- Bom, esse é o seu quarto – Susana abriu a porta. – O meu e de minha irmã fica logo ao lado então, se precisar de alguma coisa, é bater. – Sorriu amigável. – Mais tarde eu tentarei passar por aqui para te mostrar a casa, mas talvez Lúcia faça isso antes de mim. – Saiu do quarto, dando privacidade para Maria Júlia.
Esta apenas fechou a porta e pousou sua pequena mala ao lado da cama, e analisou seu quarto. As paredes eram verdes, cor que entrava em harmonia com o castanho dos móveis de madeira. Um armário, uma mesa e um pequeno criado-mudo, juntamente de um baú e da cama, é claro.
Sentou-se na cama, que tinha um colchão duro demais para ser “confortável”. Colocou a mala em seu colo e abriu-a, se deparando com um papel quase amarelado, dobrado ao meio.
Querida Maju,
Eu sinto muito por ter deixado-te nesse mundo cruel, minha filha, e sinto em dizer que foi preciso.
O seu destino, minha flor, estava escrito há muito tempo, e eu não sou capaz de tentar alterá-lo.
Ao mandar-te para longe de nossa casa, do outro lado do oceano, eu salvei a sua vida, flor. Você pode pensar que não, mas acredite em minhas palavras.
Eu há muito que lamento a perda do seu pai, e cansei de me deitar a noite cansada, contando os dias para encontrar-me com ele, com o amor da minha vida.
E, minha flor, como você me faz lembrar dele.
Os olhos que encantam qualquer um. A esperteza, o amor do viver. Você é a minha última recordação de um grande amor, e é por isso que me vou embora, flor.
Não se culpe – não ouse fazer isso. Apenas lembre-se todos os dias o quanto eu te amo e o quão forte você é.
Da sua amada mãe.
Contra a vontade dela, as lágrimas deslizavam sobre sua face, indo de encontro com a barra do vestido dela. Suas mãos estavam trêmulas, assim como suas pernas. Aquilo era um pesadelo.
- Por que você está chorando? – Uma voz aparentemente preocupada perguntou, fazendo com que Maju se assustasse.
- Não é nada. – Afirmou com a voz embargada por conta do choro.
- Nada? Ninguém chora assim por nada! – Lúcia exclamou, se aproximando.
- Lúcia, eu não quero dizer. – Voltou a chorar.
- Não tem problema – Sorriu como forma de consolo. – Eu guardo segredo. – A abraçou.
- Obrigada, Lúcia. – Encaixou-se no abraço da mais nova.
- Agora, tira essa cara triste! Vem comigo conhecer a casa. – Estendeu a mão.
- Tudo bem. – Pegou na mão de Lúcia.
Puxou Maju por todos os cantos da casa. Entraram em todos os quartos e inclusive no escritório do professor, o que era proibido.
- Não teremos problemas por isso, certo? – Maju hesitou.
- Claro que não! – Lúcia respondeu.
Elas se divertiram correndo pelos corredores e Maju tirou aquela carta da cabeça. As duas entraram, por fim, numa sala esquisita. Não havia nada por lá, exceto um grande armário.
- Que sala estranha. – Maju comentou.
- Não é? Não sei porque só tem um armário aqui dentro, mas prefiro não perguntar. Acho que não podemos entrar nessa sala, mas não me lembro...
- De qualquer jeito, é melhor voltarmos.
Uma semana depois.
Um pequeno rádio na mesa do quarto dos irmãos Pevensie era a única coisa a fazer barulho por ali.
Os ataques dos alemães não param. Ainda nesta semana, houveram três bombardeios nas regiões de...
Susana desligou o aparelho de imediato. Pedro a olhou com as sobrancelhas franzidas, e ela apontou para Lúcia, que se distraía com a pintura por fazer no teto.
Um grande tédio era o que os irritava. O dia estava nublado e chovia como nunca, e não havia muito o que fazer, pois tinham de ficar dentro da casa.
- Vamos brincar de soletrar? – Susana sugeriu.
Ninguém respondeu, mas pôde-se ouvir um murmúrio de Edmundo dizendo que aquilo era ridículo.
- Claro! Começa ai. – Pedro respondeu.
- Hum... Enfatizar.
Foram assim por mais uma hora, e apenas Pedro e Susana falavam.
- Gastrovascular. – Susana falou. – Pedro!
- O que foi? – Respondeu distraído.
- Gastrovascular. – Repetiu.
- Espera. Isso é latim? – Perguntou.
- “Espera. Isso é latim?” – Edmundo zombou. – Ah, por favor! Se tem algo que isso é, acreditem quando eu digo que seria ridículo!
- Você tem outra ideia? – Susana replicou.
- Já sei! – Lúcia interrompeu. – Podíamos brincar de esconde-esconde.
- Não é má ideia. – Maju falou pela primeira vez por ali.
- Mas já estamos nos divertindo muito aqui. – Pedro ironizou.
- Ah, vamos! Por favor, por favorzinho! – Pediu.
- Um, dois, três, quatro... – Pedro começou a contar olhando divertidamente para os outros quatro. Todos saíram correndo.
- Onde eu vou me esconder? – Maju pensou alto, ficando por último. – O armário. – Lembrou, logo se direcionando para lá.
Pedro gritou o “prontos ou não, lá vou eu!” e Maju fechou a porta do armário com pressa. Começou a andar para trás, a espera do fundo do armário, mas não sentia nada.
Abriu os olhos e olhou para baixo, encontrando neve. Se assustou.
- Neve? Dentro do armário? Que brincadeira é essa? – Exclamou.
Se abaixou e tocou a neve, afim de verificar a sua verdadeira existência ou não. Era impossível.
Desviou seu olhar da neve branquinha para os casacos de pelo no armário para, enfim, o ambiente ao seu redor.
O céu, nublado, colorido num cinza claro, entrava em contraste com o verde-escuro das árvores quase totalmente cobertas por gelo. Grandes montanhas no fundo davam um ar mais assustador ao lugar, que estava mergulhado em completo silêncio.
Assustou-se ao ouvir Lúcia. Ela conversava com algo não-humano e que fez Maju rezar o terço três vezes. Um metade humano e metade bode a fez suprir um grito de espanto.
Se escondeu atrás de uma árvore por o que lhe pareceram horas e, quando a pequena Pevensie sumiu com a criatura estranha, ela quase entrou em pânico. Até cogitou a ideia de sair dali, mas tinha de esperar por Lúcia.
- E agora, Filha de Eva, já sabe o caminho? – Uma voz masculina a assustou.
- Sim, o guarda-roupa está ali. – Apontou Lúcia.
- Então vá para casa! E, espero que consiga me desculpar por aquilo...
- Não tem problema, senhor Tumnus. Só espero que nada aconteça com você por minha causa.
- Adeus, Filha de Eva. posso ficar com o lenço?
- Claro que sim!
Então, viu a garota de cabelos loiros acobreados correr até alcançar o armário, e foi atrás dela de imediato.
- Eu cheguei! Não se preocupem, estou bem! – Lúcia gritou, saindo da sala do armário. Maju esperou uns segundos antes de ir atrás dela.
- Do que você está falando, Lúcia? – Susana perguntou confusa.
- Eu fiquei fora por horas! Achei que estivessem preocupados! – Lúcia exclamou impressionada.
- Acho que a Lu não quer mais brincar. – Pedro concluiu.
- Mas é verdade! Eu estava com o senhor Tumnus, um fauno muito...
- Um fauno chamado Tumnus? Contra outra, Lúcia! – Edmundo resmungou.
- Mas eu juro que é verdade!
- Queríamos muito acreditar em você, Lu, mas... Não dá. – Susana falou.
- Diga por você mesma. – Edmundo reclamou.
- Dá sim! Venham ver vocês mesmos! – Puxou todos para dentro da sala. – Entrem no guarda-roupa e vejam com seus próprios olhos.
Pedro e Susana trocaram olhares e foram conferir o que a irmã havia dito. A mais velha bateu no fundo de madeira do armário e Pedro vasculhou dentro do mesmo.
- Tudo que tem aqui são casacos. – Pedro afirmou.
- E aqui está o fim do armário, Lu. Deixa de maluquice. – Susana concordou, batendo com a ponta dos dedos na madeira.
- Boa brincadeira, Lu. Nos pregou uma peça daquelas. – Pedro disse calmamente.
- Não é brincadeira nenhuma! – Exclamou com os olhos marejados. Maju e Edmundo apenas observavam a cena calados. Edmundo segurava o riso, enquanto Maju o fuzilava mortalmente por isso.
- Chega, Lúcia. Já brincamos muito por hoje. – Susana bancou a mais velha.
- É, principalmente de soletrar. – Edmundo debochou e levou um tapa na nuca da mais velha. Todos saíram do cômodo, deixando apenas Maju e Lúcia no local.
- Lúcia, me escuta. – Maju chamou-a.
- O que foi? Também vai me chamar de mentirosa? – Replicou, limpando os olhos cheios de lágrimas.
- Eu acredito em você.
- O que? Por quê?
- Eu acredito no que você disse porque eu também estava lá. Eu vi o senhor Tumnus.
- E por que não disse para os outros?! – Questionou indignada e feliz ao mesmo tempo.
- Porque os seus irmãos achariam que eu estava inventando só para te defender. – Explicou.
- Ah – Soltou. – Faz sentido.
- Mas não falemos nada disso por enquanto. – Avisou.
- Por quê?
- Porque tudo tem sua hora. – Sorriu ao falar. Aquilo foi o que sua mãe mais lhe dissera.
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