Cyborg respirou o ar puro e frio da noite, colocando as mãos nos bolsos da calça jeans que usava. Não precisava – e nem costumava – usar roupas, mas gostava de colocar uma camisa e uma calça quando ia visitar Eveline. Pensava que isso o tornava mais humano, mais próximo dela, e ela nunca havia reclamado por vê-lo vestido com roupas civis.
Ele subiu os cinco degraus que ficavam em frente a porta da casa dela, e tocou a campainha, esperando que ela o atendesse rápido. Estava de madrugada e o bairro não era um dos mais seguros de Jump City, o que o deixaria em maus lençóis, caso algum assaltante aparecesse e o reconhecesse. Eveline sempre falava que o bairro era bom e que os jornais exageravam quando publicavam sobre os níveis de violência do subúrbio, mas ele sabia que ela tentava deixá-lo mais tranquilo, falando que estava segura em sua casa. Bateu na porta mais algumas vezes e bufou alto quando percebeu que ela não o atenderia, provavelmente porque já estava dormindo. Abaixou-se e pegou a tartaruga de cerâmica que ficava em um vaso de plantas, tirando a chave reserva de dentro de seu casco. Abriu a porta e entrou, franzindo o cenho ao ver que a luminária que ela usava para iluminar o notebook estava acesa, cercada por papéis e xícaras de café.
- Eveline? – chamou, procurando-a em todos os cômodos da casa. – Eve? Você está aí? – gritou, parando na janela da sala. Abriu um pouco a cortina, vendo Eveline entrar na rua da casa, vestindo um roupão e tênis de academia. Sorriu e saiu correndo da casa, esperando-a nas escadas da entrada. – Oi! Onde você estava?
- O que você está fazendo aqui? – ela franziu o cenho.
- Vim te ver.
- Ah.
- Entrei na sua casa, mas não te encontrei. Quase fiquei preocupado.
- Saí para dar uma volta.
- Agora?
- É. Eu precisava tomar um ar. – ela se sentou no terceiro degrau da pequena escada.
- Aconteceu alguma coisa? – Cyborg abriu o T-Car e tirou uma caixa de chocolate de dentro do mesmo. – Eu comprei chocolate para você. – sacudiu a caixa.
- Obrigada, depois eu como.
- Você não respondeu a minha pergunta.
- O que você perguntou? – Eveline encarou o chão, distraída.
- Se aconteceu alguma coisa – Cyborg sentou ao seu lado, abraçando-a. – Seu roupão está molhado por causa dessa garoa fina... Quer entrar?
- Aqui tá bom. Trabalhei o dia todo e saí um pouco para espairecer. Minha cabeça está à mil.
- Imagino. Você está trabalhando demais. Precisa descansar um pouco, se quiser posso te fazer um chocolate quente com esses que eu trouxe.
- Obrigada, mas não quero. – ela fez careta. – Alguma coisa que comi não me fez bem.
- Quer que eu te examine? – ele a olhou. – Você está meio pálida...
- Não! Vai passar, e eu também senti saudade.
- Você está trabalhando tanto esses dias que eu não quis te atrapalhar.
- Você também não é a pessoa mais atoa do mundo – brincou. – Jogou muito vídeo-game?
- Bati meu recorde três vezes – Cyborg riu. – O Mutano está bravo com isso. – deu de ombros. – Por falar nisso, ele e a Ravena estão com o cabelo azul.
- Azul? Por quê?
- Até onde eu sei a Rae e a Kori aprontaram com ele e com o Asa Noturna. Trocaram o gel do Asa por cola e o shampoo do Gar por tinta. Agora, como o cabelo da Ravena ficou azul, eu realmente não sei. Não tive coragem de perguntar, você sabe como ela pode ser brava às vezes.
- Você tem uma foto? – Eveline gargalhou.
- Vou ficar te devendo.
- Eles devem estar engraçados.
- Se você quiser ir até a Torre para ver...
- Eu posso?
- Por que não poderia?
- Sei lá, bobeira minha.
Cyborg balançou a cabeça negativamente e segurou a mão direita de Eveline, acariciando sua pele com o polegar, enquanto dava um demorado beijo em sua bochecha.
- É por causa do Mutano, não é?
- Não quero mais problemas com ele, Vic.
- Ele só fica na defensiva porque não te conhece. É só ignorá-lo quando você estiver lá.
- Como posso ignorar uma pessoa verde que é muito mais alta que eu?
- Tendo em mente que ele não é louco de te machucar.
- Eu sei que ele não vai me machucar – Eveline suspirou. – Mas é impossível deixar que ele passe despercebido. Ele é alto, bonito, verde...
- Ele é o quê?
- Alto, bonito, verde, está com o cabelo azul.
- Bonito?
- Você não acha?
- Não!
- Eu acho, não sou cega.
- Ei! – Cyborg a olhou feio, brincando. – E eu?
- Você é normal. No meu “Top 10” de Titãs mais bonitos você nem entra.
- O quê? Não acredito!
- Sinto muito pela minha sinceridade.
- E por que você se envolveu com um Titã que não faz parte do seu Top 10?
Eveline respirou fundo e apertou o roupão ao redor de seu corpo, olhando para Cyborg pelo canto do olho. Ele a olhava seriamente e ela sabia que estava sendo minuciosamente analisada, como sempre acontecia quando ele lhe lançava aquele olhar.
- Aqualad é de outra equipe, eu não sei quem o Asa Noturna é, o Mutano me odeia, e você foi o único que me deu bola. – falou. – Ravena e Estelar não contam porque elas não namorariam comigo.
Cyborg suspirou alto e levantou, fingindo estar indo embora apenas para provocá-la. Eveline enrijeceu os ombros e balançou a cabeça negativamente, levando a brincadeira mais à sério do que o esperado.
- Você vai embora sempre que a conversa não te agradar?
- Só estou brincando, Eve. – ele parou de andar. – O que foi? Tá com os “hormônios à flor da pele”? – ela ficou em silêncio, encarando o chão. – Você está tão calada... Isso é estranho.
- Eu sei, só estou cansada. As coisas estão ficando pesadas para mim, literalmente.
- Literalmente? Eu sei que você carrega o JC News nas costas, mas não precisa ser assim.
- Mas é assim – ela se levantou, parando na porta de casa. – Estou me desdobrando para arranjar matérias que sejam boas para serem publicadas, Brad McBrien não para de atacar o jornal e eu virei chacota porque saio com você.
- O que tem demais nisso?
- Nada, mas alguns jornalistas acham que eu estou me aproveitando de você, que vou usar a sua fama para conseguir matérias de fofoca – entrou dentro de casa e abriu a caixa de chocolate. – É bobeira. – tirou os tênis e mexeu os dedos dos pés, fazendo uma careta de dor.
- Bobeira mesmo – Cyborg concordou, tentando pegar um chocolate.
- É meu!
- Egoísta! – riu, quando Eveline se afastou com a caixa.
- O quê?
- Eu só quero um.
- Você tem que respeitar uma mulher com desejos – ela esbravejou. – Desejou comuns. – acrescentou rapidamente.
- Desejos?
- Pode comer, Victor. – empurrou a caixa nas mãos dele.
Cyborg comeu um chocolate e tampou a caixa, devolvendo-a para Eveline, que a colocou em cima de alguns papéis que abarrotavam sua mesa de trabalho. Cruzou os braços e reparou mais um pouco em sua postura, estranhando os ombros encolhidos e o olhar distante. Eveline nunca ficava com o olhar distante, e ele podia falar com certeza, uma vez que era apaixonado por seus grandes olhos castanhos. Ela estava passando por algum problema, isso era óbvio, mas ele não sabia dizer o que era ou qual intensidade tinha.
- Eve, você está estranha – repetiu. – É saudade de mim?
- Sim. – ela o abraçou, escondendo o rosto em seu peito. – Fiquei muito sozinha essa semana.
- Sinto muito.
- Não tenho amigas e você é o único que vem aqui.
- Por que você não me ligou? A Kori está louca para te ver outra vez, e você ganhou o nome de “quase amiga Eveline”.
- Sério?
- Sim, ela e a Rae gostaram de você.
- D-De mim? – Eveline gaguejou, corando. – Tem certeza?
- Elas gostaram de você, pode acreditar. – Cyborg riu, mexendo nos papéis que estavam em cima da mesa. Pegou o envelope de um laboratório e franziu o cenho em curiosidade, tentando ver que tipo de exame era. – Você foi ao médico?
Eveline arregalou os olhos e tropeçou no tapete da sala, tomando o envelope das mãos de Cyborg. Abriu uma gaveta da estante ao lado da mesa e o guardou, trancando com a chave.
- É do Ashton, meu fotógrafo. Ele esqueceu aqui.
- E qual o motivo de todo esse desespero? Eu posso jurar que vi o seu nome escrito.
- O chocolate está afetando o seu cérebro.
- É. Quem sabe. – ele estranhou, mas não falou nada. – Então, o que você quer fazer?
- Deitar? – ela perguntou com a voz manhosa. – Meus pés estão doendo.
- Não seja por isso – Cyborg a pegou no colo, colocando-a no estilo “noiva” e levando-a para o quarto. – Pensei que você gostaria de dar uma volta de carro pela cidade. – deitou-a na cama. Ficou ao lado dela, observando seu rosto e seus longos cílios.
- O que você faria se fosse pai?
- Que tipo de pergunta é essa?
- Para a minha matéria.
- Qual matéria?
Eveline revirou os olhos e tirou os óculos, colocando-os no criado-mudo. Virou-se para Cyborg outra vez e umedeceu os lábios com a língua, sustentando seu olhar.
- A matéria que estou fazendo sobre paternidade – contou. – Estou entrevistando algumas pessoas e você está disponível.
- Eu não sei se quero ser pai. Tenho uma vida incrivelmente agitada sendo um super-herói e sou apaixonado por ela.
- Mas e se você fosse pai?
- Não sei. Nunca tive muito contato com o meu pai. Não nos falamos há anos.
- Como você lidaria com a notícia? – Eveline se deitou de bruços.
- Supondo que eu mude de ideia e decida ter um filho daqui a 10 ou mais anos – Cyborg olhou para o teto. – Acho que eu entraria em curto-circuito mesmo desejando um filho.
- Pode ser – ela riu sem vontade. – Mas você não está ajudando. Qual seria a sua reação agora?
- Estou no auge da minha vida, Eve. Sou livre, faço o que quiser e quando quiser, tenho um ótimo emprego e você.
- Do mesmo jeito que você estava no auge antes de se tornar o Cyborg?
- Acho que sim.
- Sua vida mudou por causa do acidente. Você perdeu a faculdade, seu corpo, sua mãe... As coisas simplesmente acontecem.
- Do jeito que você está falando parece que alguma outra coisa vai chegar e destruir a minha vida.
- Foi você quem me fez entender isso.
- Minha vida está perfeita. Não quero nada que a mude.
- Nem um bebê?
- Um bebê?
- Deixa pra lá – ela deitou direito. – Você não está prestando atenção.
- É só que isso não faz sentido – ele acariciou os braços dela. – Não vou ter filhos agora.
- Podemos parar de falar.
- Mesmo?
- Mesmo.
Cyborg abriu um grande sorriso e Eveline corou furiosamente, desviando os olhos dos dele.
- Faz tanto tempo que eu não te vejo ficar assim – riu. – Vermelhinha como pimenta.
- Você me fez perder a vergonha.
- Eu sei, mas sinto falta de quando você gaguejava.
- Você me assustava. Lembra quando foi na redação do jornal me ameaçar? Eu não soube o que fazer.
- Pelo menos isso nos aproximou.
- Sim.
- Tem certeza de que quer só dormir?
- Tenho. – ela suspirou. – Você me chamou para um primeiro encontro e não me beijou de verdade, lembra?
- E você queria que eu tivesse te beijado?
- O que você acha?
Ele a puxou para um beijo, esperando algo intenso e cheio de paixão, mas acabou recebendo um beijo leve e seus lábios quase não se tocaram.
- O que você viu em mim?
- Muitas coisas. Você é linda, meiga, fofa, inteligente.
- Eu sou, não é?
- Por que você não está me beijando hoje? Estou com bafo?
- Não, você não está. – ela riu.
- Então por que você não está me beijando direito?
Eveline suspirou alto e deu um selinho rápido nos lábios de Cyborg, afastando-se logo em seguida:
- Pronto.
- Isso não é beijo.
- Eu não vou conseguir parar se te beijar direito, Cyborg.
- E qual é o problema disso?
- Não quero fazer nada. – ela encarou as mãos.
- Tudo bem. – ele a abraçou por trás, ficando de conchinha. Ela pegou suas mãos e colocou em cima de sua barriga, entrelaçando seus dedos. – Seu desejo é uma ordem.
- É por isso que estou caidinha por você.
- Você está caidinha por mim?
- Estou.
- Eu também estou por você. – acariciou as mãos dela com os polegares. – Nós somos uma boa equipe. Só nós dois e mais ninguém.
- Ninguém?
- É.
- Para mim sempre tem espaço para mais um.
- Não precisamos de mais ninguém.
- É.
- Pensa comigo – Cyborg falou. – Somos jovens e desimpedidos, livres para fazer qualquer coisa. – Eveline foi se encolhendo, sentindo-se mal com as palavras dele. – Existe sensação melhor? – ela não respondeu. – Eve?
- Tá quase amanhecendo – ela disse com a voz embargada. – Você pode... – engoliu o choro. – Ir embora? Quero descansar um pouco.
- Por quê?
- Estou cansada e você está me atrapalhando.
- Nossa, tudo bem.
Ela se levantou da cama e ficou no canto do quarto, encarando o chão. Cyborg também se levantou e passou as mãos pela calça jeans para desamarrotá-la, completamente bravo.
- Já estou saindo.
- Ótimo.
- Não vou mais te atrapalhar. Quis te fazer uma surpresa porque eu estava com saudade, mas você está estranha desde que eu cheguei. Você estragou tudo, parabéns!
- Já matou a saudade, falou sobre a sua vida sem regras e cheia de felicidade, agora pode ir. – Eveline engoliu em seco. – Se você soubesse que quem estragou foi você...
- Estraguei? Como?
- Não importa. Eu não quero que você volte.
- O quê? – Cyborg perguntou, chocado.
- Não quero que você volte até eu ligar. – ela falou baixo, encarando o chão.
- Você acabou de falar que está caidinha por mim e agora isso? Você é louca!
- Vai embora, Victor.
- Não precisa me ligar, ok?! Era só falar que queria terminar e eu entenderia perfeitamente, já passei por isso antes. – ele pensou em Sarah.
- Eu não quero ter...
- Não precisa inventar desculpas, pra mim já deu.
Quando Cyborg bateu a porta principal da casa, Eveline caiu de joelhos no tapete da sala e abraçou o próprio corpo, chorando sem parar. Esteve com a chance de falar o que estava acontecendo nas mãos, mas preferiu fugir e destruiu tudo. Olhou de relance para a gaveta que havia trancado e pegou uma das almofadas de seu sofá, jogando-a com força na porta e gritando alto o bastante para acordar seus vizinhos mais próximos. Queria dizer a ele que havia usado todas as suas forças para não ligar durante a semana e que gostaria de poder correr até ele e fazer juras de amor eterno. Esperava que ele soubesse que todas as vezes que ela ficou sem dar notícias no último mês aconteceram por uma razão e ela quase o procurou. Quase. Mas não podia entrar na vida dele desse jeito, principalmente depois do que ouviu quando estavam deitados.
Em contrapartida, Cyborg dirigiu em silêncio até a Torre e não falou nada quando entrou na cozinha. Repassou a madrugada toda em sua mente, tentando encontrar onde havia cometido um erro capaz de deixar Eveline brava e triste, tudo ao mesmo tempo. Levou chocolate, disse que estava com saudades, a beijou e foi gentil. Aparentemente, fez tudo certo. Não conseguiu identificar o que tinha feito e jogou alguns pedaços de beacon dentro da frigideira, prestando atenção no som que eles faziam dentro do óleo quente. O dia amanheceu e ele ficou com o olho humano vidrado na janela, perdido em seus pensamentos enquanto continuava tentando entender o que tinha acontecido.
- O dia nem acabou de amanhecer e você já vai comer carne, latão? – Mutano entrou na cozinha, secando o cabelo com uma toalha que acabou toda manchada de azul.
- Jesus! – Cyborg gritou. – Você deve fazer algum tipo de barulho antes de entrar!
- Eu estava esperando você me notar, mas você estava muito atento ao que acontece na praia.
Cyborg abriu a boca para responder, mas foi interrompido por Ravena, que entrou na cozinha dando passos duros e pesados, com um olhar repleto de raiva no rosto.
- O que aconteceu com o isolamento? – perguntou para Cyborg.
- Eu não sei...?
- Enquanto eu estava aqui tendo uma das piores noites da minha vida, você estava se divertindo na casa da sua namorada!
- Ei! Calma aí! Você não sabe como a minha noite foi.
- Você passou horas escutando os gritos e gemidos da garota do Dick? Aposto que não.
- Eu passei a noite muito bem até a Eveline brigar comigo. – Cyborg desligou o fogão. – Então não venha reclamar da sua noite porque a minha também foi péssima.
- Ela terminou com você? – Mutano perguntou. – Eu te disse que não daria certo.
- Eu sinto muito, Vic. – Ravena o olhou com pena. – Mas eu não tenho culpa do que ela fez.
- E eu não tenho culpa dos barulhos do Dick.
- Por que os isolamentos não funcionaram?
- Eles funcionam para barulhos normais, como móveis arrastando e portas batendo. Gritos não estão incluídos.
- Eu ouvi a cama batendo na parede.
- É um isolamento fino, Ravena. Foi colocado há um bom tempo e, até onde eu sei, quando éramos mais novos não precisávamos nos preocupar com barulhos sexuais.
Ravena encarou o chão e sentiu a tristeza que saía de Cyborg, sentindo-se momentaneamente culpada por tê-lo tratado de forma tão rude.
- Desculpa – encolheu os ombros. – Você está bem?
- Uhum. – ele se virou para o fogão. – Vou arrumar o isolamento do seu quarto mais tarde.
- Não precisa ser hoje.
- Quanto mais cedo melhor. – deu de ombros e olhou para Mutano. – O que aconteceu com você? Posso jurar que o seu pescoço está torto.
- Tente dormir em um McDonald’s no meio da estrada. – o metamorfo respondeu. – O tempo todo passa um carro ou caminhão buzinando e a mesa é baixa demais.
- E você, Rae? Onde dormiu?
- Eu fui com ele – Ravena contou. – Também dormi no McDonald’s.
- Vocês dois foram juntos?
- Você queria que eu ficasse aqui?
- Não, mas... – Cyborg olhou para ela e Mutano, balançando a cabeça. – Esquece.
- Nós só saímos da Torre para dormir, nada demais.
- Eu não disse nada! Pensei que você tivesse ido para a casa do Liam.
- Ele está cansado do trabalho e eu nem pensei nisso.
- Victor – Mutano o chamou, querendo acabar com o assunto “Liam”. – Por que a Eveline brigou com você?
- Não quero falar sobre isso, cara. Não preciso ouvir você falando “eu te avisei” agora.
- Deixa de ser chato! – Ravena deu um tapa na cabeça de Mutano. – Ele não quer falar sobre isso!
- Obrigado, Rae.
Ela acenou com a cabeça e recostou-se no balcão da pia, brincando com as pontas de seu cabelo azul. Asa Noturna entrou assobiando e cantarolando, chamando a atenção de seus amigos, que o olharam de forma assustada e quase chocada. Ravena rosnou baixinho e Mutano tomou a liberdade de segurar sua mão, mas ela se afastou dele, olhando com raiva para o líder, que continuou em sua felicidade particular.
- Richard Grayson – sibilou. – O que foi que aconteceu essa noite?
- Você está falando da melhor noite da minha vida? – ele segurou seu rosto com as mãos, beijando suas bochechas. – Se for, só posso dizer que foi maravilhosa.
- É melhor você ter lavado essas mãos. – o empurrou.
- Eu ainda não tomei banho...
- Que nojo!
- O que foi, Rave? Dormiu mal? – perguntou, preocupado.
- Eu nem consegui dormir! – ela gritou. – Você e a sua convidada da noite fizeram questão de me manter acordada!
- Ah – Asa Noturna sorriu, sem graça. – São coisas que eu não posso controlar. Sinto muito. Você vai entender um dia.
- Eu tive que dormir em um McDonalds’s! – cutucou o peito dele com os indicadores. – Com ele! – apontou indignada para Mutano, que sorriu amarelo. – Nós temos um vínculo e eu sinto as emoções das pessoas. Você tem ideia de como me ferrou? Isso está insuportável e passando dos limites.
Mutano puxou Ravena pela cintura, levando-a para longe de Asa Noturna. Ela tentou se livrar de seu aperto, mas preferiu prestar atenção na expressão de culpa que tomava conta do rosto do líder.
- Eu sinto muito, Ravena. Não pensei que você fosse tão atingida.
- Você não faz ideia. – o olhou brava. – Se a Kori estivesse aqui, ela também estaria com raiva de você.
Como se tivesse sido atraída pelo chamado de Ravena, Estelar entrou voando na cozinha, com o cabelo molhado e um lindo vestido com estampa de flores. Ela sorriu para os amigos e balançou a saia do vestido no ar, rodopiando entre eles.
- Glorioso dia, amigos! – olhou para Ravena e Mutano. – Vocês estão fazendo a chamada dança de casal?
- Não! – eles responderam juntos e se afastaram.
- A Ravena está tentando matar o Dick e eu a segurei para salvá-lo. – Mutano explicou.
- O que o amigo Dick fez de tão grave? – Estelar corou ao falar o nome dele.
- Ele não deixou ninguém dormir – Ravena cruzou os braços. – Da próxima vez que tiver uma noite “agitada” me avise que eu vou dormir na casa do Liam.
- Você teve uma noite ruim, amiga?
- Péssima.
- Aparentemente ela escutou barulhos muito altos, Kori. – Asa Noturna provocou Estelar.
- A-Altos?
- Altos e desnecessários. – Ravena bufou. – Eu vou pro meu quarto.
- Estou indo pra oficina. – Cyborg a seguiu para fora da cozinha.
Mutano riu baixinho e foi até Estelar, abraçando-a apertado. Suas narinas se contraíram e ele sentiu um cheiro diferente saindo dela, muito parecido com o perfume natural do corpo de Asa Noturna. Franziu o cenho e reparou no sorriso de ambos, juntando as evidencias em sua mente, como se estivesse montando um quebra-cabeça. Pensou estar louco na noite passada quando disse que o grito da moça que estava com Asa Noturna era parecido com o de Estelar, mas não estava tão errado assim. Ah, como ele amava seus sentidos melhorados. Eles nunca falhavam e Estelar havia, sim, passado a noite com Asa Noturna.
- Você está com um cheiro diferente, Kori – disse. – Como se você tivesse se esfregado no Dick por muito tempo.
- Estou? – ela engasgou, corando e olhando para Asa Noturna, que também ficou vermelho.
- Como foi a sua noite?
- Maravilhosa.
- Hm... A do Dick também.
- Eu dormi na casa do namorado Chris.
- Claro. Pelo menos vocês dois se divertiram. – Mutano sorriu maliciosamente para o amigo, piscando um olho. – Eu vou dormir um pouco. – afastou-se de Estelar e deu uma boa olhada nos dois. – Estou feliz por terem se divertido. – e saiu, gargalhando alto.
Asa Noturna esperou alguns minutos para ter certeza de que Mutano não voltaria, e puxou Estelar para um beijo, agarrando-se a sua cintura. Ela passou os braços por seu pescoço e o beijou de volta, flutuando baixinho.
- A noite foi ótima. – ele sussurrou.
- Eu sei. – ela sorriu. – O que você vai fazer hoje?
- Tenho que ler alguns documentos que o prefeito mandou e você?
- Nada de especial.
- Vamos nos ver mais tarde?
- Claro.
- Obrigado por tudo. – beijou sua testa.
- Eu que agradeço. – Estelar o abraçou com força. – Você precisa mesmo trabalhar?
- Infelizmente.
- Vou sentir sua falta.
- Eu também vou. – Asa Noturna a beijou de novo, preparando-se para sair da cozinha. – Até mais tarde. – sorriu e acenou.
- Até. – ela respondeu, fazendo uma dança da vitória quando ele saiu.
Ele estava inquieto, sentia todo o seu interior vibrando e um forte zumbido ecoava em seus ouvidos, como se alguém estivesse tocando um sino bem próximo de suas orelhas. Fechou os olhos com força e soltou um gemido que poderia se assemelhar a um rosnado – rosnado que ele não ouvia ou soltava há muito tempo.
Adonis segurou a cabeça com força e afundou os dedos nos cabelos, cambaleando até a cozinha para tomar um copo de água. O choque térmico causado pelo toque de seus pés quentes no chão gelado o fazia tremer, ao mesmo tempo em que passavam uma sensação boa, de que algo forte estava por vir. Colocou um pouco de água no copo e se olhou no reflexo da janela, admirando seu corpo que, de tanto ir para a cadeia e lutar contra os Titãs, acabou criando músculos de verdade, quase o suficiente para preencher sua armadura de metal.
Viu o brilho da Torre T no horizonte e apertou o copo com força, estraçalhando-o em mil pedaços. O barulho do vidro se espatifando ecoou em sua cabeça, e ele caiu de joelhos, gritando com toda a força e ar que tinha em seus pulmões. Olhou seu reflexo outra vez e viu um animal de pelo marrom, olhos raivosos e dentes completamente afiados. Engasgou e balançou a cabeça, escutando um rugido baixo saindo de sua garganta. Encarou-se outra vez e viu sua imagem real, o homem másculo e forte, que odiava os Titãs pelo tanto de vezes que eles haviam o prendido, e que tinha uma rixa em especial com Mutano.
Abriu a janela e apoiou as mãos no parapeito, olhando fixamente para Torre, pensando em uma Titã específica que morava lá. Cabelos roxos, ar misterioso, olhos capazes de fazê-lo implorar por misericórdia e, mais do que isso, um cheiro delicioso de fêmea, que o deixava louco. Levantou a cabeça e abriu os lábios, deixando que um uivo agudo escapasse de sua garganta, enquanto quebrava as unhas apertando o parapeito de cimento. Sentia uma coisa forte, um sentimento que já conhecia e, desta vez, o aceitaria completamente.
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