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História Vermelho e Violeta - E o tempo passou


Escrita por: LavenderFrost

Notas do Autor


Leiam e me matem só depois, tudo bem?

Capítulo 8 - E o tempo passou


A pior parte do cio era a última noite. Seu corpo todo dói, seus braços não respondem, todas as pilhas, baterias e coisas gordurosas já tinham acabado e você ainda precisava de um último orgasmo ou de mais uma barra de chocolate. Ou dos dois. Não ao mesmo tempo, senão a bagunça fica ainda pior. Mas o pior mesmo era quando eu pegava no sono. Eu sempre tinha aquele sonho. Aquele mesmo sonho, todas as vezes nesses pouco mais de dez anos.

Eu lembrava vividamente daquele mês. O pior mês de todos. Bem, a maioria do tempo que passei com Lucas foi ótimo, mas de resto, eu fazia tudo para esquecer, mas ter esse sonho, na última noite do cio, era mais certo que receber contas. Isso tornava tudo ainda recente para mim, não me deixando livre. Tratamento, remédios, bebedeiras, nada fazia acabar. Eu já tinha até um estoque de doces reservado para as semanas depressivas resultantes dele.

Primeiro o acidente de vovó, o desespero de não conseguir fazer nada por ela. Depois me vendendo à Lucas e a estranha, e prazerosa, semana que passamos juntos. Seu pai me expulsando. Meu cio chegando. Dona Gláucia vindo em casa e me vendo naquela situação. Cancelar a matrícula da escola, a operação da vovó dando errado, eu tendo que ser controlado. Eu realmente quase desisti de tudo naquele dia. Da vida, da realidade, de mim. Não sei como aguentei. Ainda não sei como meu fígado aguenta.

Ainda tinha o enterro que foi organizado pela dona Gláucia, o desespero da solidão, o tempo que fiquei com Bia. Seu Valter, como advogado aposentado, resolveu praticamente tudo para mim. Ele processou o hospital em meu nome, pois vovó tinha sido vítima de um erro médico. O acordo foi rápido, afinal, o hospital queria manter sua imagem. Também tinha o seguro de vida de vovó. Ela tinha pensado até nisso, para cuidar de mim quando ela não estivesse mais por perto. Eu tinha fugido de Lucas durante esse mês. Parte implorando para Bia, parte para dona Gláucia. Sabia que, se o visse, principalmente agora, eu não seria capaz de ficar longe. Não queria estragar mais sua vida.

Eu não aguentava mais ficar naquela cidade, eu precisava sair dali. Novamente meus vizinhos me ajudaram. Eles tinham uma filha, Érica, que era ômega, acasalada e morava quase tão longe quanto o que eu achava que precisava. Ela também tinha aberto há pouco tempo uma cafeteria perto da faculdade e precisava de mais funcionários. Ela sabia como era difícil a vida de ômegas, principalmente os que não conseguiram completar o ensino médio, como eu, então mais ou menos metade dos funcionários eram ômegas. Os únicos alfas por perto eram os seguranças que a galeria tinha contratado. Nenhum de nós reclamava.

Bem, mais ou menos. Érica teve que impedir a entrada de alfas não acasalados ou não vinculados, porque estávamos sofrendo assédio de alguns universitários que achavam que ser alfa e ter dinheiro os deixava fazer o que quiser. Isso era ruim quando uma das meninas arrumava um namorado ou simplesmente se interessava em alguém, não podendo trazer no café para apresentar ou mesmo passar um tempo juntos. Era o preço que pagávamos, mais elas que eu. Elas por eu novamente ser o único ômega masculino do lugar e mais elas porque eu não chegava perto de nenhum alfa há uma década. Carregar spray de pimenta no bolso e um bastão retrátil escondido atrás do cinto da calça ajudavam nisso.

Eu pensava seriamente em ligar para Érica e pedir um dia de folga, mas com o início das aulas na faculdade ali perto, eu sabia que ela precisaria de todas as mãos possíveis. E eu me sentia bem em ajudar a lupina que tanto me ajudou. Passei uma semana na casa dela até conseguir alugar um lugar para mim. Era um apartamento pequeno, um banheiro e um resto, ou seja, quarto, sala e cozinha. Tudo o que eu tinha cabia ali e sobrava.

Bia negou, mas eu sabia que ela sabia que eu sabia o motivo de ter vindo estudar na faculdade daqui. Ela queria ter certeza que eu estava bem. Eu me sentia um pouco culpado por isso, mas incrivelmente feliz. Quando ela me falou o resultado, veio passar uma semana para vermos um lugar para nós dois. Também era um apartamento, mas bem maior que o anterior. Pelo menos cada um de nós tinha seu quarto e seu banheiro. Ela ficava perto da faculdade, eu ficava mais próximo do trabalho e ainda conseguia gastar um pouco menos, com a divisão das despesas. Claro que o fato de eu ser um ômega nos fez procurar um lugar com pelo menos um quarto a prova de som, trazendo algumas dores de cabeça e poucas opções.

Lembrando meu “eu” do passado, não tinha mudado nada, só o cabelo mais longo e agora eu o prendia frouxo e deixava jogado entre o pescoço e o ombro esquerdo. Bia estava ainda magra, ainda mais alta que eu, os cabelos longos sempre soltos. Ela usava ocasionalmente óculos, mais quando tinha que passar noites estudando, mas agora só quando tinha que corrigir provas. Eu ajudava as vezes, quando eram alternativas ou questões de verdadeiro e falso.

Nós ainda moramos juntos, no mesmo prédio e também acordamos na mesma hora que dez anos atrás. Ela para dar aulas, eu para atender no café. Eu estava com fome, com sede, com sono e precisando urgente de um banho, sem falar que teria que esterilizar o quarto. Por que tinha que ser também segunda? Eu tinha certeza que tinha sido escolhido pelo azar ou que alguma divindade me odiava profundamente. Só faltava um apocalipse zumbi para melhorar meu dia... Eu olhei pela janela para ver se precisava pegar um guarda-chuva, não para ver seres devoradores de carne dominavam as ruas, ver se tinha chuva, chuva.

O quarto teria que ficar para amanhã ou, se eu estiver excepcionalmente animado, hoje a noite. Pelo menos tinha acordado mais cedo, daria tempo de tomar banho com calma. O despertador de Bia toca assim que entro no chuveiro. Meu uniforme era, digamos, inusitado. Ou melhor, a parte que deveria ser calça, mas que na verdade era um short que mais parecia ter sido pintado em mim de tão justo. No começo isso me incomodava um pouco, mas com o tempo me acostumei. Pelo menos não era obrigado a usar saia, como no uniforme das meninas.

Bia só acordava depois do café, o que era interessante, vê-la completamente arrumada, andando de olhos fechados até a garrafa térmica. Isso nunca deixaria de ser engraçado. Eu não sentia fome de manhã, no máximo comia algumas bolachas, mas hoje era o primeiro dia pós cio, então metade do bolo, ou quase isso, estava em meu prato ou dentro da minha barriga. Esse exagero continuaria por pelo menos mais um dia. Dentes escovados, Bia me deixa na entrada da galeria. Eu carregava minha mochila com o uniforme e mais algumas coisinhas. Abríamos as sete, eu ainda tinha vinte minutos.

- Pensei que não vinha hoje, Ari. – Érica estava conversando com o pessoal da cozinha, mas se vira quando chego. – Tem certeza que consegue trabalhar hoje?

- Acho que sim, qualquer coisa eu paro depois do almoço, quando os universitários tiverem “ido estudar” – A ômega ri, afinal, todo mundo sabe que só se estuda perto de provas.

- Tudo bem, tudo bem. Dessa vez eu vou permitir, mas que isso não se repita! – Ela tenta manter uma cara séria, mas começa a rir antes de mim.

- Por que eu também não posso trabalhar só meio período? – Fernanda, uma das outras atendentes entra na brincadeira. Ela era uma canina ômega muito fofa. Seus cabelos formavam cachos que iam em todas as direções e sua pele parecia chocolate.

- Você pode. – Érica começa, vendo o sorriso de Fernanda. – É só eu te pagar metade do salário, que tal? – Ela mostra a língua, rindo em seguida.

Nós tínhamos um pequeno armário de metal para guardar nossos pertences. Cada funcionário, atendente ou da cozinha, tinha um. O banheiro era compartilhado por todos, mas era aceitavelmente limpo. Eu vou até lá para me trocar, colocando aquele short desnecessariamente curto. Ele nem chegava no meio da minha coxa! E eu nem era o mais alto, eu só ganhava da Fernanda. Eram mais três, Bianca e Jéssica, lupinas, e Andrea, vulpina. Sempre ficávamos em pelo menos quatro, sendo um o caixa.

Os horários mais movimentados em geral eram logo de manhã e próximo ao almoço. Ocasionalmente, ou seja, perto da época de provas, a parte da tarde também era cheia. Eu era o mais velho entre os atendentes, tanto em idade quanto em tempo de trabalho. Todas as outras estavam mais perto dos vinte anos. Érica e seus quarenta era a chef e também mais velha da cozinha, mas lá todos tinham pelo menos minha idade. Eu realmente estava um pouco cansado, mas já tinha pedido para sair depois do almoço, então não teria problemas. Limpava as mesas antes de sair, quando sinto um cheiro de ômega familiar entrando. Meu corpo travado não sabia se cumprimentava ou corria. Correr nesse estado não dá, talvez esconder? Tarde demais.

- Liel? É você? – Respiro fundo antes de me virar. Eu estava igual, já Daniel estava bem diferente. Mais alto, mais bonito, mas o mesmo cheiro doce. – Liel! – Ele pula em mim, quase me derrubando no chão.

- Oi, Dani... – “a quanto tempo?” era muito sem graça, “tudo bem?” era falso demais. – Você cresceu. Lembro quando eu ainda conseguia te carregar.

- Só ficou mais pesado – O alfa que o acompanhava tinha uma voz baixa, mas audível. Eles estavam de mãos dadas e eu via uma marca de mordida no pescoço de Daniel. Acasalados. Espero que o esteja tratando bem, senão...

- Para de ser mal, Vinny. Se não fosse o Liel você teria sido espancado pelo Lu. – Eu sabia que ele falava de Lucas, mas eu tentava me convencer que fosse de qualquer outro Lu, como titio Lúcifer por exemplo. Se bem que Lucas era um demônio mesmo. Não, foco, para de pensar.

- Sentem-se, aqui é o melhor café da cidade. – Eles concordam e sentam, eu trago seus pedidos e falo com Érica que ficaria ali com meus... amigos? Conhecidos? Eu não conseguia uma palavra concreta. – O que fazem aqui?

- Passamos na faculdade juntos! – O pequeno, agora mais alto que eu, continua animado como antes. - Vamos fazer Administração. Legal, né? – Droga, eu achava aquilo fofo. Até consigo imaginar os dois estudando juntos para o vestibular. – E você? Sumiu sem nem se despedir... – Ele faz um bico, junto com uma carinha chorosa. Não acredito que estava caindo nesse charminho de marmanjo.

- Bebê, ele teve seus motivos... – Obrigado alfa que eu não odeio ou acho imbecil!

- Mas amor... – Respiro fundo, atraindo a atenção dos dois. Daniel cora um segundo, talvez pela forma como se chamavam, mas logo volta ao normal. – Desculpa, Liel, eu não queria...

- Não tem problema, Dani. Aconteceu um monte de coisa ao mesmo tempo e eu não conseguia mais morar naquela cidade. – Era uma forma extremamente resumida e vaga, mas ele parece aceitar. – Onde estão morando? – Foi a primeira coisa que consegui pensar para mudar o rumo da conversa. Obrigado pelo ótimo trabalho, cérebro. Depois que eu te afogo em álcool, fica aí, se perguntando “por quê?”.

- Eu queria ficar perto da faculdade... Mas, sabe, as paredes finas... – Era engraçado ver aquele ômega envergonhado. Era bem parecido com o irmão. Sério que vou ter que me bater para fazer meu cérebro pegar no tranco?

- No meu prédio tem alguns quartos com paredes a prova de som, se você quiser te passo o endereço. A síndica é velha, sempre está lá de manhã e de noite.

- Sério? Viu amor, foi bom sair hoje! – Ele só respira cansado, recebendo um beijo na bochecha do... namorado? Marido? Anoto o endereço e entrego.

- Aqui. Mas me digam uma coisa... Essa marca no seu pescoço...

- Nós vamos nos casar no fim do ano. – Vinicius responde tranquilo, com Daniel sorrindo feliz.

- O Lu quase pirou quando eu apareci assim. – Ele aponta sua marca. – Lembra o que ele fez, amor? – Luís, Lucineide, Luna, Luciraldo, não é Lucas, não é!

- Como eu ia esquecer? – Até sua risada é baixa. – Ele tentou me jogar escada abaixo se não me casasse com seu “irmãozinho”. – Era bem o que ele faria mesmo. Gente, por favor, vamos funcionar, né? Esquece tudo isso e vamos embora, antes que eu piore minha situação.

- Queridos, foi ótimo revê-los, mas vou embora agora. Estou quebrado. – Eu ia virar para ir me trocar, mas meu pulso foi segurado por Daniel, que parecia ter feito isso sem pensar. – Dani?

- Eu... eu só... – Ele busca ajuda no namorado.

- Ele deve estar com medo de não te ver de novo. Ai. – Daniel deve ter beliscado o noivo.

- Dani, eu trabalho aqui, sabe onde me encontrar. Além disso, eu te passei meu endereço, não passei?

- Você passou o endereço do prédio. – Ele faz um bico adorável. Tá bom, tá bom.

- Aqui. – Marco meu apartamento. – Só... não fala nada para o seu irmão, tá?

- Por que?

- Bebê. – O ômega ia reclamar, mas o alfa fecha seus lábios com um dedo. – Nós prometemos. – Ele hesita, mas concorda.

- Obrigado. Agora, se me derem licença – Dou um beijo na testa de cada um e vou me trocar. Eles ainda estavam lá quando saí, Daniel ainda comia um pedaço de pudim que havia pedido. – Hoje foi por minha conta. – Eles até tentam reclamar, mas passo por cima. – Vocês me pagam a gentileza quando sairmos um dia, que tal? – Daniel sorri, é, aceitam. – Foi muito bom rever vocês. – Dou mais um beijo na testa, junto de um meio abraço e saio. Quem diria, acho que tenho sonhos com poderes divinatórios...

Eu não tinha esquecido meu passado, eu só precisava sair daquela cidade por várias razões, algumas que eu mesmo desconheço, mas sei que existem. Poxa, eu fui quase literalmente destruído. Não meu físico, mas meu mental. Eu também não queria voltar ao sentimento do passado. Eu fui só o ômega de estimação de Lucas, que foi expulso por seu pai. Foi até melhor assim, não sendo eu algo que atrasasse ele.

Desde que vovó faleceu e eu tive aquela queda horrível dentro de mim, tomo algumas medidas preventivas. A caixa de remédios é escondida, não tenho carta de motorista para não ter perigo de jogar o carro em um poste, ponte ou outro carro, moro no primeiro andar para que pular não seja uma tentação, coisas assim. Ainda fazia meu tratamento, com consultas menos frequentes, mas ainda fazia, sem perder nenhuma consulta. Meus remedinhos também ajudavam, e muito, nas piores horas. Só era meio difícil de lembrar durante o cio, mas era só colocar em cima de uma barra de chocolate que entrava fácil.

Eu estava com sono, mas não tinha certeza se queria dormir. Não era nem três horas quando cheguei no apartamento. Bia só chegaria perto das seis. Eu poderia dormir bem até lá. Arranco minha roupa quando entro no quarto, colocando só uma camiseta que cobria até metade de minhas coxas. Tudo que eu mais queria agora era beber, mas eu sabia que isso não resolveria nada e eu só viraria um ômega chorão. Minha cama era fofinha, ela me faria esquecer de tudo por algumas horas.

 

Não sei o que me acordou, o cheiro de comida ou o ronco vindo de minha barriga. Devo ter dormido mais que o planejado, mas tudo bem, eu ainda cairia na cama sem problemas mais tarde. Saio do quarto, guiando-me pelo cheiro. Nossa cozinha era grande demais para ser somente cozinha, mas pequena demais para também ser sala de jantar. Bia estava dividindo atenção entre as panelas e a série que via na TV da sala, que era separada da cozinha por uma mureta. A beta olha para mim e ri.

- Dormiu bem, viu? Tá com a cara toda amassada. - Ainda bem que nem tinha me olhado no espelho.

- Eu desabei na cama assim que cheguei. Não tenho mais idade para aguentar cios. - Bia começa a rir. Da minha desgraça, com certeza.

- Nem vem que você é mais novo que eu, então se me chamar de velha, vou comer todo o sorvete so-zi-nha. - Era muita maldade para uma pessoa só.

- Chata – Mostro a língua. - Como foi no trabalho?

- Agora os mais novinhos já estão se acostumando com a escola, está mais fácil. E você? - Eu poderia simplesmente esquecer de contar, não faria nenhum mal isso...

- Trabalhei só até o almoço, mas... o passado voltou para me assombrar.

- O sonho? - Ela sabia do sonho que eu sempre tinha. Neguei, não era isso? - Lucas? - Também neguei. - Minha mãe? - Agora nós dois começávamos a rir.

- Você quase acertou. O irmãozinho do Lucas, Daniel. Ele está maior que eu, o que é uma falta de respeito. Ele é marcado e vai se casar no fim do ano, estou feliz por ele. - Ela levanta uma sobrancelha. - Isso junto com o sonho foi mais do que eu aguentaria, pelo menos a cama ajudou.

- Vocês não conversaram sobre mais nada?

- Eu sei onde você quer chegar, raposinha safada. Eu falei, já decidi que vou virar freiro assim que puder.

- Que virar freiro que nada, eu ainda acho essa sua vontade de fugir dele uma idiotice. Não me deixava passar seu antigo endereço, não me deixou passar seu telefone. Por que não tenta de novo? - Eu acho que posso matar e alegar legitima defesa ou insanidade temporária.

- Bia, se você continuar eu juro que mando pro Marcos aquela foto sua. - Ela sabia muito bem qual foto era, por isso seu sorriso fechou.

- Você não ousaria!

- Esqueceu que eu sou louco? Tenho atestado lá no quarto se quiser ver de novo, te mostro.

- Parei, parei. Mas ainda te acho idiota por continuar com isso.

- Também te amo, paixão

- Ah, vai tomar no cu!

- Fiz isso a semana passada toda... - Nós dois começamos a rir.

- Nem falo nada. Vem, vamos comer.

Rotina, para mim, era algo bom. Claro que vez ou outra você quer matar todos à sua volta, alguns com requinte de crueldade, mas a rotina me dava uma constante, e a partir dela eu teria algum centro para voltar sempre que eu começava a descarrilhar. Além do fato de eu adorar ficar em casa com um pote de sorvete ou uma bacia de pipoca, coisas que por algum motivo fazem as pessoas te olhar estranho.

Esbarrei bastante em Daniel e Vinícius essa semana. Seja no café, seja no agora nosso prédio, já que eles alugaram um apartamento alguns andares acima do meu. O ômega me falou que chamaria alguns amigos quando tudo estivesse arrumado para a inauguração. Eram somente pessoas da cidade, e como eles chegaram faz pouco tempo, realmente não deveria ser muita gente. Perguntei se Bia poderia ir também, o que foi aceito. Pelo menos não estarei sozinho lá, o que já é uma grande vantagem.

A comemoração seria hoje a noite, sábado, e eu não conseguia definir exatamente o que estava sentindo, ou melhor, se estava esperando alguém aparecer. Se esse reencontro fosse daqui dois meses, longe do cio e do sonho, eu reagiria igual? Essa chama chata em meu peito queimaria igual, ou só faria sombras assustadoras nas paredes? Eu tinha mais medo de mim, do que faria ou como reagiria, do que de vê-lo. Bem, no pior dos casos, o álcool me abraça e passamos o dia seguinte juntos na cama. Eu poderia fazer diretamente isso... Se uma beta ruiva não me obrigasse a ir. Eu não devia ter pedido para convidarem-na.

Sábado era um dia mais tranquilo, por mais estranho que pareça. Como o ritmo era constante, não sentíamos aquela preguiça que vem logo após descansar meia hora. Bia estava comigo, ou melhor, bebendo um chocolate quente e comendo alguma coisa com chocolate, vigiando para que eu não tivesse alguma desculpa. Eu estava... ansioso. Olhava o relógio a cada cinco minutos, claro que todos perceberam, mas não quiseram falar nada.

Acho que nunca levei tão pouco tempo para terminar o trabalho, trocar de roupa, chegar em casa, tentar ficar socialmente apresentável e sair. A beta infeliz ria de mim. Isso ajuda muito, pode continuar. Depois que eu escondo seus chocolates, nem venha perguntar o que fez. Eu bufava irritado enquanto ela trancava o apartamento. Os meninos moravam alguns andares acima, poderíamos ir pelas escadas, mas o elevador é melhor. Eu sentia uma coisa estranha dentro de mim, um aperto. Um mal pressentimento. Antes de conseguir avisar Bia, ela já tocava a campainha. Alguém abriu a porta e eu saí correndo para fora.

Eu não precisava ver quem era para saber que era ele. Seu cheiro estava marcado em mim. Minha mente, meus sonhos, meu corpo. Eu ouvia seus gritos, mas eu não podia parar. Qualquer coisa menos isso. Minhas pernas já doíam de tanto descer degraus, e eu nem tinha decidido onde me esconderia. Eu poderia ir para meu apartamento, mas não teria tempo suficiente para abrir a porta. Continuo descendo, ouvindo a síndica gritar enquanto eu fugia. Que se dane essa velha, pelo menos ela saiu da minha frente. Atropelaria ela duas vezes. Maldita velha que me atrasa.

Correr, só correr. Não ter o pulso puxado e ser preso por braços, seu cheiro invadindo, envolvendo. Eu faria minha melhor cara de paisagem e imitaria um boneco de cera até que ele se cansasse e me deixasse ir. Não aperta tão forte, isso atrapalha meu plano, infeliz. Era para você ter ficado longe, era para eu não te ver mais, para não piorar mais sua vida. Por que tinha que me achar? Por que tinha que me seguir. Eu não queria chorar por sua culpa, então porque infernos não consigo parar.

- Gatinho... - Não, não, não.

- Me solta. - Eu estou calmo...

- Por que você...

- Me solta agora Lucas. - Mais calmo que uma pena ao vento

- Não enquanto você não responder!

- Não vou responder porra nenhuma! - Pronto, agora a pena foi para o furacão! Feliz? Imbecil! - Não te devo explicações.

- Claro que deve, você é meu!

- Você me comprou. Se for por dinheiro, eu consigo te pagar, não precisamos mais nos ver.

- Por que tá fazendo isso comigo? - Porque eu sei que só vou te trazer problemas, imbecil! Será que você não pensa?

- Eu não fiz nada... - Droga, não era para sair tão fraco assim.

- Você fugiu! Você me abandonou, porra! Você tinha prometido... - Não, não chora. Droga, por que não consigo ignorar tudo isso e sair. Ele resmungava e chorava. Droga, eu também estava chorando.

- Me deixa ir embora, por favor. - Não deveria olhar seus olhos, senão eu fraquejaria.

- Vem comigo, vamos conversar...

- Lucas...

- Por favor, se não quiser mais me ver depois, eu desapareço! - Meu coração parece encolher com isso. Eu ainda o queria, mas não queria. Essa pode ser nossa última conversa. Eu tinha que dar uma resposta, eu só não tinha como decidir entre o sim e o não.

- Tudo bem. - Me rendo. - Vamos subir? - Quanto menos eu olhar seu rosto, mas chances tenho de manter-me concentrado.

- Na minha é melhor, ninguém para interromper. - Eu queria que o frio que congelou minha espinha pudesse congelar também meu coração. Ele segura minha mão com força, como se eu fosse fugir. Essa era minha vontade, mas não minha capacidade. Não queria mais cenas tristes para aquele sonho...


Notas Finais


Eu pensei em explicar minha linha de raciocínio ou qualquer outra justificativa de como o capítulo chegou nesse lugar. Mas eu senti que não faria isso direito, então, se tiverem dúvidas, críticas ou convites para jogar Hearthstone, é só digitar.


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