Braços firmes agarraram-na antes que caísse. O mundo agora era apenas um borrão sem nexo e as vozes que ouvia, não
pareciam ter sentido algum. Naaliel observou a sombra de seu pai pairando acima dela e tão logo veio a dor no peito.
Meu coração irá explodir, era o que pensava, mas como das outras vezes, não explodiu. Ela gritou e sentiu o corpo convulso
tremendo em resposta. Quando pensou que não aguentaria mais, desmaiou.
Acordou no próprio quarto. Seus olhos arderam com a claridade que entrava da janela aberta. O cômodo era espaçoso e
agradável, contendo grandes móveis de mogno e uma cama com penas de ganso. A tapeçaria ricamente bordada mostrava cenas de
seus heróis prediletos. Naaliel ergueu as mãos frente ao rosto e descobriu-as pálidas. Sentia-se fraca, impotente.
Levantou-se devagar e caminhou até a bacia d'água que encontrava-se em cima da penteadeira. Seu rosto exibia uma
fragilidade doentia, ainda que bonito. Lavou a face e refrescou o hálito com limão antes de sair do quarto. Em pé ao lado
de fora, havia um guarda alto e barbado, ainda novo, embora suas cicatrizes de batalha fossem inúmeras. Seu corpo era
esguio e os olhos negros e compenetrados. O cabelo castanho e a boca fria descreviam um homem perigoso, mas de atitudes
contidas.
- Obrigada por me segurar, Darius... - Naal sabia que os braços que sentiu amparando-a eram os dele.
- Princesa - Baixou a cabeça num gesto de respeito. - Como está se sentindo?
- Esqueça isso. - Cortou-o. - O que eu disse?
- Não acho que seria prudente...
- Eu sou um membro da família real, agora me obedeça. - Naal respirou fundo. Odiava tratá-lo daquela maneira, mas as vezes
era necessário.
- Estamos por conta própria. Deus abandonou a humanidade.
- O que isso qu...
Foram interrompidos pelo som de passos aproximando-se. Três sombras surgiram no outro extremo do corredor. Os pelos da
nuca de Naaliel arrepiaram-se com sua presença opressora. Darius estreitou os olhos ao observá-los; a mão procurou o
punho da espada por instinto. Naal deu um passo para trás dele, procurando sua proteção. Quando estavam a apenas alguns
metros de distância, dois dos homens pararam e um ficou à frente. Eram trigêmeos, carecas, com olhos ilegíveis e boquinhas
cruéis. Darius esforçava-se para diferenciá-los, mas isto só se tornava possível pela cor de suas túnicas. Kan vestia
verde, Ellaios azul e Vanys um amarelo vibrante. Era ele quem estava à frente, fazendo uma mesura.
- Mestre Vanys. - cumprimentou Naal, com um aceno. Ela sentia-se claramente desconfortável, porém não conseguia esconder
isso de forma alguma.
Ellaios pediu que ela os acompanhasse com um gesto de mão. Eles eram mudos, o que só os tornava mais sombrios e
indecifráveis. A garota lançou um olhar hesitante na direção de Darius, que apenas assentiu com um olhar firme e seguiu-os
de perto, sempre quatro passos atrás da princesa. O corredor era extenso e largo. Paredes de rocha sólida sustentavam um
teto repleto de imagens pintadas a mão. Tapeçarias com bordados de ouro contavam a história da família real desde o
primeiro império. O som dos passos ecoavam como lamentos tristes e a armadura de Darius tilintava dando um ritmo
melancólico àquela procissão. Vez por vez passavam por guardas ou criados, que baixavam o rosto para não encará-los, ou
davam um aceno tímido com a cabeça em direção a Naal.
Por fim, depararam-se com uma grande porta de madeira lustrosa. Kan bateu uma vez e esperou, até que ouviu uma voz rouca
mandá-los entrar. O cômodo estava imerso numa escuridão pesada. Era amplo e frio, com poucos móveis. Dentre estes, uma
mesa de mogno, cadeiras e estantes de livros. Uma única vela iluminava o local, conferindo um ar obscuro e bizarro ao
ambiente. Atrás de pilhas de papéis, um homem esguio e de olhos inteligentes levantou-se. Ele possuía uma barba acobreada
bem aparada, nariz fino e sobrancelhas tão ruivas quanto os próprios cabelos. Era forte como um touro e ao contrário da
maioria dos reis, não usava a própria coroa. Maltos Serparys vestia uma túnica creme fina e simples.
- Pai. - Naal aproximou-se com passinhos hesitantes.
- Querida - Respondeu, acariciando suavemente os ombros da princesa. - Vamos conversar sobre a profecia. - Ellaios
entregou um papel ao rei. Este sentou-se novamente, aproximou-se da luz da vela e limpou a garganta para começar a
leitura. - Pelos infernos, Darius, venha aqui.
- Meu rei? - Questionou o cavaleiro após aproximar-se.
- Estou com uma dor de cabeça insuportável - Respondeu Maltos - Seja um bom amigo e leia isto para seu velho rei.
Darius sabia do que se tratava. Quando Serparys entregou-lhe o papel, ele respirou fundo antes de começar:
- E a voz de Deus falou: Dei-vos a chance de viver sob minha luz, mas preferires as trevas. Usaram de meu nome para cometer
barbáries e iniquidades. Tu, que é fruto do meu fruto, sangue do meu sangue, fechaste os olhos para minha palavra. Como um
pai que ensina, a hora do castigo chega a vós. Dou as costas para esse mundo imperfeito, assassínio e pecador, mas deixo
a ti meu legado, minha palavra em carne e osso.
- Isso q-quer dizer que... - Naal não terminou a frase. Seu corpo inteiro tremia.
- Sim. Isso quer dizer que temos um messias.
- E um demônio. - Concluiu Darius.
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