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História Contrato de risco - Manias


Escrita por: CombatLover

Notas do Autor


Oiee
Demorei dessa vez, tava sem pc.
Agradeço todos os comentários e favoritos, sempre levo em consideração pra tentar melhorar, então não deixem de me contar o que estão achando!
Bjo!

Capítulo 7 - Manias


 

[Marina]

Acordo com o toque incessante do celular e nem preciso olhar para saber que é André, provavelmente querendo saber por que faltei da faculdade. Recuso a ligação, abaixo o volume e simplesmente jogo o celular em algum canto da cama antes de enfiar a cabeça no travesseiro de novo tentando recuperar o sono perdido.

Não levanto agora por nada nessa vida: meu corpo está completamente moído e minha cabeça, pior ainda. Preciso dormir por três gerações para me recuperar, e o responsável por esse caos todo tem nome. Dois, ainda por cima.

Reconheço que vai ser inútil tentar dormir assim que Nathan – ou melhor, Levi – visita meu pensamento; me arrepio só de lembrar de sua voz sussurrando meu nome, e mais ainda ao me dizer o dele. Se é que é o nome verdadeiro mesmo...

Tantos mistérios envolvem esse cara que entrou em minha vida por um completo acaso e que por obra do destino se recusa a sair...

Acabo rindo sozinha ao pensar que não tenho a mínima moral de cobrar esse tipo de coisa dele, e é normal que acompanhantes não revelem sua identidade verdadeira. Já devia esperar algo do tipo.

De qualquer forma ele mexeu comigo desde a primeira vez que nos encontramos, e seu beijo acabou com todas as minhas tentativas de negar isso para mim mesma.

Nem sei o que me abala mais: a dor no corpo, a confusão mental ou o desejo reprimido.

O tamanho da destruição foi tão grande que mando mensagem pra Helena com uma desculpa qualquer justificando faltar ao treino; preciso mesmo de descanso. E de distância, pelo menos até colocar a cabeça de volta no lugar.

O maldito luta duro, duro mesmo, e ela está certa: é simplesmente o melhor. Depois de treinar com ele ficou fácil entender porque ganhou o torneio, e também a razão do tratamento privilegiado que recebe.

Seu nível é tão alto que fica difícil acreditar que teve apenas treinamento civil. Enfrentar aquele cara a sério deve ser apavorante...

Um estalo de compreensão muda meus planos e tateio entre as cobertas até encontrar o celular para ligar para André. Poucos toques depois sou atendida.

— Olha só quem resolveu me dar o ar da graça...

Estou sem a menor paciência para suas implicâncias: mando logo sem rodeio o motivo de retornar a ligação.

— Corre pra cá! Descobri informações importantes.

Sei que ele é antes de tudo um curioso mórbido e vai vir o mais rápido possível assim que a aula terminar, então aproveito o tempo para escovar os dentes, me trocar e tentar organizar a confusão mental fruto do cansaço e das conclusões recentes: é muita coisa para assimilar.

Pouco tempo depois André chega empolgado.

— E aí, o que tem pra mim?

Em outra situação estaria tão entusiasmada quanto ele, mas confesso que estou com medo de me aprofundar nessa história e descobrir coisas que não quero. Ao mesmo tempo em que estou louca de vontade de saber tudo que puder sobre Levi, também tenho um receio muito grande do tipo de coisa que posso encontrar.

Começo acabando com as expectativas de André a respeito de eu ter descoberto ou conseguido algum documento de Helena.

— Ainda não consegui nada de interessante sobre ela...

O vejo murchar e ficar confuso.

— Me chamou pra isso?

— Fica quieto, deixa eu terminar de contar! — Ele faz um sinal de zíper nos lábios garantindo que ficará quieto. — Quando fui treinar ontem encontrei o Nathan lá.

— Caraca, que coincidência! Como foi isso?!

André fica passado e até esquece a expectativa de saber mais sobre Helena: já está no modo amigo fofoqueiro, ávido por detalhes sórdidos.

— Ela tinha prometido levar um amigo que participou do torneio pra treinar comigo, lembra? Então... ele é o amigo!

— Não acredito! O que ele fez quando te viu?!

A cara dele é cômica e quase tira meu foco do que preciso contar.

— Disfarçou... acho que os amigos não sabem que trabalha como acompanhante...

— Não é mesmo o tipo de profissão que a gente sai contando pras pessoas por aí...

— Entrei no jogo e também fingi que estava vendo ele pela primeira vez.

— Isso é bom, assim ele não tem motivos pra falar que já te conhece...

— É, mas ele perguntou sobre meu nome um momento em que ficamos sozinhos... respondi que dei um falso na entrevista com ele por timidez.

— E ele acreditou fácil assim?!

— O nome dele na verdade é Levi, usa Nathan apenas nos programas... Deve ter entendido como me senti. Nem sempre queremos ser nós mesmos...

Fico péssima por mentir para meu amigo e mais do que isso, parceiro, só que a vergonha de contar tudo o que ocorreu é maior. Deveria ser mais cuidadosa e por puro fogo no rabo acabei entregando informação demais.

Apesar disso acredito mesmo que não tem problema... De qualquer forma mesmo que descubram que dei outro nome falso posso me proteger apresentando as provas de que minha reportagem na verdade é sobre as lutas clandestinas.

Um álibi perfeito, Helena nunca terá motivos para achar que é um dos alvos. André fica satisfeito ao saber que Levi comprou minha história.

— Ainda bem, uma coisa a menos pra se preocupar...

— Andre, mas também não era exatamente isso que queria dizer... A questão é que o nível de luta dele me chamou muito a atenção, entende? E fiquei pensando... Como uma professora de ciências conhece um acompanhante de luxo? Não parecem o tipo de pessoa que se topam na feira.

— Como uma mulher adulta conhece um acompanhante? Contratando?

Ele ri com a própria gracinha e só para porque o olho feio. E apesar da possibilidade disso ser verdade – ou até mesmo deles terem alguma coisa – me recuso a acreditar nisso.

Helena e Levi não parecem ter esse tipo de relacionamento.

— Estou falando sério... Como duas pessoas tão diferentes ficam amigas? E eles parecem ser bem íntimos, tipo nós! Será que não se conhecem de antes?...

Quase posso ver a fumacinha na cabeça de André quando levanto essas questões.

— Marina... É uma conclusão rápida demais, não acha? Só porque ele luta bem... Talvez tenham se conhecido durante uma competição anterior... acho que você está impressionada porque sabe do passado da Helena.

Essa hipótese faz tanto sentido que me sinto uma idiota criadora de teorias da conspiração. Só que algo nesse reencontro deixou uma pulga atrás da minha orelha e quero muito tirar essa história a limpo.

— André, pode chamar de sexto sentido, do que quiser, mas tem alguma coisa errada com esse cara e com a amizade deles.

Meu amigo suspira e se dá por vencido.

— Certo Marina, vamos investigar. No fundo você só quer saber se é seguro ir em frente com ele, acertei? O destino caprichou com você dessa vez...

Acertou em cheio, mas negar já é automático.

— Claro que não, é só intuição, juro.

— Ok. O problema é que só ‘Levi’ ou ‘Nathan’ não são elementos suficientes para uma busca, e se ele for mesmo um dos parceiros da Helena duvido que tenha algum rastro digital...

— Então como podemos investigar?

Ele pensa um pouco antes de devolver.

— Ma, preciso de uma foto deles. Você consegue?

Pondero sobre seu pedido. Se tentar tirar uma foto eles podem perceber que estou tramando algo, e sinceramente não quero descobrir na pele o que são capazes de fazer para manter o segredo bem guardado, se realmente tiverem algum.

Contudo posso chamá-los para jantar fora, e André se encarrega de tirar a foto discretamente. Como Helena já nos chamou para sair nem vai levantar suspeitas.

Foi a tática que usamos para obter as fotos para a reportagem sobre as lutas clandestinas, inclusive do René, o provável finalista que será desafiado por Levi.

— Consigo. Amanhã marco algo com eles.

Andre me olha longamente com a expressão esquisita de quando quer ler minha alma.

— Tá tudo bem fazer isso Ma? Sabe, não precisa se expor desse jeito só pra me ajudar...

Esse cuidado com meus sentimentos é muito bem-vindo, mas já estou decidida.

— Gosto da Helena... Só que minha simpatia não está acima dos erros dela. 

— Falo do Levi. Você parece balançada.

Odeio como sou tão transparente para ele: Andre sempre lê minhas entrelinhas e antecipa meus pensamentos. Prova disso é que usa justamente o nome que me perturba.

Chamá-lo de Levi me obriga a lembrar ainda mais do que eu já não consigo esquecer.

— É só um lance de pele, relaxa.

Sorte que o próprio André desvia do assunto.

— Se você diz... E a reportagem sobre as lutas clandestinas? Precisa de alguma ajuda?

— Estou quase terminando, vão publicar logo depois da final da competição.

— E como você está indo?

André tentou me convencer a desistir de participar desse torneio muitas e muitas vezes, preocupado de que eu me machucasse seriamente. Afinal, não tem regras e o vencedor leva um prêmio em dinheiro com valor considerável para deixar a moral de muitos competidores bem flexível.

            Quando viu que eu estava decidida me falou sobre Helena, mas acho que nunca acreditou que eu passaria das primeiras fases.

— Bem... eles dizem que só tem uma competidora que pode me dar trabalho.

— Falta muito pra final?

— Menos de um mês...

— Que bom! Quando terminar não precisará mais ir lá. Não está descobrindo nada sobre a Helena mesmo...

Ele parece aliviado ao dizer isso, mas a ideia de deixar de ver Levi me dá uma sensação péssima. Não consigo conter uma expressão desgostosa que não passa batida.

— Ahh não! Você vai continuar indo?!

Ele me conhece bem demais para aceitar uma desculpa qualquer, então falo a verdade.

— Talvez... depende do que a gente descobrir.

— Marina, por que você gosta tanto de problema?

— Nem sabemos ainda se ele faz parte do passado de Helena, posso só ter exagerado mesmo. Que mal pode ter?

— Me diz você, não sou eu que gosta de brincar com fogo.

Engasgo com a frase ao lembrar de como Levi se despediu de mim e André ele fixa em mim sua expressão curiosa. Diante do meu silêncio, ele respira fundo como quem entende que vem problema pela frente.

— Aconteceu alguma coisa entre vocês?

— Já disse que não tem nada!

— Certeza?

— Absoluta!

— Ufa. Fico preocupado. Sabe, se você tiver razão sobre a ligação dele com a Helena isso significa que ele é um provável sociopata. Se afasta desse cara, pelo menos enquanto a gente não tiver certeza sobre isso.

Penso nisso. Caramba, quase fui para a cama com um possível mercenário. Pior: ainda quero muito. André está certo em se preocupar; preciso manter distância.

Quem diria que eu cruzaria o caminho de Levi de novo. A vida é mesmo uma caixinha de surpresas. Ou de Pandora?

 

——— 

 

[Nathan/Levi]

Já não durmo muito; pensando nela, hoje dormi menos ainda.

Minha intuição não cansa de dizer que essa menina é encrenca e de forma inédita, eu pouco estou me importando.

O mais engraçado é que eu devia ser a ponta problemática da nossa esquisita relação, jamais ela, uma universitária inofensiva — ou quase, porque o que Marina está fazendo com a minha sanidade é tudo, menos inócuo.

Seu jeito desencanado me intriga, e aquele tom abusado não sai da minha cabeça. E nos raros momentos em que consigo esquecer, a marca de sua mordida me obriga a lembrar de seu gosto, do beijo tão encaixado.

Penso em ligar, mas não quero aparentar ansiedade. Aliás, não quero que saiba o quão ansioso eu realmente estou para terminar o que começamos. E com certeza vai ser hoje, precisa ser.

Pego minhas coisas e me preparo pra sair de casa; já estou fechando a porta quando meu celular toca e vejo uma mensagem de Helena.

"Treino cancelado. A Melissa não vem hoje".

A notícia detona o dia que parecia promissor.

"Pq?"

"Não está se sentindo bem".

Leio e releio a mensagem puto da vida, imaginando se é verdade ou apenas uma desculpa que Marina inventou para me evitar devido ao acontecido do dia anterior.

Essa hipótese me incomoda profundamente. Decido tirar logo essa história a limpo: disco seu número e torço para ser atendido.

— Alô?

— Oi Marina. Levi falando.

A ligação realmente me surpreende, e o nome que usa, mais ainda. Nunca pensei que me ligaria.

— Oi! Pois não?

A voz dela aparenta surpresa, mas de forma alguma é a voz de alguém que estava passando mal. E pior, responde toda formal, como se fossemos simples colegas de treino e não duas pessoas que se pegaram e quase transaram na noite anterior.

— Você está bem?

Fica óbvio que me ligou para checar se realmente estou doente e talvez me convencer a ir.

— Estou. Quer dizer, um pouco indisposta.

É nítido que está bem. Provavelmente, até melhor que eu.

— Você mente mal.

O silêncio do outro lado da linha é uma confissão que eu não queria ouvir. É péssimo que ela tenha se arrependido, e pior ainda se parar de treinar e comprometer o resultado da luta por isso.

Se passar pela cabeça de Helena que eu tenho algo a ver com sua ausência hoje, com certeza ela me mata.

Me sinto um idiota por inventar tantas desculpas para justificar o fato de eu querer tanto que ela não tenha se arrependido. No fundo, a única razão é orgulho ferido.

Essa menina me desarma inteiro com esse jeito.

— Marina, se é por ontem...

— Claro que é por ontem. Treinamos pesado, mas amanhã compenso.

Ela me interrompe assertiva e direta como sempre.

A desculpa é plausível, e pode ser só isso mesmo... Sei que peguei um pouco pesado com ela no tatame.

 Talvez eu tenha me sobressaltado à toa. Melhor encerrar o assunto descabido... Se não quer treinar por estar cansada, problema dela. A única coisa que me importa é que confirmou que nos veremos depois.

— Então te espero amanhã, Marina.

— Até, Nathan.

O nome é como um tapa na cara, principalmente após eu ter dito o dela. Quer simplesmente fingir que nada aconteceu? Ou de fato, simplesmente tudo o que rolou entre nós não teve relevância?!

Não posso aceitar nenhuma das duas hipóteses.

Para completar, a atrevida desligou o telefone na minha cara. Ela tem dom para me provocar, e parece que se dedica a isso com especial sadismo.

Suspiro nervoso e passei a mão no cabelo, respirando fundo. Esses poucos minutos de conversa estragaram meu dia definitivamente; sequer quero treinar com Erick: o melhor é ficar em casa curtindo o mau humor e toda a confusão que essa menina me causa.

A voz dela me chamando pelo nome errado não sai da minha cabeça, me deixando mais nervoso a cada vez que a cena se repete em minha memória. Ideia fixa é mesmo uma merda.

Decido tomar um banho para esfriar um pouco o ânimo; assim que tiro a camiseta meu corpo se aquece ao lembrar dos olhares dela para mim ontem, mas longe de ser uma sensação gostosa é incômoda: tenho certeza de que ela me quer, que também me deseja, e sua reação sempre tão imprevisível me desconcerta.

Se ela apenas me dissesse um não verdadeiro já teria desistido: o que me mata é justamente sentir que é recíproca essa vontade.

Entro no box ainda tentando concluir a partir de expressões, frases e olhares qual é o problema dela comigo. Será que namora? Já disse que tem alguém, mas isso é muito vago... E se isso fosse realmente um problema não teria me beijado.

Pro bem de nós dois, espero que não tenha expectativas românticas; tenho poucos limites, mas esse é um deles. Se for um jogo de conquista nós dois perderemos.

Ou talvez... bem, talvez ela realmente sinta tesão por mim, mas se recuse a ter alguma coisa com alguém como eu.

Abro o chuveiro e molho meu cabelo, agora levemente irritado por intuir que seja essa a verdade e que decididamente, eu não sou o tipo de homem que Marina gostaria de se envolver. Os homens dela não têm preço, Levi: são homens sem passado, com presente claro e futuro garantido. Bem diferentes de mim.

O que ela quer é o mesmo que suas clientes; só não teve coragem de dar o passo ainda.

E é o que eu devia querer também; apenas uma aventura. É só o que eu quero, droga: uma boa foda, matar essa vontade e seguir com a vida. Por que isso me atormenta tanto então?

Quanto mais penso, mais confuso fico. Que desgraça.

Apoio o braço na parede e apenas deixo a água fria cair sobre minha pele me distraindo temporariamente das minhas dúvidas e questões.

———

 

[Marina]

Acordei bem-disposta depois de ter dormido quase o dia anterior inteiro e ainda ter descansado o dia inteiro hoje. Mas foi só chegar na Helena e olhar para Levi que todo o meu bom humor vai embora.

O motivo da minha raiva é idiota: olhar pra essa cara de sono dele me fez pensar que provavelmente trabalhou muito durante a noite ou talvez até mesmo antes de vir para cá.

Não demora para eu começar a imaginar se também não trabalhou no dia em que ficamos, se não pegou outra pessoa com a mesma vontade com a qual estava me prensando na parede, me beijando, chupando meu pescoço...

E poxa, não vejo problema nenhum com sexo casual... Mas um mínimo de noção cai bem. Se pega comigo e poucas horas depois, com outra? Pouco interessa que seja trabalho, não sou só mais uma da lista.

O absurdo da ideia bate em mim: eu sou exatamente apenas mais uma. Nem cheguei a ser na verdade, porque a mulher que está nesse exato momento embaixo de mim fez o favor de interromper, e agradeço por isso.

Estaria ainda mais confusa se realmente tivéssemos transado.

Marina parecia fria e distante quando chegou, mal se dirigindo a mim, e eu não quis piorar a situação. Pedi que Helena treinasse com ela no chão enquanto eu só corrigia; foi melhor para nós dois.

Para a alegria do meu lado racional Helena fez os exercícios de solo comigo e ele só orientou. Isso facilitou um bocado as coisas, e ficaram surpresos como evolui em tão pouco tempo. Bem, dominar um adversário no chão é bem mais fácil quando não estou pensando nesse adversário dentro de mim.

Helena pede um intervalo e entra na casa, me deixando a sós com ele. Aproveito o tempo livre para começar a fazer uma sequência de socos no saco de pancada, tentando evitar a todo custo ter que interagir.

Está concentrada, socando com raiva. Nem vê quando me aproximo e me posiciono ao lado do saco e só quando o seguro para aparar seus golpes se volta para mim.

— Não precisa segurar.

— A raiva não é boa conselheira numa luta, pirralha.

Odeio essa mania de me chamar de pirralha e percebo que apesar disso nunca reclamei: é uma espécie de marca registrada entre nós. Essa familiaridade me desconcerta.

— Só estou treinando.

Ele abre os braços.

— É pra isso que estou aqui.

— Mal tá parando em pé. Vai dormir.

Além de ser a responsável pela minha insônia, ainda usa o fato como desculpa. Mas não é muita cara de pau?

Marina não pode fugir do que aconteceu entre nós: mesmo que não se repita, precisa encarar o fato.

— Para de me evitar. Se você não bater, eu vou.

Duvidei do que disse, mas bastou uma breve hesitação minha e ele partiu para cima me obrigando a lutar e me deixando ainda mais furiosa.

Só que na verdade isso é bom e me desestressa: tudo o que eu preciso é bater nessa cara e deixa-la um pouco menos bonita, e tenho certeza de que vou me sentir muito melhor!

Dito e feito: a cada vez que eu o acerto, um pouco da minha raiva vai embora, e para azar dele eu estou realmente muito puta, porque bato mesmo, e muito. Nunca lutei tão solta na vida.

O louco da situação é que estou me divertindo muito com isso, como só me divirto quando treino com o Erick ou Helena; até me arrisquei a aumentar um pouco o ritmo e pegar mais pesado e ela aguentou super bem, me impressionando com sua firmeza e tempo de reação.

Estou empolgado e nem é com segundas intenções, e isso buga meu cérebro: sou forçado a admitir que gosto de sua companhia. Me sinto confortável; lutar é uma parte importante de mim e raramente posso partilhar isso com alguém.

Pelo menos nisso nossas expectativas se encontram.

Gosto tanto que mal percebo o tempo passando: só noto que estamos treinando há um bom tempo quando a playlist que Helena deixou tocando reinicia. Hora de parar, ou ela vai ficar destruída e faltar de novo amanhã.

Ele para de bater e começa a tirar a bandagem da mão, e só então percebo que Helena já voltou e estava nos observando em silêncio. Perdi totalmente a noção aqui com ele.

— Deu por hoje, pirralha. Se sente melhor?

Realmente me sinto bem; não estou tensa ou nervosa, apenas cansada e faminta. Ótima oportunidade de levá-los para onde André possa fotografá-los.

— Só sobrou a fome.

Ele tem um jeito de rir sem rir; uma expressão interessante que quase não altera sua expressão, mas ainda assim dá para saber que está achando algo divertido ou não.

Esse controle que ele tem de suas expressões me intriga muito.

— Vamos comer alguma coisa?

— Hey Helena, vamos? Liga pro Erick, vamos todos!

Tento parecer despretensioso no convite e acho que interpretei bem demais, pois ela chama a empata foda para ir junto, como se não bastasse Helena já fazer isso sem ser solicitada. Agora com o aval da Marina minha noite tem grandes chances de terminar no zero a zero de novo. Mereço mesmo.

Fora esse interesse repentino no Erick... Notei no primeiro dia em que treinamos que ela olhou até demais pra ele, e é só o que me faltava se a mulher que eu quero levar pra cama resolver ter uma quedinha justamente pelo meu melhor amigo.

O rosto da Helena se iluminou e fico contente: geralmente, se ela quer algo consegue arrastar os outros dois com facilidade.

Olho para Helena discretamente e ela entende meu pedido para que recuse o convite: sei que depois terei que me explicar a respeito desse meu interesse por Marina, mas penso em uma historinha depois.

Pô, vim até sem carro para ter desculpa para pedir carona!

— Obrigada, mas hoje não posso. Fica pra próxima!

— E o Erick não veio porque tinha compromisso, nem adianta ligar.

— Verdade, hoje são só vocês Marina.

Barbaridade... Depois da conversa com André quero evitar ficar a sós com ele a qualquer custo, mas o universo quando decide conspirar contra, ninguém segura. Bem, pelo menos vamos conseguir a foto de um deles e a presença de Andre, mesmo que discreta, vai me lembrar de manter a compostura.

— Vamos?

Assinto com a cabeça quando Nathan me chama e vamos em silêncio até o seu carro. Só que não é um silêncio incômodo, pelo contrário: traz uma sensação de intimidade gostosa.

Volto a me sentir tensa; considerar que ele seja perigoso, um ex mercenário, me perturba principalmente porque não consigo deixar de me sentir atraída por ele. Essa tensão entre nós é forte demais.

Entro no banco do passageiro e memórias da última vez em que estive aqui me invadem. Fico tão absorta que quase esqueço de sugerir a lanchonete onde André está nos esperando.

— Se importa de irmos em uma lanchonete que gosto?

— Não... Onde é?

Ele hesita e quando responde sua voz soa incerta, um pouco contrariada e isso é o suficiente para eu pensar que talvez ele esteja com pressa. É difícil admitir, mas estou relutante em deixar André tirar sua foto e quem sabe descobrir coisas que não quero saber a respeito de Levi.

— Quer passar num drive-thru? Assim não atrapalha seus planos pra essa noite. Digo, com alguma cliente.

Olho para ela sem entender a pergunta, ou como o assunto chegou nisso. Resolvo ser sincero.

— Meu único plano essa noite é com você.

Sua resposta soou estranha e fora do lugar: não precisava falar desse jeito comigo, decididamente é desnecessário bancar o Nathan agora.

Ela demonstrou impaciência e fico confuso sobre o que está acontecendo; até poucos segundos atrás estávamos tão em paz, tenho certeza de que ela também estava gostando desse entrosamento natural entre nós.

— Qual é o problema?

— Prefiro quando você é... Sei lá, você. 

— E como eu sou, quando estou sendo eu? 

Levi é irônico, mas parece bastante interessado na resposta, pois apesar de não ter virado a cabeça em minha direção seus olhos me fitam de canto.

Me pego com dificuldades de explicar quais são as diferenças entre Nathan e Levi; nem sei se realmente o conheço o suficiente para poder diferenciar. Mesmo assim falo minhas impressões.

— Prático, direto, embora muitas vezes grosseiro. Mas sem essa gentileza forçada... é autêntico.

— E você prefere minha versão grosseira?

Também sou suscetível ao personagem que encarna quando está sob a pele de Nathan, mas minha cabeça consegue se blindar contra esse papel. Já contra Levi sou totalmente indefesa.

— Pelo menos é você.

De certa forma fico feliz, mais ainda porque ela não vê o meio sorriso bobo que deixo escapar ao ouvir isso. Nem eu entendo o motivo da minha reação, mas talvez seja porque assim posso baixar a guarda um pouco.

Afinal, minha personalidade não era exatamente querida e as mulheres que me contratam detestariam me conhecer de verdade.

Só que Marina tem essa mania de nadar contra a corrente e não se contentar com o superficial; prefere uma verdade dura a uma mentira conveniente e admirei isso nela desde a nossa primeira conversa.

Não sei o que dizer e fico com medo de demonstrar o quanto essa sua observação mexeu comigo. Desconverso levando o assunto de volta para onde vamos comer.

— E então, não vai dizer o endereço de onde vamos?

Dou as coordenadas enquanto ele dirige e após alguns minutos chegamos na lanchonete em que eu havia combinado com André. Assim que estaciona o carro e saímos ele percebe onde estamos, me olha com a expressão mais chocada e condenadora do mundo.

— Lanche? Jura?!

Fico sem entender sua reclamação e digo o óbvio, tentando virá-lo para ângulos que permitam a André – que já está posicionado - tirar boas fotos.

— Ué, eu tô morrendo de fome.

Dou alguns passos e logo volto para onde estava ao perceber que Levi sequer se mexe.

— Sério Marina, a gente não vai entrar aí. 

— Olha, você pode não entrar, mas eu vou.

É surreal. Desde o início eu pensei em leva-la a algum restaurante bacana onde pudéssemos comer bem, conversar e depois continuar a noite em um lugar mais agradável, mas os planos de Marina são se empanturrar de comida ruim.

Não é possível.

— Quer tanto perder a aposta pra mim, pirralha? 

O pior é que ele está irritado de verdade, por nenhuma razão aparente. O que raios tem de errado com uma lanchonete, afinal? O lanche aqui é super gostoso!

Me pergunto se meu amigo conseguiu tirar algumas fotos e temporariamente paro de prestar atenção em Levi, que fica ainda mais possesso.

— Caralho! Você acha que a Ana está se entupindo de merda?

Eu sei lá o que minha adversária come, mas se for uma pessoa comum como eu deve comer lanche sim, principalmente depois de um treino intenso como o que tivemos.

— Merda? É só lanche...

Céus, como ela está sendo irracional. Na verdade, quando se trata desse assunto todos costumavam ser; nunca percebem os perigos da falta de higiene e da má alimentação.

Sou muito disciplinado com o que como, com minha rotina de exercícios, e acredito que todos deveriam ser, mas para total desgraça da minha sanidade mental as pessoas dão um grande foda-se pra isso: Erick mesmo é capaz de verdadeiros crimes culinários.

— Isso pode ter salmonela! Você não sabe as condições de higiene desse local! 

Olhei incrédula. Salmonela. S-a-l-m-o-n-e-l-a.

Tento argumentar para que seja razoável: não estamos em um pé sujo qualquer com condições sanitárias péssimas, é apenas uma lanchonete comum, simples e limpinha, com preços justos e comida honesta.

— Para com isso! Você não sabe as condições de higiene de todos os restaurantes que você frequenta.

— Na verdade, sei.

Arregalo os olhos incrédula quando vejo que está falando sério.

— Por isso você sempre vai no francês?!!

Perceber que ele não me levou no francês para jogar charme com seu sotaque maravilhoso, e tampouco no japonês porque eu tenho ascendência oriental é engraçado demais: a verdadeira razão para ir naqueles restaurantes é porque eles passaram no seu critério de limpeza!

Até esqueço meu mau humor, principalmente depois que André entra na lanchonete, indicando que conseguiu tirar as fotos necessárias. A noite parece estar virando a meu favor.

A descarada começa a rir e sinto uma vontade louca de dar umas palmadas nela enquanto enumero os riscos da intoxicação alimentar.

Ergo a sobrancelha confuso quando ela começa a voltar para o carro.

— Estou com muita fome pra discutir. Você assume daqui.

Adoro ouvir isso e mesmo que ela esteja me sacaneando, vou aproveitar para mudar o rumo da noite. Vir até aqui acabou nem sendo tão ruim, afinal.

— Tem certeza? Posso te levar em qualquer lugar?

A expressão dele é maldosa e me faz cair no riso de novo. Descobrir essa mania de limpeza dele é como descobrir que ele realmente é humano, e não uma máquina perfeita.

Adoro ter presenciado essa pequena fragilidade na personalidade polida dele; quase um defeito, e me pergunto quantas pessoas conhecem esse seu lado.

— Qual é. Não existe nenhum lugar impróprio que seja limpo o suficiente pra você comer!

Na verdade, existe.

Ele não discute, apenas ocupa novamente seu lugar e começa a dirigir tranquilo. Encosto minha cabeça no banco, cansada, e fico olhando a rua, os estabelecimentos coloridos, as pessoas passando.

Tudo isso fica em segundo plano quando noto que pelo reflexo da janela posso ver a beleza de cada movimento que ele faz ao trocar de marcha, ou quando passa os dedos pelo cabelo sempre que paramos em um semáforo.

Mais uma mania...

Sinto um aperto no peito quando percebo que posso passar horas vendo cada uma delas.



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