Alice finalmente havia entendido que o homem que havia entrado de terno num prédio abandonado e começara e nos observar sem motivo nenhum poderia ser mais alguém contratado pelo pai dela.
A situação ficou um pouco constrangedora, pois realmente não sabíamos como lidar com aquela situação. Nem nós, nem o homem de terno.
- Hum... Bem... - começou o homem.
- Hum... Bem... - continuei.
- Que tal a gente... sei lá... lutar? - perguntou Alice.
- É, talvez seja uma boa ideia. - concordou o homem - Eu tenho hora marcada no cabeleireiro, então acho bom terminar isso logo.
- Ah, claro, vamos logo então. - concluí.
Após a breve e confusa conversa, o homem simplesmente começou a crescer.
Seu terno parecia ser feito de borracha, pois expandiu junto com seu corpo, que se tornou imenso. Porém, seus sapatos rasgaram, o que deixou o homem, que agora tinha pelo menos dois metros de altura e um focinho de lobo, bem chateado.
- DROGA! Esqueci que eu não estava com meus sapatos especiais hoje!
Alice e eu ficamos sem palavras.
- Bem, lá se vai mais um par. - reclamou o licantropo de terno e gravata. Seus pelos eram marrom-claro, e suas mãos e pés agora eram patas, e eram imensas.
Eu tentei ficar assustado, mas aquele dia tinha sido tão esquisito até agora, que eu mal sabia como reagir a coisas naquele ponto.
- Posso... você sabe... te socar? - perguntou Alice.
- Claro, claro, Lady Alice. - respondeu o licantropo - Você pode tentar.
Nisso, um sorriso maléfico apareceu no rosto de Alice, que deu um rápido pulo em direção ao licantropo, que, quando estava prestes a reagir, levantou suas mãos em um sinal de "pare", o que fez Alice quase cair no chão no meio de seu ataque.
- ESPERE, ESPERE, LADY ALICE! - gritou ele.
- O que foi dessa vez? - perguntou Alice, já perdendo a paciência.
- Não nos apresentamos ainda! - respondeu o lobo - Muito prazer, o meu nome é Lee.
- Você já sabe o meu nome. - respondeu Alice.
- Eu me chamo Evan. - me apresentei.
- Prazer, Evan! Agora... Me perdoe, mas eu tenho que te matar.
- Para ser sincero, a este ponto, eu meio que já estou ficando acostumado com isso - comentei.
- HAHA! - riu Lee - Você tem fibra, garoto!
Lee uivou, e começou a fazer coisas que deixariam o pessoal do circo no chinelo: Ele pulava do teto para o chão como uma bola de pinball, ele ia de pilar em pilar tão facilmente quanto você e eu cozinhamos um miojo, era algo quase hipnótico de se ver.
E se tem alguém que se distrai fácil nesse recinto, é Alice.
- ALICE! - gritei - FAÇA ALGUMA COISA!
Alice deu um pequeno pulo, como se ela tivesse sido acordada de um cochilo.
- A-AH! TÁ! - gritou ela de volta, enquanto ela começava a seguir Lee com seu olhar.
Até que, num movimento rápido e realmente impressionante, Lee e Alice se chocaram. O som foi alto, como se alguém acabara de explodir uma pequena tonelada daquelas bombinhas super altas em meu ouvido.
Fiquei sem ouvir nada por quase um minuto, então tudo que eu podia fazer ela olhar os dois super-humanos pulando de um lado para o outro naquele pequeno espaço, se chutando e se socando como uma batalha de anime.
Era ridículo, e me deu um tempo para pensar em tudo que havia acontecido nos últimos anos.
Como Alice, uma vampira, anda tranquilamente à luz do Sol; O que eram as poções que ela tomava; Como ela controlava essa imensa força que ela possuía, que poderia fazê-la facilmente se tornar uma super-heroína; E muitas outras coisas mais passavam como curtos flashes de dúvidas em minha mente. Eu poderia escrever um livro com as coisas que eu gostaria de perguntar sobre vampiros para uma de verdade, mas eu não sabia se nós teríamos lá tanto tempo, já que estávamos sendo testados num jogo de vida, ou morte, que, até aquele momento, era algo que não havia realmente ficado claro para mim. Claro, até eu ver um homem-lobo que poderia arrancar minha cabeça com um simples toque batalhar minha melhor amiga dentro de um prédio que provavelmente era para ter sido demolido há anos.
Os meus pensamentos foram interrompidos por um grito.
Para o meu desespero, o grito viera de Alice, que havia sido jogada em uma das colunas da sala.
Eu tentei correr para ajudá-la, mas, nesse momento, Lee pulou em minha direção, e me prendeu ao chão com sua enorme pata direita.
Ao levantar seu braço esquerdo, pude ver enormes garras que pareciam mais facas de açougueiro do que unhas. Apesar da atitude otimista de Alice, aquele momento foi terrivelmente assustador, e eu realmente achei que daquela, eu não escaparia.
Porém, cumprindo a sua palavra, Alice estava do meu lado. Pude ver, do canto do meu olho, ela levantando sua enorme camiseta, que, até hoje, era algo que eu não entendia porque ela usava todo dia.
Seu estilo era esse, sempre. Fazia chuva, fazia sol, lá estava ela, com aquela camiseta enorme, que, naquele momento, entendi que ela usava para esconder suas asas.
Ao levantá-la pela parte de trás, enormes asas de morcego se abriram, e Alice as usou para dar um rasante em Lee, segurando sua perna e voando para o outro lado da sala com o monstro.
Ao acertá-lo na parede, eu, desesperado, corri para o canto oposto da sala. Eu não sabia o que fazer. Eu queria ajudar, mas eu era apenas um humano.
O que um humano poderia fazer, que uma vampira com a força de um touro não poderia?
"E você será o cérebro da nossa dupla!"
Lembrei o que Alice havia me dito há alguns minutos atrás.
O cérebro?
Como assim, o cérebro?
A minha inteligência não é tão acima da média. Na verdade, eu nem sei se da média ela passa!
O que eu poderia trazer para nosso time que Alice não poderia trazer? O que eu poderia fazer para nos ajudar a vencer monstr-
- Eu... sei bastante coisa sobre monstros. - acabei dizendo para mim mesmo, enquanto Alice e Lee brigavam como cachorros loucos, se mordendo e gritando "AU! AU! AU!" um para o outro.
Como uma épica batalha pela sobrevivência chegou a esse ponto, eu não tenho ideia.
Apesar de confuso, eu sabia que Alice corria perigo. Eu precisava de algo para virar o jogo.
Comecei a puxar da minha memória todas as informações sobre licantropos que eu poderia lembrar.
A lua cheia, no caso dos lobisomens. Eles lembram cachorros, mas com a mente de humanos... Ou eles viram feras violentas. Eles são fortes, e rápidos.
Tudo que eu conseguia lembrar eram coisas que não nos ajudariam naquele momento, até que algo me chamou atenção:
"Eles lembram cachorros."
Comecei a pensar. "Será que cachorros têm fraquezas?"
"Sons altos, cachorros não curtem sons altos. Mas não tenho nada que produziria um som alto aqui comigo."
"Matemática não deve ser o forte deles também, mas eu não conseguia pensar em contas difíceis o bastante para distrair Lee."
"Eles não enxergam cores... Mas não sei se isso se aplicaria a um licantropo. Não é como se eles fossem seres estudados intensamente por biólogos."
"Eles tem narizes poderosos... "
Ao chegar no nariz, percebi que eu estava olhando para os meus pés. Ou melhor, para os tênis que eu estava usando para cobrir meus pés.
"... Há quanto tempo eu não lavo esse par de tênis?" perguntei a mim mesmo.
Foi quando uma das colunas explodiu, e eu vi Lee e Alice caídos no chão, cobertos de poeira e tossindo feito loucos.
Lee levantou, mas Alice continuava no chão. Eu vi sangue escorrendo pelo seu braço.
- Me desculpe... cof cof... Lady Alice - disse Lee - Mas tenho um trabalho a ser feito.
Mesmo machucado e cansado, Lee era dez vez mais rápido do que eu. Tentei correr, mas em um pulo, seu focinho já estava a dois palmos do meu rosto.
Discretamente, comecei a usar um dos meus pés para deixar um dos tênis mais folgado.
- Você daria um bom... cof cof... vampiro. - disse Lee - Com esse rosto branco, essas olheiras e esse cabelo, você seria um par perfeito para Lady Alice.
Eu não sabia se aquilo era um elogio à minha aparência ou não, mas decidi usar a conversa para ganhar tempo, enquanto eu andava lentamente para trás.
- Então... Se eu faço um par perfeito com ela... por que você não me deixa ir? - perguntei.
- Não posso. - respondeu Lee, que realmente parecia estar chateado com o fato de que ele não poderia me deixar vivo - Você tem que provar o seu valor, e, como você vai morrer aqui e agora, o seu valor, infelizmente, não é muito alto.
- Obrigado. - agradeci, sarcasticamente.
- Me desculpe.
Lee agarrou meu pescoço, e me levantou do chão. Ao ver suas garras, prontas para me acertar, eu sabia que aquela era a hora perfeita para provar o meu "valor", do melhor jeito que alguém como eu conseguiria.
- IÁ! - tentei chutar o nariz de Lee, que desviou facilmente.
Vi meu sapato voando para cima, e torci para o melhor.
- Boa tentativa, mas não funcionou. - disse Lee, com pesar - Adeus, senhor Eva-
*puf*
Meu tênis caiu perfeitamente no nariz de Lee, que, instintivamente, acabou cheirando o interior da bomba de gás lacrimogêneo que um dia foi chamada de "tênis".
- ARGH! - gritou Lee, me soltando, e usando suas patas para jogar o tênis para longe, enquanto ele esfregava ferozmente seu nariz com suas patas, enquanto ele girava no chão.
Nisso, eu tentei achar Alice, que não estava em lugar nenhum.
Até que uma mão segurou o meu ombro, quase me matando do coração: Era ela.
- ÓTIMO! EU DISSE QUE VOCÊ ERA O CÉREBRO! - comemorou Alice.
- CERTO! AGORA CHUTE ELE NO MEIO DAS PERNAS! - gritei.
- Sério? - perguntou ela, confusa - Mas isso não é tipo... algo meio desrespeitoso numa luta? Você, como homem, não acharia injusto?
- Alice. Minha doce e inocente Alice. Ele está pronto para me matar. DANE-SE A INJUSTIÇA!
- AEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE! - comemorou Alice, enquanto ela corria, balançando seus braços, até onde Lee estava.
Lee estava perto de se recuperar, e já estava se levantando. Porém, quando Alice chegou até ele, ela deu-lhe um poderoso chute no meio das pernas, o que fez Lee soltar um derrotado "caim", antes de cair no chão de vez, virando novamente um humano de terno (sem sapatos). Ele parecia ter desmaiado.
Eu até sentiria pena do cara, ele parecia ser alguém bem educado, apenas fazendo seu trabalho.
Mas então eu lembro que ele queria me matar por causa desse trabalho, então toda minha pena me deixava.
Alice estava novamente com sua camiseta enorme abaixada, escondendo suas asas. Mas o que ela não podia esconder era o enorme corte que ela havia sofrido em seu braço esquerdo.
Ela percebera que eu estava olhando horrorizado para o machucado, então disse:
- Ei, não se preocupe, vampiros se curam rápido! ... Apesar de que isso tá doendo bastante.
- Vamos para meu apartamento! Minha mãe ainda está em casa a essa hora, ela com certeza deve ter algum kit de primeiros socorros com ela!
- Ei, boa ideia!
Então, para a confusão de Alice, eu me agachei, e fiz um arco com cada um dos meus braços.
- ... O que você está fazendo? - perguntou ela.
- Sobe aí nas minhas costas. Você deve estar cansada, eu te levo até em casa.
- ... Evan, isso não vai dar certo.
- Vamos tentar, pelo menos.
Alice não era exatamente magra. Suas pernas eram grossas, e seu corpo era imenso. Eu digo isso da maneira mais educada possível... Mas ela era o triplo de mim.
Eu era apenas um boneco palito, enquanto ela era um urso.
Ainda sim, eu queria fazer algo por ela.
Porém, quando ela subiu em mim, eu não conseguia sair do lugar.
Eu talvez teria conseguido dar alguns passos, se eu já não estivesse cansado de ter corrido tanto naquele dia.
Alice agradeceu a consideração e, rindo, desceu. Acabamos andando lado a lado, tentando suportar o peso um do outro, e assim continuamos até chegar em meu apartamento.
Recebemos diversos olhares preocupados na rua, já que não estávamos correndo na velocidade de Alice dessa vez. Várias pessoas nos pararam perguntando se não queriam que chamássemos uma ambulância, mas eu sempre assegurava que nós estávamos indo para casa, para alguém nos dar carona para o hospital.
E, assim, chegamos em nosso apartamento, e tocamos a campainha.
Ao atender, minha mãe quase gritou. Estávamos um caco. Cobertos de pó, sujos, e Alice estava sangrando. Mesmo tendo contato com esse tipo de coisa todo dia, minha mãe não conseguiu segurar sua preocupação.
- MAS O QUE HOUVE? - perguntou ela, aflita.
- ... É uma longa história. - respondi.
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