História Where is my mind? - Capítulo único

Era madrugada, e mesmo a incansável cidade parecia aquietar-se em meio às ruas vazias em tal caminhada sem propósito. Os prédios abandonados daquela parte da cidade eram como sonhos antigos: a construção do complexo residencial começara na década de 1980, mas foi logo abandonada, e apenas os esqueletos históricos restam no local, tal qual sonhos adolescentes em corações velhos, sempre esperando para serem redescobertos. Os mapas se esquecem sobre esse lugar, para sorte deles; os lugares que são esquecidos por todos são os que mais eles lembravam.

Ela respirou profundamente, segurando aquela mão maior que a sua enquanto subiam as escadas, guiando-se pela luz da lua. Não faz diferença o horário que é agora: o tempo é sempre o mesmo e sempre o agora nas cidades que nunca dormem. Como um filme do fim dos anos noventa, eram apenas dois adolescentes explorando ruínas, sujando desgastados pares de All Star na poeira vermelha dos tijolos, enquanto as cigarras ecoam os carros em seu canto veranil.

— Tem mesmo certeza de que não tem ninguém aqui? — Konan perguntou, apenas para ter certeza.

— Não, está vazio. Pelo menos por essa noite, temos um prédio inteiro só para nós. — o ruivo riu. Em seus olhos, ela podia ver um campo inteiro de girassóis, tão amarelos e alegres que poderiam pertencer a uma pintura de Van Gogh, mas eram certamente raros na vida real. Não são todas as pessoas que têm em si o brilho místico da arte.

Chegaram ao último andar. De lá, podiam ver toda a cidade: estavam a metros e metros do chão, e tudo mais parecia minúsculo, quando não se misturava ao borrão de luzes urbanas. Sob o chão, estenderam uma toalha velha, manchada de vermelho, uma lembrança de uma torta de cerejas de uma outra ocasião; agora, o que traziam para aquela madrugada era comida chinesa do velho restaurante perto da última estação de metrô, e refrigerante um tanto sem gás que estava na geladeira da casa de Pain há tempos. Ao lado, o rádio de pilhas, uma relíquia de uma época que parecia tão distante dessa realidade, transmitia a seleção da rádio de música alternativa local.

Estavam acabando de jantar quando uma das músicas da seleção começara a tocar, chamando a atenção de ambos. Era impossível não reconhecer.

With your feet on the air and your head on the ground, try this trick and spin it, yeah. Your head will collapse but there's nothing in it, and you'll ask yourself: "where is my mind?", "where is my mind?", "where is my mind?".

Rindo, os dois se beijaram, aproveitando cada segundo e cada sensação ao máximo. Momentos exóticos como esse deveriam ser colhidos como flores raras e preciosas, porque jamais voltariam a se repetir: aqueles prédios seriam demolidos em breve, e não poderiam mais voltar ali. O lugar poderia ser bem menos importante que a companhia um do outro, mas ainda era parte da memória.

— Você me conheceu num tempo muito estranho da minha vida. — Pain disse. A referência ao filme Clube da Luta, ao qual a música tocando pertencia, não era novidade para nenhum deles, mas talvez tivesse uma pontinha de realidade nela. Adolescência é um tempo estranho, de novas responsabilidades e mudanças (algumas boas!), e sentiam-se felizes de terem encontrado um ao outro.

— Não podemos quebrar a primeira regra, esqueceu? — a jovem respondeu, fazendo outra referência ao filme. Os dois brindaram o refrigerante ligeiramente quente e sem gás como se fosse o néctar dos deuses: talvez realmente fosse, já que naquele lugar que era tão esquecido, poderiam se proclamar deuses e inspirar nas bebidas uma pitada de magia urbana.