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História Valente - Parte II - Capítulo XII - Revisado


Escrita por: Aella

Notas do Autor


Olha só quem chegou em tempo recorde! haushsua Espero muito que gostem desse capítulo pessoal, dá pra matar as saudades do Aidan e da Scar um pouquinho <3

Capítulo 12 - Parte II - Capítulo XII - Revisado


Fanfic / Fanfiction Valente - Parte II - Capítulo XII - Revisado

 

Trevor

 

Todos já estávamos no apartamento abarrotado do Selvagem que eu nem lembrava mais o nome. Estávamos praticamente acampados aqui, pois já se fazia mais um dia que esperávamos algum sinal de vida de Scarlet ou Aidan. Assim que Riley havia me avisado, convoquei todos para vir, pois, apesar de estarmos em território de aliados, no caso os Selvagens, eu jamais confiaria a segurança de meu Alfa, desacordado, na mão de apenas um lobo para protegê-lo. Não me importava quem estivesse na sala com ele, eu jamais deixaria meu Alfa vulnerável.

 

Era estranho ver Aidan daquele jeito, sentado com as pernas cruzadas no meio da sala, em frente a Scarlet, igualmente em transe. As fumaças das ervas que continuavam a queimar deixavam um ar místico na sala e, honestamente, estavam fazendo alguns de nós tossir. Éramos muito sensíveis àqueles cheiros todos misturados. Mas, segundo o velhote que era o ancião dos Selvagens, era importante deixar as ervas queimando pois, sem elas, manter alguém de fora no mundo espiritual, no caso um lobisomem, seria muito mais difícil.

 

Aidan estava sereno, seu rosto relaxado de um jeito que eu nunca havia visto antes. Ele sendo nosso líder, era difícil ver seu rosto descontraído ou, no mínimo, menos tenso do que o normal. Isso era ainda agravado por eu ser seu Beta, seu segundo em comando. Eu acreditava que Aidan se esforçava ainda mais para manter sua compostura perto de mim e Connor, para certificar-nos de que ele era, de fato, mais dominante e que era capaz de proteger a todos.

 

Mas era pacífico vê-lo sentado daquela maneira. Eu sabia que ele não estava, de fato, sereno. Deveria estar correndo aflito pelo mundo espiritual atrás de Scarlet. Deveria estar tremendamente estressado, mas ao menos sua face parecia estar em paz. Ele merecia um descanso de vez em quando, mas as únicas vezes que o vi com uma expressão de tranquilidade tão sincera no rosto era quando ele recordava memórias de sua vida humana. Ah, e recentemente quando interagia com Bexi.

 

Falando em Bexi, George havia, a pouco, se recuperado de um ataque de pânico. Fazia pouco menos de um dia já, mas Bexi havia, simplesmente, desaparecido em pleno ar no meio de uma de suas sessões. Não é nem preciso dizer que George havia pensado no pior, achando que ela havia morrido, mas nós conseguimos o acalmar, ao menos, até chegar aqui.

 

Normalmente, no mesmo instante em que um membro da alcateia morre, todos os outros membros sentem sua morte quase que como um ferimento em si próprio. É como uma corrente elétrica que atinge a todos ao mesmo tempo. E nós não havíamos sentido nada. Não sabíamos exatamente o que aconteceu, mas, como não sentimos nenhum rompimento ou desespero coletivo, estávamos certos de que a parte loba não morreu e esperançosos de que, talvez, Bexi tivesse achado seu caminho de volta para Becca.

 

Porém, no momento eu estava focado e preocupado com Aidan, e tentava ajudar os Selvagens a trocarem de turno sempre que podia, pois eles também estavam fazendo buscas pelo mundo espiritual e alguém tinha que manter a ordem no apartamento.

 

Rebecca, como Clayton havia comunicado, tinha acordado do coma. Mesmo que fosse somente sua parte humana, já era motivo para se comemorar. Uma Rebecca humana era melhor do que uma Rebecca morta, mesmo ela provavelmente discordando veementemente disso. Eu só esperava que ela estivesse melhor psicologicamente do que Bexi havia estado.

 

Nas sessões conjuntas que eu fizera com Bexi, que não foram poucas, eu podia sentir o medo que ela exalava. Era quase um desespero que ela sentia, temendo, a qualquer momento, deixar de existir. Ela estava muito bem informada de que não havia relatos na história lupina sobre algo remotamente parecido com o que havia acontecido com ela e Rebecca. Por isso, estava muito pessimista. Eu tentava animá-la, fazendo brincadeiras e correndo pelas partes mais inabitadas à noite, mas estava difícil. Bexi estava enfrentando uma crise existencial, e eu tinha certeza de que ela entendia que Becca estava em um estado de saúde crítico, estado esse que ela não podia sequer ajudar a fortalecer. Isso agravava ainda mais seu senso de utilidade. Para Bexi, ela estava sendo apenas um estorvo, odiava ter que ficar esperando os outros terem que resolver seus próprios problemas.

 

Rebecca certamente estava se sentindo vazia por dentro, mas eu esperava que o pessoal que ficou em Columbus estava conseguindo animá-la. Ao menos até Bexi ter se juntado a ela – se é que foi isso mesmo que aconteceu, como eu supunha – e ao menos até nós voltarmos. Um lobisomem, mesmo que sem sua parte lupina, é muito perigoso quando está depressivo. Rebecca precisava de apoio. Rebecca precisava do Alfa, e eu estava dedicado a mantê-lo em segurança.

 

~x~

 

Aidan

 

Eu não sabia onde eu estava nem o que estava acontecendo. Só sabia que estava apaixonado pela beleza sobrenatural desse novo mundo. Para meu lobo, esse era o paraíso. Não havia nenhuma outra floresta, nenhuma outra selva ou montanha que jamais poderia se equiparar ao mundo espiritual. Se quando morrêssemos, de fato, fôssemos para cá, então talvez não ligaríamos tanto em morrer.

 

‘Não pense tão a fundo nessas coisas’ – advertiu meu lobo sabiamente, quando eu já estava ficando encantado demais com o cenário. – ‘Ainda temos muito o que viver, muito o que fazer, muitos a proteger.’

 

Ele tinha total razão, e eu estava perdendo tempo. Era maravilhoso o lugar, e eu certamente adoraria voltar para cá um dia, apenas para visitá-lo melhor. Contudo, como Fernando havia me avisado, o tempo aqui passava mais lentamente do que no mundo material. Eu não fazia ideia de quanto tempo eu já estava aqui, mas sabia que, quanto mais tempo perdia, mais tempo minha alcateia ficava sem um Alfa, mais tempo Scarlet ficava desacordada, mais tempo Rebecca ficava em coma.

 

‘Rebecca…’

 

Era por ela que estávamos aqui, ajudando a amiga dela que, como eu, estava se sacrificando para arrumar as besteiras que aquela teimosa causava. Aquela maldita teimosa… Maldita teimosa com a qual eu não conseguia me enraivecer! Eu não conseguia ficar bravo com ela, não por muito tempo ao menos. Havia ficado bravo com Mathias, por fazê-la querer beijá-lo. Fiquei com raiva de Roman, por ter nos drogado, fazendo Rebecca ter sede de sangue. Fiquei com raiva de mim mesmo, por ter sido sucumbido à substância, e não ter conseguido parar os acontecimentos que levaram Rebecca a enfrentar Roman e seu exército sozinha.

 

Mas com raiva dela, de Rebecca? Achava que eu jamais poderia ficar com raiva dela.

 

Levantei-me do gramado fofo e suspirei. Eu tinha de seguir em frente, por ela e por meus outros lobos, que se encontravam vulneráveis no momento. Tinha de deixar a beleza desse mundo para trás e descobrir onde Scarlet havia se metido. Eu não acreditava que ela teria se perdido por ter se distraído com outra coisa, apesar de eu ter acabado de vivenciar como era fácil ser encantado por esse mundo. Eu desconfiava de que ela tinha achado algo importante, algo que remetesse à Rebecca.

 

Decidi que não podia perder muito mais tempo, empurrando todas as minhas vontades de explorar esse mundo maravilhoso para o lado e buscando força em meu lobo, que me tocava em frente. Ele estava mais focado, estava mais desesperado para sair daqui e voltar a ajudar Rebecca.

 

Quando, após uma corrida considerável, cheguei a um lago, reprimi a vontade de parar e apreciar a vista. Minha vontade era de tirar minhas roupas e banhar-me naquela água cristalina, a água gélida causaria em mim arrepios bem-vindos e relaxantes. Havia dezenas de pessoas ao redor do lago, mas eu não ligava que elas me vissem, só queria dar um pulo.

 

‘Aidan, concentre-se’ – chamou-me a atenção. – ‘Deveríamos estar farejando. Vai ser difícil conseguir pegar um rastro com tanta gente, mas precisamos tentar. Certamente Scarlet deve ter passado por aqui.’

 

Lembrei-me então sobre o que o Sr. Gutierrez havia avisado sobre a vida nesse mundo. Simplesmente não havia. Todos meus espectadores eram pessoas mortas, espíritos. Eu não tinha tempo para perder com eles.

 

Ao menos foi isso que pensei até uma realização me atingir como um raio. Essas pessoas estavam mortas. Eu estava no mundo dos mortos. Talvez outra pessoa também estivesse...

 

‘Já não é mais uma pessoa.’

 

– Isso pode até ser verdade – respondi meu lobo, um tanto contrariado. – mas e se acharmos ela aqui?

 

E se Fiona estivesse dentre essas pessoas no lago? Ou mais a fundo na floresta, em um lugar distante, mas, pela primeira vez, ao meu alcance?

 

Fui tomado por um grande sentimento de saudade que me envolveu como uma névoa. Fazia algum tempo que não pensávamos nela, que não sentíamos mais a dor insistente de sua perda – nos primeiros anos, presente em cada passo meu. Seria mentira se eu dissesse que não pensava mais nela, que ela não fazia mais falta ou que eu não me arrependia do que havia acontecido com ela. Havia ficado tantas palavras não ditas entre nós, e agora eu talvez pudesse encontrá-la aqui! Bastava eu achá-la!

 

‘Foco, Aidan!’ – sua voz reverberou dentro de mim, com o efeito de um tapa. Eu havia irritado meu lobo. – ‘Não podemos seguir atrás de fantasmas do passado. Sinto pelo que passou, mas temos um dever e não iremos desviar dele. Temos um dever perante todos. Principalmente perante ela.’

 

As palavras banhadas de razão de meu lobo me ajudaram a dissipar a névoa da saudade e focar no presente – e quem sabe no futuro. Apesar de meu coração latejar ao pensar em me reconciliar com Fiona, ao pelo menos me despedir, nada era mais importante do que cumprir minha função como Alfa e voltar para os meus lobos.

 

Como de costume, meu lado lupino tinha razão. Transformei-me na hora, não ligando para o olhar espantado das pessoas

 

Agora em minha forma de lobo, minha pelagem marrom avermelhada chamou ainda mais atenção dos mortos, mas agora eu já estava focado demais tentando pegar um rastro. Tantos cheiros estavam quase me deixando tonto e, certamente, se eu estivesse na mesma situação no mundo material, não ia conseguir farejar nada. Para minha sorte, porém, o cheiro dos mortos era consideravelmente mais suave do que o cheiro de pessoas vivas, o que não irritava tanto meu olfato como era de se esperar. Eu lembrava muito bem como tinha sido sofrido procurar Rebecca em Las Vegas – ainda bem que aqui nesse mundo não era tão ruim assim.

 

Completei uma meia circunferência em torno do lago, até chegar em um paredão de pedras belíssimas, mas não achei nenhum cheiro especificamente familiar ou incomum. Bufando de frustração, decidi fazer o caminho oposto, até chegar do outro lado do lago. Infelizmente, por causa das belíssimas pedras, era impossível completar a volta inteira no lago a pé, tendo então que refazer todo meu caminho e ainda andar mais um pouco para chegar ao lado onde eu ainda não havia explorado.

 

As pessoas, aos poucos, iam se acostumando com a ideia de um lobisomem estar entre elas. Imaginei que, após anos no mundo espiritual, essas pessoas já deviam ter visto outros seres sobrenaturais passar por aqui, seres que nem imaginavam existir enquanto ainda estavam vivos. Talvez já tivessem visto bruxas, vampiros, demônios e até outros lobisomens. Sem contar os inúmeros Selvagens.

 

Quando eu estava quase perdendo meu último fio de paciência, peguei um cheiro familiar. Um cheiro de raposa. Meus instintos de predador foram ativados por um segundo, mas eu e meu lobo logo notamos a pitada do cheiro da Scarlet humana que acompanhava o cheiro de raposa, reprimindo nossa vontade de caçar. Uivando em alegria, peguei seu rastro e o segui, correndo para longe do lago e para dentro de uma densa floresta.

 

Eu sentia, à medida que seguia o rastro de Scarlet, que ela tinha estado em forma humana. Talvez não tinha visto necessidade de se transformar. Isso me deixou confuso, como conseguiu se guiar por esse mundo sem seu olfato apurado? Seria algum dom dos Selvagens? Além disso, percebi que ela não estava sozinha. O cheiro não era forte o suficiente para eu identificá-lo, mas eu conseguia distinguir que Scarlet não havia percorrido este caminho sozinha. Alguém então a teria guiado? Quem, nesse mundo, poderia tê-la ajudado? Nenhum dos outros Selvagens da Cidade do México que vieram atrás dela conseguiram a ajudar. De qualquer maneira, sabendo que ela não havia percorrido o caminho aleatoriamente ou sozinha, eu tinha mais tranquilidade e certeza em achar que, de fato, ela estava presa aqui porque estava ajudando Rebecca – e não por ter perdido o foco, como até eu mesmo quase havia perdido.

 

A floresta parecia interminável, mesmo eu correndo em minha mais alta velocidade. A paisagem parecia a mesma até mais ou menos metade do caminho, quando o céu começou a escurecer e percebi que as folhas ficavam mais acinzentadas, como se essa parte da floresta, em um belo contraste com sua outra metade, estava morrendo rapidamente. A terra fofa que antes forrava minhas patas ficava, aos poucos, mais seca, até ser completamente substituída por uma areia arroxeada e velha. Não pude deixar de pensar em como a aparência dessa areia me parecia os restos de ossos moídos.

 

Senti uma leve brisa no ar e, logo, saí da floresta morta. A brisa, após ter saído da cobertura das árvores, mesmo que com poucas folhas, tornara-se uma forte ventania e olhei, maravilhado, para o cenário em minha frente.

 

Era um deserto, praticamente. Havia esparsos arbustos esqueléticos aqui e ali, e alguns amontoados de pedras, mas, fora isso, só havia areia e vento. O sol, entretanto, quase não brilhava, sendo substituído por uma espectral luz roxa, deixando todo o local com um aspecto mais sombrio. Era lindamente assustador.

 

Farejei a areia, por mais que isso me fizesse ter uma vontade de espirrar, e confirmei que Scarlet havia definitivamente passado por aqui. Avancei pelo deserto, tendo apenas o cheiro de Scarlet para me guiar, tanto para achá-la, tanto para conseguir sair daquele ermo lugar. Ia afastando-me cada vez mais da floresta, mas parei por um momento ao lado de uma pedra. Scarlet havia sentado aqui e alguém havia se machucado. Entretanto, como antes, não pude identificar quem era esse alguém. Peguei também, perto dessa mesma pedra, um cheiro horrendo. Parecia cheiro de carne podre, de putrefação, mas também de pele queimada. Bufei e espirrei para tentar afastar o cheiro, mas eu sabia que, se esse cheiro estava tão próximo de Scarlet, era porque era, de alguma forma, importante para achá-la.

 

Segui adiante o rastro da Selvagem e, como suspeitei, ela seguiu o cheiro horroroso de putrefação. Eu não sabia o que esperar desse mundo, mas suspeitava que os humanos mortos não seriam os únicos a serem surpreendidos. Suspeitava que havia coisas aqui que nem mesmo eu já teria visto em vida, e suspeitava que a coisa que exalava tal odor poderia ser uma delas. Continuei em frente tentando não pensar muito nisso e reprimindo os arrepios de náuseas que o cheiro me causava.

 

Andei por muito, muito tempo pelo deserto desolado, mas, quando vi uma bolinha de pelos vermelha ao longe, destacando-se muito bem contra a areia roxa, senti que tudo havia valido a pena. Ali, atrás de uma alta duna de areia, jazia Scarlet. O único problema era que Scarlet estava presa, capturada em uma jaula de ossos, feita de alguma caixa torácica de algum mamífero já há muito tempo morto.

 

Corri até ela, talvez perdendo qualquer juízo, mas querendo logo tirá-la de lá e voltar ao mundo material. Perto de onde sua jaula estava, havia carcaças de animais apodrecendo, o que me deixava apreensivo a respeito do que exatamente eu iria enfrentar. Uivei para chamar sua atenção, para certificá-la que agora estava tudo bem, mesmo meus instintos me dizendo que isso era uma péssima ideia. Ao achar-me, Scarlet começou a pular contra a jaula, não como alguém que quisesse quebrá-la, mas como alguém que queria me fazer sair dali. Fazer-me fugir. Seus latidos de raposa soavam desesperados, mas eu os dispensei.

 

Certamente não deveria.

 

Da própria areia em que eu pisava uma forma começou a emergir. Senti aquele cheiro de putrefação e pele queimada me subir pelas narinas e algo me puxando para cima. Minhas patas não tocavam mais o chão, e senti uma mão puxando-me pelo cangote. Meus olhos não enxergavam nada, apenas linhas no ar que mais pareciam fumaça. Ao longe, Scarlet gania.

 

– Quem é você, intruso? – uma voz rouca e feminina dirigiu-se a mim.

 

Obviamente, sem poder falar, apenas me debati, mordendo o ar em vão, tentando me defender de um inimigo desconhecido. A voz vinha da fumaça, mas logo a fumaça começou a tomar forma. Uma mulher– Não, uma defunta, em um vestido verde escuro se materializou. Seu vestido, assim como seu corpo, estava em pedaços, com rasgos e queimaduras. Sua pele era cinza, sem nenhum sinal de vida ou sangue que poderia circular por suas veias. Seus olhos eram opacos e sem vida, e suas bochechas fundas, parecendo que não havia muita carne junto de seu corpo. Eu não sabia o que era aquela coisa, mas certamente não estava viva. Flutuava, segurando-me, a vários metros do chão, a ventania ainda mais forte lá no alto esvoaçando seus cabelos ralos e vestido em trapos.

 

– Você não pertence a esse mundo – afirmou. – Sinto que sangue ainda percorre suas veias. É quente, possui essência vital. – Chegou mais perto de mim, como que para cheirar-me e rosnei para ela, tentando afastá-la. – Cheira bem – disse com uma risada. – Melhor do que a outra loba que apareceu aqui mais cedo.

 

Arregalei meus olhos. Eu não era o primeiro lobo? Sem dúvidas não estava falando sobre Scarlet, então… estaria se referindo à Rebecca?

 

Eu queria me transformar, queria encher esse fantasma, ou seja lá o que fosse, de perguntas. Mas não iria conseguir me transformar em pleno ar, com ela me segurando pelo cangote. Comecei a me debater ainda mais, ameaçando morder-lhe o braço magérrimo.

 

– Ora, se comporte – reclamou. – Ou está querendo bater suas asinhas e voar? – debochou, mas em seguida suspirou. – Tudo bem, coloco-te no chão. Não é como se você fosse conseguir fugir mesmo, a menos que eu o deixe fugir.

 

Engoli em seco ao ouvir suas palavras. Esperava fortemente que ela apenas fosse muito autoconfiante. Desceu-nos até o chão e me soltou, deixando-me livre para me transformar e falar com ela.

 

– Ah, não – lamentou, ao ver-me me transformar. – Você era tão bonito como lobinho. – Esperou eu terminar por completo minha transformação para acrescentar. – Devo admitir que continua sendo bonito assim, ignorando as partes em que seus ossos e músculos ficaram a mostra, é claro. Mas posso relevar.

 

Fechei os olhos e contei até dez antes de começar a falar com ela. Eu esperava muito que ela não fosse me dar muito trabalho, mas não estava com tanto confiança disso. Observei Scarlet antes de começar, que, desesperada, ainda estava esmagada no canto de sua jaula que permitia ela me manter em sua vista.

 

– Quem é você? – comecei, e a coisa deu uma risada satisfeita, como alguém que finalmente tinha recebido a atenção que queria. Observou-me dos pés à cabeça e, mesmo eu já estando mais do que habituado em aparecer nu após minha transformação, seu olhar conseguiu deixar-me desconfortável.

 

– Para você, querido, posso ser quem você quiser. – Abriu um sorriso que era para ser sedutor, mas que me causou uma forte onda de arrepios. Faltavam-lhe dentes na boca e vários vermes podiam ser vistos rastejando por sua mandíbula levemente deslocada.

 

– O que é você? – mudei de pergunta, tentando conseguir mais sucesso.

 

– Sou um dos espíritos mais importantes daqui, sem querer me gabar nem nada – respondeu, com falsa modéstia. – Sou Yenila, um dos vários espíritos que fazem os mortos pagar pelo que fizeram de errado em vida. Entretanto, sou uma das que exerce meu trabalho com maior excelência – acrescentou, como se isso fosse me deixar impressionado de alguma forma. – E certamente a mais bela. – Avançou um pouco em minha direção, fazendo-me dar um passo para trás.

 

O espírito, ao ver que eu havia fugido de seu avanço, franziu o cenho, como se não entendesse como eu pudesse negá-la. Antes que ela tivesse tempo de falar qualquer coisa, disparei:

 

– Você falou sobre outra loba. Quem era? Onde está?

 

– Foi-se. – Deu de ombros. – Fui forçada a deixá-la ir, mesmo eu a tendo achado por conta própria. – Virou-se na direção de Scarlet, estreitando seus olhos. – Ela já foi embora desse mundo há algum tempo graças àquela Selvagem – contou – Sempre quis ter um Selvagem, vê-los se transformando nos mais diversos animais, por isso concordei em trocar a alma da loba, pela dessa raposa – cuspiu as últimas palavras, como se tivesse se arrependido do trato que fizera. – O que eu não sabia era que essa droga dessa Selvagem é incrivelmente estúpida. Não sabe nem trocar sua forma animal. Só sabe virar essa bola de pelos vermelha que fica latindo o dia inteiro.

 

Olhei com tristeza, simpatia e admiração para Scarlet, que gania baixinho na jaula, indubitavelmente ouvindo tudo o que Yenila me contava. Scarlet, então, estava presa não por vontade própria, mas por ter achado o espírito de Rebecca aqui e ter trocado sua própria liberdade para salvar a amiga. Eu nunca poderia agradecê-la o suficiente por isso, por ter se sacrificado tanto por uma de minhas lobas. Mas isso significaria que Rebecca estaria bem? Significaria que ela estaria acordada? Estava com sua loba novamente? Eu precisava sair desse mundo com Scarlet com urgência.

 

– Eu preciso dela – falei, apontando para Scarlet. – Preciso que a solte, pois preciso dela para sair daqui.

 

Yenila virou-se então para mim, surpresa. Virou seu rosto levemente para a esquerda e gargalhou.

 

– E o que te faz pensar que eu simplesmente te daria minha Selvagem? Selvagem inútil que me custou muito caro, mas mesmo assim minha. – Arqueou o que deveria ser uma sobrancelha. – E quem é que disse que eu não deveria, simplesmente, capturar você para substituir a outra loba que perdi, além de ficar com a raposa?

 

Cerrei meus punhos, começando a perder a paciência. Ela queria me prender aqui, era isso? Como se eu fosse um troféu, um brinquedo? Como se eu não tivesse mais nada de importante para fazer, mais ninguém para cuidar? Senti meus caninos se alongando e meus lábios sendo puxados para trás, soltando um rosnado involuntário.

 

– Calma, garanhão – sorriu, avançando novamente para perto de mim. – Não precisa ficar arisco, por mais que eu goste. Não sei como te prefiro, se calmo, ou se irritado – ponderou. – Acho que preciso de mais demonstrações, principalmente físicas.

 

Tentou encostar suas mãos acinzentadas em mim, mas recuei bem no último segundo, dando um pulo para trás para me afastar mais ainda dela.

 

– Sabe, como espírito, eu tenho um bocado de habilidades que eu poderia usar. Habilidades que uso para atormentar as almas, verdade, mas posso usá-las para fazer de você um lobinho mais amistoso – arrastou sua voz na última palavra, dando-me mais náuseas do que seu cheiro já me causava. – Posso entrar em sua mente e descobrir o que você almeja, querido.

 

Ao ouvir suas palavras, congelei. Ao ver minha reação, Yenila riu e, por um breve momento, transformou-se de volta em uma cortina de fumaça. Entretanto, em seu lugar, vi um corpo já muitíssimo familiar se materializar. Curvas conhecidas acompanhadas de longos cabelos negros me aguardavam no lugar onde Yenila estava há poucos instantes. Olhos azuis, há tanto tempo perdidos, olhavam-me de volta.

 

– F-Fiona? Não é possível – sussurrei para ela, sem acreditar que eu poderia, realmente, estar vendo-a em minha frente outra vez.

 

– Olá, Aidan. – Era sua voz, a melodiosa voz que eu estava acostumado a ouvir desde pequeno. – Venha, me abrace. Estive com tantas saudades de você…

 

Dei um passo à frente, relutante. Não era ela, não poderia ser o espírito de Fiona de verdade. Apesar de querer encontrar Fiona novamente aqui nessa dimensão, não queria acreditar que ela teria passado todos esses anos sob o domínio de Yenila, sendo torturada por essa coisa. Mas, mesmo assim, minhas memórias com ela me faziam ansiar por seu abraço. Dei mais um passo à frente, mas consegui me conter antes de dar o último passo que nos separava.

 

‘Não é ela’ – meu lobo enxergava com mais clareza do que eu e tentava me acalmar. – ‘Isso é apenas um teatro para tentar nos enganar.’

 

Voltei a recuar, dando ouvidos às palavras sábias de minha outra metade. Os ganidos de Scarlet, que eu havia acabado de perceber que momentaneamente havia parado de ouvir, ajudaram a quebrar-me do transe. Olhei para Fiona – para Yenila, e vi que ela carregava uma carranca.

 

– Tudo bem, percebo que essa forma não é a única que lhe atrai – proferiu com a voz que eu já amei, ainda sem desistir, e vi o corpo de Fiona se desfazendo e reaparecendo como outro corpo, também familiar.

 

Os cachos ondulados e castanhos eram tão vívidos, os olhos cor de mel tão convidativos. Seu sorriso, caloroso, mas não sem aquela pitada de ousadia que sempre carregava consigo. Senti-me em casa.

 

Rebecca – sussurramos juntos, meu lobo tão enclausurado pela sua aparição quanto eu.

 

– Sou eu, Aidan. Eu estou bem – sua voz estava mais doce do que o normal, talvez como eu secretamente desejava que ela fosse quando direcionada a mim, como já a vi ser quando direcionada a outros como Corrie e Scarlet.

 

Não me contive, dei os passos que me afastavam dela, apenas hesitando por um momento quando estava prestes a encostar minha mão nela.

 

– Parece que faz tanto tempo que não o vejo. Estive tão sozinha na escuridão. Estive com tanto medo. – Suas mãos se fecharam umas nas outras e ela abaixou sua cabeça, amedrontada. Sentia que ela estava prestes a chorar, e fui movido a agir.

 

Eu não ouvia mais nenhum som que não fosse sua voz, não sentia mais cheiro algum que não fosse o dela, tão doce, tão… reconfortante. Peguei em seus cotovelos, puxando-a para dentro de meu corpo, e a abracei. Abracei-a forte, de forma protetora. Encostei meu nariz em seus cabelos, cheirando o açucarado cheiro de seu xampu e seu próprio cheiro específico.

 

‘Chuva e camélias’

 

– Chuva e camélias – repeti em um sussurro quase inaudível enquanto apreciava seu calor.

 

– Estou tão feliz que você está aqui, Aidan – Rebecca disse, apertando-se mais contra mim, causando-me uma sensação imensamente prazerosa.

 

– Não se preocupe, Rebecca. Está tudo bem – tranquilizei-a. – A escuridão já passou, estou aqui agora.

 

Passei uma de minhas mãos por sua cintura, prendendo-a contra mim, e a outra por detrás de sua nuca, fixando-a em meu abraço. Isso era tão… certo. A sensação de segurá-la daquela forma era tão correta, como se sempre tivéssemos sido feitos para nos segurarmos dessa maneira.

 

Era tudo tão delicioso, seu toque, seu cheiro, seu carinho, sua necessidade por mim. Eu poderia ficar naquela posição com Rebecca por séculos sem reclamar.

 

– Aidan, eu preciso de você. – Ouvi-a sussurrar em meu ouvido, ficando na ponta de seus pés para conseguir fazê-lo. – Eu simplesmente preciso de você, mais do que a vida, mais do que o ar…

 

Afastou-se de mim apenas por tempo suficiente para me encarar nos olhos, seus próprios olhos castanhos brilhando. Aproximou-se lentamente, mas eu já sabia o que viria em seguida. Já havia a beijado antes, mas minha fome por ela ainda estava tão presente. Não esperei que ela viesse até mim, mas ao invés disso preenchi o espaço entre nossos rostos com uma rapidez voraz.

 

Acariciei seus cabelos e sua cintura enquanto deliciava-me em quem Rebecca era, e ela prontamente também me fisgou pela nuca, seu corpo aparentemente ardendo em desejo. Gemia demasiadamente contra mim, o que começou a me soar estranho. Os gemidos não eram os de Rebecca, que eu muito bem lembrava de Las Vegas.

 

‘Sinto em dizer,’ – começou meu lobo, sua voz em minha mente parecia estremecer. – ‘Mas algo está errado.’

 

Consegui ignorar a maravilhosa sensação que eu ainda sentia para abrir uma fresta de meus olhos. Assustei-me ao ponto de cambalear para trás, pois, ao invés de Rebecca, os lábios que estavam em mim eram os de Yenila. Tentei me desvencilhar dela, mas ela parecia mais uma sanguessuga. Era forte o suficiente para me fazer ficar no lugar e percebi, um tanto tarde, que seu beijo era, na verdade, uma desculpa para ela sugar minha essência. Eu estava sendo enfraquecido por ela, por seus truques, para ela poder aprisionar-me como fizera com Scarlet.

 

Forcei-me a me transformar parcialmente, criando garras e fincando-as nos braços do espírito. De nada adiantou, era como se minha mão atravessasse uma nuvem escura. Ela riu, ainda usurpando da voz de Rebecca e... entrou dentro de mim.

 

Minha visão escureceu completamente e senti ao mesmo tempo como se estivesse vazio por dentro, mas também sendo invadido. Meu lobo ficou imediatamente em alerta, como se procurasse, em nossa mente, um invasor. Caí de joelhos, e comecei a sentir falta de ar. Minhas mãos foram automaticamente para meu coração, pois parecia que ele estava desenfreado e prestes a explodir de meu peito a qualquer momento.

 

Senti um calafrio percorrer meu corpo, ao mesmo tempo em que meu espírito lupino começou a rosnar. O latejar em minha cabeça ficava pior a cada segundo. Alguma coisa estava errada, muito errada. Meu lobo não falava comigo, ocupado demais em se defender de outra coisa.

 

– Facilite as coisas, lobinho – Aquela voz tenebrosa ecoou pelo vazio da minha mente, agora apenas um vácuo sem fim. – Isso pode ser fácil, ou muito doloroso.

 

Quase caí para trás, tamanhas eram as pancadas de dor presentes em minha cabeça. Era como se meu lobo estivesse batalhando contra ela em meu interior. Ouvi os latidos de Scarlet ao longe, frenéticos. De repente, senti meus músculos travarem, fazendo minhas costas se arquearem e eu cair no chão logo em seguida.

 

Meu lobo rosnava, grunhia e lutava dentro de mim. Cenas carregadas de mágoa e pesar passaram pelos meus olhos. Os momentos em que senti maior dor e maior vulnerabilidade em minha vida. Quando saí pela porta da casa de meus pais, sabendo muito bem que nunca mais passaria por ela novamente; a última vez que vi o sorriso de Fiona; quando presenciei Howard Holland abrindo as costas de Rebecca com um bisturi.

 

Senti minhas costas pularem do chão, repetidas vezes. Era como se eu estivesse sendo eletrocutado. A dor era imensa, o que fazia até mesmo as memórias que vieram à tona começarem a sair de foco, os latidos de Scarlet se dissiparem. Eu não conseguia captar mais nenhuma informação, exterior ou interior.

 

Exatamente como as memórias que Yenila me mostrava, repetidas em um loop infinito, eu me sentia cada vez mais fraco. Apesar de toda a bravura de meu espírito lupino, nós ainda não conseguíamos vencer. Meus músculos gradativamente pararam de convulsionar, apenas para se tornarem pesados feito pedras. Eu não conseguia me mexer, eu não conseguia sentir nenhuma parte de meu corpo.

 

– Isso, relaxe e venha comigo.

 

Eu estava acabado. Meu lobo estava no limite. Meu coração, antes tão acelerado, tomava um ritmo quase moribundo.

 

‘Eu não- Não consigo’ – Com a calmaria, consegui ouvir a voz de meu lobo, mas seu tom de voz era um pedido de perdão.

 

Nós... estávamos... morrendo.

 

Minha visão ainda era inútil, mas não tínhamos mais forças nem mesmo para virarmos na direção dos latidos de Scarlet uma última vez. Havíamos dado nosso melhor, havíamos sido um bom Alfa para todos os lobos que já estiveram sob nosso comando, havíamos sido um bom irmão de alcateia no começo de nossa vida conjunta. Não podíamos dizer que havíamos desperdiçado nosso tempo – nossas vidas. Virar lobisomem tinha sido um acidente em meu destino, mas fiz disso o melhor que pude.

 

Eu não tinha arrependimentos.

 

Minha respiração foi ficando cada vez mais fraca, saindo de meus pulmões em intervalos cada vez maiores. Como se fosse uma misericórdia vinda de cima, para apaziguar meus últimos instantes de sofrimento, cenas saudosas invadiram minha consciência como um anestésico – uma última bondade de meu subconsciente para tornar esse fim mais tolerável. O retorno ao quartel, após o primeiro incêndio combatido de minha breve carreira como bombeiro; a primeira caçada como lobo, experimentando a natureza com meus sentidos aguçados pela primeira vez; meu primeiro almoço como Alfa, meus lobos ao redor como a família que perdi. Cabelos castanhos, ondulados, iluminados pelo sol, de costas para mim, virando-se repentinamente como seu eu tivesse chamado seu nome.

 

‘Rebecca.’

 

Olhos cor de mel. Pele alva, levemente queimada pelo sol. Lábios levantados no sorriso mais encantador.

 

‘Rebecca!’ – Meu lobo juntou suas forças para gritar, tirando-nos de nosso estado de letargia.

 

Meu corpo se arrepiou dos pés à cabeça, meu coração novamente retomando um ritmo acelerado. Um vigor proveniente de nosso desespero em reencontrar uma única pessoa.

 

– O que está acontecendo? Você havia se entregado a mim! – A voz de Yenila estava carregada de fúria e o fato de eu ter retomado consciência o suficiente para ouvi-la me fez encher de esperança.

 

‘Nós não pertencemos a você!’

 

Saia! – conseguimos berrar em uníssono. – Volte para seu lugar!

 

Rugi, tanto eu quanto meu lobo, à medida que o sol forte que emoldurava o rosto de Rebecca clareava tudo ao meu redor e reestabelecia minha visão.

 

O corpo de Yenila foi se materializando à minha frente novamente, caída ao chão e ofegante. A dor pulsante em minha cabeça foi se esvaindo e meus sentidos voltaram a mim. Apesar do tremendo cansaço que ainda havia, eu sabia que seria agora ou nunca meu momento de conseguir sair dali; minha única chance de atordoar Yenila por tempo suficiente e salvar Scarlet.

 

Ainda preso em me estado de semi-transformação, golpeei o maldito espírito com minhas garras, perfurando-lhe o abdômen. Yenila havia se exaurido em sua tentativa de possessão, e sua forma espectral agora era vulnerável. Eu estava conseguindo danificar fisicamente seu corpo. Não tinha como saber se Yenila sentia dor, mas, de acordo com o grito que ela dera logo após eu a perfurar, fiquei mais tranquilo em saber que provavelmente sentia sim.

 

Pulei alguns metros para trás, conseguindo uma boa distância dela para terminar o resto de minha transformação antes de ela ter tempo de investir contra mim. Não sabia quanto de minha essência ela já havia conseguido capturar com a possessão, ou se já era o suficiente para ela me aprisionar, mas eu não iria desistir sem uma boa batalha.

 

Ouvi um som que me chamou a atenção, vindo da direção de Scarlet. Lá estava a raposinha, aflita, tentando desesperadamente roer os ossos que a prendiam. Já estavam bastante roídos, mas eu não sabia se ela teria força o suficiente para conseguir fugir dali de dentro.

 

Transformei-me sem mais delongas, pulando para o lado justo no momento em que Yenila jogava-se sobre mim.

 

– Oh, seu desgraçado... – sibilou com sua voz rouca. – Você podia ter escolhido o caminho fácil, mas escolheu o pior.

 

Rosnei em resposta, circulando-a. Eu não sabia como lutar contra um espectro, mas teria de me virar de alguma forma. Estava ficando desesperado e envergonhado. Como pude cair em um truque daqueles? Quanto tempo a mais já não teria perdido? Quanto tempo já não se passara no mundo material? E se eu não tivesse acordado do transe, ou conseguindo expulsá-la de dentro de mim, ficaria para sempre preso aqui por causa de minha idiotice? Respirei fundo e tentei usar essa raiva como combustível contra o maldito espírito.

 

Yenila, flutuando, jogou-se contra mim, tendo pegado impulso em uma rocha atrás de si. Não tive tempo o suficiente para desviar-me dela, apenas consegui amortecer minha queda contra a areia como pude.

 

– Eu estava me divertindo um monte – falou, aparentemente enraivecida. – É uma pena que você seja tão teimoso! – gritou esse último insulto e voltou a se chocar contra mim, tentando pegar-me novamente pela pelagem para, certamente, aprisionar-me aqui de alguma outra maneira.

 

Rolei para o lado, desviando por muito pouco dela, mas não conseguindo desviar do golpe que se seguiu em minha cabeça. Fiquei atordoado por alguns momentos, minha visão um tanto turva. Tentei me levantar, mas não consegui, o que deixou uma brecha para ela finalmente conseguir me pegar pelo cangote novamente e me prensar contra uma das esparsas rochas.

 

– Tudo poderia ser mais fácil, Aidan – falou, forçando novamente a voz de Rebecca a sair por seus lábios no lugar de sua verdadeira. – Não precisava ser assim.

 

Tentei arranhá-la para me soltar, mas ela me segurava a uma boa distância de seu corpo.

 

– Falei para você que poderia ser quem você quisesse – o fato de ela continuar a usar a voz de Rebecca estava me deixando ainda mais enfurecido, com uma sede de sangue imensa. – Mas você relutou, e me fez tomar medidas mais drásticas – Aproximou-se cautelosamente de meu ouvido para sussurrar. – Peço desculpas pelo incômodo de ser possuído querido, mas eu apenas preciso que você seja meu.

 

Aproveitei sua proximidade para morder seu pescoço, arrancando dela um grito agudo e ensurdecedor. Ela soltou sua pegada de mim, fazendo-me cair de volta ao chão, mas dessa vez não perdi tempo me recompondo. Dei a volta para poder pular sobre suas costas, fincando minhas garras nela como alguém em um touro mecânico. Mordi novamente seu pescoço, dessa vez do outro lado, fazendo-a se debater e me fazendo ter mais dificuldade em permanecer em cima dela.

 

Vi, de canto de olho, um feixe vermelho extremamente rápido que, só após encontrar seus olhos verdes me encarando de volta, percebi ser Scarlet. Havia conseguido sair de sua jaula e, quase que na velocidade da luz, correu para me ajudar. Parecia querer vingança mais até do que eu, e, com um entendimento mútuo de apenas olhares, puxei com meus dentes o rosto de Yenila para cima, para que a Selvagem pudesse encará-la.

 

Os olhos esmeralda de Scarlet fitavam os olhos opacos de Yenila com ódio puro, mas em seus lábios de raposa repousava um sorriso triunfante.

 

– Você conseguiu… escapar. – O espírito sofria para falar, já sentindo as fraquezas que vinham com nossa luta.

 

A Selvagem, pronta para ajudar, pulou na parte da frente do pescoço de Yenila, permitindo que eu saísse de minha posição para enfrentar o espectro cara a cara. Juntos, empurramos o corpo de Yenila de barriga para cima contra o chão arenoso, para podermos apreciar, também juntos, nossa presa.

 

– Não precisava ter acabado… assim – esforçava-se para falar, gastando energia por não querer partir sem dar as últimas palavras. Ela era muito vaidosa para ficar quieta.

 

Balancei a cabeça negativamente para ela. Não tinha outra forma de acabar. Eu precisava voltar. Voltar para Rebecca.

 

Enforquei-a com a pata para me certificar de que ela estava enfraquecida o suficiente e, pedindo licença para Scarlet, perfurei-lhe o pescoço novamente, dessa vez no local onde ficaria sua aorta, seguindo meus instintos de predador e torcendo para ela morrer do mesmo jeito que um animal morreria.

 

Seu corpo cinza e fétido estremeceu, soltando um último gemido sofrido antes de se dissipar com o vento como o resto da areia daquele maldito lugar. Olhei para Scarlet, suspirando, e nos transformamos juntos.

 

– Você está bem? – perguntei instintivamente. Ela assentiu, não parecendo tão abalada com a luta quanto eu, por incrível que pareça. – Você acha que ela… que ela está morta?

 

– Certamente, não – respondeu, batendo seu corpo para tirar o excesso de areia e sujeira que estavam grudados nela. – Ela é um espírito, e um espírito com grande poder nesse mundo – explicou. – Mas creio que tenha sumido por tempo o suficiente para nós conseguirmos nos mandar.

 

Concordei, confiando nela para conseguir nos tirar daqui, pois, honestamente, eu não havia pensado muito na volta quando concordei em salvar Scarlet.

 

– Não se preocupe – falou, como se estivesse lendo meus pensamentos. – Sou novata, mas acho que sei o que fazer. Ser Selvagem leva muito de sua confiança em seus instintos. Quase como ser lobisomem. – Sorriu. – Mas... e você? Está bem? Aquilo pareceu horrível.

 

Estremeci ao pensar na possessão, meu lobo ainda em choque e se recuperando.

 

– Foi horrível. A pior coisa que já experimentei – confessei, mas estava desesperado para parar de falar sobre isso. Talvez se eu não falasse sobre isso, seria mais fácil de esquecer que havia sequer acontecido. – E… e Rebecca? – consegui perguntar, sentindo-me um tanto envergonhado após perceber que Scarlet sem dúvida alguma presenciou todas as cenas que Yenila me fez passar.

 

– Eu a encontrei aqui, tanto sua parte humana, que estava em coma, tanto a parte dela que é a ponte que liga os dois espíritos. Essa parte estava presa pelos laços de Yenila e por isso humana e loba estavam separadas. Não se preocupe, consegui livrá-las. Não tenho dúvidas de que já devem ter se encontrado no mundo material e devem estar bem – assegurou-me e consegui suspirar, aliviado. Estava também agradecido por Scarlet, aparentemente, ter decidido fingir que não vira nenhuma de minhas demonstrações de afeto com quem eu achei que fosse Rebecca.

 

Scarlet pediu que eu me sentasse no chão a sua frente, assim como eu fizera no apartamento de Fernando, e que fechasse os olhos. Ela cantou algumas coisas em uma língua antiga, que eu nem sabia que ela conhecia, e pediu que eu tentasse livrar minha mente de qualquer preocupação.

 

Respirei fundo, mas apesar disso demorei a conseguir me acalmar – meu organismo ainda estava em estado de perigo. Porém, eventualmente consegui de fato relaxar um pouco graças ao cansaço de meu corpo invadido, mas principalmente graças ao pensamento de rever Rebecca finalmente. O pior havia passado, Rebecca estava bem e estava com Bexi. E eu, bem, eu estava mais do que preparado para sair desse estranho mundo e ir a seu encontro.


Notas Finais


Obrigada, como sempre, pelo apoio de vocês! *O* Estou muito feliz que tantos de vocês, queridos, ainda estão acompanhando a história da Becca, do Aidan, da Scar e de todos os outros. <3 Espero muito que estejam gostando até aqui.

Beijos e obrigada ^-^


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