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História Wonderwall - Wonderwall


Escrita por: Milam

Notas do Autor


Essa história foi dividida em apenas dois capítulos.
Espero que vocês gostem <3

OBS: Essa história foi postada no FF.NET e no Nyah! onde também me apresento por Milam.
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Revisada em 02/09/2019

Capítulo 1 - Wonderwall


 

Porque talvez
      Você será aquela que me salva

Wonderwall - Oasis

 

Ainda a chamavam de criança.

Mesmo com seus dezesseis anos completos, todo o seu clã agia como se ela fosse apenas uma garotinha de seis. O motivo disso tudo era o fato de ela ser fraca e indefesa, como uma criança. Era chorona e ingênua, assim como uma criança. Temia os mais velhos e deveria ser vigiada a quase todo o momento, igual a uma criança.

Por isso, quando ela se jogou na frente de Naruto, a pessoa pela qual sempre foi apaixonada, no momento em que Sasuke mandaria um jutsu desconhecido, ela se sentiu, pela primeira vez, uma mulher adulta e corajosa. Bem, já era de se imaginar que a vida não seria tão transigente com alguém como ela. A sensação de vitória durou apenas alguns míseros segundos, sendo substituída por um calor nocivo e uma tosse sangrenta. A vida sempre arrancou-lhe as coisas mais importantes, sem nunca parecer satisfeita..

Quando seus olhos finalmente se abriram, nada era visto além da escuridão.

O pânico a possuiu. Milhões de dúvidas invadiram sua mente. A explicação mais lógica seria a da derrota dos aliados na guerra, ela havia sido sequestrada e a colocaram em um quarto escuro, ou, na pior das hipóteses, seus olhos foram arrancados pela ganância de se possuir um kekkei genkai. Com as mãos trêmulas, tocou seu rosto, respirando aliviada quando encontrou seus olhos em seu devido lugar.

Como sua cabeça e todo o resto do corpo parecia querer explodir, custou todas as suas forças para conseguir sentar na cama onde a deixaram. Havia alguém próximo a ela? Já não sabia. Nunca em sua vida se sentiu tão indefesa, nem mesmo quando seu pai a humilhava na frente de todos.

Um barulho de uma porta se abrindo a deixou tensa, mas logo a voz conhecida a fez relaxar.

— Hinata, finalmente acordou – Tsunade entrou observando o formulário da paciente – Você esteve desacordada por duas semanas. Pelo visto acordou no exato dia que o Uchiha será julgado pelos seus crimes, isso deve te deixar… - Suas palavras se calaram e uma preocupação tomou conta assim que viu os olhos desfocados da herdeira Hyuuga.

— Tsunade-sama? - Com dificuldade sua voz soou forte, ignorando que se sentia como um verdadeiro trapo – Algo está errado. Por que não consigo te ver?

A mais velha mentalmente agradeceu pela experiência em ser uma ninja médica, assim aprendeu a ser insensível em situações desse tipo, mas juraria que qualquer outra pessoa teria seu coração partido ao escutar tais palavras ditas com tanta ingenuidade. E era essa mesma experiência que a fez uma das melhores médicas do mundo.

Apertou o punho na tentativa de controlar a raiva direcionada a Uchiha Sasuke, o culpado por causar algo tão cruel a uma menina inocente. Por que de todas ela era quem mais sofria? Já havia perdido o seu primo e agora perdeu a coisa mais importante em seu clã.

Sua visão.

— Eu prometo, Hinata – Tsunade disse com toda segurança que era capaz de ter. Ela faria qualquer coisa… - Eu farei o meu possível para que a sua visão volte. Eu dou a minha palavra, como a melhor ninja médica que já existiu.

Ela não permitiria que essa pequena menina sofresse mais.

Não precisou de mais palavras para que Hyuuga Hinata entendesse o que a mulher mais velha queria dizer. Um sorriso melancólico surgiu em seu rosto, apenas aceitando seu destino mais uma vez, enquanto sentia algo quente escorrer pelo seu rosto.

Ela não era capaz de ver, mas ainda era capaz de chorar.

 

-*-

 

 

Tsunade andava apressada em direção a sala onde Uchiha Sasuke seria julgado por todos os seus crimes contra a vila da folha e também contra as outras vilas.

Seu humor não estava nem um pouco amigável desde o momento que saiu do quarto de sua paciente cega. Não conseguiu suportar a falta de vontade de viver que surgiu naquele rosto pálido, mesmo sendo tão nova e com tantas coisas para se descobrir. Os ninjas que surgiam no caminho sabiamente desviavam seu percurso ao sentir como uma áurea negra emanava da Hokage.

Naruto, o único corajoso ou apenas o mais idiota - com certeza a última opção - surgiu em seu caminho e a loira revirou os olhos, imaginando o que ele teria para dizer pela milésima vez.

— Obaa-chan, por favor, pegue leve com o Sasuke – gritou – Ele não fez tudo isso por mal!

— Naruto! – Sakura gritou puxando o amigo para perto – Não fale assim com Tsunade-sama.

Tsunade parou, o ódio descontrolado exalando de si, imagem assustadora o suficiente para fazer os dois darem alguns passos para trás.

— Espero que saiba, Naruto, que por culpa do seu amigo a Hinata está cega.

Os dois a olharam aterrorizados.

Sakura tentou reprimir algumas lágrimas com aquela notícia, não conseguia acreditar que de todas as pessoas, logo a Hinata quem acabou ficando com um destino trágico. Naruto permaneceu em estado de choque por alguns segundos.

— Isso é tudo minha culpa – murmurou cabisbaixo – Ela me salvou e por culpa da minha fraqueza ela…

— Naruto, isso não é culpa de ninguém. – Sakura sussurrou com preocupação.

— Se engana, Sakura. A culpa é do Uchiha e pensarei no melhor castigo para ele.

Os dois mais jovens observaram calados enquanto Tsunade entrava na sala onde seu amigo de infância estava algemado em uma cadeira, alguns ANBUs e anciões também estavam lá. Infelizmente, para pessoas fora dessas classificações não era permitida a entrada.

— Vamos ver a Hinata-chan.

Naruto suspirou assim que a porta se fechou em um estrondo, recebendo a aprovação da sua colega de equipe. Se sentia culpado por toda aquela situação e naquele momento só conseguia pensar que faria qualquer coisa para ajudar a sua amiga a ter sua visão de volta.

 

 

-*-

 

Cerca de dez ANBUs que estavam naquela sala fizeram uma reverência respeitosa com a entrada da Hokage, na qual se sentou no meio dos anciões e observou com certo desprezo o ninja acorrentado no meio daquela sala. A feição daquele delinquente não demonstrava nenhuma emoção, como se estar a ponto de ter o resto de sua vida julgado não o incomodasse em nada.

Internamente, ela se perguntou como um garoto tão novo poderia causar tantos problemas.

Assim que se recompôs, sua voz ressoou firme e forte no ambiente.

— Uchiha Sasuke, está aqui para ser julgado por seus crimes. Alguma palavra em sua própria defesa? – Silêncio – Portanto, continuarei.

Todos aguardaram com ansiedade, exceto o Uchiha que apenas olhou para o teto branco e fechou seus olhos em seguida, tentando ignorar toda aquela situação irritante. Apenas desejava que tudo isso acabasse logo. Seus planos falharam, ele admitia sua derrota, agora a morte parecia não apenas agradável como necessária. Abraçaria seu fim com alegria desde que não ficasse preso nas mãos podres de Konoha e seus dirigentes.

— Uma cela não será um castigo suficiente para você – Todos a olharam surpresos, esperando algum tipo de sentença de morte, Sasuke abriu um irônico sorriso, ainda com seus olhos fechados – A partir desse momento, Uchiha Sasuke terá todo seu chakra selado, não poderá sair da vila, será vigiado a todo momento e terá sobre seus cuidados Hyuuga Hinata, até segunda ordem.

Um alvoroço, repleto de indignação e revolta preencheu a sala. Sem tirar os olhos de Sasuke desde sua chegada, Tsunade sorriu pela primeira vez naquele dia ao observar aquela máscara de indiferença e escárnio ruir. Aqueles olhos negros brilharam de fúria destinada apenas a ela.

— Tsunade-sama, tem certeza que ele pode cuidar dessa menina sem oferecer nenhum risco para ela? - Um ancião falou com incerteza, todos se calaram.

— Não se preocupem, não tem como ele oferecer nenhum risco com seu chakra selado e com um ANBU o vigiando a todo momento. – Ela sorriu – Hinata está cega mas ainda acredito que…

— Pelo visto a idade afetou a sua cabeça – Pela primeira vez a voz de Sasuke se fez ouvir, rouca, fria e repleta de irritação – Eu nunca perderia meu tempo cuidando de uma escória fraca e ainda por cima cega. Não tenho cara de babá.

— Mais respeito com Tsunade-sama.

A mulher fez um sinal silenciando a todos. Um sorriso maldoso dançou em seu rosto.

— Você foi o único causador dessa situação desagradável. Talvez devesse ter pensado nisso antes. – Controlou o sorriso de satisfação pelo fato do seu plano já estar dando certo – Você não gostar é exatamente a ideia central de uma punição não é mesmo? Mas é claro que esse é um castigo muito fraco, por isso, assim que eu descobrir um jeito de trazer a visão de Hinata ao normal, tenho planos bem melhores para você.

Aquela decisão foi tomada a apenas quinze minutos antes do julgamento. No primeiro momento também achou loucura o rumo de seus próprios pensamentos, era uma faca de dois gumes, poderia dar muito certo, como também poderia dar muito errado. Não era apenas a questão de ser uma punição para Sasuke e sim também o fato de que Hiashi havia desertado de vez sua filha quando soube que ela não tinha mais o Byakugan, então ela havia resolvido juntar o útil ao agradável. Não poderia deixar Hinata trancada no hospital por um tempo indeterminado e ela também não poderia ficar sozinha na maior parte do dia. Quem teria tanto tempo livre para a vigiar e atender as suas necessidades? A resposta estava bem a sua frente. Na melhor das hipóteses, Sasuke poderia se arrepender de seus atos ao perceber o que causou a uma pessoa como Hinata.

— Se ousar fazer algum mal a Hinata, uma onda de choque forte o suficiente para o deixar sem força por um dia, o atingirá. Eu cuidarei de aplicar esse jutsu pessoalmente, desejo manter a segurança de Hinata.

— Você acha que com tudo isso conseguirá me prender por quanto tempo? Te garanto que nada será capaz de me prender aqui para sempre.

Um pequeno sorriso surgiu em seu rosto ao escutar sua declaração repleta de desprezo.

— Não insulte minha inteligência, Uchiha. Você está fraco agora e te manterei fraco. – Tsunade se levantou – Levem-no.

 

 

-*-

 

Seus passos eram lentos e desastrados enquanto tentava entrar na mansão Uchiha com apenas a ajuda de Shino, já que Kiba desprezava com toda a sua força aquela situação e parecia não querer entender o julgamento da Hokage. Naruto e Sakura estavam em uma missão e seus outros amigos pareciam ocupados com qualquer outra coisa, então Shino foi o único que ofereceu ajuda para a levar em sua nova casa temporária assim que teve alta no hospital.

Ela se apoiava nele no momento que adentrou a casa, o cheiro de mofo e de abandono foi a primeira e única coisa que conseguiu perceber sobre aquele lugar. Seu coração doía por não ser capaz de enxergar os móveis e a cor velha da parede.

— O Uchiha provavelmente já está chegando. – A voz do Aburame ecoou no vazio daquela enorme casa – Eu terei que ir agora Hinata, sinto muito não poder ficar mais.

— Não se preocupe Shino-kun – Disse com delicadeza no momento em que ele a levou ao sofá para que pudesse se sentar – E-Eu realmente fico muito feliz com a sua ajuda.

Ele assentiu, esquecendo que ela não poderia ver esse simples gesto, então se apressou em dizer um “certo” e foi embora daquela casa de aparência tão mórbida. Uma pontada de culpa por deixar sua amiga em um local tão péssimo o atingiu, mas não podia desobedecer as ordens da Hokage.

Hinata apreciou o silêncio, tentando não se sentir tão nervosa com toda aquela situação. Logo, as lembranças de sua última conversa com Tsunade vieram a tona.

— T-Tsunade-sama eu… E-eu não posso fazer isso – Seus lábios tremeram pelo medo – Eu só quero ir pra casa.

Não conseguia acreditar que a Hokage realmente queria que ela morasse e ficasse sobre o cuidado da pessoa que havia feito tão mal a ela e a tantas outras pessoas. Não queria conviver com alguém tão cruel e pela qual só o nome era capaz de fazer seu corpo inteiro arrepiar de pavor.

— Hinata, você precisa confiar em mim, te prometo que ele não irá te fazer mal.

— Mas… P-Por que?

— Você não tem mais uma casa – Ela fechou os olhos tentando controlar sua dor diante de tais palavras – Você conhece o seu clã muito bem.

— E-Eu…

— Acredito que essa seja uma parte essencial para o castigo de Sasuke –  suspirou – Não quero usar métodos dolorosos, pois isso só pioraria o seu jeito frio. Porém, acredito que se ele conviver com você, talvez possa se arrepender um pouco de todo o mal que ele fez. A culpa é uma das piores torturas.

— Eu ainda não sei se sou realmente adequada para isso.

Tsunade sorriu.

— Hinata, você é tão bondosa, o suficiente para contagiar a todos que estão ao seu redor – Ela sabia que tudo se encaixava como peças de um quebra cabeça, Sasuke precisava ser julgado e Hinata precisava de alguém para cuidar dela – Todos possuem um coração. Eu te escolhi, pois acredito sera única capaz de fazer com que o Uchiha descubra o dele.

A Hyuuga permaneceu sem palavras diante de tudo aquilo. Seria mesmo capaz de “ajudar” uma pessoa tão fria e que ela morria de medo? Ele havia machucado tantas pessoas e ela estava cega agora por sua culpa. Como alguém assim poderia ter um coração?

— Eu acredito em você, Hinata. Esse pode não ser o momento certo e eu sei que é uma situação muito delicada, mas acredito que se isso der certo, você será capaz de evitar um destino doloroso para muitas pessoas – Agora a voz da Hokage soava cansada – Não sei por quanto tempo serei capaz de segurá-lo aqui e ele sabe que nada conseguirá o deter por muito tempo. Uchiha Sasuke é um ninja monstruosamente forte e imprevisível. Por isso, aceite isso como uma missão.

Fazer aquele homem perceber ser possuidor  de um bom coração com bons sentimentos e sem vontade de fazer o mal parecia piada e por isso era a missão mais difícil de sua vida. Se sentia usada de várias formas, além de ser o castigo de Sasuke, também deveria ser aquela que vai fazer Sasuke ser capaz de sentir culpa e arrependimento, algo incontestável de ser impossível.

Seu olhar triste foi em direção ao chão, mesmo enxergando apenas aquela escuridão na qual a cada dia parecia mais familiar. Não conseguia evitar sua mágoa por Tsunade-sama se aproveitar de seu estado delicado sem parecer se importar com seus sentimentos. Mas não podia negar, ela estava certa, o que era o sentimento de uma só pessoa em comparação com o futuro de todas as outras? Por isso ela faria o necessário, enterrando esse pensamento egoísta.

O barulho da porta quando se abriu interrompeu seus pensamentos, chamando sua atenção.

O único sobrevivente do clã Uchiha bateu a porta com força atrás de si, estava irritado. Além de ter um ANBU ridículo atrás de si desde o primeiro instante fora daquelas correntes, ele se sentia fraco e completamente sem chakra, claro indicativo de que por enquanto ele não podia fazer absolutamente nada além de cumprir os desejos daquela velha gagá.

Seus olhos negros foram de forma imediata na direção da mulher sentada em seu sofá empoeirado. Ele se lembrava dela, era a garota tola que se intrometeu em sua luta contra Naruto. Nunca em sua vida presenciou alguém fazer algo tão estúpido. Se ela tinha conhecimento de sua fraqueza, por que tentou proteger o Naruto? O dobe com certeza não estaria nesse estado se tivesse recebido aquele golpe.

A Hyuuga mantinha a cabeça abaixada, algo que ele não compreendeu muito bem, mas realmente não se importava em como essa mulher agia, era apenas mais uma pedra em seu caminho.

— Deixarei claro: não serei a sua babá – Soltou numa voz sem emoção. Não passou despercebido como a Hyuuga se arrepiou de medo – Se vire sozinha. - Completou.

— S-Se e-engana se pensou  q-que eu desejasse tal coisa – retrucou com nervosismo – E-Eu tampouco queria estar aqui.

Se surpreendeu um pouco com as palavras ditas usando o último pingo de coragem daquela mulher, seu corpo pequeno se encolheu ainda mais no sofá, como se esperasse um golpe na qual nunca viria. Sua voz era tão baixa e doce que mesmo se ela tivesse a intenção de ofender, ninguém realmente se chatearia.

Aparentemente precisou de apenas alguns segundos para ela recuperar sua coragem, seus olhos seguiram cada movimento da Hyuuga enquanto ela levantava tentando andar naquele local desconhecido, apenas se guiando pela dignidade que ainda lhe restava. Com passos lentos tentava chegar sabe-se-lá onde, dando de cara com uma parede e se voltando na direção de Sasuke. Suas mãos iam um pouco mais na frente, evitando um impacto frontal em algo, porém seus pés não a impediram de tropeçar no velho tapete daquela sala.

Hinata soltou um baixo grito, esperando o impacto que nunca veio.

— É mesmo uma mulher estúpida, Hyuuga.

Sentiu suas bochechas corarem quando seu rosto bateu no peito do traidor de Konoha. Porém, o aperto de Sasuke em sua cintura não durou muito, suas mãos se afastaram como se a pele dela queimasse.

— Você não conhece essa casa, nem se fosse capaz de enxergar saberia onde é o quarto.

— E-eu aprenderei – disse com determinação.

Sasuke revirou os olhos com impaciência. Estava começando a ficar insuportável a presença daquela Hyuuga, seu descontentamento só parecia aumentar a cada gesto, palavra e respiração dela. Não custou muito para decidir ser melhor levá-la para algum quarto e trancá-la lá durante todo o resto de sua miserável vida - ela até o agradeceria por isso -, mas como ele provavelmente seria castigado se fizesse isso, resolveu que hoje já seria o suficiente por enquanto, assim poderia ficar livre daquele incômodo pelo resto da noite.

Sem aviso prévio, a pegou no colo de qualquer jeito, ignorando os protestos da mesma enquanto caminhava até o quarto.

A colocou deitada na cama e se virou pronto para sair daquele local.

— Fique ai o resto da noite, Hyuuga.

— Espere, Uchi…

Não foi capaz de terminar a frase, o som da porta se fechando significava que ele não deseja ficar nem mais um segundo próximo dela.

Um suspiro escapou de seus lábios enquanto seus olhos se fechavam lentamente. Não iria chorar mais, não por hoje. Demorou um pouco para se acostumar com o cheiro de abandono de todo aquele lugar, mas o cansaço do seu corpo e mente estavam tão fortes que logo o sono se fez presente.

 

 

-*-

 

 

Naquela noite, pesadelos reais a perturbaram. As memórias daquele dia se manifestaram em forma de sonho. Os sentimentos daquele dia se tornaram mais vívidos, sua vontade de ajudar o amor de sua vida, sua coragem repentina, sua pequena alegria e seu medo daqueles profundos olhos negros fixos nela antes de a atingir sem piedade.

Foi a última coisa que viu.

Se a vida lhe desse a chance de escolher iria preferir apreciar, como sua última imagem com seu dom da visão, o jardim do complexo Hyuuga, o lugar pela qual sempre usou como refúgio de seus medos e tristezas. Infelizmente, nunca teve o privilégio de escolher algo em sua vida. As decisões sempre foram tomadas por ela, assim como coisas importantes em sua vida eram arrancadas sem nenhuma piedade. Neji se sacrificou por ela, que agora estava em uma vida mais miserável ainda. Quão decepcionado ele ficaria por vê-la nessa situação?

Havia acordado suada, com a necessidade urgente de um banho. Com esse pensamento em mente, se levantou, sem saber exatamente o que faria em seguida. Não tinha ideia de onde estava o banheiro, nem onde suas roupas foram postas. Sem rumo, deu alguns passos, mas eles logo foram interrompidos por um objeto duro. Dessa vez, não havia ninguém ali para impedir sua queda.

Não demorou muito para Sasuke ser capaz de escutar um forte barulho seguido de um pequeno gemido de dor. Bufou, ele deveria imaginar, aquela mulher não ficaria quietinha na cama para sempre. Quando abriu a porta do quarto seus olhos refletiram certa diversão, a Hyuuga estava esparramada no chão, sua testa enrugada com indignação. Talvez finalmente reconheceu o fato de não conseguir dar mais de dois passos sem ajuda. Um sorriso irônico brotou em seu rosto.

— Achei que fosse capaz de se virar sozinha. – Hinata se sentou bruscamente ao ouvir a voz de Sasuke – Mas pelo visto já precisa de ajuda logo tão cedo.

— Que outra e-escolha eu tenho? N-não existe n-ninguém disposto a me a-ajudar.

Sasuke a observou enquanto o quarto era absorvido pelo silêncio. Ainda não entendia como Tsunade era capaz de sacrificar tanto essa garota para colocá-la numa casa junto com ele, uma pessoa sem um pingo de piedade com as outras ao seu redor.

Um barulho vindo da barriga de Hinata ecoou pelo quarto, deixando a mesma totalmente vermelha e com uma expressão surpresa em seu rosto. Sasuke revirou os olhos.

— Se pensa que eu vou cozinhar para você, está enganada. – Ele fez uma pausa, recebendo o silêncio como resposta – Aqui nessa casa não tem nem comida para mim, eu estava indo comprar alguma coisa congelada, antes de você me atrapalhar.

— Etto… U-Uchiha-san? – Aguardou o que ela queria dizer, enquanto brincava com seus dedos em claro sinal de timidez – S-se você comprar os ingredientes, eu p-posso cozinhar. É só me m-mostrar onde se encontra cada c-coisa. - Sentiu seu rosto esquentar ao não receber resposta – S-Sempre gostei de cozinhar, isso me deixa mais feliz e tranquila.

Não soube ao certo o motivo por ter aceitado aquele pedido com um audível “hum”. Talvez porque depois de tanto tempo, desejava comer uma comida de verdade.

Então, antes de seus passos o guiarem para o supermercado mais próximo, indicou vagamente para a Hyuuga onde estava o banheiro daquele quarto. Ela assegurou com o rosto repleto de timidez que ficaria bem e poderia se banhar sozinha, mesmo ele não perguntando se ela ficaria bem ou não. Não se importava nem um pouco com isso.

Não podia negar o fato de toda essa situação ser cômica. Apesar disso, desde o fim da guerra, se sentia pela primeira vez relaxado, talvez por estar em sua casa depois de tantos anos, não podia negar a familiaridade ocasionada pelo locas. Lamentavelmente, esse sentimento não durou muito. Assim que chegou ao centro de Konoha foi obrigado a aguentar todos os olhares sobre si, alguns eram de desprezo, outros de medo e até de admiração vindo da maior parte da população feminina. Era de impressionar como aquelas mulheres não pareciam se importar com o fato dele ser um criminoso rank S.

Quando finalmente chegou a casa, se surpreendeu ao encontrar a Hyuuga sentada em seu sofá de forma relaxada, os olhos fechados e as mãos sobre as coxas, foi preciso o barulho da porta se fechando para que ela se lembrasse onde realmente estava - no covil da cobra, literalmente. Assim que ela o seguiu até a cozinha, Sasuke decidiu manter seu silêncio, falando apenas quando precisava indicar os ingredientes. Claro, foi imprescindível ele parar algumas vezes para indicar a direção certa apesar de sua irritação e falta de paciência.

Por fim, observou como ela cozinhava.

Realmente não precisava enxergar para fazer um bom trabalho, seus movimentos eram automáticos e precisos, como se já tivesse aquela prática desde seu nascimento. Se movia com cuidado entre a pia, o fogão e a mesa – já que ele havia largado todos os ingredientes ali – e em nenhum momento pediu ajuda. A cozinha era pequena, facilitando sua locomoção.

Não se surpreendeu por aquele café da manhã estar delicioso, era óbvio que ela tinha nascido com um dom para isso. Sem nem mesmo imaginar o porquê, concluiu que o marido dela aproveitaria as melhores refeições. Deveria admitir, nem mesmo ele, famoso por ser bom em tudo, cozinharia tão bem assim. Manteria esse elogio apenas em sua cabeça, entretanto.

Comeram em silêncio. Isso já estava começando a ser algo habitual entre eles e Sasuke não pôde evitar de agradecer mentalmente. . Essa Hyuuga tinha algumas vantagens, além de não ser uma de suas fãs doidas, cozinhava bem e não era tagarela. Talvez ficar com ela até descobrir uma maneira de sair dessa prisão não fosse tão insuportável como ele havia imaginado.

No entanto, logo aquela tranquilidade foi quebrada por uma batida na porta.

O herdeiro Uchiha fez uma careta ao encontrar Naruto e Sakura.

— O que querem? – Perguntou com frieza.

— Não seja chato, teme!

Naruto entrou na casa, mesmo sem ser convidado, e seguiu seu olhar em direção a cozinha, encontrando uma Hyuuga sentada com seus olhos fechados. Um olhar de preocupação e culpa surgiu em seu rosto.

Não se preocupe Hinata-chan, eu seria capaz de dar a minha vida para seus olhos voltarem ao normal.

— Viemos te ajudar a fazer uma faxina!

 

-*-

 

 

 

 

— Eles já foram.

Sasuke fechou a porta, mirando Hinata sentada no sofá, mais uma vez seus olhos se encontravam fechados.

Estava triste por não ter ajudado na limpeza, mesmo insistindo, seus amigos exigiram que ela continuasse sentada, pois Tsunade-sama aparentemente afirmou que ela devia manter repouso até ser descoberta uma forma de cura para sua visão. Se sentiu completamente inútil, mas não podia fazer mais nada além de aceitar. Ela estava cega e muito desengonçada ainda, não poderia ajudá-los até acostumar a se virar sozinha, agora só iria os atrapalhar.

— Eu preciso de um banho – Sasuke continuou. – Fique aqui e não dê trabalho.

— Não me trate como uma criança – Hinata murmurou com certa irritação, suas bochechas coradas pela sua resposta ousada – E-eu estou f-fazendo o máximo para n-não ser nenhum incômodo.

Sua voz soou fraca enquanto abaixava sua cabeça. Sasuke não podia dizer ao certo porquê se sentiu incomodado com essas palavras. Sem entender seus movimentos, se aproximou, ajoelhando em frente a Hyuuga. Essa posição os faziam ficar cara a cara e pela primeira vez pôde examinar seu rosto melhor. Ainda assim, o seu único pensamento foi de como ela era de dar pena. Poucas vezes reparou nela antes de fugir da vila, no entanto sempre a julgou como uma pessoa digna de piedade pela sua fraqueza, por nem ao menos conseguir falar sem gaguejar, uma ninja pela qual sempre ficaria à sombra de seu primo, Neji Hyuuga.

Apesar disso, era triste. Era triste como no fundo, um fundo na qual mantinha enterrado dentro de si, Sasuke sabia que a única pessoa merecedora de pena ali era ele.

— Por que seus olhos estão fechados?

Hinata se surpreendeu com aquela pergunta, levantando sua cabeça sem perceber a proximidade do homem. Corou ao sentir o hálito  morno do mesmo em seu rosto.

— E-eu… – Se deu forças para continuar sem gaguejar – Assim posso acreditar que a escuridão existe só porque estou com os olhos fechados.

Mas aquilo não era verdade e ela sabia. Sem poder evitar, lágrimas quentes rolaram pelo seu rosto e pela primeira vez. Sasuke sentiu uma pequena pontada de arrependimento. Aquela mulher estava nesse estado por sua culpa, ele sabia disso, ainda assim não era comum aquele sentimento de remorso, por isso o ignorou. Movido por esse certo sentimento de pena, estava prestes a falar, mas foi impedido quando Hinata se pronunciou como se lesse os seus pensamentos.

— E-eu n-não quero que ninguém sinta pena – disse com determinação – I-isso foi para o bem de um amigo, então eu fico f-feliz.

Para Hinata, qualquer coisa valeria a pena se pudesse salvar a vida de um companheiro e principalmente se fosse o homem que amava. Desde quando despertou no hospital, nunca se arrependeu.

— Você não está feliz – A voz rouca e irritada do Uchiha cortou seus pensamentos – Não queria estar aqui e, principalmente, queria poder enxergar.

— N-não…

— Você não pode me ver – Sasuke a interrompeu – Mas pode me sentir.

As lágrimas foram interrompidas pela surpresa sentida quando aquela mão quente segurou a sua, guiando lentamente em direção ao seu rosto. Com certa timidez, Hinata obedeceu aquela ordem, passando seus dedos com cuidado sobre cada marca e curva do rosto do Uchiha, tentando guardar tudo como se nunca tivesse visto aquela fisionomia, ignorando o fato de que, na verdade, aquele rosto foi a última imagem capaz de ver.

Um fraco sorriso surgiu em seu rosto e Sasuke o admirou por alguns segundos.

Não sabia o que exatamente estava dando nele para agir de forma tão piedosa com aquela mulher, principalmente por tentar manter uma conversa e deixá-la o tocar. Talvez fosse aquela beirada de remorso rodopiando em seu interior ao vê-la chorar por sua culpa. Alguma coisa nela o fez lembrar de sua mãe e de como ela estaria decepcionada com ele naquele momento se estivesse viva. No entanto, Sasuke não poderia alimentar tais sentimentos, e foi com esses pensamentos em sua mente que ele segurou o braço de Hinata com certa força, acreditando que a sua bondade já havia atingido o limite.

— Tomarei um banho.

Dito isso, saiu a deixando sozinha.

-*-

 

No segundo e terceiro dia de sua convivência com o famoso Uchiha Sasuke, nada de certa forma mudou, exceto o fato de que os dois faziam o possível para ignorar a presença um do outro naquela casa. Apenas nos momentos onde Hinata preparava as refeições, era quando Sasuke prestava atenção nela, apreciando todo aquele ritual e mantendo sempre o precioso silêncio entre os dois.

A Hyuuga havia aprendido a se virar o máximo possível sozinha naquele local, podia andar da cozinha à sala e até ao seu quarto sem precisar de nenhuma ajuda. Estava profundamente satisfeita consigo mesma por ter obtido aquele progresso.

Não demorou muito para descobrir que sempre depois do café da manha, Sasuke praticava o seu taijutsu. Ela notou com certa surpresa como apreciava ouvir aqueles golpes, os únicos sons possíveis de se escutar do Uchiha já que nenhuma palavra era trocada entre os dois. Tsunade não ficaria satisfeita com a sua falta de progresso com o criminoso, até porque Hinata apenas alimentava a distância que o mesmo criou, sem realmente querer fazer algo para mudar isso apesar de se sentir mais sozinha a cada dia.

Foi a partir do quarto dia que as coisas começaram a mudar.

Como ela estava cansada de ficar dentro daquela casa com uma pessoa que soltava poucas palavras e sem poder ler alguma coisa para se distrair, ela decidiu sair. O local na qual tinha em mente não era tão longe e ela sabia chegar mesmo sem ser capaz de enxergar os caminhos, afinal, estava acostumada a ir todas as noites desde quando era apenas uma criança. A cachoeira a acalmava e a fazia se esquecer de todos os problemas, assim como o jardim de sua antiga casa. Desejava apenas ser capaz de escutar o som da água em contato com as pedras mais uma vez e talvez, nunca mais sair daquele lugar.

Foram esses pensamentos os motivadores de seus passos, mesmo com os tropeços causados por pequenas pedras no caminho.

Gemeu imaginando o quanto era vergonhoso uma ninja Hyuuga naquela situação. Eram famosos pela capacidade de ver coisas que nenhuma outra pessoa era capaz.

Quanta ironia.

Não demorou muito para seu coração se aquecer ao escutar o som da água. Se apoiou em uma árvore ignorando sua respiração irregular e desejando ser capaz de ver aquela imagem mais uma vez, mas logo sacudiu a cabeça com delicadeza, tentando espantar tais pensamentos. Deveria estar feliz por ser capaz de estar naquele lugar de novo.

Seus passos eram lentos em direção a água. Seu plano era simples, molharia apenas o seu rosto e depois sentaria em alguma pedra para apreciar um pouco aquela zona tão importante para si.

Ela só não imaginava que as coisas não seriam bem assim.

Não se recordava de ter uma pedra na direção por onde estava indo e antes de ter a chance de se lembrar, já era tarde demais. Desejou não andar tão na margem da cachoeira quando sentiu o impacto da água. Tentou com certo desespero nadar para a superfície, mas seus braços e pernas pareciam pesados, seu peito doía pelo esforço de ter caminhado até ali. Seu corpo continuava a cair quando sentiu uma forte pancada em sua cabeça, forte o suficiente para a deixar inconsciente.

— Mulher idiota.

Sasuke estava atento aquela cena, constatando que segui-la realmente foi uma boa opção. Bufou irritado ao perceber que ela não voltou para superfície, mesmo a ideia sendo agradável ao seu ver, não poderia a deixar morrer de uma forma tão ridícula depois de ter sobrevivido a ele na guerra. Sem contar que ser castigado enquanto aos poucos se fortalecia mais uma vez só atrasaria ainda mais seus planos. Afirmou para si mesmo que esses eram os únicos motivos pela qual o fizeram pular naquela água gélida.

Não demorou muito para ser capaz de avistar um corpo imóvel indo cada vez mais em direção ao fundo.

— Sua falta de inteligência me impressiona, Hyuuga.

Sasuke murmurou assim que voltou para a superfície, colocando aquele corpo mole em contato com uma enorme pedra. Seu rosto estava pálido e perigosamente mórbido, era uma visão estranha se for levar em conta como ele estava acostumado a vê-la corada a maior parte do tempo. Tentou não sentir certo desespero ao descobrir que ela não respirava, não sabia de onde vinha tal sentimento e, de todas as formas, esse não era o momento para descobrir.

Sem pensar duas vezes tapou o nariz de Hinata e encostou sua boca naqueles lábios frios para realizar uma respiração boca a boca. Foram os dois minutos mais longos de sua vida. Sasuke agradeceu em silêncio quando ela acordou, cuspindo água como se sua vida dependesse disso, o que de fato dependia. Um corte em sua cabeça sangrava sem cessar e o Uchiha murmurou um xingamento, seu olhar indo na direção onde um ANBU se mantinha escondido.

— Leve-a para a Hokage – ordenou com a voz fria, não surpreendendo o ANBU por ter sido descoberto, afinal um ninja como Uchiha Sasuke saberia identificar bem onde estão os inimigos. – Ou poderá morrer.

— Acredito que esse seja um trabalho seu – respondeu com sarcasmo – Que pelo visto não está fazendo direito. Lembre-se, se algo acontecer com a Hyuuga, você não será poupado.

— Tsc.

Tentando ignorar toda a sua irritação, pegou a mulher no colo e começou a caminhar em direção a sua casa. Hinata agora estava tremendo pela febre e se ele não fizesse algo logo, talvez seu estado piorasse.

A levou direto para o banheiro, tirando suas roupas e preparando a banheira para um banho. O plano era simples, a água quente ajudaria com a febre e tiraria toda aquela sujeira de seu corpo, depois ele a colocaria na cama e esperaria sua temperatura voltar ao normal.

Em meio estado de consciência, Hinata foi capaz de falar envergonhada, seu rosto agora estava em um tom de vermelho escarlate na qual com certeza deveria ser causado pela mistura de febre e timidez.

— O q-que você e-está fazendo? – Murmurou, enquanto Sasuke abria seu sutiã.

— Salvando a sua vida.

Ela não discutiu.

Sasuke tentou não reparar muito no corpo desnudo na sua frente, muito menos em como ele era perfeito e cheio de curvas. Ele era um homem, afinal. Colocou a Hyuuga dentro da banheira, limpando com certa delicadeza toda a sujeira presente, ainda sem acreditar que estava realmente fazendo alguma coisa desse tipo.

— Maldita Hyuuga – rugiu com aborrecimento – Sabia que mais cedo ou mais tarde me daria dor de cabeça.

Não quis prolongar aquela situação tão incômoda, principalmente por começar a se sentir algum tipo de pervertido por não conseguir desviar seus olhos do corpo daquela mulher. A secou e a colocou em sua cama, e sem se preocupar em colocar algum tipo de vestimenta nela, a cobriu com um cobertor tentando fazer com que ela parasse de tremer por causa do frio, entretanto, não pareceu surtir efeito.

Ainda em descrença pelo que estava prestes a fazer, tirou suas próprias roupas, deixando apenas a cueca. Com relutância deitou na cama de casal junto a Hyuuga e a puxou para si, tentando assim mantê-la aquecida.

Qualquer pessoa, inclusive ele, juraria ser impossível ver Uchiha Sasuke sendo tão altruísta e tentando ajudar uma pessoa, mesmo sendo para não prejudicar a si próprio. Até aquele instante era repugnante apenas o imaginar fazendo isso por alguém, sentia asco de si, irritação e decepção. Desde a morte de seu clã jurou não se importar com mais ninguém além dele mesmo. Porém, de uma forma estranha, quando ela se agarrou ainda mais ao seu corpo tentando encontrar calor, todos esses pensamentos foram embora, ele não se sentia mais aborrecido.

E foi dessa forma que acabou adormecendo.

-*-

 

— Isso não te assusta?

Aquela pergunta se manifestou na escuridão. Tentou, sem sucesso, reconhecer a voz. Sentia uma vulnerabilidade familiar por estar em um local desconhecido. Seu corpo estava paralisado, não sabia se era pelo medo ou apenas por ter algo a impedindo seus movimentos.

Se isso a assustava?

Sim, queria gritar como tudo aquilo a enchia de pânico, ainda assim, nenhum som saiu de sua boca.

— Farei com que você comece a gostar do escuro.

Hinata queria assegurar como nunca gostaria de algo assim, as cores claras eram sem dúvidas as mais alegres e felizes, suas preferidas. Entretanto, antes de ter a chance de falar, aqueles olhos negros romperam em seu campo de visão, mais negros do que qualquer outro tom. Não sentiu felicidade por conseguir enxergar mais uma vez, pelo contrário, desejava não ver nunca mais essa mirada fria que assombrava a sua mente.

Acordou com um peso sobre seu corpo. O cheiro e textura dos tecidos sobre si eram familiares o suficiente para perceber que se encontrava em seu quarto, só não sabia como chegou até ali, sua cabeça parecia prestes a explodir apenas por tentar se lembrar. Se esforçou em levantar, sendo impedida por braços fortes que a puxaram mais para si. Seus olhos logo se arregalaram pela surpresa. Além de estar na mesma cama com um homem, também estava nua.

Se virou com o rosto totalmente vermelho na tentativa de descobrir quem era a pessoa ao seu lado, apesar de já ter suas suspeitas. Seus dedos começaram a traçar algumas linhas no rosto daquele homem e constatou que era mesmo Sasuke. Por um momento ficou satisfeita por ainda se lembrar dos traços de seu rosto, suas mãos logo foram para o braço e peito do mesmo, constatando que ele também não estava vestido.

Sentiu seu rosto queimar, estava prestes a desmaiar.

— Poderia ter me falado antes desse seu desejo de me tocar, Hyuuga. – A voz rouca do Uchiha soou em sua nuca, fazendo Hinata se arrepiar – Quem sabe eu poderia retribuir.

Hinata se afastou bruscamente, não se esquecendo de levar todo o cobertor consigo para cobrir sua nudez.

— E-e-eu n-nunca…

— Que seja – Sasuke interrompeu enquanto se levantava – Vejo que já está melhor.

Ele observou com atenção a mulher sentada na cama, agarrando a coberta contra si como se sua vida dependesse disso.

— O-Obrigada, Uchiha-san… – sussurrou com delicadeza – Por ter salvo a minha vida.

Um sorriso maldoso surgiu no rosto de Sasuke quando ele se aproximou.

— Não agradeça. Não pouparei a sua vida uma terceira vez.

As mãos de Hinata  se apertaram com força ao notar o quanto ele podia ser cruel e sem sentimentos. Agora podia entender um pouco os motivos de Tsunade.

— Então por que não me deixou morrer?

Ficou surpreso quando, pela primeira vez, ela conseguiu formar uma frase sem gaguejar. Era divertido saber que isso foi causado, provavelmente, por sua irritação dirigida a ele. Ainda assim, sua voz era doce e delicada, mesmo sendo ameaçada de morte.

— Eu poderia ser castigado. – Deu de ombros – Não ficarei aqui para sempre, como você deve saber, só estou muito fraco agora.

— Quando tiver força suficiente, destruirá a vila?

Ela perguntou com incerteza, tentando manter sua voz firme, por um momento não obteve nenhuma resposta, mas logo a voz forte do Uchiha se fez ouvir, a arrepiando em resposta.

— Ninguém será poupado.

Não estava preparada para responder àquilo.

Por um momento desejou poder saber se as palavras da Hokage eram certas, se ela podia realmente mudar apenas um pouco a mente daquele Uchiha. Seria mesmo possível o destino da vila residir nas mãos de uma mulher cega? Até alguns momentos atrás Hinata julgava tudo isso como um grande absurdo.

Ele era perigoso, ela sabia. Sasuke era o único culpado por ela estar nesse estado. Ainda assim, sua cabeça martelava sem acreditar ser possível existir uma pessoa sem salvação. Tudo bem, não podia negar acreditar exatamente nisso até o dia anterior, mas o Uchiha a salvou, não podia evitar refletir que talvez, mesmo sendo uma chance miníma, ele a tenha ajudado não apenas para evitar um castigo, e sim porque ainda existe uma pequena humanidade dentro dele. Se havia uma chance de ajudar a vila, Hinata a agarraria.

Assim que ouviu os passos dele se afastando de onde ela estava, se levantou, ainda cobrindo seu corpo. Não sabia se ele concordaria com aquela ideia louca, mas tentaria.

— N-não sei o que vai acontecer comigo depois disso. – A voz delicada interrompeu seus passos – Será que vou mesmo voltar a enxergar um dia? O-ou isso vai acabar me matando?

Sasuke não respondeu e por um momento ela se perguntou se ele estava realmente ali, mas isso não a impediu de continuar.

— Você é única pessoa que eu tenho agora. – Corou e agradeceu por não gaguejar – M-meus amigos estão muito ocupados com a proteção de Konoha e missões para cuidar de uma garota deficiente. Por isso, eu quero te pedir um favor.

— Quem te garantiu que eu faria algum favor por você? – Grunhiu irritado enquanto a encarava, seus olhos eram mantidos fechados – Hyuuga, vamos deixar claro, eu não me importo que você esteja assim por minha causa, eu não sinto remorso, muito menos compaixão, já matei várias pessoas, você apenas teve sorte de ter sobrevivido, então não pense que eu lhe devo alguma coisa.

— E-eu n-não penso isso – continuou com incerteza – É apenas um favor que eu não posso pedir a mais ninguém, afinal você é o único que está aqui comigo. Uchiha-san, por favor, me deixe enxergar o mundo através dos seus olhos.

Sasuke a olhou como se tivesse enlouquecido. Talvez a batida na pedra havia sido mais forte do que esperava e se fosse esse o caso, a velha Tsunade deveria manter aquela Hyuuga desequilibrada longe dele. Antes que pudesse falar algo, a voz dela se apressou, como se lesse seus pensamentos.

— N-não quero que me dê seus olhos ou algo do tipo.

— Então o que quer?

— E-eu queria ser capaz de enxergar os lugares que eu mais gosto da vila uma última vez – murmurou – O que eu quero é que você visite esses lugares comigo e me diga o que enxerga.

O Uchiha se surpreendeu com aquele pedido. Aquilo era tudo? Apenas ir em um lugar idiota e dizer o que havia ali?

Aquela Hyuuga era interessante, pensou com diversão.

— Não farei isso.

— M-mas…

— Por que eu faria algo assim? Não ganharei nada com isso.

Hinata mordeu os lábios com nervosismo sem saber o que dizer. Realmente havia sido idiota em pensar que ele aceitaria algo desse tipo. Abaixou a cabeça envergonhada pela sua estupidez.

— D-Desculpe…

Sem entender o motivo de ainda continuar ali, acompanhou os passos desajeitados da Hyuuga em direção ao banheiro. Aquele sentimento de culpa que havia sentido no primeiro dia o invadiu de novo e ele tentou com todas as forças expulsá-lo. Como aquela mulher era capaz de fazer com que ele sentisse remorso de alguma coisa? Passou anos matando os seus sentimentos, para que ela chegasse e com apenas algumas lágrimas o fizesse sentir pena e culpa. Teria sido muito mais fácil se ela apenas tivesse morrido naquele dia.

— Começamos amanhã. – Quando percebeu o que havia acabado de falar já era tarde, não podia voltar atrás – Não tenho nada melhor para fazer aqui mesmo.

 

-*-

 

Estava começando a se sentir irritado.

Caminhavam pelas ruas de Konoha e naquele momento eles eram o centro das atenções. Todos as pessoas pareciam variar entre observar o criminoso número um da vila e a herdeira Hyuuga que havia perdido o dom da visão, essa última recebia, em sua maioria, olhares de pena e por um segundo Sasuke se sentiu satisfeito por ela ser impedida de perceber isso. Ele torturaria qualquer um que o encarasse assim.

Tentou ignorar todos esses imbecis e continuou a seguir a mulher alheia a situação em seu redor. Hinata se manteve quieta até decidir avisar que eles comeriam dangos, tagarelando algo sobre deixar os melhores para o final. Aquele era o primeiro lugar escolhido.

Ao chegar no pequeno estabelecimento, se sentaram numa mesa escolhida por Sasuke. O local era pequeno, velho e decadente, não havia nenhuma boa visão ali e isso o deixou confuso. Se perguntou qual era o motivo para ela gostar tanto dali quando ele não podia ver nenhum.

— Os d-dangos daqui são os melhores da vila. – Hinata disse com certa animação, sua voz era baixa como sempre.

— Humf.

— Me diz o que você pode ver.

Sasuke não gostou da forma como ela olhava para frente, em nenhum ponto em especial, seus olhos abertos como a tempo não via. Mesmo sabendo que o motivo dessa mirada perdida era por ela ser incapaz de enxergar, ele gostaria de ter a sensação de sua mirada sob si.

— Um local feio e velho, onde todas as pessoas parecem manter distância. Só tem a gente aqui, pelo visto os únicos loucos o suficiente. - Hinata olhou em sua direção e ele abriu um sorriso de lado, seu pedido silencioso havia sido atendido – Essa mesa parece a ponto de cair a qualquer momento e tem uma velha enrugada vindo em nossa direção. Provavelmente eu nunca comeria aqui.

E então, ela riu.

Sasuke se sentiu desconcertado com o fato de ter feito alguém rir, era vergonhoso de algum modo e ele quase podia sentir seu rosto esquentar. Como apenas a ideia de se ver corando era absurda e bizarra, conseguiu se controlar, no entanto, não teve a mesma sorte ao tentar impedir de sentir algo se aquecer em seu interior. O som daquela risada era o suficiente para fazer com que seu mau humor fosse embora. A beleza daquele sorriso o hipnotizou por alguns segundos.

Desviou o olhar sem entender o que estava acontecendo com ele. Algo muito errado, com certeza. Pensamentos inúteis como esses não deveriam passar pela sua cabeça.

— Bom dia, queridos, o que esse belo casal deseja? – A velha perguntou animadamente fazendo Hinata corar.

— D-dois espetos de dangos para mim e para ele, por favor.

A senhora prontamente foi atender ao pedido e Hinata voltou a lançar seu olhar para um ponto em sua frente.

— E-eu imagino que a beleza daqui está em toda a sua história e ao motivo de todas suas marcas de envelhecimento… Isso só mostra que esse lugar sobreviveu a muitas coisas. Um lugar forte, como e-eu queria ser. – Sorriu mais uma vez – E aqui estão os melhores dangos da vila. - Repetiu.

Quando os dangos chegaram eles comeram em silêncio. Sasuke nunca admitiria em voz alta como ela estava certa sobre o sabor daquela comida.

Era estranho como em todos esses anos nunca se imaginou em um momento tão simples como esse. Era uma situação estranha e, apesar disso, se sentia relaxado, como se comer dangos na companhia de uma mulher cega num restaurante quase abandonado da vila que ele odiava fosse algo comumente em sua vida.

Sem perder o progresso de todas aquelas “primeiras-vezes” que se tornaram cotidianas nos últimos dias, Hyuuga Hinata parecia feliz pela primeira vez, a sombra da curva de seus lábios permaneceu lá até voltarem para casa.

E foi naquela lojinha de dangos, que Sasuke apreciou o seu sorriso.

 

 

-*-

 

Naquela noite, mais uma vez ele observava a habilidade de Hinata na preparação do jantar. O silêncio sempre presente entre os dois já se tornou monótono. Ele nunca reclamou, era agradável, sempre gostou da quietude, por isso não entendeu ao certo o motivo dele ter quebrado toda aquela tranquilidade com uma pergunta tão idiota.

— Onde aprendeu a cozinhar?

Por que ele estava interessado em saber isso?

— Hum… – Hinata pareceu ser pega de surpresa com aquela pergunta – M-Minha mãe morreu quando eu era muito nova, então tive que c-cozinhar para minha irmã.

O silêncio reinou por alguns segundos...

— Onde vamos amanhã?

... e mais uma vez Sasuke o quebrou.

— Você está bem, Uchiha-san? P-parece inquieto.

Ok, ele estava agindo de uma forma tão estúpida que até a Hyuuga estava estranhando. Cruzou os braços enquanto ela cortava alguns tomates. 

— Não estou inquieto, Hyuuga, apenas entediado.

Ela sorriu.

— O lugar que nós vamos amanhã é uma surpresa – respondeu com amabilidade.

— Estou ansioso para descobrir – retrucou com ironia.

Hinata apenas alargou seu sorriso, sem responder ao seu sarcasmo. Estava começando a se acostumar com a presença do Uchiha e não tinha tanto medo de sua presença como antes, mas algo estava começando a deixá-la preocupada.

Podia sentir que a cada dia, o chakra de Sasuke ficava mais forte.

 

-*-

 

A subida até o topo do monumento com os rostos do Hokages não havia sido tão fácil. Para que Hinata não caísse e acabasse se machucando, Sasuke fez todo o percurso segurando uma de suas mãos – mesmo não muito satisfeito com isso – podendo assim guiar e dar mais firmeza aos seus passos. Ninguém além deles dois e o ANBU, que os monitorava, estava por perto.

Quando finalmente chegaram ao topo, se sentiu um pouco nostálgico. Fazia anos que ele não visitava esse lugar, sempre teve um grande costume de vir quando estava aborrecido. Agora estava de volta, junto com aquela Hyuuga.

Konoha estava bem ali, abaixo de seus pés.

— O que você vê, Uchiha-san? – Perguntou com timidez, olhos fechados enquanto o vento bagunçava seu cabelo, uma imagem um tanto curiosa.

— Konoha inteira. Todas as casas, prédios e lojas. – Fez uma pausa, começando a achar toda aquela situação ridícula – Vários pontos pretos, que na verdade, são os moradores caminhando pelas ruas.

— E como o céu está? – indagou com curiosidade.

— Azul, com poucas nuvens – respondeu com sua voz fria – Acredito ser uma imagem melhor do que aquele velho lugar que vende dangos.

Hinata sorriu.

— E-então quer dizer que você também gosta daqui?

— Eu não disse isso.

Hinata apreciou o seu tom rabugento, como se fosse uma criança sendo contrariada. Era provável que ele também tivesse memórias naquele lugar, e isso talvez pudesse ajudar a fazer com que o coração de gelo se derretesse pelo menos um pouco.

Tristeza a invadiu ao lembrar da atual realidade, Sasuke observava, em toda sua dimensão, o lugar para onde todo o seu ódio era destinado. Tentou espantar esses pensamentos, não podia negar que eles a desencorajavam mesmo sendo apenas os fatos. Uma pequena parte de si ainda tinha esperança de fazer o Uchiha mudar de ideia. Hinata sabia que em último caso, a última esperança da vila seria Naruto confrontar o melhor amigo mais uma vez e ela realmente não desejava isso.

— E-eu costumava vir aqui quando estava triste e me sentia fraca. Observar a vila que eu devo proteger me fazia sentir mais forte.

Sasuke a observava com atenção.

Um fraco vento bagunçou o cabelo da Hyuuga, trazendo junto consigo o cheiro dela. Era doce e delicado assim como a dona, diferente de todas as fragrâncias já sentidas por ele quando esteve com outras mulheres. 

De novo se pegou perguntando o que estava errado com ele.

— Eu queria ser forte como você, Uchiha-san

Observou aquele rosto corado pela vergonha e tentou não rir com essa declaração. Era irônico ouvir uma pessoa admitir isso para o grande vilão da história, ainda mais quando o cara mau anseia por acabar com algo importante para ela.

— Só para proteger essa vila?

— T-Todos temos a-algo para proteger.

Eu não tenho. 

A resposta ficou presa em sua garganta. Uma voz martelava em sua cabeça, lembrando como ele estava sendo obrigado a proteger a Hyuuga nos últimos dias, como nunca fez em toda sua vida. Na maior parte de sua miserável existência  desejou vingança por ter seu clã exterminado, tudo porque ele apenas ansiou ser forte como seu irmão e assim ajudá-lo a cuidar de Konoha e, principalmente, de sua família, mas para sua revolta, essa chance lhe foi tirada.

Mas agora, como punição, estava junto com essa Hyuuga, uma mulher que precisava dele por algo causado por ele mesmo. Sasuke não podia evitar não cuidar dela. Pela primeira vez, mesmo que por obrigação, estava protegendo alguém e, não podia negar, em alguns momentos pegava a si mesmo  gostando disso.

Hinata se aproximou despercebida e mais uma vez pôde captar esse perfume. Deveria admitir, poderia ficar o dia inteiro apenas o sentindo. Quanto mais tentava não se viciar nele, mais se tornava um fracassado.

E foi no topo da vila de Konoha, que ele percebeu o quanto apreciava aquele cheiro.

-*-

 

As densas nuvens e o vento forte indicavam a visita de uma tempestade, pronta para marcar a terra com seus vestígios e fazer com todos se esconder no aconchego de suas casas. Para muitos aquele tempo poderia ser desagradável, mas Sasuke sempre se identificou mais com a chuva, o som das gotas em contato com o solo e o cheiro de grama molhada era os melhores remédios naturais para seu estresse. Desde que o temporal não atrapalhasse o seu treinamento de taijutsu, ela era bem-vinda.

Já estava a um tempo golpeando de forma insistente uma grande árvore e, para sua alegria, ela não parecia suportar por muito mais tempo toda sua agressividade. Desde a morte de seu clã, Sasuke aceitou que o único motivo para sua miserável vida continuar, foi para alcançar a vingança. Para atingir seus objetivos escolheu abrir mão de sua humanidade e a partir disso tudo que ele tocava começou a sofrer danos, não seria diferente com essa singela árvore. Ele vendeu sua alma para o diabo, mas sua maior atrocidade era não se arrepender disso. 

Não demorou muito para uma das vítimas de seus danos aparecer em seu ponto de visão.

Hinata estava parada enquanto segurava uma bandeja com duas xícaras de chá. Um simples vestido lilás ameaçava subir com o forte vento enquanto se agarrava ao corpo esguio, seu cabelo também esvoaçava para trás acompanhando o ritmo do vento, suas bochechas estavam ligeiramente rosadas.

Sasuke não pode evitar reconhecer como seria prazeroso contemplar essa imagem todos os dias.

Não deveria se culpar por pensar algo assim, ele era um homem afinal. Hinata não era uma de suas fãs, não era tão irritante quanto a maioria das mulheres, era silenciosa e tinha uma aparência agradável, ou seja, era realmente encantadora...

... no ponto de vista de qualquer outro homem.

Sasuke não tinha tempo para idiotices como uma atração por uma mulher, ainda mais essa. Se formos jogar os fatos sobre a mesa, apenas a ideia já ultrapassaria o limite dos absurdo. Hinata estava cega por sua culpa e ele ainda planejava matá-la e destruir toda a sua vila. Não importava o quão doce ela era, nem o quanto sua presença se tornou agradável, muito menos como seu coração começava a se apertar ao escutá-la chorar todas as noites durante o sono. Seus planos não mudariam só por causa de um pequeno sentimento de pena.

Eu sou realmente um monstro. Pensou com amargura.

— Uchiha-san, talvez você queira descansar um pouco, então preparei um chá. - Abaixou a cabeça com timidez, um ato curioso já que ela não podia o ver — E-espero não estar incomodando.

— Me chame de Sasuke.

Hinata se encolheu um pouco com o tom frio do Uchiha e também corou pela vergonha de chamá-lo de forma tão íntima.

— Eu odeio toda essa formalidade.

Teria alguma coisa que o Uchiha não odiasse além de tomates? Hinata indagou a si mesma sobre tal enigma mas resolveu guardar a dúvida para si mesma.

— S-Sasuke-san? - murmurou com certa insegurança, recebendo apenas um grunhido como resposta.

Com certa dificuldade, colocou a bandeja sobre a pequena e velha mesa de jardim localizada nos fundos da residência. Se sentia alegre com seu progresso, a cada dia estava mais acostumada com a casa e podia se virar sozinha em quase tudo. No fundo agradecia por Sasuke não ser um de seus amigos preocupados que tentariam fazer tudo por ela. Todas as suas pequenas realizações eram importantes para si, a faziam se sentir mais útil e menos um peso para as outras pessoas. Esses sentimentos eram algo que pelo visto nunca conseguiria escapar, mesmo quando podia utilizar seu Byakugan sempre buscou a aprovação de todos, tentava de várias maneiras conquistar seu próprio lugar. Era difícil, a matava aos poucos. 

Agora, mesmo pensando nas pessoas ao seu redor, todos seus pequenos progressos eram para ela acima de tudo.

Um pouco desajeitada, se sentou, pronta para apreciar o seu chá enquanto ainda estava quente.

— Será que é certo você ser tão boazinha com um criminoso?

A zombaria escorria em sua voz quando Sasuke se sentou, em seguida tomando um gole do chá. Não se surpreendeu por ele esta tão bom quanto tudo preparado por ela na cozinha. Presumiu o quanto o marido daquela mulher teria sorte, poderia saborear para sempre os dotes culinários de Hinata.

Mais uma vez se sentiu incomodado pelo rumo dos seus pensamentos. Pelo visto estava se tornando comum ele refletir sobre coisas tão fúteis, agora fazer isso enquanto tomava um chá da tarde com uma Hyuuga cega era o cúmulo do ridículo. Por que simplesmente não a ignorou e continuou seu treinamento deixando ela provar seu maldito chá sozinha?

Quando estava prestes a se levantar e ignorá-la pelo resto do tarde, sua voz o parou.

— Não devemos ser ruins com uma pessoa, mesmo com todos os seus pecados.

Sasuke abriu um pequeno sorriso pela diversão.

— Quem é você? Kami-sama?

Hinata quase engasgou com aquele comentário, abrindo seus olhos imediatamente.

— C-claro que n-não – gaguejou com nervosismo – E-eu n-não… Q-quer dizer, todos têm seus pecados… Alguns piores que os outros… Eu só não julgo ninguém por isso… Mesmo que eu tenha medo de você às vezes… V-você continua sendo uma pessoa, certo?

Hinata corou fortemente depois de tais palavras e se repreendeu mentalmente por todas as vezes que julgou Sasuke um monstro. Nunca foi perfeita também, por isso não podia sair por aí apontando os defeitos das outras pessoas - mesmo sendo uma missão quase impossível quando se mora com Uchiha Sasuke.  Ela era uma péssima pessoa.

Sasuke a observava com certa diversão, os braços cruzados enquanto tentava adivinhar o que se passava na cabeça da Hyuuga para ocasionar tantas caretas e uma face tão vermelha quanto um tomate.

Tomates.

Ele sempre gostou deles.

Ela engoliu mais um gole de chá tentando manter sua boca fechada e um silêncio constrangedor emergiu entre eles.

O Uchiha soltou um suspiro.

— Estamos sendo observados a cada segundo. – Ele olhou para as nuvens cinzentas – Por que tem medo se mesmo se eu quisesse não poderia te fazer mal?

Hinata sabia que ele se referia ao ANBU designado para garantir a sua segurança e vigiá-lo. Mordeu os lábios com inquietação, desejava evitar essa pergunta, mas ainda assim a resposta escapou por seus lábios.

— Eu não sei. Talvez só ainda estou assustada com o que aconteceu e com o que você pretende fazer, Sasuke-san.

Sua voz era baixa, mas audível o suficiente para Sasuke. Sua atenção não conseguia se desviar dela, o chá já estava esquecido sobre a mesa.

— Então você tem razão para ter medo.

A conversa se encerrou com tais palavras e pequenas gotas começaram a cair do céu.

Perdendo toda sua vontade de continuar com o treinamento, achou melhor entrar e tentar dormir um pouco, coisa que ele não fazia direito a bastante tempo. Estava prestes a deixar a Hyuuga sozinha quando ela fez um movimento que chamou sua atenção.

As mãos pequenas foram em direção a cabeça, seus olhos se fecharam com força e demorou apenas alguns poucos segundos para ela começar a soltar pequenos gemidos que se transformaram em gritos de dor. Sua voz era tão alta que ele de certa forma se assustou, surpreso por Hinata conseguir atingir um tom tão elevado.

Ela se levantou curvada, mesmo respirando com dificuldade, tentou dar um passo a frente mas suas pernas falharam. Foi nesse momento que Sasuke reagiu, segurando a mulher contra si para evitar sua queda.

— Hyuuga?

Ela não respondeu, em vez disso os gritos seguidos de lamentos doloridos continuaram, seu corpo se contorcia contra o dele. Sasuke não era uma pessoa de sentir desespero, entretanto, vê-la naquele estado o fez sentir algo bem parecido. Lágrimas começaram a invadir o seu rosto, o sangue que escapava pelo seu nariz e ouvido contrastava com sua pele pálida. Sem saber o motivo, o último sobrevivente do clã Uchiha sentiu como se algo estivesse se partindo dentro dele com aquela imagem. Não conseguia imaginar o tamanho da dor que ela estava suportando.

— Droga – xingou enquanto a pegava no colo – Vou te levar para a Hokage, então é melhor aguentar firme, Hyuuga.

Se amaldiçoando por não ter seu chakra naquele momento, Sasuke correu o mais rápido possível. A chuva ficava cada vez mais forte e a mulher entre seus braços parecia mais perto da inconsciência a cada instante.

Agradeceu por ter poucas pessoas correndo da chuva pelas ruas de Konoha, a maioria já se protegeu da tempestade há algum tempo. Seria péssimo ter que lidar com várias testemunhas de sua angústia. 

— Esse ANBU é realmente inútil – gritou com exasperação, tentando manter o fôlego – Será o primeiro que matarei quando conseguir meus poderes de volta. - Olhou para céu quase imaginando o sorriso irônico presente no rosto do vigilante naquele momento – Espero que esteja ouvindo!

Quando finalmente chegou ao hospital, estavam completamente encharcados e Hinata já parecia inconsciente. Sasuke não gostava nem um pouco do quão silenciosa ela estava. Seu corpo era frio e sem cor. A apertou mais contra si.

Vamos, Hinata, abra seus olhos.

As pessoas que se assustaram quando Sasuke abriu a porta sem um pingo de delicadeza apenas o miravam com espanto, ninguém ousava se aproximar. O que eles estavam esperando? Que ele gritasse por ajuda? Bom, sua dignidade e orgulho já tinham sido arruinados o suficiente naquele dia por causa daquela mulher. Mas se ele fosse obrigado a olhar a Hyuuga naquele estado por mais tempo com certeza ele faria exatamente isso. Talvez ele matasse todos depois por tê-lo feito passar por essa situação, com chakra ou não.

Uma enfermeira se aproximou.

— O que aconteceu? - Sem esperar uma resposta a colocou numa maca junto com outra ninja médica – O pulso está fraco.

Elas começaram a correr para algum quarto enquanto Sasuke a seguia.

— Chame a Hokage.

— A Hokage deve estar muito ocupad…

— Eu disse para chamar a Hokage.

A ninja médica tremeu de pavor quando encarou os olhos vermelhos do homem a sua frente.

Sharingan.

Sasuke também ficou surpreso com isso, não soube em qual momento havia ativado sua Kekkei Genkai e muito menos tinha noção de já ter poder suficiente para isso. Pelo visto, mesmo impedido de controlar todos os poderes do Sharingan, ele já tinha chakra suficiente para ativá-lo. Seu poder estava voltando mais rápido do que o previsto.

Com certo medo a mulher correu para atender sua ordem, enquanto a outra realizava os primeiros atendimentos em Hinata.

Sasuke suspirou e fechou os olhos, bagunçando seu cabelo, sua roupa além de molhada estava suja de lama e sangue. Não entendia por que estava tão preocupado com alguém além dele mesmo. Se seus poderes estavam mais fortes, só indicava que o dia de se vingar de todas aquelas pessoas estava mais próximo.

Não demorou muito para Tsunade chegar ao local, tão preocupada quanto ele.

— O que aconteceu?

— Ela começou a gritar de dor e depois desmaiou. - explicou com a voz impassível.

— Estamos perdendo ela, Tsunade-sama.

Sasuke observou com certo horror enquanto a ninja médica tentava de alguma forma salvar a vida de Hinata. Como era possível que ela estava morrendo se há apenas alguns minutos parecia tão bem?

O desespero que começou a invadir o Uchiha era pior daquele sentido a alguns minutos atrás, se sentia desorientado, aflito. Por que estava assim?

Talvez porque ele não queria a perder agora.

Ainda existiam lugares que Hinata desejava enxergar com os seus olhos.

— Saia, Uchiha – A Hokage falou com autoridade – Eu cuidarei disso.

Ele não a contrariou.

Entretanto, assim que saiu da sala, golpeou com toda a força que podia a parede do corredor daquele hospital, deixando a marca de toda sua fúria. Esse tempo todo Hinata estava sofrendo por sua culpa. Não entendia como conseguia ser tão egoísta por querer voltar aos seus objetivos.

Sim, antes de Hinata ele entendia. Seus planos estavam acima de todos, mas isso não parecia mais certo. Sasuke arrastava o caos, todos próximos a ele se feriam de alguma forma e ele aceitou isso. No entanto, se Deus realmente existe com toda sua misericórdia, aceite a súplica de um pecador e, por favor, faça dela uma exceção.

Sim, ela tinha conseguido fazer ele sentir compaixão por ela.

Se pudesse destruir a vila inteira nesse momento, ele realmente a mataria? O tempo estava se tornando seu maior inimigo, principalmente o tempo que passava na presença de Hinata.

Quanto mais conseguia seu poder de volta, mais fraco ele se tornava.

 


Notas Finais


Espero que tenham gostado e quem sabe até deixem um comentário *-*
Obrigada por lerem até aqui <3
Beijooooosss


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