História Volte para Dezembro - Dois

Depois de mais um tempo na casa de Scott e Kira, eles tiveram que ir embora – é claro. Eles se despediram de todos e Theo dirigiu as duas outras até o apartamento onde eles supostamente moravam. Ainda havia tanta coisa para se descobrir, e ele ainda não fazia ideia de como fazer isso e como ou por que ele estava ali.

Katherine havia pegado no sono no meio do caminho a casa, então Malia teve que carregá-la em seu colo. Quando Theo abriu a porta do apartamento, ela logo levou a criança para seu quarto e a deitou em sua cama. Colocou o cobertor para cobri-la e, com um último sorriso, saiu do quarto.

Andou até o outro quarto – supostamente seu – e lá estava Theo. Sem camisa. Deitado na cama e assistindo televisão.

— De jeito nenhum eu vou dormir na mesma cama que você. — ela disse.

Ele deu uma risada rouca e se virou para ela.

— Ah é?                                                                            

—É. E adivinha o que isso significa? Significa que alguém chamado Theo Raeken vai ter que dormir no sofá. 

— Você que está se incomodando. — ele respondeu e voltou a assistir televisão. — Eu vou dormir aqui. Se quiser, vá você dormir no sofá.

Ela bufou. Andou até a cama de casal e se sentou no cantinho, sem querer chegar perto do outro. Ela conseguiu sentir ele a olhando uma outra vez e rindo. 

— Você vai ter que se acostumar. Estamos casados. Não vai dormir no sofá toda noite até sairmos daqui, não é?

— Talvez.

Ele sorriu de um jeito travesso e se virou para ela novamente. 

— Vem cá logo. Não vai ficar aí a noite toda. 

— Eu não vou ir aí.

— Por que não? — ele riu. 

Ela deu uma risada falsa e se virou para ele, no outro lado da cama. 

— Por que será, Theo? — ela suspirou e desviou o olhar. Sussurrou, não tendo certeza se queria ou não que ele ouvisse: — Ainda não esqueci o que você fez. Você sabe disso.

Theo levantou o olhar para ela e a encarou por um momento antes que suas bochechas ruborizassem. Por um segundo, ele ficou aliviado que eles não eram mais coiotes. Ou, pelo menos, naquele universo alternativo - ou seja lá que lugar era aquele. E não podiam mais captar quimiosinais. Ela iria apanhar vergonha, culpa e arrependimento. E isso era o que ele menos queria. 

Ela levantou a cabeça e olhou para ele.

Era um olhar firme e longo. Seus olhos continuaram em Theo, o silêncio começando a ficar pesado no ar. Sua expressão estava evitando sentimentos, mas... Aquilo era mágoa em seus olhos? Mágoa, raiva e ressentimento.  Um coquetel horrível de sentimentos que queimava em sua barriga. Depois de um longo — longo — momento, ela abriu seus lábios:

— Eu confiei em você, sabe. — a voz dela falhou e demorou um pouco antes que ela voltasse a falar. — Eu não confio nas pessoas. Quase em ninguém. Mas eu confiei em você.

Theo continuou com seus olhos colados nela. Procurando em seus olhos por alguma coisa — qualquer coisa — que distraísse ele do silêncio. Ele sabia o que ele tinha feito. Era incrivelmente raro o chimera se arrepender de machucar alguém. Ou fazer qualquer coisa considerada "má" ou "ruim". Mas isso... Isso foi algo que ele se arrependeu de ter feito. Foi algo que ele até contou para ela que ele se arrependeu. Machucar Malia não era algo que ele queria fazer, mas ele se viu em uma situação onde era necessário. Era a única opção que ele tinha para conseguir o que ele queria. E logo depois que ela falou, ele viu os traços de mágoa em seus olhos. E instantemente ele queria estar em qualquer lugar que não fosse ali. Aquilo fez alguma coisa nele e fez ele se sentir fraco.

Não era como se ele se importasse - ou quisesse se importar - com qualquer um sem ser a si mesmo. Mas, desde sua volta a Beacon Hills, Theo lentamente se encontrou fazendo isso com Malia. Não era o suficiente para colocá-la antes de si mesmo. Mas ainda assim, ele se importava e já era mais do que ele poderia dizer para qualquer outra pessoa. Era um mistério para ele por que teve que ser ela por quem ele acabou se importando. Talvez fosse o coiote neles que unia os dois e faziam com que eles confiassem um no outro. Ou talvez porque Theo acreditava que, na alcateia de Scott, ela conseguiria o entender. Ela sabia como era ter uma infância roubada e ficar sem contato com a realidade por tanto tempo. Ela sabia como era matar a própria família e nem entender completamente o que acontecia. Ela sabia como era ficar sem controle com a vida, do mesmo jeito que ele ficava. Suas situações eram inteiramente diferentes e eles lidaram em maneiras totalmente diferentes. Mas eles compartilhavam semelhanças que ele não conseguia encontrar em nenhum outro alguém. De todas as pessoas, ele acreditava que ela poderia entender por que ele era do jeito que ele era. Mas não importava a razão, Theo ainda se importava com ela e queria desesperadamente que não.

Ele desviou seu olhar para o chão. Como a frase "eu sinto muito" não existia em seu vocabulário, ele achou mais fácil só explicar:

— Eu te avisei. — ele finalmente disse, em uma voz quieta. — Você me perguntou por que você deveria confiar em mim e eu disse que você não deveria.

Teve uma longa pausa e ele decidiu levantar o olhar novamente, encontrando os olhos da outra. 

— Eu fiz o que eu precisava fazer, Malia. Mas eu não queria que você morresse. Eu não te colocaria naquela situação se achasse que você iria. E eu não menti quando disse que não queria fazer aquilo. — ele deu um suspiro. Isso tudo ainda era novo para ele — remorso, arrependimento, importar-se... E tudo que ele sentia com ela. 

Tipicamente, ele nunca tentaria se reconciliar com alguém. Ele machucava quem ele machucava e era isso. Sem desculpas, sem remorsos, nada. Mas isso era diferente. Theo queria muito pensar que era porque ela era forte e tinha muito poder que ela ainda seria útil ao seu lado. Que por isso valia a pena se esforçar para fazê-la voltar a confiar nele. Mas ele sabia que estava longe disso. 

— Só me deixe explicar. — ele continuou, ficando ligeiramente tenso, se preparando para uma possível rejeição. Tinha tanta coisa que ele queria explicar. Por que ele a machucara, como teve certeza que ela não morreria, os pensamentos por trás de todas suas ações com ela... Mas ele temeu que ela não o desse a chance.

Ela olhou para ele por mais um momento antes de se levantar da cama. Levou um travesseiro á suas mãos e falou:

— Eu... Acho que vou dormir no sofá. 

E, com bastante êxito, saiu do quarto. 

Theo suspirou enquanto passava a mão pelos cabelos, agitado. 

∞∞

Katherine revirou os olhos quando percebeu que ela tinha acordado sozinha. De novo. Claro, era ótimo não ter uma pessoa abrindo as cortinas e falando pra você levantar às vezes. Mas ela sabia muito bem que assim ela acostumaria errado e não conseguiria mais acordar cedo. E ela tinha escola de manhã. Então ela se via na obrigação de lembrar aos seus pais que ela existia. 

Bufou enquanto levantava da cama e abria a porta do quarto. No corredor, levantou os olhos para o relógio e viu as horas. Nove e meia da manhã. Ora, nesse horário ela já estava muito bem na escola! 

— Mãe! Pai! — ela os chamou. — Oi, eu sou sua filha! Bem aqui. Existindo. 

Bufou mais uma vez e se virou para entrar no quarto de seus pais. Quando abriu a porta, só avistou seu pai na cama. Estranhou, mas ainda assim foi até onde ele estava. Subiu na cama e começou e mexer o ombro dele até que ele acordasse.

Ele, mesmo que sonolento, perguntou:

— O que você quer?

— Cadê a mamãe? — ela disse. — Já são nove e meia! E amanhã? Vou chegar atrasada na escola?

— Ela 'tá na sala. Vai lá e me deixa aqui.

— Hunf. Chato. 

E enquanto ele se virava e voltava a dormir, Katherine saiu do quarto e seguiu o corredor até chegar na sala. E lá estava sua mãe. Deitada no sofá e dormindo. Revirou os olhos. Chegou perto da outra e começou a mexer em seu ombro, assim como tinha feito com Theo.

— Mãe!

Nada.

— Mãe, mãe, mãe, mãe, mãe! — ela ficou repetindo a palavra "mãe" até que Malia finalmente acordasse. 

— O quê?! 

— Vamos tomar café! Acorda! 

Malia lentamente levantou seu tronco, sentando no sofá. Seu cabelo meio embaraçado e parecia bem cansada. Ela olhou para a pequena Katherine a sua frente e suspirou. Coçou os olhos e disse:

— Tudo bem. Vou me arrumar e vamos tomar café. Vai assistindo TV, sei lá. 

— Tá.

Katherine pulou no sofá e sentou cruzando as pernas, ligando a televisão. Colocou em algum canal infantil e deu um sorriso. Malia olhou para ela e deu um sorriso de lado, andando para seu quarto. Chegando lá, viu que Theo já estava acordado e revirou os olhos.

— Bom dia. — ele disse.

Ela não respondeu. Virou-se para o closet e pegou um short jeans e uma camiseta simples. Iria começar a tirar a camiseta do pijama, mas conseguia saber que ele estava a olhando por trás. Ela cruzou os braços e disse:

— Pare de olhar. 

Ele riu.

— Coiote, não estou olhando. 

— Está sim. Pare. — ela suspirou. — E não me chame assim. 

— Como quiser, coiote. 

Ela ignorou o novo apelido e decidiu se trocar logo. Se quiser olhar, que olhe! Ele não iria conseguir mais do que isso, de qualquer jeito. Malia tirou a camisa e colocou o sutiã. Ela conseguia senti-lo a encarando do outro lado do quarto. Por meio segundo, abriu um sorriso divertido até que conseguisse se parar. Tirou, então, a calça do pijama. 

— Pare de olhar. — ela repetiu. 

Theo deu uns de seus sorrisos típicos, desviando o olhar. 

Ela terminou de se vestir e se virou para ele. Jogou o pijama para dentro do closet e começou a caminhar para perto da porta. Enquanto ia para o corredor, ela o disse:

— Venha tomar café da manhã.

Katherine assistia atentamente o seu desenho animado. Malia sorriu com a imagem e perguntou:

— Quer me ajudar a cozinhar? 

Katherine se virou para olhá-la. 

— Não. 'To bem. Só comer tá bom pra mim.

Ela iria rir se não fosse bem ignorante da parte da criança. Malia entrou na cozinha e decidiu que waffles seria a melhor opção. Não demoraria muito e não era difícil de fazer. 

∞∞

Colocou os waffles cobertos com mel em cima da mesa. Katherine olhou para sua mãe e deu uma arfada. Malia olhou para ela e pôde jurar que viu um brilho nos olhos da menina e riu por causa disso. Katherine saiu do sofá e foi correndo para a mesa.

— Ai, meu Deus. Ai, meu Deus. Ai, meu Deus. — ela olhou para Malia. — Waffles! 

— Waffles. — Malia repetiu sorrindo. 

— Vou chamar o papai.

Katherine não esperou resposta e saiu correndo para o quarto de seus pais. Saiu de lá alguns segundos depois com Theo atrás dela. Ela, com toda a empolgação do mundo, sentou-se a mesa. Ela carregava um sorriso enorme nos lábios e Malia achou isso superfofo.

— Eu nunca comi waffles! — ela deu um gritinho de alegria. — Eu vou comer waffles! 

Malia riu e colocou um waffle no prato da menina, um no seu e um no de Theo. Os dois observavam Katherine, esperando ela dar a primeira mordida. Ela deu uma risadinha e provou. 

— Ai, meu Deus! É muito bom! — ela disse, com a boca cheia mesmo. 

Malia e Theo riram e começaram a comer.

∞∞

Um tempo depois - perto do meio-dia -, a campainha tocou. Malia, que estava com Katherine na sala, olhou para a porta por um momento. Olhou para Katherine e perguntou:

— Quem será?

— Duh! — a outra disse. — É o Tio Isaac! Eu o deixei subir pelo interfone. 

Isaac? Quem é Isaac? 

Tia Kira, tudo bem. Tio Scott, tudo bem. Tia Lydia e Tio Stiles, tudo bem também. Mas Isaac? Malia não conhecia nenhum Isaac. Será que Theo conhecia? 

Com confusão em seu olhar, ela falou para a suposta filha:

—... Tudo bem. Hm, vai atender a porta que eu vou estar no quarto com seu pai por um minuto.

Katherine bufou, mas concordou. Saiu do sofá e, enquanto Malia ia para o quarto onde Theo estava. Chegou lá e Theo, da cama, olhou para ela. 

— O que foi? — ele perguntou.

— Tem um tal de "Tio Isaac" aqui. — ela respondeu. — Eu não conheço nenhum Isaac! Quem é Isaac? Você conhece? 

— Não... 

Ele levantou da cama, ao mesmo tempo em que colocava novamente sua camisa, e foi para o lado dela. Olhou para o fundo do corredor, onde Katherine atendia a porta. Observou o homem que falava com ela. Cabelos castanho-claros e bem alto, carregando um sorriso no rosto e tinha olhos azuis. Realmente, não o reconhecia de lugar nenhum. 

— Não, não o conheço. — voltou-se para Malia e disse.

Malia suspirou. Murmurou alguma coisa baixa demais para Theo ouvir e pegou em sua mão, guiando-o para a sala de estar. Quando chegou lá, sentiu alguma coisa estranha em seu estômago. Ela ainda estava segurando a mão de Theo. Largou-a imediatamente e não ousou virar para vê-lo, sabia que sorria estupidamente. Ela odiava aquele sorriso. 

— Malia! Theo! — o homem disse sorrindo. — Saudade de vocês, seus loucos. Não sumam mais assim. 

— Hm, é... claro. — Malia forçou um sorriso. — Vamos tentar. 

∞∞

Malia sentou-se ao lado de Katherine - que comia algum doce que Isaac a deu - no sofá. Theo e Isaac estavam na cozinha, conversando sobre seja lá os quê.

— Kath, preciso te perguntar algumas coisas sobre o Tio Isaac.

A menina, ainda com a boca cheia, respondeu:

— Eu não sei muita coisa sobre ele. É melhor chamar ele pra isso.

— Não. Não, Katherine, shh! — Malia tentou impedi-la de chamar Isaac enquanto ela engolia o doce. Mas não deu muito certo.

— TIO ISAAC! — A menina gritou e saiu correndo para a cozinha.

Malia suspirou. Passando alguns segundos, Katherine saiu de mãos dadas com seu “tio”. Quando chegou, largou as suas mãos. Olhou para cima e, logo depois, para sua mãe.

— Vai. Pergunta.

— N-não é nada. — ela forçou um sorriso. — Deixe pra lá.

O homem olhou para baixo, ligeiramente ficando mais tenso. Mexia em suas mãos, parecia nervoso. Ficou um tempo assim e, só quando Katherine saiu da sala, levantou o olhar e disse:

— Se for sobre Allison — Não, não era sobre “Allison”. Malia também não conhecia ninguém chamada Allison. Ou, pelo menos, que se lembrasse naquele momento. —, ela... Não está mais com a gente. Eu achei que já tinha te falado, mas parece que esqueci. Foi um acidente de carro. Não conte a Katherine.

— Eu sinto muito. — ela disse em uma voz quieta.

Ela na verdade não sentia muito. Não sentiu nada com aquela notícia, já que não se lembrava de quem diabos era Allison. Ou simplesmente quem era Isaac. Mas era a única coisa que ela era permitida de falar. Isaac forçou um sorriso e saiu da sala.

Malia apenas suspirou.

∞∞

Era onze da noite quando Tio Isaac fora embora. Bem, não totalmente. Já que queria levar Katherine ao cinema, porque havia lançado um novo filme que os dois estavam ansiosos para ver. Malia não concordou muito no começo, já que era muito tarde e Katherine não iria conseguir acordar cedo no dia seguinte. Mas Katherine era bem persistente. Então acabou por deixá-la ir.

Passando um tempo depois, quando se cansou dos programas sem graça na televisão, Malia caminhou para o quarto. Theo já estava adormecido, aparentemente. Então ela tirou sua roupa e colocou uma camisola. Iria começar a sair, quando ouviu um sussurro do outro:

— Por favor, fique.

 Ela paralisou. Virou-se lentamente para ver o outro, que agora deitava com os olhos azuis encarando-a. Ele deu um sorriso triste e desviou o olhar por um momento, mas voltou a olhar para a morena. Malia conseguiu sentir suas bochechas corarem e pediu mentalmente para que ele não notasse.

— Ficar...?

— Por favor.

A garota parou por um momento, encarando o outro do outro lado do quarto. Suspirou enquanto passava a mão por seus braços, demonstrando nervosismo. Olhou para Theo uma última vez antes de deitar-se na cama, bem ao seu lado.

— Só por hoje. — ela falou.

Theo sorriu e chegou mais perto mais perto dela, conseguindo fechar os olhos tranquilamente. Ele, antes de adormecer, sussurrou para ela:

— Obrigado.

Malia suspirou e adormeceu.