçando a bochecha contra a palma da mão dele.

-Eu sei disso.

Passou o cigarro a ele como uma pequena oferta de paz, ou foi assim que o ruvi entendeu. Tomou o cigarro entre os dedos e fumou sem pressa, deixando a mão cair pela lateral do corpo. Sentou-se sobre a cerca da varanda, que tinha uma superfície grossa na extremidade. Começou a brincar com os fios rebeldes do cabelo loiro.

-Te chateou? - Perguntou baixinho, sem dizer explicitamente a que se referia. Mas não era necessário.

-Você faz o que você quiser. É esse o acordo, não é? - Kenny respondeu, cruzando os braços em frente ao peito.

-É, assim como você. Mas isso foi diferente.

-Como?

Kyle deu uma última tragada e afastou a mão do cabelo dele, esfregando as palmas para tentar se aquecer. Saíram sem casaco.

-E não é óbvio? Não foi... Aconteceu só uma vez. E não foi um exercício da minha liberdade nem nada do tipo.

-O que isso quer dizer?

Kyle fez uma pausa longa para entender ao certo o que estava tentando dizer.

-Que não foi pensado. Só aconteceu. Ele nem está em condições de... De ser uma ameaça pra ninguém. Foi algo muito...

-Eu honestamente não quero saber.

Kyle não podia culpá-lo por isso. Desde que podia se lembrar de Kenny McCormick, queria passar sua vida com ele. Da maneira que fosse. Mesmo que tivessem passado a vida inteira como amigos - o que teria sido inviável, considerando o tesão que tiveram um no outro desde a adolescência - Kyle teria ficado satisfeito, porque amavam profundamente a companhia um do outro. Kenny sempre disse que o seguiu até as forças aéreas, que estaria virando panquecas em alguma lanchonete de quinta se não fosse por ele. Amavam-se de forma tão pura que precisavam preservar um acordo flutuante, sem rótulos. Tentaram ser exclusivamente um do outro quando eram mais jovens, mas a pressão dos relacionamentos comuns fez mal aos dois. Não era tanto um passe livre para ficar com outras pessoas, era muito mais forte pelo estilo de vida que escolheram. Viviam para o que faziam, para voar e para ruir com o império de Utopia. Não havia espaço para muito mais em suas vidas.

Mas Kyle sabia como Kenny tinha essa capacidade de abraçar o mundo, de amar um pouquinho cada pessoa. Ele também era muito tátil, muito sexual. Kyle não iria querê-lo de nenhuma outra forma. Não queria ser a pessoa a podá-lo e estava feliz assim. Eram um do outro quando queriam, porque queriam, nunca por necessidade.

Kyle segurou o rosto de Kenny, forçando-o assim a tirar o cigarro da boca e virar-se de frente. Fitou seus olhos por um longo tempo, até que a expressão de Kenny começou a amaciar.

-Eu não sei ao certo o que vai acontecer com Utopia daqui pra frente. - Kyle sussurrou, encostando sua testa na dele. - Mas onde você for, eu vou também.

Kenny levantou o rosto alguns centímetros, apenas o suficiente para beijá-lo. A mão que segurava o cigarro estava cuidadosamente apoiada na coxa de Kyle. Com a mão livre, apalpava com mais vontade.

Não era um beijo de língua afobado. Era calmo, lento, os lábios se encaixando carinhosamente, experimentando como se fosse uma coisa nova. Isso era muito característico no beijo dos dois, como se nunca fosse algo ao qual eles estavam acostumados. Kyle o segurava pelo pescoço com as duas mãos, passando os dedos por dentro dos cabelos dele, acariciando embaixo das orelhas. Roçou o nariz pelo de Kenny, mantendo os olhos fechados, sentindo o calor familiar do seu rosto, seu hálito misturado ao cheiro de cigarro, o cheiro do seu cabelo e da sua pele. Kenny beijou sua bochecha e seus olhos. Afastou-se um pouco para bater as cinzas do cigarro.

A luz da varanda era fraca; era uma luminária de vidro verde, vermelho, amarelo e azul, em mozaico pintado à mão. Balançava suavemente com o vento frio que soprava. Isso fazia com que a luz oscilasse no rosto de Kenny, revelando por vez ou outra as linhas preocupadas da sua face, expondo o quanto ele estava cansado. Era difícil vê-lo tão sério. Kyle pôs os polegares sobre os seus olhos azuis quando ele fechou as pálpebras, massageando de maneira delicada, segurando sua cabeça com as palmas. Quando parou, Kenny pendeu com o corpo pra frente e o abraçou, escondendo o rosto na curva entre o pescoço e o ombro do ruivo.

Utopia já dormia calmamente a uma hora daquelas, uma civilização de boas pessoas que madrugavam para a labuta diária. O jardim estava cheio de vaga-lumes. Algumas corujas cinzentas faziam barulho, escondidas nos galhos das árvores. Tudo parecia tão belo, tão pacífico, no seu devido lugar. Mas aqueles dois homens abraçados na varanda podiam sentir que a sombra de uma coisa maior se aproximava da cidade dos céus. A vida como eles conheciam estava prestes a mudar para sempre.



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