História Wealth - Primeiro

Ele não tinha depressão. Quer dizer, ele podia ter tudo, mas depressão parecia algo tão chato, comum e na verdade, parecia coisa de adolescente mal resolvido e, por favor, Harry era tudo, menos mal resolvido, pelo menos na vida financeira. Tudo e todos o viam de uma forma complicada, quando tudo era bem simples, ele só era um pouco sozinho e bem, solidão não iria matá-lo, talvez o tédio fosse o seu maior inimigo. Naquela noite quente de verão, não havia chuva como costumava acontecer, Harry estava em claro, para variar, bebendo uma xícara de leite morno na sala de jantar. Uma mesa extensa com mais de oito cadeiras e apenas dois lugares ocupados, Harry e sua sobrinha, por consideração, se vale mencionar, Adele, como ele gostava de chamá-la, ainda que este não fosse seu primeiro nome. Gostaria de dizer que havia um silêncio pairado no ar, daqueles que Harry gostava muito, daqueles que deixava a cabeça no travesseiro macio e lia um livro por noite, mas seria mentira. Adele não estava para brincadeiras e mesmo que seu tio amasse seu diastema quando sorria, ela parecia séria naquela noite.

“Se você ficar sozinho aqui vai adoecer.” Ela parecia tremendamente preocupada enquanto pegava um dos biscoitos frios que a cozinheira havia feito pela manhã e mesmo que estivessem um pouco insossos ela amava o sabor dos cookies.

Não queria ser insensível em dizer a única menina que realmente se importava com ele que parasse de se preocupar com coisas tão tolas quanto à solidão, mas Adele não se preocupava em especial com sua solidão somente, seu tio Harry era tão sozinho e sem explicação, afinal, ele era um rapaz jovem e gentil, deveria ser ao menos casado, ter uma moça para compartilhar de sua companhia faria a diferença e tudo o que ela queria era fazer com que ele tivesse convivência com alguém que não fosse Hutch, a cozinheira, Hillary, a empregada e claro seu adorável e querido sobrinho, Lonnie, uma criança de oito anos.

Adele queria fazer que seu tio abrisse as portas do castelo que ele chamava de casa e aproveitasse da vida, para alguém jovem, ele vivia como um velho. Eles quase nem tinham diferença de idade, a questão é que Gemma, sua mãe adotiva, havia criado uma família bem cedo fazendo que seu adorável tio Harry se tornasse tio tão jovem. Adele queria dar a Harry uma vida digna,  queria que ele saísse a noite para aproveitar a balada, queria que ele conhecesse novos projetos, queria que ele vivesse mais.

“Então, me arrume um cachorro.” Sugeriu em um tom brincalhão voltando toda sua atenção para o leite branquelo quase frio.

Por um instante pareceu uma idéia imbecil, afinal um cachorro não curaria seus problemas, mas Adele pensou por um instante e decidiu que seria um boa idéia, afinal podia ser uma desculpa para várias coisas, incluindo tirar seu tio de dentro de casa. E finalmente ela sorriu aquela noite mostrando diastema largo.

“Ótima idéia tio Harry, vamos a um canil amanhã pela manhã, que tal?” E Harry quase cuspiu todo o leite que tinha na boca.

Veja só, ele era chato em alguns pontos, afinal era quase como um velho, ter um cachorro parecia problemático, afinal, teria de dar banho, alimentar, passear, além de limpar toda a bagunça e sujeira que o carinha de quatro patas fizesse e era só que isso era um tanto quanto dor de cabeça, daquela que Harry preferia evitar.

“Eu estava brincando Adele, você sabe...” Ela não mudaria de idéia, ele sabia.

“Foi uma ótima idéia tio, você deveria brincar assim mais vezes, você sabe.” Ela riu daquela maneira nada delicada. “Vai ser divertido, relaxa.”

E naquela noite, Harry desejou ter tomado seu leite de boca fechada.