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História Wolf Moon - Chapter 19


Escrita por: KerinaLannister

Notas do Autor


Vim atrasada, desculpem, mas aqui está.
Esse é um song chapter, link da música nas notas finais pra quem quiser ouvir. Espero que gostem tanto quanto eu, me apaixonei por esse capítulo

Capítulo 19 - Chapter 19


Fanfic / Fanfiction Wolf Moon - Chapter 19

Charlotte

 

O resto da conversa com a Alcateia fora tranquila e até animada. Todos optaram pela cerimônia ser essa noite mesmo, eu concordei apenas para encerrar de uma vez com este capitulo e dar início a um novo. Um capítulo onde eu, Charlotte Angus Murray, seria a loba do Alpha de Lewiston pelo resto de minha vida. Ainda não aceitei por completo esta decisão, uma parte de mim continuava incrédula e não queria abandonar a vida de loba solitária – fazem uma ideia de que parte é.

 

‘Ainda bem que sabe.’ Minha loba comentou tanto em brincadeira quanto séria.

 

Esse conflito interno estava irritando-me já, eu havia tomado minha escolha e ainda assim sentia-me péssima. Não corria mais perigo nas patas do Alpha e meu problema, enfim, cessaria, porém custara uma de minhas maiores preciosidades: minha liberdade. Aquele mesmo sentimento de quando você tem de abrir mão de algo importante por não ter saída permanecia dentro de mim. Um sentimento de perda. Incomodava-me demais essa emoção aprisionada em meu peito junto de tantas outras mais que causavam tamanha discordância entre minhas metades.

 

‘Nem me fale... Eu sei que cedi para aceitarmos e as palavras de Malkovich nos tocaram em algum ponto, mas...’ Sabia onde ela queria chegar e fiz questão de dizer, em voz alta, que entendi, afinal encontrava-me sozinha no banheiro.

 

– É como se estivéssemos deixando de ser quem somos... – Completei sua fala, no mesmo tom abatido e olhar baixo.  – Ficamos como solitárias por tanto tempo... Nascemos como uma. Nos acostumamos a correr com a lua como única companheira – ao menos até Anthony nos encontrar – e agora... – Soltei um longo suspiro, sem terminar a frase. A quietude, mesmo que pudesse ouvir os mínimos sons das palavras sendo proferidas pelos meus futuros irmãos de Alcateia, me ajudava a pensar com mais clareza; ajudava-me a interagir melhor comigo mesma.

 

‘Bom, eu que não vou me juntar a uma matilha fedida-’

 

- Loba, por favor não. Prometemos ao Malkovich que iríamos-

 

‘Será que eu posso continuar?’ Cortou-me também e permiti-a terminar o que começou. ‘Como eu ia dizendo, eu que não vou me juntar a uma matilha fedida toda deprimida e com cara de cu. Já que é para deixarmos nossa liberdade e entrar devidamente no mundo Lupino, que seja! Não somos uma filhote tristonha, somos uma loba Dominante e o mundo que engula isso. Entrando ou não em uma Alcateia, nunca deixaremos de ser quem realmente somos!’

 

Ela tinha a mais completa razão... Eu não irei mais lamentar por isso! Claro, dói-me abandonar minha vida antiga, mas não o farei como uma condenada. Agora era a hora. Não podia mais voltar atrás, o que está feito, está feito. Minha loba e eu estávamos incertas do que viria a acontecer daqui pra frente, porém estava determinada – agora mais do que nunca – a fazer isso de cabeça erguida. Era o que eu precisava fazer, mesmo significando o fim da minha total liberdade, mas eliminaria um grande obstáculo e tirarei Anthony da minha cola.

 

Levantei-me da tampa da privada, não vim fazer minhas necessidades, apenas ter um momento mais particular. Antes de sair do banheiro, olhei meu reflexo no espelho cristalino; não estava com os olhos de minha loba, mas sabia que o olhar que me encarava de volta era, sim, o dela. Um olhar decidido e que bate de frente com os obstáculos. Fiz um sinal positivo com a cabeça tanto para mim quanto para minha loba sem tirar os olhos do espelho e me dirigi para fora dali.

 

Cheguei perto das curtas escadas e parei para ouvir a conversa dos Licantropos. Estou espionando? Claro! Não seria inteligente interromper uma conversa que pudesse ter algo a ver comigo, vai que é importante? Além do mais, não precisava me preocupar de sentirem meu cheiro, todos pareciam muito concentrados no assunto e já sabiam que fui para o andar de cima, então a possibilidade de darem atenção era pequena – ou torcia para que fosse.

 

Não falavam sobre muitas coisas importantes, as únicas que chamaram-me a atenção eram sobre meu rito de passagem para a matilha. A cerimônia seria em algumas horas e como tem uma boa parte da floresta da reserva bem aqui ao lado, não haveria problema. Andrew ligara para os membros que faltavam comparecer e conversou melhor com os que já estavam na residência. Depois desse passo, terei que ver como posso continuar minha caçada; posso até abrir mão da minha liberdade, mas de minha vingança? Jamais!

 

– E mais uma coisa... – O Alpha interrompeu o diálogo dos lupinos entre si, os mesmos se calaram na hora para prestar atenção, consequentemente atraindo a minha também. – É a primeira Alcateia dela, ela não entende como funciona a hierarquia. – Legal ver como ele me subestima...

 

– Não vai ser problema, afinal ela é uma fêmea. Vai ser fácil pra ela. – O idiota do Nakaba intrometeu-se. Ele tinha plena certeza de que sou como as submissas, seu tom depreciativo o entregava. Não podia estar mais enganado.

 

‘Tenho nojo desse babaca prepotente...’ Tirou as palavras da minha boca, com mais desdenho do que eu poderia transmitir.

 

– Discordo, Steven. – Malkovich retrucou, transparecendo descontentamento e uma leve irritação. – Qualquer um pode perceber que ela não é uma loba comum. Ela é, de fato, Dominante. Sem mesmo Anthony ter contado, notei isso. Reconheça o potencial dos outros, vai precisar no futuro. – Admito, adorei a patada. O asiático estava merecendo levar uma dessas. Entretanto, para minha surpresa, o Alpha não tinha acabado. – E justamente por ela ser assim que digo para terem paciência, não será fácil a adaptação dela na hierarquia e muito provavelmente haverá algumas tensões como a que presenciei ao chegar. – Um silêncio forte fez-se no lugar e consegui perceber o cheiro de constrangimento; um dos lobos tinha sido afetado pelo comentário do homem, provavelmente seu Beta já que foi um dos únicos com quem entrei de fato em conflito e o Nakaba não é do tipo que toma vergonha na cara. – Ela ganhou uma péssima impressão da Alcateia graças à recepção amigável do Harrison, quero que ela se sinta parte de nós; Ficou como Solitária desde que foi criada. É bem forte, mas não sozinha. Além disso, não vou tolerar brincadeiras abusivas, e fui claro.

 

Todos concordaram, até o asiático mesmo depois de levar uma indireta forte. Estava brava pelo Alpha ter dito que não sou forte sozinha. Eu enfrentei uma alcateia inteira sozinha e ele diz que eu sou fraca?! Não me conhece nem um pouco! Por outro lado, me sentia um pouco tranquila – contradição reina. Ele estava tentando garantir minha adaptação à nova vida como parte de seu bando, e dando um fora como aquele no Nakaba já aliviou e muito! Não sei como serão os próximos dias depois do que acontecer esta noite, mas sinto que, com esse apoio, talvez sejam bem menos cansativos.

 

‘Pelo bem-estar deles, é bom mesmo.’ Hahah! Era bom ver que minha loba continuava com seu humor peculiar apesar das circunstâncias atuais, ajudava-me a levantar meu ânimo.

 

O som das vozes diminuiu, algo que estranhei, a princípio, e me movi levemente para espiar o que aconteceu lá embaixo para tudo ter quase se silenciado tão repentinamente. Agora entendi o motivo, a maioria dos lobos havia se dissipado, só restavam o Alpha, o Beta e o Gamma conversando entre si sobre a patrulha do território de hoje. Os dois fizeram um sinal positivo com a cabeça e saíram logo que encerraram o assunto, aproveitei que só havia o Malkovich ali e me dirigi à sala; não fiquei surpresa pelo lupino ter notado minha presença, era previsível que fosse reparar, então apenas agi naturalmente dando passos lentos e aleatórios pelo cômodo.

 

– Pelo visto está indo tudo bem com essa coisa da cerimônia... – Não consegui conter a apreensão em meu tom, coisa que não ajudou nada na naturalidade que desejava passar. Evitei contato visual a todo custo com o lobo a três metros de mim, ora e outra encarando os objetos e as paredes.

 

– Algum problema? Não me parece muito tranquila mesmo depois de aceitar minha proposta.

 

Não estava mesmo. Por mais que quisesse dizer o contrário apenas para tirá-lo da minha cola, algo que me dizia que isso só faria com que ele me perturbaria mais para descobrir o que me incomodava – e o que menos quero é um Alpha me enchendo o saco. Bufei e cruzei os braços, colocando meu peso em uma perna só e o encarei nos olhos; pude notar sua intriga com meu estado e ao mesmo tempo percebi, através daquele par de orbes escuros, ele ponderando, provavelmente deduzindo o que era enquanto analisava-me atentamente e aguardava a resposta.

 

– Só estou um pouco... – Maldita hora que não acho a palavra certa, pareci uma sonsa que não sabe nem como está!

 

– Temerosa?

 

– Também não exagera. – Revirei os olhos e franzi o cenho, contudo o Licantropo meramente sorriu de canto e acomodou-se no sofá para esperar-me definir minha situação interna. Agradeci aos céus mentalmente por isto e escorei-me na parede, ainda fitando o lobisomem e respirei fundo logo que encontrei como estava realmente; nunca fui muito boa em definir meus sentimentos. – Só tô um pouco ansiosa, eu acho. Nunca fiz isso antes e não tenho certeza de como tudo vai ser depois.

 

– É perfeitamente normal se sentir assim, todos ficam de um jeito parecido na primeira. Mas após a cerimônia, vai se sentir mais leve, garanto. – A quietude pairou por poucos instantes e fora cortada por uma pequena risada do Lobo. Era a primeira vez que o escutava rir sinceramente, hoje mais cedo sua curta e abafada risada não era como a de agora. Esta era verdadeira. Passava a sensação e tudo, porém intrigava-me e não hesitei em perguntar.

 

– Qual a graça?

 

– Heh! Me lembrei de quando entrei na minha primeira Alcateia, só isso. Era bem maior que a minha, tinha uns trinta e seis Lobos que eu me lembre. Não tinha nem um ano como Lupino, então imagine o desastre que um recém-criado fazia em um bando grande haha!

 

Malkovich transparecia, pela primeira vez, seus sentimentos reais. Ele é o tipo de pessoa que não se abre facilmente para qualquer um, ainda mais se for relacionado a boas lembranças. Até o instante, ele estava usando uma casca, que agora aos poucos se rompia e permitia-me ver um pedaço de como Andrew Malkovich era de verdade. Minha loba e eu não nos víamos, neste momento, com um Alpha frio, fechado, centrado e observador, agora víamo-nos com um lobo tranquilo e um pouco mais aberto conversando normalmente; e já que ele seria meu Alpha dentro de pouco tempo, era até boa essa aproximação nossa para facilitar minha adaptação – muito embora eu tenha certeza que ainda terei uns problemas, independentemente.

 

– Pelo jeito sua entrada até que foi tranquila. Como se sentiu na Cerimônia? – Seu semblante mudou aos poucos com a minha pergunta, passou de tranquilo e contente para um que me lembrava uma leve desolação; o resto do que transparecia não pude identificar, havia se fechado novamente. Não entendi, não perguntei nada demais a ele e ficou mudo.

 

O silêncio perdurou por instantes que pareceram minutos, até ele inspirar fundo, levantar e se dirigir para outro cômodo da casa. Bufei pelo nariz e cruzei os braços, frustrada. Muito provavelmente agira assim pelo que dissera mais cedo: “Você tem uma tara por perguntas”. Bom, está na hora de fazê-lo cair na real.

 

– Sabe muito bem que quando começar a me dar respostas, eu vou parar de te encher com tantos questionamentos, não é? – Demonstrei todo o meu desgosto em meu tom, correndo o risco de levar um belo corretivo do Lupino, porém não me importava. Um Alpha de verdade não esconde nada de seus lobos, pelo menos a meu ver; logo, tinha razão em cobrar o licantropo parado de costas para mim.

 

– Sim. E também sei que, até isso acontecer, já terá desistido. – Disse ao virar o rosto para encarar-me e assim que encontrei seus orbes, vi exatamente as mesmas pedras de gelo de quando o conheci. Seu tom foi sério, não rude ou seco, apenas... Vazio.

 

A cor continuava a mesma, seu lobo não estava a ponto de sair nem nada do gênero, mas era dedutível que a parte lupina se incomodara do mesmo jeito. Deixara de me responder não por minha mania de questionar tudo – isso de acordo com ele – e sim por algo muito mais pessoal, porém ainda não tem sentido. Ele contou como virou lobo e a forma como virou foi horrível, o que poderia ser pior em sua primeira Alcateia?

 

– Irei resolver um assunto pendente, não demoro.

 

Malkovich voltou ao seu caminho, imaginei o que iria fazer e isso me estressou mais ainda, não bastando estar confusa com essa mudança tão repentina de comportamento – o cara chega a ser mais bipolar do que eu! Bufei longamente ao mesmo tempo em que massageava as têmporas e, convicta de minha escolha, tomei outro caminho para o Prédio de Questionamento.

 

Não me importava se ele tinha ordenado que não me metesse, ele não iria me poupar de pelo menos acompanhar o sofrimento de meu agressor. Nem tornei-me parte da Alcateia e já estou indo arranjar mais dores de cabeça com o Poderoso Chefão, não quero nem imaginar como será após a cerimônia de indução. E seja lá o que tenha acontecido com o Alpha em sua primeira matilha, não é dele que terei respostas.

 

‘Não entendo qual é a desse cara.’

 

– Nem eu, loba...

 

~X~X~X~

 

Jenny

 

O sorriso de alivio e contentamento no rosto de meu namorado era de contagiar qualquer um e não era para menos. Antes que desse a partida a fim de retornar à casa de seu líder, ele recebeu uma mensagem de um dos lobos confirmando que Lotte aceitou entrar na Alcateia e que a cerimônia seria em algumas horas – quase nada apressados. Fiquei tão feliz quanto ele, porém me bateu uma pena ao mesmo tempo; ela era forçada a aceitar, não tinha opção. Perguntava-me como estava sendo para ela essa mudança e justamente por isso disse ao Tony que iria para o rito de passagem. Mesmo feliz por esse capítulo na vida dela estar se encerrando, eu sabia o quão deveria estar sendo difícil e não iria deixar de dar meu apoio. Felizmente, ele não me impediu, apenas sinalizou positivamente com a cabeça e disse que nos veríamos lá, dando a partida em seguida.

 

À medida que me encaminhava para casa, fui pensando em toda essa história com Charlotte e lembrei-me do que precisava fazer. Apesar do acordo, o Matthew passou dos limites; sei que a chantagem que fiz impedia a nós dois de contarmos à nossa família o que cada um fez, contudo eu precisava fazer o que era certo mesmo arriscando uma briga com meus pais por ter revelado nosso segredo para a Alcateia local. Vou tentar ser o mais neutra possível, minha mãe é bem mais razoável que meu pai, talvez consiga seu apoio se usar as palavras certas – tomara que dê certo.

 

Decidida, mudei meu caminho antes de adentrar minha morada e corri para pegar o meu carro e acelerei na partida. A casa de meus pais era relativamente longe da minha, demoraria demais se fosse a pé e isso me atrasaria para a cerimônia da minha amiga.

 

Preparei-me mentalmente para a discussão que aquela conversa se tornaria. Era certo que ficariam bravos com Matthew e comigo por todo esse envolvimento com os lobos, não sairíamos impunes – talvez conseguisse aliviar minha barra, já a do meu irmão, não sei. Desafio maior que esse seria contar à loba que ficara tão intrigada com o que escondia dela; Lotte não aceita que omitam algo, prefere que digam na lata do que enrolar. De certa forma é até uma boa qualidade, porém o problema é que se eu dissesse tudo diretamente, ela não ia querer nem saber da Alcateia e largaria tudo, voltando à estaca zero, além de adicionar meu irmão à sua lista negra e, consequentemente, acabar na lista da minha Casa Suserana.

 

Todas as famílias de Transmorfos são, de certa forma, vassalas – o termo oficial é subalterno, mas o princípio é o mesmo – de famílias maiores denominadas Casas, que possuem grande quantidade de membros entre muitos outros aspectos. Eles nos protegem de ameaças maiores e em troca lhes prestamos o apoio que precisarem – dificilmente financeiro, eles estão sempre com a situação monetária muito boa. Podem até pensar que é um costume muito medieval, mas não é. Para tudo, se você estiver em um bom número, é garantida sua sobrevivência. Famílias pequenas não conseguem se proteger de vampiros, lobos, bruxas... Sempre se é um alvo fácil quando se está em pouca quantidade, por isso a importância das Casas Suseranas.

 

A parte de fazermos algo em troca é mais instintivo do que obrigação, pois devolvemos o favor quando somos ajudados e com o contrário também. Se Charlotte fizesse algum mal a um membro de minha família – mesmo que tenha merecido – ela seria marcada pelo resto da vida, não importando se minha Casa Suserana é justa. Ela iria a julgamento de um jeito ou de outro e poderia ser condenada, entretanto, contando aos meus pais sobre e conversando melhor com ela, poderia evitar esse rolo – era o que eu esperava.

 

Tirei esses pensamentos da cabeça assim que cheguei na residência de meus progenitores, soltando um longo suspiro cansado. Ia dar merda, estava claro, porém era o jeito. Desci do meu Celer e encaminhei-me para a porta, determinada. Normalmente sempre bato antes de entrar em qualquer lugar, meus pais me criaram assim, mas como era algo importante e sou filha deles, entrei direto. Meus olhos saltariam do rosto de tão arregalados, não esperava encontrá-los com aquelas visitas e não pude deixar de sorrir ao vê-los, fazia tanto tempo. Antes tinha certeza de que seria uma conversa longa e complicada, agora – pelo visto – vai durar mais tempo do que pensava.

 

– Filha! – Minha mãe chegou a levantar do sofá ao ver-me entrando, no fundo ela estava contente que vim apesar da briga e era visível a aflição em seu olhar. Ela sentia que o motivo pelo qual vim era sério. Mães têm super poder mesmo, e não apenas as sobrenaturais. – Aconteceu alguma coisa?

 

– De novo. – Meu pai comentou com seu típico e belo mau humor desses últimos dias, quase não consegui conter a vontade de bufar e revirar os olhos. A criatura mente pra mim e para os meus irmãos sobre algo grave e ainda acha que tem o direito de ficar bravo comigo?

 

– Se preferirem, podemos voltar outra hora.

 

– Não, tia! – Acabei exclamando um pouco, deixando um silêncio desconfortável na sala. Cocei a garganta e me recompus, encarando meus “tios” nos olhos. – Podem ficar, eu só queria falar com meus pais sobre umas coisas, mas isso pode esperar.

 

Apesar de querer resolver o assunto, pensei que entrar em outro com eles poderia acalmar meus progenitores a ponto de não reagirem de forma pior da qual imaginava – torcia por isso. Eles não são bem meus tios, eram meus tios-avós Marjorie e Stephan Thompson. São bem ruivos, um traço comum nas gerações anteriores que muitos herdaram do meu bisavô, Howard.

 

Os cabelos flamejantes dela iam onduladamente até a cintura, destacando-se pouco com o vestido de renda cor de vinho quase até os joelhos com alças prendendo-se pelos ombros; também usava um cinto marrom-escuro pequeno e calçava uma sandália rasteira manta bege com pequenas pedras douradas adornando nas tiras que lhe prendiam os pés. Não estava muito calor naquela noite, porém considerando que ela mora em Alberta e estamos no verão, aqui é mais quente se comparado, então tem certo sentido – além do fato que Transmorfos não suportam o calor de mais de 18 graus.

 

Já Stephan vestia uma camisa azul-escura aberta até o segundo botão, contrastando com seus belos e curtos cabelos acobreados e um jeans marrom-acinzentado, calçando um Joseph Abboud Calvin Burgundy cor de carvalho. Já o vi em fotos usando algo parecido, não sei se ele prefere esse estilo de roupa ou se há algum outro motivo.

 

– É muito bom ver vocês, mas porque vieram? A última vez que os vi foi quando criança. – Disse enquanto sentava-me no braço do sofá ao lado de Marjorie e de minha mãe, Declan e Stephan se encontravam no sofá adjacente. Soei um pouco desconfiada, claro, entretanto era compreensível, afinal eles não vieram por mero acaso.

 

– Bom, eu vim buscar a Chloe. O verão está pra acabar e tem a faculdade; ela é da minha Linhagem, sou responsável por ela. – Meu tio-avô tomou as rédeas da explicação, como de costume. Sempre fora muito preocupado com os parentes e tinha essa ânsia de garantir a estabilidade de todos, se prevenindo de qualquer turbulência. – Acabei encontrando com a Marjorie no caminho e ficamos matando as saudades durante o trajeto, pensei em fazer a reunião este mês.

 

– Isso não acontece só de cinquenta em cinquenta anos?

 

– Sim, mas já faz um bom tempo desde a última que fizemos e boa parte de vocês nem eram nascidos. – A ruiva ao lado acenou com a cabeça em concordância, realmente esse período de encontro era muito distante, o último que tivemos foi há vinte anos, quando eu tinha três anos e meio. – E se seguirmos a cronologia das reuniões, vai levar em torno de trinta e poucos anos para a próxima, então acho que vale a pena fazermos uma esse ano.

 

– Sim! Conversei com meu marido e todos da minha Linhagem, por eles não tem problema algum. Só quero ver como você vai fazer com os seus, Stephan, haha!

 

 Segurei meu riso só de lembrar a quantidade que havia na descendência dele. Minha tia-avó é bem mais tranquila e extrovertida que o irmão mais novo, enquanto meu avô é tranquilo e mais introvertido, – não o impedindo de ser simpático e social – e, diferente de Stephan, ela acha que seus descendentes precisam de apoio só durante uma parte da vida e após isso devem aprender a voar sozinhos, voltando ao ninho apenas quando precisarem, sem proteger tanto como o ruivo faz.

 

Quando um Raoni tem filhos e esses procriam, isso é chamado de Linhagem, a linha de descendência a partir das proles do líder – o Raoni não tem uma Linhagem própria porque todos são seus descendentes de qualquer jeito. Essa linha é feita para saber de quem descendemos, o grau de parentesco uns com os outros e para ter limite de poder. O Raoni tem o poder primário, seu/sua cônjuge detém o secundário e os filhos detêm o terciário, porém tem poder apenas com os membros de sua descendência, não podem se envolver de jeito algum nas Linhas dos outros a não ser que haja consentimento prévio; Um exemplo bem fácil é o da minha prima, Chloe. Ela pertence à Progênie do meu tio-avô, ele quem cuida do que ela e os demais de sua Linha fazem e do que precisam, porém ela quis passar as férias conosco e não poderia ficar sob a proteção dele, então solicitou ao meu avô que cuidássemos dela nesse período.

 

–Meu lado da família não é tão grande assim. – O mais novo retrucou, comprimindo o canto direito da boca para conter um sorriso e balançou negativamente a cabeça por um segundo. Podia não ser do tipo que brinca muito, mas nem por isso era antipático e não levava as brincadeiras da irmã mais velha a sério.

 

– Claro que é, Pernalonga! Eu tenho só seis na minha e o Bard dez. Não sei como a sua Sincronia não foi com um coelho! – Não pude deixar de rir com ela, nem meus pais e meu tio se seguraram. Sem dúvida a maior parte da nossa família veio dele, que tem vinte e tantos descendentes, justamente por isso Marjorie o chama pelo apelido carinhoso de “Pernalonga”.

 

– Falando nisso, meu pai confirmou se vai? – Rachel indagara à ruiva, fazendo os risos cessarem e voltarmos nossa atenção a ela.

 

– Ainda não. Mandei mensagem tem uma hora, ele viu e não respondeu. – Marge soltou um longo e frustrado suspiro. Ela é bem imediatista e apressada, detesta que os outros ajam com lentidão. E o fato de meu avô não ter respondido mesmo tendo visto me preocupava, pois não deixava ninguém esperando. Ela inspirou fundo e espirou lentamente, restaurando o sorriso e, relaxada e descontraída, fitou minha mãe. – Enfim, provavelmente ele vai aceitar. O Eobard não é de faltar com compromisso, mesmo os de última hora. – Senti um alívio e uma saudade enorme percorrerem meu interior, fazia tanto tempo que não o via...

 

Possuo um carinho muito grande por meu avô. Ele cuidou de mim e do Matthew quando meus pais estavam brigados – de novo – e aquele período fora um dos melhores da minha vida. Mesmo ficando o dia inteiro no consultório, a primeira coisa que fazia antes de ir trabalhar era me ver no quarto e ajeitar minhas cobertas. Uma vez acordei mais cedo e fingi dormir só para ver quem as arrumava, pois antes de ir morar com ele e minha avó em Minnesota, sempre acordava com as cobertas no chão. Quando podia, passava um tempo comigo; brincava um pouco, ensinava-me a cozinhar o básico, contava-me histórias de nossa espécie, de como nascemos, como nos espalhamos pelo norte do mundo – sim, só habitamos o norte porque não nos adaptamos bem ao calor, embora eu aprecie.

 

E um dos momentos mais marcantes foi quando minha avó e Matthew saíram e eu fiquei em casa, enjoada – durante a fase de crescimento, um mal estar é o máximo que adoecemos. Começou a chover bastante e a casa estava trancada, meia hora depois a luz acabou e catei uma lanterna, tropeçando ora e outra e, após uma hora descansando no quarto com a lanterna desligada, ouvi algo batendo na porta do lado de fora; acreditava ser um estranho, pois meus avós tinham as chaves, então me escondi debaixo da cama, com medo. Fiquei em pânico assim que escutei os passos dentro da casa, não saí debaixo da cama por nada e tudo piorou logo que o estranho começou a arrombar a porta do quarto. Estava tão apavorada com aquilo, porém quando ousei olhar para fora sem sair do lugar e vi que era Eobard, fui às pressas para seus braços e ele me pediu desculpas por ter me assustado, explicou porque entrara daquela forma e ficou me tranquilizando em seu colo até adormecer; nunca me senti tão aliviada e segura como naquele momento...

 

Muito diferente de meu pai, ele nunca usava a raiva e “pulso firme” para “educar-me” ou proteger-me, ele não precisava. Possuía uma leveza no coração e uma força tão grande nas palavras que me fazia sentir-me bem, acolhida. Ele era meu porto seguro, com quem podia contar sempre.

 

– E onde vai ser? Preciso de todos os detalhes antes de qualquer coisa. – Declan me tirou de meu devaneio ao indagar para Stephan, estava viajando tanto que perdi boa parte da conversa.

 

– Declan, estamos planejando isso tem bem pouco tempo e ainda falta muito para a reunião, não tenha tanta pressa. – As mulheres concordaram e decidi dar minha opinião a respeito.

 

– Pode ser na reserva estadual. – Sugeri, atraindo os olhares. – É espaçosa e o povo pode se transformar à vontade. – Dei de ombros e sorri de canto, como se fosse óbvio, porém sem soar rude. Pelos semblantes animados, concordaram com minha ideia, entretanto um mudara sua expressão para uma irritada.

 

– Não. – Declan proferiu gravemente, ganhando a atenção e confusão de todos, menos de mim e de minha mãe. Tanto ela quanto eu imaginávamos o motivo. – Qualquer lugar, menos lá.

 

– E por que não? – Interpelou o ruivo, não entendendo, tal como minha tia, a razão desse comportamento.

 

– Tem lobos aqui, é motivo o suficiente para não ser numa floresta.

 

– Não vamos ter problemas com eles, pode ser lá, sim. – Intervi de braços cruzados, firme com minha ideia e o encarando seriamente.

 

– E como tem tanta certeza? – Tinha medo dessa pergunta... Meu silêncio só piorou, pois o Transmorfo começou a olhar para vários lados, pensando e tirando suas próprias conclusões e fitou-me ainda mais desconfiado e irritadiço. – Jeanneth Thompson, eu lhe fiz uma pergunta...!

 

Precisava tomar cuidado agora que meu pai se encontrava instável. Qualquer coisa mal dita e voaria em meu pescoço, certeza. Meus tios fitavam-me intrigados e preocupados, Rachel exalava insegurança e temor, ela pressentia, assim como eu, que bastaria uma palavra que Declan ouvisse – e já cogitava o que iria ouvir – e iria explodir. Evidentemente, todos estavam cientes disto. Inspirei fundo, apreensiva, e preparei minhas palavras, olhando profundamente nos olhos. Eu iria falar a verdade, mesmo que ele esteja prestes a entrar em erupção.

 

– Bem... Eu não queria ter que falar dessa forma, mas sim. Eu precisei contar a eles sobre nós.

 

– Você fez o que!!? – Não fico surda com mais nada depois desse berro. – Como teve coragem de contar para as sacolas de pulga sobre a nossa existência aqui?! Percebe o que fez?!! – Com esse último brado, estremeci ao vê-lo cerrar a mão em punho e vir de encontro.

 

Foi tudo tão rápido! Estava para desviar do soco quando, graças aos bons Espíritos, Stephan o segurou rapidamente e apertou-lhe o pulso, o parando na hora. Pus a mão sobre meu peito e soltei um suspiro pesado e suavizado; por muito pouco não era agredida, ao mesmo tempo estava incrédula com a atitude de meu pai. Ele realmente chegara a esse ponto? Me bater? Eu sei que, para ele, passei dos limites, mas não acreditei que ele fosse capaz disto! Minha mãe veio veloz até mim e abraçou-me pelo lado com o intuito de me proteger e segurei sua mão, confortando-a.

 

– Acalme-se, agora! Você não é da minha Linhagem, mas isso não me impede de te parar à força, então sugiro que sente como uma pessoa que tem um mínimo de educação, já que perdeu a dignidade que tinha. – Os olhos azuis do ruivo brilhavam em um frenesi que o homem tentava conter ao máximo em suas ações, contudo não mediu esforços na pressão com que apertava o braço do Transmorfo. Era possível ver claramente o vermelhão que se formara no seu antebraço, ficaria um roxo daqueles se não se regenerasse mais tarde como de costume. Com um pigarrear e um olhar da ruiva ao meu lado, ele parou de fazer tanta força, continuando a segurá-lo. – Ela infringiu nossa regra, mas, pelas Leis de Gêmeos, ela deve dar uma explicação bem argumentada, só depois a punição é aplicada ou não. E só o Raoni ou quem tiver autoridade pode decidir o que fazer.

 

– Eu sei como o Sistema funciona, não preciso de aulas! – O moreno se afastou abruptamente de meu tio, pois, como diminuiu a rigidez, foi fácil livrar-se.

 

– Não foi o que pareceu com o piti. Se a criança quiser, podemos ensinar como se controlar, já que nem isso sabe. – Marjorie se intrometeu, de saco cheio dos atos e dando um sorriso irônico no final da frase, desfazendo-o sem demora e dando lugar a uma expressão de total desgosto. Ela e Stephan, mesmo com maneiras diferentes de agir com os seus, não deixavam que ninguém fizesse mal a nossa família, mesmo que fosse um membro. – Rachel. – Pronunciou-se, observando-a com seriedade. A loira entendeu na hora, se afastou um pouco e virou-se para mim. Como não somos da Progênie deles e nem meu avô e o Raoni se encontravam, minha mãe, a filha mais velha de Eobard, era a única autoridade presente. O poder que os cônjuges têm nas famílias é muito limitado, com exceção da esposa, ou esposo, do, ou da, Raoni.

 

– Explique-se. – Após suas palavras, respirei profundamente e fui distribuindo meu olhar a fim de passar minha sinceridade a todos, além das palavras.

 

– Eu estava farta desse segredo todo, já não bastou terem escondido que contribuíram para a extinção dos Selvagens. Eu queria resolver esse problema todo sem dar em conflito e eu consegui, em parte. – Apesar de não ter sequer olhado para o moreno, ele sentiu a indireta como todos ali. – Eles virão amanhã conversar com vocês de forma pacífica, me garantiram isso.

 

– E você acreditou? – Como era de se esperar, meu progenitor comentou duvidoso, como sempre

 

– Eu expliquei a situação toda e eles entenderam. Se estivessem com intenções hostis, acho que eu saberia, não? – Depois desta, ele fechou a cara e voltei ao foco. – O fato é que estamos vivendo escondidos há tempo demais. Se eles nos descobrissem seria muito pior do que um de nós ir explicar tudo.

 

– Sei que queria fazer o que achava melhor, mas se arriscou demais e agiu por impulso, minha filha. Eles podiam muito bem se enfurecer por não perceberem Transmorfos debaixo do focinho deles e terem feito algum mal a você! – Minha mãe se pronunciou com seu tom repreensivo e preocupado, fazendo-me bufar em frustração. Ela não queria que eu me arriscasse, compreendo seu lado, porém tinha meus motivos também e faria questão de esclarecer agora mesmo.

 

– Eu sei o quão podem ser brutos e que são primitivos, mas não estou errada no que fiz! – Me exaltei um pouco, porém não cheguei a gritar ainda. – Ninguém é perfeito! Nem eles, muito menos nós. Todos temos podres, só que ninguém tenta ver além. Se eu seguisse sua ideia, mãe, eu não chegaria nem perto daquele lugar. Diferente de vocês, que optam por se esconder, eu decidi encarar o problema e tentar resolver tudo da forma mais pacífica possível; e eu consegui! Óbvio que ficaram frustrados e irritados por termos passado despercebidos por esses anos todos, ficaríamos do mesmo jeito se fosse o contrário. Eu fui muito impulsiva, sim, mas fiz isso pelo que eu vejo! Pelo que eu acredito! E eu acredito que é possível todos convivermos em paz se a gente parar com essa merda de preconceito que todo mundo tem uns com os outros, não só nós com eles e vice e versa! Nem tudo é o que parece! As coisas podem, sim, ser diferentes se nós tomarmos iniciativa e caminharmos em direção a ela. E se ainda não querem ver ou mesmo entender depois do que falei, os primitivos aqui são vocês.

 

Escorei-me no sofá, soltando todo o ar que prendi no meu discurso e cansada mentalmente. Realmente colocara tudo para fora dessa vez, nesse momento pude sentir como é estar na pele da Charlotte. Ninguém dando ouvidos e tentando impor uma ideia da qual você não compartilha, era algo péssimo. Senti-me repreendida, cercada, sem direito de me expressar e de dizer o que penso de verdade. A única diferença entre as situações era que Lotte estava – e continua – tomada pelo ódio, não está pensando em nenhuma consequência que sua tão desejada vingança pode trazer.

 

– Está decidido. – Calma e firme, minha mãe despertou-me de meus pensamentos e todos a encaramos, esperando a sentença. – Vai ser poupada, Jeanneth. Amanhã vamos receber os lobos. – Respirei aliviada e pude ouvir que meus tios também o fizeram, contudo continuava zonza pelo estresse que meu desabafo me causou.

 

Desencostei-me do sofá, porém a tontura não tinha passado. Pelo contrário, havia piorado. Minha visão também estava embaçando, o que está havendo comigo?!

 

Está tudo girando... Não consigo ver direito! – O desespero em minha voz era gritante, era a primeira vez que acontecia. Que não seja a Perpettum, por favor!

 

Olhei os outros e vi o que menos esperava. Meus tios estavam rindo! Como assim?! Agora não estou entendo nada mesmo! Até ia perguntar o motivo das risadas, mas Marjorie respondeu antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.

 

– É normal depois da Sincronia, todo mundo passa mal.

 

Quê?!

 

Quase engasguei com minhas palavras, pedi para Marge emprestar o celular já que não havia trazido o meu e ela o deu assim que desbloqueou. Fui direto para a câmera frontal e esperei minha visão voltar melhorar para olhar direiro. Meus olhos... Não estavam azuis, e sim cor de mel com leves pontas douradas. A tontura foi passando e minha vista voltou aos cem por cento, até melhor do que antes. Devolvi o aparelho ainda com a mão pousada em minha bochecha esquerda, meio chocada com a novidade, entretanto não segurei um sorriso. Não imaginei que fosse ter a Sincronia – nome do processo onde um Transmorfo se une em espírito com um animal – nem mesmo cheguei à maturidade!

 

Minha mãe e a ruiva me deram os parabéns com satisfação e afagos em meus ombros enquanto Stephan observava-me com um pequeno e terno sorriso, ambos já passaram pelo fenômeno e ficavam felizes quando ocorria com outro membro, era algo realmente único e que nem todos alcançam. Quando criamos esse vinculo, não é apenas por amor a criatura com quem simpatizamos, é por algo tremendamente maior. Minha veemência em tentar mudar o pensamento de meus familiares presentes, minha força de vontade em defender minha ideia possibilitou isso... Era uma sensação incrível...

 

Infelizmente, para acabar com a alegria, meu pai deu as costas e saiu para os fundos, até agora emanando o odor forte de raiva e frustração. Há momentos em que penso em desistir de fazê-lo largar esse comportamento, só não o fazia por que, apesar de tudo, ele sempre vai ser meu progenitor – e deixar minha mãe agüentando ele sozinha é crueldade demais.

 

– Eu falo com ele depois. – A mesma se manifestou, transparecendo desapontamento com o moreno revoltado e... Ah merda! Quase me esqueço da cerimônia da Lotte! Espero não chegar muito tarde. Disfarcei um pouco meu nervosismo interno e fitei Rachel apressada e ansiosa.

 

– Hã... Eu preciso ir, tenho umas coisas pra fazer. E preciso falar com você sobre o Matthew amanhã, mãe.

 

– Se é sobre ele não ir morar sozinho, ele conseguiu um apartamento, já.

 

– Eu sei, mas não é sobre isso. Eu explico melhor amanhã. – Encaminhei-me ao seu encontro e depositei um beijo na sua bochecha, então virei-me para os ruivos que nos observavam em silêncio. – Tchau tio Steph, tia Marge. Não se esqueçam de confirmar o dia da Reunião e se meu avô vai. – Ele acenou com a cabeça e ambos se despediram com um “até”.

 

Não tardei em sair da morada e fui diligentemente ao meu veículo, aprontando-me numa velocidade que fez meus cabelos arrepiarem. Até estranhei esse comportamento, não costumava ser ansiosa demais, apenas em uma pequena proporção. Sondando minha mente, recordei-me das histórias de meu avô; depois que um Transmorfo e um animal viram um, não só passam a compartilhar a mente, mas um adquire as características do outro. Seja lá com qual animal Sincronizei, era apressado e preciso; impaciente também, talvez. Umedeci os lábios e olhei meus olhos, ainda cor de mel, no espelho; queira tirar a duvida, seria rápido.

 

–... Você está aí?

 

‘Estou sim.’ Sorri com a rápida resposta, bem como por vergonha de dialogar com ela. Não era um “outro eu” como acontecia com os Lobisomens, era realmente outro espírito dentro de mim, tanto que acho que é por isso que adquirimos as características de nosso animal Sincronizado, só não sei explicar porquê isso acontece. Respirei fundo e voltei a fitar os olhos acastanhados no espelho, agora mais confortável com a ideia de conversar com um ser que compartilha meu interior e quase sorrindo, esperançosa de que ela fosse o que eu pensava que era.

 

– Só me responde uma coisa... Você é o meu falcão?

 

‘O que acha?’ Quase pude sentir seu pequeno sorriso se formar nos cantos dos lábios, não contive o meu e dei a partida, direcionando-me à floresta.

 

Ainda que a noite tenha sido turbulenta por conta de meu pai e seu surto básico, fora totalmente recompensada pela criatura que acabara de nascer e não mais seria apenas uma forma, e sim uma nova criatura que dividiria minha vida comigo.

 

~X~X~X~

 

Charlotte

 

Não é necessário dizer o quão descontente e indignado o Alpha ficou quando me percebeu parada em frente ao Prédio de Questionamento. Nem era sua loba ainda e já estava o afrontando pela milésima vez; e o macho tinha plena consciência de que seria assim por um longo tempo.

 

‘Ele não queria a lobinha solitária? Agora aguente. O que mais quero é desmembrar aquele vira-lata oxigenado, mas não faço pra que o Poderoso Chefão não venha meter o pau em na gente por isso. Só que ninguém vai nos livrar de assistir o espetáculo, pelo menos isso ele vai ter que liberar!’ Concordei internamente. Ver o maldito morrer é o mínimo que Malkovich poderia conceder, já que ele mesmo iria castigá-lo.

 

Expliquei que não iria sequer tocar em Harrison, porém que necessitava ver o loirinho de merda sofrendo pelo mal que causou não apenas a mim, mas ao meu amigo. Andrew parecia relutante, então lhe perguntei:

 

– Se fosse o contrário, não ia querer ao menos testemunhar a dor do desprezível que fez tanto mal? Você me deve isto... Alpha.

 

Engoli meu orgulho como nunca fiz para conseguir pronunciar esta palavra. Já o chamei assim demasiadas vezes, contudo era por formalidade; Nesse instante, o significado da palavra era muito maior do que um chamamento. Ele seria meu Alpha, ambos sabíamos disto. Ao olhar em seus olhos escuros, notara o consentimento para meu pedido e um leve brilho de satisfação; seu lobo devia estar contente por ver que a solitária já começara a reconhecê-lo como líder.

 

‘Valeu a espera, agora vamos ao que interessa.’

 

Adentramos a escuridão. Fiquei aguardando-o na parte onde lobos eram torturados e evitei olhar para aquele local sombrio, mirando apenas a entrada da escadaria para o porão; não que tivesse estômago frágil, mas observar os instrumentos que poderiam ter sido usados em mim não me trazia boas lembranças. Agradeci aos céus mentalmente ao vê-los nos últimos degraus e pude observar que o desgraçado estava algemado e as correntes que lhe prendiam os pulsos estavam ligadas a uma coleira de prata. Minha loba estufou o peito, satisfeita com a visão que tínhamos de nosso antigo algoz na mesma situação em que nos colocara.

 

Sem delonga, ele notara minha presença e fiz questão de lhe sorrir em escárnio, já que nada podia fazer a respeito. Malkovich o prendia em uma cadeira com brutalidade e, embora quisesse passar seriedade, o lupino emanava um odor forte de escorna e ira; Não podia estar assim só pelas ações recentes, era um cheiro forte demais para ser apenas isto. Tal dúvida murchou meu sorriso aos poucos junto com a risada sarcástica do louro.

 

– Heheh... Não vai participar? – Curvou seus lábios em um sorriso de pura gozação. Sabia seu destino e queria aproveitar cada segundo final, mas não lhe dei o gosto da vitória e sorri de canto em sátira. Esse pedaço de estrume não conseguiria me atingir, estava contente demais com sua sentença para dar importância a qualquer provocação; Infelizmente, ele também não se abalara. – Que pena, queria ter uma vista melhor já que vou pra cova mesmo. – O loiro oxigenado ganhou um soco potente de Andrew após ser completamente imobilizado pelo móvel. Lobos possuem uma força descomunal em comparação a alguns sobrenaturais, mas a agressão permitiu-me apenas ouvir sua mandíbula estralar e parte de sua arcada dentária estilhaçar quando deveria ter quebrado a cara do infeliz, o que indicava que o Alpha estava se controlando.

 

‘Por mim podia ter quebrado sem problemas, eu ia adorar. ’ Não seria nada mal ver o rosto de Harrison arrebentado, porém nada podia fazer senão assistir. A única intriga que tinha era por que Malkovich se continha.

 

– Cale a boca, sua voz me irrita...! – A voz grave do Licantropo moreno arrepiou-me, não de um jeito bom.

 

Seu olhar transmitia um nojo e raiva imensos pelo lupino aprisionado, os músculos estavam tensos e a mão com a qual o socou continuava cerrada e rígida. Ele permanecia se segurando e o observava, fixamente, sangrar, gemer e suspirar de dor; Não se controlava por pena ou a fim de poupar-me de uma visão desagradável – ok, esse motivo também valia – e sim para vê-lo agonizar ao máximo, assim o fazendo a cada punição: o feria fortemente – ora com os instrumentos de tortura e outra com os próprios punhos – e olhava-o fixamente tremer de dor repetidas vezes.

 

‘Entendo porque ele não deixou que o torturássemos... Harrison fez algo bem sério, por isso Malkovich não quer que ninguém o puna além dele. ’ O raciocínio de minha loba interna fazia sentido, explicava, em parte, porquê o moreno tinha tanta raiva. Eu me sentia do mesmo jeito em relação ao Lionel e sua matilha, então compreendia bem como o Alpha estava.

 

– Heh... Hahaha! – O loiro ficou rindo como se o que sofreu não fosse nada, deixando o Alpha quase no limite para não desmembrá-lo de vez. O desgraçado o olhou nos olhos com o rosto inchado e um sorriso cruel encharcado de sangue. – É só isso? Ela batia melhor...

 

De inicio pensei estar se referindo a mim pela cabeçada que lhe dei, mas minha agressão anterior não foi muita coisa se comparada ao que Andrew fizera. Os olhos do licantropo se arregalaram surpresos, incrédulos e raivosos, despertando-me certa curiosidade, mas não iria perguntar por hora; ele estava instável demais, além de que parecia ter cansado desse jogo de tortura.

 

– Já pode me matar, agora que sabe que fui eu. – Com um último olhar maldoso, Scott Harrison se manifestou e encarou-me em seguida, pouco antes de sua morte. – Nos vemos no inferno, vadia.

 

Fiquei totalmente parada com a cena. O Alpha o mutilou por completo com suas unhas alteradas para garras e alguns pêlos de seu lobo nascendo nos braços e nas mãos e ficou desfigurando-o até quando não havia mais um sopro de vida em seu corpo. Confesso que me espantei bastante com aquela fúria, não queria nem pensar em como teria sido se ele tivesse se soltado por completo. Quando finalmente acabou, mal consegui reconhecer o cadáver que um dia pertencera ao Lobisomem inescrupuloso e nojento, apenas da cintura para baixo permanecera quase intacto.

 

Malkovich continuava ofegante e com as mãos trêmulas – ainda com as garras e pêlos – apertando-as ora e outra; a sede pelo sangue do loiro permanecia, ele queria ficar ali por horas descontando todo o seu ódio no defunto, contudo tinha consciência de que não podia e travava uma luta interna consigo. Eu sabia por experiência própria que esse licantropo continuaria assim se não fosse acalmado, mas como sou menos dominante, não sabia o que poderia acontecer.

 

‘Só vamos logo sem dizer nada, ele vai perceber sozinho que precisa se acalmar.’

 

Minha irmã nunca esteve tão certa. Aproximei-me devagar e, cautelosa, pousei minha mão em seu ombro esquerdo, trazendo seu olhar no mesmo instante; seus olhos estavam negros como a noite profunda, como imaginava. Nada disse, apenas o mirei para fazê-lo notar sua agitação e relaxar – afinal, não seria inteligente dizer para ele se tranquilizar.

 

O único som naquele local era o de sua respiração pesada que já se acalentava, aliviando-me por não ser mais um possível alvo da sua ira descomunal. O problema foi que, do nada, o Alpha pôs sua mão direita sobre a minha, que permanecia em seu ombro esquerdo. Queria afastá-lo na hora, só não o fiz porque era como um suporte para ele se estabilizar; percebi isso porque o homem virou o rosto para o corpo desfigurado, fechou os olhos e respirou profunda e lentamente, como se fosse uma terapia.

 

Minha loba e eu ficávamos desconfortáveis com a sua presença tão próxima, e o odor de raiva ter mudado para mel e orvalho não ajudou em nada. Maldito cheiro! Ele fazia-me querer ficar ali prestando apoio, não me reconhecia nessas horas e queria saber porquê. Por que esse delicioso e desgraçado aroma mudava-me tão repentinamente, era minha dúvida. Quando os sons dos carros chegando romperam o silêncio, o lobo soltou minha mão e aquele aroma desapareceu. Enchi-me de contentamento por esse momento acabar, mesmo que uma parte de mim não quisesse – uma parte bem idiota.

 

– Estou melhor... – Malkovich dissertou seguido de um suspiro, mostrando mais leveza e relaxamento, voltou a me olhar com seus orbes de volta ao castanho. – Vamos para sua cerimônia.

 

Sorri de canto, todavia o homem ao meu lado sabia que eu não estava realmente feliz ou mesmo simpatizava com a ideia de minha contagem regressiva estar no fim. Sim, eu iria enfrentar meu destino de cabeça erguida, mas dizer adeus não é algo muito fácil não é mesmo? Enquanto nos dirigíamos para onde os demais lobos estavam, o moreno se manifestou outra vez.

 

– Sei que é difícil pra você, mas, depois da cerimônia, garanto que vai se sentir muito bem.

 

– Isso não é o tipo de coisa que só sabemos quando acontece? Bom, valeu a tentativa de me animar. – Brinquei um pouco, mesmo que com uma pitada de ironia, arrancando uma pequena risada do licantropo.

 

‘Já não está mais tão convencido quanto antes, ao menos um progresso. ’ Não sabia ao certo o que ela quis dizer com isso, então optei por deixar de lado por agora para ir encerrar esta parte de minha história.

 

~X~X~X~

 

There are things in life you'll learn and

In time you'll see

'Cause out there somewhere

It's all waiting

if you keep believing

 

Todos da Alcateia estavam em um círculo ao meu redor – alguns sorrindo e outros apenas tranquilos – e até um falcão familiar estava presente, observando das árvores. Porém, após beber o sangue que escorria pelo antebraço de Andrew e abrir os olhos, todos sumiram. Sem falar que parecia que eu tinha teleportado para outra dimensão, onde nada havia. Minha vontade era de explorar aquele local desconhecido que, estranhamente, não me causava desconforto – pelo contrário, deixava-me calma – e somente não fiz isto pelos vários uivos que surgiram.

 

Acompanhados dos uivos, corriam os 10 espectros lupinos ao longe, vindo ao meu encontro. Não acreditava no que estava vendo, como era possível? Em meu peito uma sensação inacreditável se espalhava, não pude decifrar o que era. Surpresa e admiração, talvez? Era o mais próximo que podia definir, era uma coisa única estar nesse mundo.

 

So don't run, don't hide

It will be alright

You'll see, trust me

I'll be there watching over you

 

Enquanto todos corriam um tanto distantes em meu redor, um dos espíritos, o maior deles, aproximou-se de mim com um pequeno sorriso e um olhar orgulhoso. Sabia de quem se tratava, os olhos negros brilhando em contentamento entregavam sua identidade. Aproximei-me e o analisei atentamente. Ele ficava melhor como espírito. Logo que parei, o macho começou a rodear-me também sem tirar os olhos de meu rosto. Parecia que queria ter certeza de que estava decidida a continuar e não iria fugir. Eu estava disposta, sim, a continuar de cabeça erguida.

 

Just take a look through my eyes

There's a better place

Somewhere out there

Just take a look through my eyes

Everything changes

You'll be amazed what you'll find

If you look through my eyes

 

Sim, permanecia nervosa com o último estágio, estava dando um grande passo do qual não tinha volta, mas foi por escolha minha. Eu decidi dar uma chance a ele e a mim mesma, não voltaria atrás com minha palavra. Olhei diretamente nos orbes negros do espectro parado em minha frente e esperando meu consentimento para dar início ao meu novo caminho.

 

There will be times on this journey

All you'll see is darkness

Out there somewhere daylight finds you

If you keep believing

So don't run, don't hide

It will be alright

You'll see, trust me

I'll be there waiting over you

 

Há alguns dias atrás eu provavelmente estaria correndo até o fim do mundo, virando no Acre, pois nem morta teria feito as escolhas de ultimamente e sequer chegaria até aqui. Antes via somente o frio tenebroso nos olhos sombrios do Alpha de Lewiston, agora via um calor acolhedor.

 

Houve momentos em que questionei suas reais intenções, momentos em que me irritei bastante. Ainda tenho muitas dúvidas, não sei tanto sobre ele e o mesmo não facilita nada. Continuarei tentando saber, mas nesse momento tão especial com os outros espíritos correndo animados como filhotes ao redor, deixei as preocupações de lado. Pude ver que agora ele já não me via mais apenas como uma solitária, e sim como parte dele e de todos. Parte de algo maior.

 

Uma família...

 

Just take a look through my eyes

There's a better place

Somewhere out there

Just take a look through my eyes

Everything changes

You'll be amazed what you'll find

If you look through my eyes

 

Sem mais delongas, inspirei profundamente e acenei a cabeça, concedendo a permissão que ansiava e toquei-lhe o focinho. Uma onda de energia absurda invadiu meu interior nesse momento e me aqueceu por inteira, provocando-me um arrepio muito bom. Meu coração disparou, estava sendo uma vivência fantástica e essa “força” que me preenchia era algo que nunca sentira antes.

 

Minha transformação foi completamente involuntária, mas, no lugar de uma sensação dolorosa, apenas um pouco de dor foi o que senti. Ao terminar a mudança de forma, vi o espectro a frente dar um sorriso lupino e uivou com vigor, sendo acompanhado pelos outros. Nunca pensei que estaria entusiasmada nessa situação, tive medo disto por tanto tempo, e era tão diferente do que imaginava... Eu me sentia bem, até...

 

All the things that you can change

There's a meaning in everything

And you will find all you need

There's so much to understand

 

Com latidos e grunhidos agitados, todos os espectros me convidavam para juntar-me a eles; até o que estava em minha frente também me chamava. Com um rosnado brincalhão e provocativo, me juntei aos meus novos irmãos e ao meu Alpha em uma corrida sem fim, desaparecendo na imensidão do infinito.

 

Just take a look through my eyes

There's a better place

Somewhere out there

Just take a look through my eyes

Everything changes

You'll be amazed what you'll find

If you look through my eyes

 

Take a look through my eyes...

 


Notas Finais


https://www.youtube.com/watch?v=a4LrtB10au4
Espero que tenham gostado, nos vemos no próximo cap ^^


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