História Volte para Dezembro - Um

Malia sentiu um pequeno e quente toque em seu ombro, mas não abriu os olhos. Virou-se para o lado, dando um pequeno resmungo que claramente dizia “me deixe dormir!”. Passando mais alguns segundos, veio novamente esse toque fofo em suas costas, seguida de uma voz fininha que dizia:

— Mãe! Acorda!

Mãe?

Malia, mesmo que com muito sono ainda, sentou-se na cama e se virou para ver o que estava acontecendo.

Oh.

Em frente da cama, se avistava uma garotinha. Pequenininha, não aparentava ter mais de sete anos. Tinha cabelos longos e castanho-claros, e seus enormes olhos azuis esverdeados acompanhavam o nariz pequenininho da garota. Ela vestia um conjunto para dormir. Todo rosa e com um grande “Sugar girl” escrito na camiseta.

Era bem fofo.

Malia encarou a criança por mais um tempo, enquanto a outra fazia o mesmo. A menininha arqueou as sobrancelhas e remexeu a cabeça, como se esperasse alguma coisa. Como não obteve resposta, ela disse claramente:

— Eu ‘to com fome!

Malia ainda ficou pensando um pouco antes de dar uma risada nervosa.

— Desculpa, o quê? — ela perguntou.

—Eu. ‘To. Com. Fome! — a menininha repetiu. — Eu quero comida! Já são oito horas e eu achei que a gente ia na casa da Tia Kira!

Passou-se mais um tempo de silêncio.

— Eu não quero comer na casa da Tia Kira! — ela voltou a falar. — Ela só faz umas comidas estranhas e o suco dela é azedo! A gente tem que comer aqui antes de ir lá.

— Tia... Kira? — Malia continuou a olhar para a outra com mais confusão a cada segundo. — Garotinha, qual é o seu nome? Eu acho que você não está em casa.

— Hã? — a menininha falou. — Mãe, você ‘tá bem? Você não voltou a tomar aqueles remédios, n’é? Papai falou pra você parar!

...Papai?

— E-... O qu-... Só- só me diga seu nome.

— Duh! Meu nome é Katherine. — ela respondeu como se fosse óbvio e depois continuou: — Esse é um daqueles joguinhos pra eu, tipo, aprender o alfabeto? Eu já sou grande!

Malia então parou por um momento de olhar para Katherine, e começou a olhar em volta. Aquele não era seu quarto, com certeza. Olhou tudo, era um bom quarto. Tirando que a maioria das roupas e livros na estante estavam todos desarrumados. Malia continuou a olhar até que percebeu uma coisa: ela estava em uma cama de casal.

Ah, não.

Ela virou o mais rápido que conseguiu para ter certeza. Se sua lógica estava certa e ela tinha escutado direito, tinha um pai. Malia só conseguia pensar: Quem?

Não, não, não, não, não.

De jeito nenhum.

 Malia engasgou quando reconheceu quem estava dormindo ao seu lado. De todas as pessoas, quem ela menos queria ali era Theo. Ela saiu da cama rapidamente e se virou para a criança, com uma cara totalmente arrepiada:

— O que ele ‘ta fazendo aqui?! — Malia perguntou para a pequena.

— Hm, dormindo?

— Por que ele ‘ta aqui?!

— Porque ele mora aqui...?

— Ele é seu pai?!

Katherine estava com uma cara que poderia ser descrita como um perfeito ponto de interrogação. Remexeu a cabeça e arqueou as sobrancelhas, igual havia feito anteriormente e respondeu:

— É...?

— Ai, meu Deus...! — Malia colocou a mãe na boca. Olhou para Theo novamente, para Katherine de novo e continuou: — Meu Deus do céu, ok... — ela passou as mãos pelos cabelos em sinal de frustração. — Vamos fazer o seguinte: eu te levo na casa da Tia Kira e pergunto o que diabos está acontecendo, ‘tá?

Katherine concordou com a cabeça.

— ‘Tá. — Malia disse lentamente. — Então... Saia do quarto. Vai. Sai.

Katherine deu mais um olhar confuso para ela, mas obedeceu e logo estava para fora do quarto. Quando a porta fechou, Malia rapidamente se voltou para a cama. Ele ainda estava lá. Ela decidiu que iria se trocar primeiro, antes de acordá-lo. Ela respirou fundo e foi para o closet tirar o pijama.

∞∞

Ela sentou no lado da cama onde ele estava deitado e olhou para ele por um momento. Para criar coragem, talvez. Ela tocou e sacudiu seu ombro, o chamando.

Nada.

Ela suspirou e continuou o chamando e tentando acordá-lo.

Nada. De novo.

Ela bufou em irritação e se aproximou mais dele. Tampou seu nariz, o impedindo de respirar, e esperou até que ele acordasse ofegante. Quando Theo despertou, sentou-se na cama num impulso, e assim pôde-se ver seu peitoral nu e seu cabelo bagunçado. Ele inspirou ar enquanto Malia se afastava um pouco.

Ele olhou para ela e arqueou as sobrancelhas.

— Malia?

— Theo. — ela respondeu.

— O que faz aqui?

— Eu também queria saber. — ela disse, enquanto ele analisava o quarto onde estava. Ele abriu a boca para falar, mas logo ela o interrompeu: — Olha, não dá tempo pra explicar. Na verdade, eu não sei o que explicar ou como explicar. Tem uma menina do lado de fora do quarto falando que a gente é os pais dela e a gente precisa ir visitar a Kira.

— Pais? O quê? — a cara de Theo era um completo ponto de interrogação.

— Eu também não sei! — ela suspirou. — Olha, eu – a gente vai levar essa menina na Kira e lá... Lá a gente tenta entender o que ‘tá acontecendo... No caminho eu tento te explicar o que eu sei e... Só troca de roupa.

— Mas-

Malia se levantou da cama e começou a sair do quarto.

— O quê...?

∞∞

Theo saiu vestido do quarto e, do final do corredor, tentou avistar Malia no outro cômodo. Ela estava sentada no sofá com a garotinha ao seu lado. Ela vestia uma calça jeans e uma camiseta listrada simples com um All-Star. Theo percebeu que o cabelo da garota estava maior, o que o fez dar um sorriso de lado por meio segundo. Ela tinha ficado bonita com aquele penteado.

Ele balançou a cabeça com o pensamento e caminhou até lá.

— Oi, pai. — Katherine sorriu para ele.

Ele arqueou as sobrancelhas e se virou para Malia.

— Ela é a menina? — ele falou em silêncio, apenas movendo os lábios.

— É. — ela respondeu da mesma forma.

Katherine suspirou em desapontamento.

Malia lançou um olhar para a pequena, antes de voltar para Theo e se levantar. Aproximou-se dele e o mostrou um chaveiro.

— Essas aqui são as chaves do carro. A gente vai ter que ir para um bairro vizinho. Eu peguei o endereço. É melhor a gente ir logo.

Katherine arqueou as sobrancelhas para a mãe e disse:

— Mas o papai nunca dirige! É sempre você, mãe!

Os dois se viraram para ela para olhá-la. Theo encarou a outra enquanto percebia que ela ficava mais nervosa e com as bochechas um pouco rosadas.

— Bem... Eu não tenho experiências muito boas com carros, Katherine. Eu vejo coisas que queria ter esquecido há muito tempo toda vez que tento dirigir. Theo vai dirigir.

A menina fez uma cara emburrada, cruzou os braços e bufou. Murmurou alguma coisa muito baixa para qualquer um sem ser ela mesma ouvir. Malia se voltou para Theo e lhe deu as chaves do carro.

— Vamos lá.

∞∞

— Aperta a campainha. — Katherine disse.

Malia estava parada em frente da porta de onde seria a casa de “Tia” Kira, já fazia um tempo. Theo e Katherine estavam logo atrás dela, lado a lado.

— Vai. Aperta. — a menina continuou. — É só apertar.

Malia respirou fundo mais uma vez para tomar coragem. Ela ainda estava pensando. O que estava acontecendo? Onde ela estava? Por quê? Por que Theo?

— Por que ela não ‘tá apertando? — ela ouviu Katherine sussurrar para Theo atrás d’ela. — Será que ela sabe como apertar uma campainha?

Ela escutou a risada rouca do outro e finalmente apertou a campainha. Foi um pouco para trás, se juntando com os outros dois – bem ao lado de Theo, tocando seu ombro. Suspirou mais uma vez. O ano não devia ter começado desse jeito.

Passando-se mais um tempo, Kira veio até a porta para atendê-los. Ela usava um vestido vermelho colado ao corpo e saltos pretos. Ela parecia mais velha. Não tanto, mas indo para os vinte e cinco anos. Aquilo fez Malia pensar se ela e Theo estavam mais velhos também.

Isso ficava cada vez mais estranho.

— Ah! — Kira sorriu quando viu os convidados. — Finalmente! Achei que não viriam.

Malia sorriu e retornou o abraço da amiga quando ela colocou os braços em sua volta.

— Cláudia está aí? — Katherine disse alegremente.

— ‘Tá sim, vai lá na cozinha.

Katherine deu um sorriso de orelha á orelha e saiu correndo para dentro da casa para encontrar seja lá quem fosse Cláudia. Kira convidou Malia e Theo para entrar e logo eles estavam na enorme sala de estar. Scott estava no sofá conversando com Lydia e Stiles – pelo menos Malia achava que eram eles.

— Olhe quem chegou! — Kira disse sorridente e sentou-se do lado do namorado.

— Achei que nunca viriam! — Lydia disse. — Vem, senta aqui.

Malia foi lá e sentou-se perto da amiga. Ela avistou de longe que Katherine falava com uma menininha de cabelos claros – ela não conseguia identificar se eram loiros ou ruivos. Loiro morango? — que deveria ser Claudia.

— Ownt! Olhe, Kath e Claudia voltaram a se falar. — Lydia comentou. — Achei que Claudia ainda estava brava com ela.

— Fofas! — Kira disse.

Malia deu uma risadinha. Aquela era definitivamente Claudia.

— Então, Malia... — Lydia se virou para a garota com um sorriso. — Como estão indo as coisas lá?

Droga.

— Hm, eu... E- eu não sei. — Malia disse nervosa.

O que ela deveria dizer?

— Como assim não sabe? Vai, nos conte tudo!

Ah, droga!

— E- eu realmente não sei. Eu não me lembro de nada. Eu não estou entendendo nada e é por isso que eu estou aqui. — Malia tentou se explicar. — O que tá acontecendo?

— Como assim, querida? — Kira perguntou, chegando mais perto. — Foi alguma coisa com a Kath? Ou com o Theo? O que foi?

— Exatamente, eu não sei! Me desculpe, mas quando eu fui dormir ontem eu estava em um lugar muito diferente do que eu estou hoje. Eu estava em Beacon Hills ontem e do meio do nada estou em São Francisco. E casada, e...

— Ah, eu entendo. Também sinto falta dos velhos tempos ás vezes, sabe... — Lydia disse.

— Não é isso! — Como ela iria dizer aquilo sem soar como uma lunática?

— Então o que é?

Ela abriu a boca para continuar a falar, mas sentiu uma mão em seu ombro. Theo. Ele chegou perto de seu ouvido – causando arrepios nela, mas ela não iria admitir (nem para Theo nem para si mesma) – e disse:

— Preciso falar com você.

Ela então olhou para as meninas, que claramente as deixaram ir lá, e se levantou. Ele ainda continuava com a mão em seu braço e a puxou sem força para um canto da sala. Ela se soltou rapidamente de seu toque.

— Eu não consigo falar nada! — ela disse. — Elas vão pensar que eu sou louca! Como eu faço isso?!

— Bem, eu descobri bastante coisa. — Theo disse.

— Como?!

— Tenho minha maneira de falar. — Um sorriso idiota veio á cara d’ele, e logo ele continuou: — Então vamos a o que eu entendi até agora: Estamos aqui, sem explicação alguma, em um universo paralelo-

— Universo paralelo? — Malia riu.

— Foi a única solução que consegui encontrar para isso! Tem alguma ideia melhor? — ele falou. — Bem, aqui todos estão casados. Inclusive a gente.

— Nós estamos casados?!

— Me deixe falar! Sim, estamos! — Theo suspirou. — Temos uma filha chamada Katherine, ela tem sete anos. A menina com quem ela está falando é Claudia, filha de Stiles e da Lydia. Aqui parece que eu sou melhor amigo de Scott e Stiles e nunca... Bem, você sabe. Nós estamos casados há dez anos e tecnicamente nos amamos.

— Eu não quero amar você. — ela o interrompeu.

Um tempo de silêncio permaneceu entre os dois. Theo desviou o olhar de Malia por um segundo e olhou para o chão. Olhou para a “filha” e para os outros, depois para ela de novo.

— Nem eu. — disse. — Temos que sair daqui.

— Mas como?

Os dois então viraram o olhar para as duas crianças no canto da cozinha. Elas tinham bonecas nas mãos e tinham montado uma casinha com personagens e uma história no chão. Também haviam pegado panelas de brinquedo para fazer comida de brincadeira e uma parte do chão estava molhada por conta disso. Katherine falava alguma coisa baixa para Claudia. Malia tentou ouvir com sua audição aguçada, mas não conseguia. Eles eram humanos?

Ah, não.

— Eles ficaram muito estranhos hoje! — disse Katherine. — Nenhum deles lembrava de mim... Ou- ou de nada! Eu ‘to com medo que alguma coisa aconteceu. Eu espero que eles não tenham brigado como eles brigavam antes. Sabe, a Tia Kira já falou que eles brigavam muito quando eu era bebê. Eu só... Quero que eles fiquem bem.

Theo voltou o olhar para Malia.

— Vamos ter que dar um jeito.