Assim que retornou de seu estado inconsciente, a primeira coisa que Jasper sentiu foi um estranho cheiro de queimado, misturado com um gosto metálico nos lábios. Sua pele estava coberta por uma fina camada granulosa, com aspecto de fuligem.
Seus pensamentos estavam desconexos, de forma que todos os acontecimentos recentes ricocheteavam em sua mente, colidindo entre si e embaralhando suas memórias. Sua linha do tempo ficou afetada, e ela estava incerta do que aconteceu antes.
Em um instante, entretanto, tudo ficou claro. Lembrou-se de Lápis em seus braços, e de Yellow Diamond acionando o detonador. Ela correu com a menor para longe do alcance dos explosivos, a fim de fugir da explosão que acometeria toda a ponte, mas logo viu que seria em vão.
Seu instinto pedia que se salvasse, contudo, o sentimento de auto preservação foi deixado de lado quando baixou seu olhar para a jovem assustada que carregava consigo. Seus olhos azuis, arregalados e apreensivos pelo que aconteceria, gritavam em silêncio as mais sombrias demonstrações de pavor.
A loira se sentia sua protetora, portanto não poderia permitir que algo a ferisse, custe o que custasse. E em um ato desesperado, sentindo lágrimas emergirem para a superfície de sua pele, Jasper aproximou seus lábios da testa da menor, até finalmente toca-la em um beijo.
- Eu te amo. – Disse, com monumental ar de despedida, que partiu o coração da menor em mil pedaços.
Lápis a olhou, confusa. Conhecia aquele olhar de quem faria algo impensável muito bem, e agarrou-se com força às roupas da loira. Porém não foi maior que a força com a qual foi arremessada para fora do alcance, caindo dolorosamente sobre o chão firme e afastado da beira do abismo, em uma região segura.
Jasper sentiu seu coração pesar quando estava quase chegando ao fim da ponte, e mesmo assim a bola de fogo a consumiu, e tudo desabou sob seus pés. E ao mesmo tempo, foi tomada por um profundo alívio por sua amada estar a salvo.
Quando seu devaneio do que fizera chegou ao fim, ela lembrou que desmaiara ao bater sua cabeça contra algo. A julgar por onde estava, fora em uma forma porção do metal do trilho, que sobrepunha a ponte, que fora derretido. Ficara modelado como uma plataforma, que voltara a se solidificar após ser derretido pela explosão, e felizmente a abrigara contra a queda mortal.
Ela sabia que só tinha sobrevivido porque estava longe do centro da explosão. Certamente Yellow Diamond não teve a mesma sorte.
Ao tatear ao redor, ainda com receio de abrir os olhos pelo ardor dos mesmos, Jasper identificou hastes de metal retorcido que conectavam a plataforma ao restante, intacto, dos trilhos, do lado de fora do abismo. Ela necessitaria de uma escalada difícil para sair de lá, coisa que ela não estava muito disposta a fazer.
A garganta dela estava seca e dolorida, assim como seus ferimentos. Jasper sabia que tinha sofrido algumas queimaduras também, porém não pareciam ser tão sérias.
A imagem de Lápis retornou aos seus pensamentos, e ela se perguntou se sua amada realmente ficara bem e se poderia estar a esperando lá fora. Mesmo sentindo sua voz se recusar a soar, ela emitiu um grito alto o bastante para que um eco forte reverberasse por toda extensão do abismo.
- Lápis?!? - Fora a sua primeira e única preocupação, até o momento. Ela torcia para que seus esforços tenham sido válidos para deixar a menor em segurança.
Mesmo com seus ferimentos, Jasper sabia que com o carinho e a delicadeza ímpares de Lápis, ela melhoraria logo. Ela teria os melhores cuidados do mundo, certamente. E estava ávida para comemorar a queda de Yellow Diamond, o último pilar das Mineradoras.
Ainda sem abrir seus olhos, ela necessitava saber se Lápis estava por perto. Ela ouviu atentamente cada som ao seu redor, esperando qualquer indício da jovem de cabelos azuis.
Apesar dos ouvidos ainda sensíveis, haja vista o barulho da explosão, ela conseguia reconhecer os ruídos do ambiente com exímia nitidez. O cenário parecia ser preenchido somente pelos sons de sua própria respiração e pelo pio distante de corujas. Nenhuma resposta lhe foi dada.
O fato do animal noturno estar acordado indicava claramente o horário, mesmo assim ela se recusava a acreditar, e teimou em aceitar que esteve desacordada por tanto tempo.
Ao abrir seus olhos, vendo uma maciça escuridão para todos os lados, exceto na direção daquele belo céu estrelado com uma majestosa lua crescente, ela se convenceu. Era noite, e pela posição do luar, por volta das onze horas.
Estava sozinha, pendurada num abismo, no meio da noite e num lugar isolado. Parecia até que o destino e ela haviam apostado qual poderia ser a pior situação possível.
Toda vez que pensava em escalar para fora, uma grande fraqueza tomava conta de seu corpo. O sangue perdido ainda lhe fazia muita falta.
- Eu vou morrer sozinha aqui... – Repetia, sentindo-se profundamente desamparada.
Ela se encolheu, tentando confortar a si mesma, de alguma forma. Porém, algo pareceu melhorar sua situação.
- BÉÉÉ! - Steven Junior ouviu a sua voz, e se dirigiu prontamente para lá, respondendo-lhe. Não era bem quem Jasper queria ouvir, mas ter uma figura conhecida por perto já era um bom começo.
Jasper riu baixo ao olhar para cima e ver só um pontinho branco distante na beira do abismo, procurando por ela. A escuridão, proveniente da profundidade onde ela se encontrava, impossibilitava que quem estivesse fora visse algo no interior da fenda rochosa. Era um breu verdadeiramente aterrador, que causava uma avassaladora aflição só de olhar aquele vasta incerteza, vazia e escura.
- BÉÉÉ - Steven Junior insistiu, desesperado para ter certeza que realmente ouvira a voz da loira e que não era somente impressão sua.
- Bode! - Jasper conseguiu confirmar que estava lá, fazendo o animal comemorar, jogando terra para dentro do abismo. Ele tinha mesmo essa mania de jogar terra nela, que sempre a fazia pragueja-lo. Desta vez não foi diferente.
Jasper se animou, pois ele certamente saberia onde os demais estavam, principalmente Lápis. Caso conseguisse sair de lá, Steven Junior poderia guia-la até a jovem de cabelos azuis.
- BÉÉÉ! – O bode suplicava pela sua saída de lá.
- Daqui a pouco eu vou estar aí e vou jogar terra em VOCÊ. – A loira prometeu sua vingança, já se sentindo um pouco mais confiante para retribuir. Sua essência estava retornando, ao menos o suficiente para resmungar.
Ela imaginava que os metais que a seguravam não deveriam ser muitos confiáveis, especialmente tão retorcidos e deformados, então decidiu ser o mais cautelosa que conseguisse.
Agarrando-se firmemente às hastes instáveis, cujas contorções acabaram a ajudando em seu trajeto vertical, ela aos poucos foi se aproximando da saída. As estruturas sacudiam quando tocadas, e emitiam um barulho assustador, que fazia seu sangue congelar. Porém, mesmo diante das adversidades, ela se recusou a olhar para baixo.
Seu corpo vacilava na precisão de seus movimentos, o que não era o mais desejável, especialmente ali. Estava muito esgotada pelas lutas em que se envolveu, da sufocante caldeira do trem e agora da explosão. Tudo que desejava naquele momento era sair, se libertar do medo de escorregar para uma queda mortal, ver Lápis e, em seus pequenos braços, adormecer sob seus cuidados.
Distraída com sua imaginação, focada em futuros momentos felizes com sua amada, Jasper não percebeu quando deu o último e decisivo passo para fora do abismo. No momento em que tocou a terra firme, e recebeu lambidas no rosto de Steven Junior, ela sorriu. Mal podia acreditar que tinha conseguido. Estava tão atônita que nem sequer tentou afasta-lo, apesar do hálito péssimo.
- Onde...estão...todos? – Jasper perguntou, ofegante, esperando que o animal a guiasse. Mas ao mesmo tempo, estava sendo atormentada por uma sensação de desaparecimento, como se Lápis estivesse cada vez mais longe.
Steven Junior abaixou a cabeça. A loira ficou o encarando, esperando que ele indicasse algo. Conforme o animal não se manifestou, Jasper sentiu como se tivesse sido brutalmente esfaqueada no peito. Aquela sensação estranha fez sentido.
- Ela foi embora? Ela me...abandonou? – A loira apertou sua mão contra seu peito, onde sua pulsação ainda encontrava-se acelerada. Aquilo não poderia estar acontecendo.
- BÉÉÉÉÉÉ! – O animal pareceu negar, nervoso.
- Espera, ninguém conseguia ver que eu estava lá, não é? Então...ELA PENSA QUE EU MORRI!
- BÉÉ.
- Todos pensam? E foram embora, como planejaram, já que a fazenda está detonada.
- BÉÉ.
- Oh, droga...a Lápis pensa que eu morri! Ela deve estar tão arrasada! E os outr...
Jasper sentiu seu corpo ser subitamente assolado por uma fraqueza, e se sentou no chão, tentando se recuperar. Sua cabeça doía violentamente.
Sua resolução mental ficou bem prejudicada. As prioridades mudaram instantaneamente, e ela somente desejava entrar na casa na fazenda de Greg, se jogar na cama e dormir até não aguentar mais.
Ela queria muito ir embora...a questão era como. O bode de porte pequeno não poderia lhe dar carona.
- BÉÉ! – Steven Junior chamou a atenção de Jasper para uma imensa rocha.
A loira foi verificar do que se tratava, e ficou extremamente surpresa ao encontrar um cavalo grande e imponente escondido atrás dela. Aquilo era bem conveniente, já que ela não poderia caminhar até a fazenda.
Ao olhar a sela e ver costuras amarelas no couro selvagem e desgastado, ela descobriu de quem era o cavalo. Um sorriso maquiavélico formou-se em seu rosto. Aquilo sim seria uma boa vingança.
- Então foi com esse corcel que Yellow Diamond veio para cá! A desgraça já bateu as botas, mas claro que não vou desperdiçar a chance de dar mais este desgosto a ela. Vou ficar com o cavalo para mim! – Riu, apanhando Steven Junior do chão e montando no cavalo.
Extraindo energias de fontes misteriosas, que desconhecia a existência dentro de si, Jasper cavalgou no magnífico cavalo de pelagem dourada. O bode, estranhando a situação, não pôde deixar de se agitar um pouco, em baixo de seu braço, durante a parte mais cheia de solavancos do trajeto até a fazenda.
Ao chegarem no terreno familiar, Jasper só podia raciocinar o suficiente para levar o cavalo de Yellow Diamond para o celeiro e nomeá-lo de Estrela Galopante. Steven Junior sentiu-se levemente enciumado por ter sido chamado por ela somente de Bode, mas logo relevou e saiu de perto da loira, o que lhe causou alguns instantes de intrigas internas sobre o que ele poderia estar fazendo.
Completamente exausta, a loira partiu do celeiro para a casa, cuja porta da frente felizmente estava aberta, devido às circunstâncias em que os demais partiram. As lembranças que aquele lugar lhe trazia eram dolorosas e, ao mesmo tempo, lhe transmitiam uma doce sensação de nostalgia que massageou suas aflições.
Ela cambaleou no interior dos cômodos, onde esbarrou em alguns móveis por não ter forças para se desviar deles. Estava escuro, a visibilidade era terrível, e mesmo que não fosse, seus olhos estariam cansados demais para processarem qualquer coisa.
Subindo as escadas praticamente com a ajuda de intervenção cósmica, Jasper conseguiu chegar ao segundo andar, onde imediatamente foi para o quarto em que dormira com Lápis na noite anterior.
Ela se dirigiu até a cama, onde se atirou bruscamente, como uma pedra em queda livre, fazendo o móvel estralar. Estava tão vazio lá...a ausência de Lápis era tão evidente.
Ao ouvir alguns passos no corredor, que lembravam o som do bater de cascos, ela se surpreendeu com a volta de Steven Junior. O animal estava com o focinho todo sujo de alguma coisa escura, que parecia terra, e carregava algo.
O bode se aproximou de Jasper, soltando o que trazia sobre a cama. Tinha raízes e folhas.
A loira cheirou aquilo, e a parte que não estava impregnada com o terrível hálito de Steven Junior revelou que era um rabanete. Ela estranhou, afinal Steven contara que o animal comia besouros...então...o rabanete era para ela?
Mesmo sabendo que aquilo estava provavelmente contaminado com dúzias de agentes que poderiam lhe fazer mal, Jasper deu de ombros tudo e comeu a parte do rabanete que não fora babada por Steven Junior, ignorando a terra e tudo o mais. Estava tão fraca e faminta que parecia um banquete.
O animal a observava satisfeito, como se acreditasse piamente que ela melhoraria em breve. Mas ela não partilhava de tanta certeza.
- Bode...eu não quero morrer! Eu só queria proteger a mulher que eu amo. E ser feliz com ela. E... - Jasper tinha uma pesada tristeza em sua voz, e esse mesmo peso recaiu para seus olhos na forma de lágrimas. O corpo dela estava tão colapsado que suas lágrimas não tinham nem mais o típico gosto salgado.
Olhando o animal, que se deitou no chão ao lado da cama para lhe fazer companhia, algo chamou a atenção de Jasper no criado-mudo a seu lado. Era um objeto com brilho envernizado, que reluzia com os modestos feixes de luz da lua que entravam pela janela, desimpedida por cortinas.
Reunindo custosamente suas energias restantes, que àquela altura era insano que continuassem estocadas, ela esticou o braço até o criado-mudo, apanhando o objeto e o trazendo para perto de si. Ela sabia exatamente o que era: a caixinha de música.
Após apoia-la no reconfortante colchão, Jasper deu corda para que ela tocasse a música e, consequentemente, conferir condições para o bonequinho se mover.
Aquela melodia delicada, harmoniosa e tranquila, mas ainda assim marcante e memorável, a lembrava de Lápis. Talvez porque estavam juntas quando o som foi tocado pela primeira vez. Talvez porque a caixa fora um presente da jovem de cabelos azuis. Ou talvez porque a própria Lápis era daquele jeito. Era como a música.
Quando a corda dada acabou, tudo parou. Jasper olhou para o objeto com martírio. Ver a inatividade a abalou profundamente.
- Não posso deixar minha corda acabar também! - Falou com firmeza, e ficou levemente entusiasmada quando viu que passara seriedade suficiente para Steven Junior sacudir o rabo para ela, em animação.
Ver a alegria do bode motivou Jasper, lá no fundo. Ela sorriu discretamente, deixando emergir sua vontade de continuar lutando em forma de brilho nos olhos.
A imagem de Lápis lhe veio à mente uma vez mais, e a pouco vontade de desistir que restara evaporou de todo o seu ser. Não importava o que acontecesse, ela veria a sua amada novamente. O preço disso também não lhe interessava, ela derrubaria exércitos inteiros só para vê-la mais uma vez. E dizimaria um milhão de exércitos para que pudessem ficar juntas por quanto tempo o futuro permitisse.
E essa brasa em seu peito, que voltara a arder intensamente, a fez ter certeza que ela tinha forças para superar aquela crise, reencontrar sua amada e, eventualmente, devolver Steven Junior ao seu pai de criação. Ela imaginou que Steven estava sentindo falta do seu animal.
- Lápis...minha pirralha que eu amo tanto...onde quer que esteja, boa noite. - Murmurou, virando a cabeça para a janela, imaginando onde a menor poderia estar.
- BÉÉÉ! – Steven Junior reclamou por não ter recebido os simpáticos votos dela, sendo que estava lá fisicamente.
- Ah, desculpa, Bode! Boa noite para você também. E...obrigada. Eu não teria conseguido sem você.
O animal ficou lisonjeado, e por fim deixou-se levar pelo sono. E contemplando o luar parcialmente visível pela janela, Jasper se rendeu também. O seu descanso teria de ser muito reparador para sua recuperação...
Enquanto isso, cada vez mais longe, a carruagem onde Lápis e os demais estavam já saía do Arizona. Movida com os quatro cavalos inicias, mais Gem e Tiroleio, e com o auxílio do burro Crystal, ela avançava rapidamente pela paisagem árida.
Após esvaziarem o espaço interno de tudo que era dispensável na cabine, o grupo coube lá dentro para a viagem. Greg, Steven e Lápis estavam sentados de um lado, enquanto Ametista, Peridot e Blue Pearl do outro. Garnet e Pérola estavam no banco do cocheiro, controlando as rédeas.
Estavam todos no mais absoluto silêncio. Ainda era difícil processar tudo que aconteceu em tão pouco tempo. Todos encontravam-se tristes, todavia ninguém se comparava a Lápis.
Cabisbaixa, sentindo lágrimas deslancharem por sua pele, ela chorava. Nada que os demais lhe dissessem a fazia se sentir melhor. Ela sentia dificuldade até de respirar, devido ao ritmo frenético de seus prantos.
Sua mente repassava os momentos durante e após a explosão incansavelmente. Várias e várias vezes, sem parar, ela revia as razões de sua dor. Eram lembranças tão vívidas que ela sentia como se estivesse presenciando aquilo tudo de novo.
Lembrava-se dos olhares de todos os presente, direcionados a ela, quando sua silhueta caíra longe da bola de fogo. Ignorando sua audição, como se não conseguisse perecer o insuportável barulho da explosão, ela apenas se colocou em pé e caminhou para longe do calor que o fogo, prestes a se apagar, ainda emanava.
Os passos de Lápis, atribulados e cambaleantes, eram atrasados pelo choque em que ela se encontrava. Sua saia estava parcialmente queimada, os cabelos bagunçados e as mãos trêmulas, mas, no geral, ela parecia bem...ao menos até o desespero se estampar em sua face.
Ela estava muito aflita, porém não tinha forças para dizer nada. Ela apenas se rendeu aos prantos e a um olhar distante que se concentrava no céu límpido daquele pôr-do-sol.
Garnet a olhava com apreensão e uma abalada expectativa que fossem lágrimas decorrentes do susto. Logo o fato de Jasper não estar a acompanhando ficou claro como o real motivo.
A xerife e Steven apenas olharam a cena à distância, enquanto os demais foram ajudar Lápis em seu andar. Os dois continuavam desolados, e se questionaram inúmeras vezes se aquilo fora mesmo real.
Steven, que observava Lápis se desfazer em prantos olhando o local do incidente, agarrou-se à perna da xerife. Ela lhe transmitia esperança e autoridade.
- Ela...? – O garoto perguntou, um pouco triste.
- Eu sinto muito. Ela não conseguiu se salvar. - A xerife sentiu um desconforto em seu peito, que logo emergiu para seu rosto na forma de lágrima.
- Você está chorando? Pensei que não gostasse dela.
- É o meu trabalho não gostar. Eu pretendia prendê-la quando tudo isso acabasse...mas...era a rival mais digna que já enfrentei, uma verdadeira adversária. E parece que ela venceu, afinal eu não fui capaz de prendê-la.
Steven ficou satisfeito com a resposta, que mesmo assim não apaziguou o descrédito que estava sentindo. Como Jasper poderia simplesmente desaparecer assim, de um momento para o outro?
Quando olhou para Lápis, que fora sentada em uma pedra pelos demais, um turbilhão de sentimentos cruzou seu peito. O estado em que a ponte e o trilho ficaram o fez imaginar como Jasper poderia ter ficado, caso sobrevivesse...entretanto, era impossível vislumbrar alguém se salvando daquele completo caos ardente.
Com as têmporas sendo pressionadas contra os joelhos, e as mãos torcendo a pele da testa, a jovem de cabelos azuis sofria inconsolavelmente. Ela sentia as lágrimas mornas sendo absorvidas pela sua saia e outras escorrendo para seu nariz. Um denso amargor tomou seu coração.
Um toque em seus ombros chamou sua atenção, e ela imediatamente levantou a cabeça, torcendo para que fosse Jasper. Mas não era.
- Você se machucou? - Steven tentou ajudar, ao menos mostrando que se importava com ela.
Lápis respondeu-lhe com bastante sacrifício, e mesmo com os seus esforços, não foi possível entender o que ela dissera. A voz trêmula, o soluço, o choque, tudo parecia lhe sabotar enquanto tentava pronunciar qualquer coisa compreensível. Ela ainda não acreditava no que sua amada fizera para salva-la.
- Ela deu um beijo na minha testa, disse que me amava e me jogou para fora do alcance da explosão. - Após Lápis ter se recomposto um pouco, ela explicou.
Suas palavras arrancaram lágrimas de todos os presentes. Jasper a salvou, sem se importar consigo mesma. Ela encontrara uma eficaz maneira de impedir que o fogo a atingisse.
Em homenagem à loira, Steven tirou seu chapéu de palha, e o segurou na frente da sua barriga. Era a sua forma de demonstrar seu respeito a ela, como um gesto fúnebre à mulher que ele mal conheceu, e mesmo assim se afeiçoou bastante.
Os outros se concentraram em consolar Lápis, que chorava desconcertantemente. Todo apoio era pouco.
Ele queria saber o que fazer para ajudar, porém concluiu que tudo seria em vão. Nem ele mesmo conseguia se convencer sobre a morte de Jasper, então como poderia servir de apoio para alguém?
Steven Junior, que gostava tanto de Jasper, estava sentado na beira do abismo. Ele parecia estar esperando. Ele imaginou que o bode, sem ter a menor noção do contratempo que a loira teve, estava se iludindo.
Ele viu Greg se aproximar lentamente, e apoiar a mão em seu ombro. O fazendeiro observou o animal também, e sentiu pena tanto dele quanto de Lápis.
- Acho que devemos ir embora daqui logo. Este lugar só vai aumentar a dor da Lápis. - Greg o chamou, despertando uma intensa contrariedade nele.
- Não! Ainda não! A Jasper pode... - O garoto tentou argumentar.
- Filho, ela se foi. Eu lamento.
- Eu não entendo.
- Nem eu. Mas ela fez duas coisas incríveis: salvou quem ela amava e destruiu quem odiava. Ela partiu em grande estilo.
- Mais duas jogadas de mestre dela.
- As últimas.
- Nós vamos para Oklahoma? Mesmo sem a ameaça da Yellow Diamond?
- Sua mãe está nos esperando, filho. E eu quero muito passar um bom tempo com ela!
- Eu também. E com a Connie.
- Vou chamar as outras, e voltaremos para a fazenda depois, onde arrumaremos as coisas para a viagem. Temos um longo caminho pela frente.
Steven assentiu, e seu pai logo comunicou as jovens sobre seu desejo de partir prontamente. Todas concordaram, afinal sabiam que continuar naquelas terras só traria angústia para Lápis.
Com a ajuda de Pérola e Garnet, a moça de cabelos azuis foi guiada pela paisagem, seguindo os trilhos de trem, a fim de chegarem até seus animais.
Steven pensou em chamar Steven Junior para lhes acompanhar, no entanto o animal não parecia nem um pouco interessado em ir embora. Steven achou melhor deixar seu bode ficar, afinal fora esta a decisão dele, e não era justo força-lo a viajar por semanas em uma carruagem.
Após algumas horas de uma cansativa caminhada do grupo, onde Lápis sentia-se ainda em animação suspensa, eles finalmente chegaram à estação de trem abandonada, onde os veículos e animais ficaram. Lá prenderam os cavalos e o burro à cabine, tornando a carruagem ainda mais gloriosa e veloz que nunca.
Com Garnet e Pérola no banco do cocheiro, e os demais na cabine, o grupo logo foi conduzido de volta para a fazenda, com certo custo, graças à baixa visibilidade noturna. Lá reuniram todos os suprimentos necessários para a viagem, e fazendo o possível para pouparem espaço.
Uma vez que tudo estava pronto, eles partiram. Lápis era totalmente contra ir embora tão imediatamente após o acontecimento, mas entendia a intenção dos demais em terem pressa para afasta-la dos locais onde ela tanto amou, e agora, tanto sofreu.
Apesar de compreende-los, ela não queria ir embora ainda. Aquele deslocamento para longe parecia um abandono. Não fazia sentido para ela viajar se não fosse na companhia de Jasper. Nada fazia muito sentido sem a presença dela.
Era estranho a forma que ela sentia que estava deixando Jasper para trás. Ela não conseguia acreditar que ela estivesse morta, algo dentro dela insistia em lhe dizer que a conexão que permanecia entre elas ainda existia, que não era tarde demais. Talvez porque sentisse que era um elo eterno, ela não entendia.
Ao penso em seu vínculo, Lápis imediatamente se lembrou do colar de Jasper em seu bolso, que fazia par com o que ela levava no pescoço. Ela não teve oportunidade para devolver a malaquita à sua amada...e isso foi mais um golpe em seu coração ferido.
- Meu amor...eu nem tive tempo de te devolver. – Ela apertou a pedra com força, levando-a até seu rosto e deixando lágrimas caírem sobre a estrutura verde e lisa.
Steven via a jovem cada vez mais ferida e aflita, e tentou distrai-la. Ele sabia que falar de outro assunto seria inviável, afinal era só nisso que todos pensavam. Somente no que aconteceu.
- Lápis, o que você ia perguntar para ela? - Steven questionou, curioso. Achou que se ela falasse o que não teve chance de dizer para Jasper, isso lhe trazer algum conforto, e talvez a ajudasse a sentir que não deixara este assunto inacabado.
- Eu ia pedir para ela ser minha para sempre. - Lápis encostou sua cabeça na carruagem, deixando mais lágrimas pesadas escorrerem.
- Como assim?
- Ia perguntar se ela queria se casar comigo.
- O QUE??? Sério? Ah, não é à toa que isso te deixou tão abalada!
- Não pude perguntar, ela não pôde me responder. E agora eu nunca saberei.
- Eu tenho certeza que nada a faria mais feliz!
- Obrigada por dizer isso.
- Acho que o tempo vai amenizar essa dor, esse arrependimento que você está sentido...talvez até te ajude a esquecer boa parte de tudo isso que está te afetando agora.
- Eu duvido, Steven. Eu a amo tanto...não tem como deixar isso para trás.
- Então foque no que está por vir! O futuro pode te trazer coisas novas!
- Não quero uma coisa nova...quero a minha Jasper de volta!
- Eu sei. Também queria que ela voltasse para você. Ela era muito legal.
- Era mesmo...
Lápis olhou para a paisagem uma última vez, a fim de admira-la, como admirou quando passou por lá com Jasper. Ao longe, se via um imenso moinho, com uma roda d'água girando ao lado. Na modesta ponte que ligava um lado ao outro das margens de um estreito rio, construída de pedras acinzentadas, dezenas de pequenos cata-ventos giravam com o vento da noite, soprado do Oeste.
Enquanto observava os cata-ventos, Lápis se assustou com o repentino pouso de uma grande ave naquela ponte. Uma que lhe pareceu bastante familiar.
A forma com que aquele urubu a olhava era igual à forma que Chuck o fazia. A plumagem era idêntica também, assim como o tamanho. Era uma estranha coincidência.
E a voz de Jasper ecoou em sua mente, com algo que a loira lhe dissera há muito tempo, sobre as lendas indígenas dos urubus: “Na maioria das histórias, os urubus representam o mistério. Onde há um entre os vivos, há algo interessante acontecendo.”
Lápis se perguntou o que poderia estar havendo de interessante. O que o urubu queria presenciar? E, por tudo que é mais sagrado, por que se parecia tanto com Chuck? Ele virou seu almoço há bastante tempo!
E se perguntando sobre aquela curiosa coincidência, Lápis sentiu seu olhos se fecharem lentamente, até que se rendeu ao sono. Ela sentia já muita saudades de Jasper, e achou que teria que conviver com essa agonia para sempre...mal sabia ela que, naquele momento, a loira acabara de despertar de seu desmaio, sentindo sua falta também.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.