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História Contrato de risco - Jantar


Escrita por: CombatLover

Notas do Autor


Oiee
Muito obrigada pelos favoritos, pelos comentários, é muito bom saber o que acham da história, assim posso sempre ir melhorando *-*

E é bom tbm saber se vcs estao gostando da historia :)

Capítulo 8 - Jantar


 

[Nathan/Levi]

— Isso é um prédio residencial!

Ela fica me olhando como se eu fosse algum tipo de manipulador barato por tê-la trazido para minha casa, mas a responsabilidade é toda dela que colocou as coisas naqueles termos.

Afinal, disse que eu poderia ir para qualquer lugar que eu achasse limpo o suficiente.

— Não tem cozinha que eu confie mais que a minha.

Fico abismada com seu oportunismo, só que tecnicamente ele está certo: disse que ele poderia escolher, então é inútil tentar tergiversar. O melhor é jogar limpo e dizer que não me sinto confortável em sua casa.

Desde que saí para treinar hoje a tarde sabia que precisaria ficar atenta para não cair em tentação, e a melhor forma de fazer isso é lembrando de sua profissão que me irrita tanto. Por isso, o chamo pelo nome que usa como acompanhante.

— Nathan, acho melhor...

— Me chame de Levi.

Ela cora quando a corrijo. Pela forma como franze o cenho e aperta os lábios, é nítido que está desconfortável em lembrar do que aconteceu entre nós.

— Sobre aquele dia... Vamos só esquecer, ok?

Aperto a chave entre as mãos com mais força do que gostaria. Esquecer? Definitivamente, não.

Se pelo menos eu fosse capaz tirá-la da cabeça poderia até concordar, mas não é o caso: só vou aceitar uma recusa quando enfrentarmos o assunto e ela for clara sobre o que quer.

Ninguém beija daquele jeito tão entregue sem estar envolvido também.

— Pra quem quer ser esquecida, você marca muito.

Passo instintivamente a língua sobre o lábio mordido e ela fica visivelmente balançada. Vou direto ao ponto.

— Marina, do que você tem medo?

Fico estática. É isso mesmo, afinal; ele definiu o sentimento que eu tenho: medo.

Aliás, medos, porque não vários: de descobrir algo desabonador sobre ele e acabar me arrependendo do que fiz, medo dessa conexão louca que temos e que insisto em negar, medo de acabar me envolvendo ainda mais.

Contudo essas conclusões são só minhas; se revelar qualquer fraqueza sei que ele vai usar a seu favor, então respondo a primeira coisa coerente que me ocorre.

— Quero focar só no campeonato.

De novo seus sinais confusos: isso só será um problema se ela quiser mais de uma noite. Melhor tirar logo do caminho essa questão.

— Não estou te pedindo em namoro.

— Tenho alguém.

Não é totalmente mentira... ele não sabe que desde que o conheci parei de sair com Jean portanto o álibi se mantém intacto e uso descaradamente.

— Mas me quer. Lide com isso.

Francamente já estou cansado dessa palhaçada, foda-se esse outro cara que claramente não está segurando a onda dela.

— A forma como eu lido com as situações diz respeito apenas a mim.

Olho impressionada para a cara confiante do sujeito. Até podia desmentir, mas é uma baita verdade. Só me resta estabelecer um limite e interromper de vez essa discussão descabida.

— Está fugindo, não lidando.

— Isso é o que você supõe.

A conversa é absurda em sua essência; do que eu a estou cobrando, afinal? Nem eu sei, mas a acuso: só quero romper essa casca de racionalidade que ela interpõe entre nós e a impede de ser honesta consigo mesma.

É nítido que seu sangue quente briga com sua racionalidade, tentando decidir entre aceitar o desafio ou não.

— Prove que estou errado. Deixa de ser covarde!

Ser chamada de covarde me faz chegar ao meu limite e quase dou meia volta na rua para chamar o primeiro táxi que encontrar.

André já conseguiu a foto, meus objetivos para essa noite foram cumpridas e nem tenho razão para estar aqui, só vim porque perco totalmente a noção quando estou perto dele.

Prova disso é essa discussão ridícula que estamos tendo. Só que quando penso em ir embora uma ideia passa por minha cabeça; bem maldosa, por sinal.

Se eu entrar na casa dele posso descobrir algo de valor para André, e finalmente saberemos a verdadeira identidade deste homem misterioso e talvez, até mesmo de Helena.

Resolvo responder logo antes que minha razão volte e jogue na minha cara que isso é só outra desculpa para continuar com ele.

— Pro seu bem, espero que você saiba mesmo cozinhar!

Talvez eu nunca saiba qual dos dois venceu, se seu instinto ou sua racionalidade. Nem me importa, porque ela aceitou.

———

[Marina]

Mal entramos no prédio e de cara já sinto um desconforto quando o porteiro nos acompanha insistentemente com o olhar, nitidamente curioso. Mil perguntas fervilham na minha cabeça: será que é raro que traga alguém aqui? Ou será que o porteiro esperava outra pessoa?

Ele nos cumprimenta e eles trocam alguma brincadeira qualquer sobre o próximo jogo de futebol antes de entrarmos no elevador. Levi me dá espaço e encosta na parede oposta, mas olha com tanto interesse que temo passar a vergonha de ficar com as bochechas vermelhas.

— Vamos pedir alguma coisa?

A pergunta nem é só para fugir da tensão entre nós: estou mesmo morrendo de fome e se tivesse um sachê de catchup na bolsa de treino, já teria comido a perna dele.

— Claro que não, vou cozinhar.

Chegamos no andar e o acompanho pelo corredor ponderando se o charme dele cozinhar pra mim é maior do que o desgosto de estar passando fome e decido que não. É melhor apressar as coisas.

— A gente pode só fazer um lanchinho...

— Você disse que eu assumia, lembra?

Ele destranca a porta e segura para eu entre, o que faço ainda remoendo que se tivéssemos seguido o plano de comer na lanchonete eu já estaria de barriga cheia.

— Fique à vontade.

Assim que entro observo o ambiente: o apartamento é simples, porém absolutamente limpo e organizado. À primeira vista não tem luxos, muitos móveis ou enfeites, mas tudo o que tinha é funcional e confortável.

— Bem sua cara.

Ele parece gostar, embora não agradeça o elogio: sua expressão apenas relaxa e me pergunto se estava ansioso. Me indica o sofá e me acomodo.

— Quer beber alguma coisa?

Acho prudente me manter o mais longe possível de bebidas alcoólicas enquanto estiver no território dele.

— Água, por favor.

Assinto e venho para a cozinhar pegar o que ela pediu. Por garantia pego também um chocolate, já que a atrasei e visivelmente ela está com fome. Volto para a sala e entrego a água e a barra.

É bonitinho como os olhos dela ficam iluminados quando entrego o chocolate. Aproveito que está feliz com a barra para dar o golpe: detesto cozinhar sujo, preciso mesmo tomar um banho.

— Se importa se eu tomar um banho antes?

Se tem algo com a qual me importo é imaginá-lo nu embaixo de um chuveiro, mas acho conveniente omitir esse pensamento.

Resolvo omitir também que eu adoraria um banho, mas seguro morreu de velho e é melhor evitar um convite ousado que eu quero aceitar antes mesmo de ser feito.

— Sem problemas...

— Depois enquanto cozinho pode tomar também, se quiser.

Gosto do fato dele oferecer, só que sem forçar a barra.

— Obrigada.

— Fique à vontade.

Ele sai e me deixa no sofá, pensando por onde posso começar a bisbilhotar para ver se encontro algo fora do padrão. Até agora tudo o que vi aponta para um homem comum.

Acomodo minha bolsa no cantinho e levanto para olhar os excelentes livros na estante, tentando imaginar qual deles é seu preferido. Sorrio ao notar que em nenhum deles tem qualquer partícula de pó.

Sua mania de limpeza é muito divertida e até certo ponto, um charme: quebra um pouco a aparência quase sempre sisuda que possui.

Ouço o barulho do chuveiro; será que ele é de demorar no banho? Tudo indica que sim... É uma ótima oportunidade de olhar o quarto dele e tentar identificar algo útil para minha investigação com André.

Sigo descalça pelo corredor para ser o mais silenciosa possível, aliviada ao me deparar com a porta aberta, assim evito fazer barulho.

O local é simples: uma cama, cômoda, guarda-roupa e uma poltrona, tudo organizado demais. Somada à sua mania de limpeza essa arrumação excessiva me acende um alerta que ainda não consegui entender.

Meu sexto sentido fica louco com esse cara, como se já não bastasse minha pele ficar.

Abro as gavetas tentando fazer o mínimo de ruído, contudo não encontro nada estranho.

Tento o guarda-roupa e também não encontro nada suspeito. A cama é box e olhando por baixo também nada chama a atenção... é tudo tão correto e no lugar que confiro novamente o guarda-roupa, tateando sob as roupas perfeitamente dobradas, conferindo as gavetas.

Só que dessa vez sinto algo diferente em uma delas: um fundo falso!

Meus pais tinham um desses para guardar documentos importantes então sei mais ou menos como funcionam; com todo o cuidado do mundo removo a parte falsa com o coração aos pulos.

Quando checo o conteúdo me deparo com coisas aparentemente bem pouco suspeitas, apenas lembranças pessoais: uma foto que exibe um rapaz com cabelo castanho ao lado de uma garota ruiva, os dois sorridentes em campo aberto olhando para a câmera com os braços entrelaçados.

Não consigo reconhecer o local em que estão e fico morrendo de curiosidade a respeito de suas identidades... Seriam amigos? Familiares? Nenhum dos dois tem a menos semelhança com Levi, e a garota parece muito nova, recém-saída da adolescência. Será que foi ele quem tirou a foto, já que não aparece nela?

Saio de meus devaneios pois ainda preciso tirar fotos das outras coisas.

O próximo item que pego é um pedaço de pano semelhante a uma braçadeira, conteúdo o símbolo de logo de duas asas entrelaçadas, uma verde e uma branca. Tento lembrar se já vi esse símbolo em algum lugar, porém sou incapaz de localizar na memória qualquer referência a ele.

O último item é uma plaquinha com um número de identificação: 743.

Coisas tão triviais que sequer parecem tem importância, mas claramente tem algum valor, caso contrário nem estariam escondidas.

Termino de fotografar todos os itens e envio para Andre.

"Coisas do Levi. Boa sorte. Te explico depois".

Guardo as coisas tentando deixa-las o mais próximo possível de como estavam; encaixo novamente o fundo falso, fecho o guarda-roupa e saio do quarto dando uma olhada para checar se não deixei nada bagunçado ou fora do lugar.

A primeira coisa que faço quando volto para a sala é apagar minha cópia das mensagens que enviei para Andre assim que vejo os risquinhos avisando que as mensagens foram entregues, e guardo o celular dentro da bolsa.

Volto para a frente da estante e pego um dos livros: se ele ouviu algum barulho é conveniente que pense que fui apenas eu mexendo em sua estante. Fico aliviada ao ver que deu tempo de fazer tudo.

Sei que ele voltou pois me sinto observada, mas dedico alguns segundos para reassumir uma postura neutra antes de virar e encontra-lo sem camisa, com uma calça de moletom baixa mostrando um pouco mais do que eu já vi.

Ele está lindo secando o cabelo displicentemente com a toalha, me olhando com tanta intensidade que temo não ter gostado de me flagrar mexendo seus livros meticulosamente organizados.

Bateu em mim diferente a forma como achei natural vê-la aqui. Com exceção de Helena e Erick esse apartamento sempre foi território proibido, uma espécie de santuário e nem eu entendo por que a trouxe aqui assim tão fácil.

Aponto para o livro na mão dela. Impressionante que entre tantos títulos, ela tenha se atraído justamente por ele.

— É um dos meus favoritos.

Essa conversa me lembra de nosso encontro na casa de chá, quando discutimos filosofia: nossa primeira conversa desarmada e sinto que verdadeira. Gosto de seguir por esse rumo de novo.

— Um autor polêmico...

— Já leu?

— Este não.

Fico feliz que um assunto que pode se estender para além dessa noite tenha surgido de forma tão natural entre nós; agarro essa oportunidade.

— Pode levar para ler com calma.

Ele joga a toalha sobre o ombro e vem em minha direção, me fazendo temporariamente perder o ar imaginando milhares de razões pervertidas para essa aproximação.

Entretanto ele para a poucos passos de mim, ficando de frente a estante e indo diretamente sobre um volume que retira com cuidado e me entrega.

— É do mesmo autor, acho que vai gostar. — Antes mesmo que eu agradeça faz uma cara ameaçadora. — Devolva ambos limpos e sem rabiscos!

— Pode deixar!

Sorrio involuntariamente com seu jeito autoritário. Pode parecer um contra senso, mas é bem melhor quando ele está assim relaxado, sem tentar impressionar o tempo inteiro.

Acomodo os livros na bolsa para não esquecer.

— Vai querer tomar banho? Deixei uma toalha limpa pra você na cama.

Estou morrendo de vontade, mas acho melhor não dar sopa pro azar... Tirar a roupa no quarto dele, tomar um banho imaginando Levi aqui sem camisa... Consigo imaginar perfeitamente a cena: eu começando a me masturbar embaixo do chuveiro, gemendo talvez alto demais e ele entrando após me ouvir...

Roteiro de filme pornô demais, melhor evitar.

— Não precisa, te ajudo pra janta sair mais rápido.

Ofereci torcendo para que ela recusasse e para alegria da minha sanidade, foi o que aconteceu: seria demais para meu autocontrole. Além disso, resolvi mudar de tática com ela já que ser direto não ajudou. Melhor deixar a noite rolar e ver como termina, sem pressão

— Relaxa, prometo ser rápido.

Ele vai para a cozinha e o acompanho, sentando no banco atrás do balcão que divide a sala da cozinha americana, enquanto ele se dirige à pia e para lavar as mãos. Antes que eu pensasse em fazer o mesmo observo um frasco de álcool em gel no canto no balcão.

O sujeito leva isso a sério mesmo.

— Prefere comer o quê?

Não faço ideia do tipo de coisa que ele cozinha. Por mim comeria um sanduiche qualquer, estou mesmo com fome. Mas para evitar ser indelicada ou dar algum bola a fora opto por deixar que ele escolha.

— Me surpreenda.

O problema é que surpresas desse tipo sempre podem se tornar fracassos memoráveis.

Helena e Erick nunca reclamaram, mas não sei até que ponto pessoas acostumadas com ração militar são bons parâmetros gastronômicos...

Apesar disso gosto de me sentir desafiado e como sempre Marina diz a coisa certa.

— Tem algo que você não coma?

— Plástico.

Ele parece se divertir com a resposta e começa a tirar várias coisas da geladeira, organizando-as meticulosamente sobre o balcão.

— Estraguei sua noite do lixo, então vou te compensar com um lanche caseiro muito melhor. Topa?

Já me empolgo pensando que não tem como ficar ruim.

— Melhor ideia!

Ele começa a cortar cebola com eficiência, parecendo estar acostumado com a tarefa. Percebo que evita desperdiçar, aproveitando tudo dos alimentos e me questiono se é apenas hábito ou tem alguma razão específica para isso.

Apesar do silêncio estar confortável, quero continuar conversando.

— Cozinha muito?

Ergo os olhos e a encontro com o rosto apoiado em uma das mãos, os grandes olhos escuros me fitando com atenção enquanto os fios negros caem emoldurando seu rosto.

É uma visão tão bonita; a boca naturalmente rosada, o pescoço esguio... E esse colar tão destoante que ela nunca tira.

Fico contente que dessa vez tenha sido ela a puxar o assunto, mesmo que seja algo tão trivial. Finalmente estamos evoluindo, ao que parece.

— Sempre que posso.

— Suas clientes devem gostar.

Me recrimino assim que a pergunta sai de minha boca; está tudo tão agradável, para que trazer à tona isso?

A resposta é simples: porque estou me corroendo de vontade de saber mais sobre ele e como separa sua vida profissional da pessoal – se é que separa.

— Não as trago aqui.

Sua curiosidade repentina me embaraça um pouco; faz tempo que não atuo mais como acompanhante justamente porque ela detonou todo o meu foco para isso, mas ainda assim ela só me vê dessa forma.

Fico intrigado do porque isso me incomoda tanto, mas sinceramente prefiro ignorar a possível razão disso, mesmo que eu esteja morrendo de vontade de dizer que simplesmente não existiram mais clientes desde que ela entrou na minha vida.

O medo de como ela pode interpretar essa informação me faz omitir o fato.

— Por quê?

Seus olhos azuis até então concentrados em sua atividade se voltam para mim, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

— Porque são apenas clientes.

Ele continuou me encarando após ter explicado como se esperasse que eu dissesse alguma coisa, e procurei mesmo algo que pudesse desviar o assunto e principalmente, que desviasse minha atenção do fato de eu ter ficado tão feliz com o que ouvi.

Acabo apelando para uma pergunta cuja resposta sei antes mesmo de sair de minha boca.

— Quer ajuda?

— Não precisa.

Com a mesma tranquilidade habitual volta a preparar a comida, dessa vez selando a carne.

— O cheiro está ótimo...

— Gosta de pimenta? Especiarias?...

É tão bom observá-lo trabalhar com tanta naturalidade, tão a vontade dentro de sua casa e dividindo esse momento comigo.

— Gosto de tudo, pode mandar ver.

— Espero que goste.

Volta a se concentrar e ficamos novamente em silêncio. É incômodo ficar sem fazer nada, mas essa calmaria é muito bem-vinda e serve para eu organizar um pouco os pensamentos tão conflitantes que tenho: ao mesmo tempo que estou adorando a experiência, estou arrependida de ter me permitido tamanha aproximação.

Levi evita abrir a boca, exceto quando realmente tem algo de útil a dizer e isso é uma coisa que estou aprendendo a admirar nele. Uma entre tantas, e essa percepção faz minhas mãos ficarem frias.

Tento me concentrar na comida: o cheiro está delicioso e eu estou com muita, muita fome. Só isso importa, e não como ele é atraente assim todo metódico também com as panelas, não a forma como eu poderia sentar aqui todas as noites e vê-lo cozinhar para mim com essa desenvoltura.

Merda! Tanta gente nesse mundo, e eu me sinto atraída justamente por um homem problema desses.

Na melhor das hipóteses, é um cara acostumado a relações líquidas e que com certeza vai me machucar, mesmo que não queira: nunca teria estrutura para me relacionar com alguém cujo trabalho é seduzir e ir pra cama com outras mulheres.

Isso, considerando que ele fosse querer algo comigo e não apenas sexo, como tem indicado esse tempo inteiro. Apenas o fato de ter essas dúvidas me mostra o quanto fui descuidada insistindo em manter contato com alguém que me abala tanto.

Na pior das hipóteses, é um sociopata. Que descuido meu.

Sem perceber começo a cantarolar essa música que gosto tanto.

“Que descuido meu, pisar nos seus espinhos...

É essa mania minha de olhar pro céu

Com a cabeça ao léu voando sem asa,

Vez ou outra esbarro nos móveis da casa

E outra vez tropeço nos próprios caminhos

Que descuido meu, pisar nos teus espinhos..."

A voz dela é geralmente firme, mas agora ao cantar é doce e suave e me pergunto quantas pessoas já tiveram o privilégio de ouvi-la assim.

A melodia é bonita... e triste. Fala sobre nós: duas pessoas cuja atração é real e palpável, mas se não tomarem cuidado podem se ferir mutuamente.

É uma coincidência – mais uma, a forma como nossos gostos se encaixa é intrigante – que eu goste tanto dessa música, mas em sua versão em francês. Até isso combina conosco: queremos cantar a mesma canção, mas em línguas diferentes.

Quando isso passa pela minha cabeça fico estático; em que momento me envolvi a ponto de achar que essa menina é capaz de me machucar? O contrário é bem mais provável e eu deveria parar com o que quer que estava acontecendo entre nós antes que isso ocorra.

No final Marina é apenas uma jovem romântica e inocente, por mais forte e inteligente seja, e eu seria um canalha se entrasse nesse seu mundo para prejudica-la, só porque não sou forte o suficiente para resistir a essa tensão.

Tanta gente nesse mundo e eu fui desejar justamente alguém assim...

Repito sem pensar a maldita primeira frase da música que tanto faz sentido para mim.

"Je n'aurais jamais du, fouler tes épines."

É lindo quando fala francês, e eu posso passar horas ouvindo Levi falando sobre um assunto qualquer enquanto cozinha tranquilamente.

Todo o mistério que cerca esse homem o torna tão charmoso, praticamente uma armadilha. E estou consciente de que já cai.

— Morou na França? Fala muito bem.

— Um tempo.

— E por que veio pra cá?

É a primeira vez que ela demonstra interesse real por mim, pela minha história, por quem eu sou.

E é especialmente triste que eu não possa dar essas informações para ela.

— Está me entrevistando, Marina?

Apesar da frase seu tom é leve e tranquilo, como se estivesse brincando.

— Desculpa, não quis ser invasiva...

Apesar de nem poder ser sincero uso isso a meu favor para saber mais dela: quero essa troca com Marina mesmo que seja parcial, incompleta, uma mentira. Ou talvez uma meia verdade: vou omitir fatos de uma vida que passou, não sobre a vida que tenho agora. Sobre esta, estou disposto a fazer pequenas concessões se isso significar ter acesso a ela.

— Desde que fale um pouco de você também, não me importo.

A forma como enveredamos rapidamente para um mundo particular e, portanto, perigoso me assusta e tento dar um passo atrás.

— Não tem nada de interessante pra falar...

Aproveito a chance para tentar saber sobre algo que sempre me intrigou.

— Me conta a história desse colar.

Levi terminou de cozinhar: montou dois sanduíches maravilhosos que coloca no meio do balcão. Parece muito apetitoso e uso a deixa para desviar do assunto provando um pedaço e nem me surpreendo ao provar e constatar que está mesmo muito saboroso.

— Isso está muito bom!

Senta-se de frente pra mim parecendo satisfeito quando vê que eu aprovei a comida.

— Agradeço. Valeu a pena aceitar o convite?

— Bastante.

É muito bom ouvir isso. Foi uma experiencia agradável cozinhar pra ela e ter sua companhia para jantar, tanto que eu nem me importo se for a única coisa que fizermos nessa noite.

Quero saber mais dela, manter esse contato, ter sua companhia estimulante.

— Aceita algo para beber? Tenho vinho mas também suco, se preferir.

— Suco, por favor.

De onde ele está alcança a geladeira e pega uma garrafa de vidro, me servindo em um dos copos que colocou previamente no balcão.

Coloca um pouco para si também e assim que devolve a garrafa á geladeira me interpela.

— Mas você falava sobre o colar...

Evito falar sobre esse colar porque ele acaba abrindo portas para outras coisas que prefiro esquecer ou ao menos, deixar bem guardadas, como o motivo pelo qual fui morar com Paulo: a morte de meus pais.

— É só um colar que eu gosto.

É tão óbvio que está tentando me enrolar que chega a ser engraçado. Me pergunto o que tem de tão especial nessa peça para que a deixe desse jeito. Isso só aumenta minha vontade de descobrir tudo sobre o assunto, mas não quero deixa-la desconfortável nem tocar em temas que a entristeçam então me dou por vencido, pelo menos por enquanto.

— Se prefere assim, tudo bem.

— Como?

— Você não é uma boa mentirosa.

Sua observação me diverte demais: será que ele teria a mesma opinião se soubesse o que eu acabei de fazer em seu quarto?

Me sinto péssima por ter bisbilhotado sua intimidade, principalmente depois de ter sido tão bem recebida por ele. Ainda assim cedo diante da tentação de provocar um pouco.

— Tem certeza?

Tecnicamente, ela mentiu seu nome para mim e para Helena, e ainda não tirei isso a limpo; preferi concluir que é apenas receio de deixar sua identidade exposta em uma competição cheia de pessoas duvidosas.

— Não. Você me confunde.

Ele abre um meio sorriso charmoso quando responde e pensa um pouco a respeito antes de responder.

Parece tão desarmado que me pergunto se também está confuso como eu estou.

Mal tenho tempo de desenvolver esse pensamento perigoso pois o celular dele toca sobre o balcão e posso ver na foto de contato que a pessoa é uma ruiva muito bonita.

A ideia de que é uma cliente e que provavelmente depois que eu sair daqui ele vai se encontrar com ela me faz sentir um aperto esquisito.

No entanto, ele ignora a chamada e desliga o celular.

— Desculpa, não vai mais acontecer.

Tento tranquilizá-lo já que parece incomodado e no fim das contas eu não tenho nada a ver com quem liga para ele, seja ou não trabalho.

— Pode atender.

É surreal como ela insiste em se fazer de desentendida a respeito de minhas intenções: não quero falar com outra mulher, não quero estar com outra mulher.

Tudo o que eu quero é que ela se desfaça dessa armadura e pelo menos por essa noite deixe rolar, sem pensar em mais nada, sem filtrar, sem resistir.

— Não quero. E é minha vez de perguntar.

Desliga o aparelho e o coloca virado para baixo deixando claro que não quer mais interrupções entre nós, e isso mexe demais comigo. Odeio como me sinto suscetível perto dele, como Levi consegue desfazer fácil todos os muros que me esforço tanto para erguer entre nós.

— Justo.

— Como você aprendeu a lutar tão bem?

— Um amigo me ensinou. E você?

Seu semblante fica pesado e seus olhos adquirem uma sombra, como se vissem algo perturbador. Essa menina esconde tantos segredos que chego a pensar por um minuto que pode ser feita do mesmo barro que eu: um passado cheio de tragédias que a forjaram tão forte quanto é hoje.

Ela joga a pergunta de volta nitidamente tentando inverter o foco da conversa para mim, só que estou mais interessado em saber se é realmente só um amigo.

Não consigo esquecer dela dizendo que tem alguém e essa ideia me atormenta, por mais absurdo seja.

— Amigo?

— Sim. Não gosto muito de falar a respeito.

Admiro a forma como Marina consegue se impor e nunca passa de seus próprios limites, mesmo que isso signifique me deixar de fora. Tudo o que posso fazer é respeitar, por isso prefiro trocar de assunto do que insistir.

Afinal, a conversa está fluindo tão gostosa, está sendo maravilhoso saber mais dela e a sinto a vontade aqui comigo, menos tensa... Quero que continue assim.

— Então me conta por que faz jornalismo.

Respondo sua pergunta e faço outras: nosso entrosamento só aumenta, sua atenção sobre mim é total e me impele a falar cada vez mais, mesmo que omitindo ou até mentindo muitas coisas.

E isso me machuca: começamos tão errado e nos reencontramos de uma forma pior ainda: ter essa consciência me obriga a lembrar que mesmo na hipótese de ele não estar envolvido com o grupo de mercenários de Helena, sempre teria essa mancha sobre nós dois, de eu ter sido tão desleal.

Sou experiente o suficiente para saber que não sou o único a omitir partes da minha história aqui: Marina também faz isso. Não sei com qual objetivo, mas a sensação de que estou pisando em campo minado só cresce.

Tem alguma coisa de muito estranho com ela e minha intuição gritou isso desde o começo. E até agora sou irresponsável o suficiente para tentar racionalizar e ignorar os sinais.

Conversamos durante muito, muito tempo, e meus olhos começam a pesar. Quando olho no celular vejo várias mensagens de André preocupado comigo, e levo um susto ao ver que já são 4h da manhã.

Apesar de termos conversado bastante, o tempo passou depressa, quase num piscar de olhos: os pratos vazios ainda estão sobre o balcão e Levi parece tão surpreso quanto eu ao notar o avançado da hora.

Levanto da banqueta, sobressaltada pelo horário e ainda com sono.

— Nossa, preciso ir!

Confesso que percebi algumas vezes que já é madrugada, mas está tão bom tê-la aqui comigo que deixei correr... Se ela está tão envolvida a ponto de nem prestar atenção, eu que vou estragar o clima?!

Deixo os pratos e copos sobre a pia e caminho até a sala para pegar a chave do carro: descobrir onde ela mora será um bônus.

— Eu te levo.

Penso no esporro que levaria de André se deixasse Levi saber onde moro e uso o restinho de racionalidade ainda desperta no meu cérebro para recusar.

— Pode deixar, chamo um táxi.

— Está tarde Marina, não é seguro...

— Levi, vou de táxi.

Disfarço a contrariedade e mais uma vez respeito o limite que me impõe. É frustrante saber que prefere sair com um desconhecido à noite do que permitir que eu a leve.

É sempre assim: quando mais parece que está a um passo de se entregar Marina volta a se armar contra mim e desfazemos todo o progresso. Um inferno.

Ele assente com a cabeça e vou para o sofá pegar minha bolsa e meu celular. Chamo pelo aplicativo, que demora a localizar um motorista. Quando finalmente um aceita fico feliz, mas pouco tempo depois a corrida é cancelada.

Sento no sofá e tento novamente só para ver a corrida ser cancelada pela segunda vez. Novamente o universo conspirando para que eu aceite a carona de Nathan?

— Seria tão mais fácil deixar eu te levar...

— Juro que se não conseguir agora, aceito.

Chamo uma terceira vez.

———

[Nathan/Levi]

Ela dormiu esperando no sofá. Poderia tê-la acordado... Mas não fiz. Ter o privilégio de vê-la tão serena, de guarda baixa, é algo que vou aproveitar. Quero que saiba que está segura comigo, que é bem-vinda aqui.

A pego no colo e levo pra minha cama, sem intenção alguma além do desejo de que se sinta confortável, e sei bem da fama desse sofá: Erick sempre reclama que acorda quebrado quando cochila em casa.

Acomodo Marina na cama e tiro apenas seu sapato, cobrindo-a até o pescoço para protegê-la da madrugada fria.

Não estranhou a cama: se mexeu um pouco, abraçou meu travesseiro e continuou em seu sono profundo.

Irônico que uma mulher que faz questão de se manter tão afastada de mim quando acordada, esteja tão relaxada justamente agora que está tão vulnerável. O pior é perceber que vê-la assim me despertou um sentimento de proteção tão forte.

Pego outra coberta para mim no guarda-roupa e sento na poltrona ao lado da cama; apago a luz do teto e deixo apenas a luminária acesa. A observo dormir tranquila, como geralmente é o sono de pessoas que não tem o meu passado.

O que será que ela pensaria se soubesse de tudo o que aconteceu? Esses pensamentos inúteis e perigosos têm passado cada vez mais por minha cabeça. No fundo acho que estou cansado de tudo e Marina só chegou na hora errada... talvez o melhor seja me afastar completamente dela e cortar de vez essa ligação inusitada.

A questão é que quero essa mulher, e não é mais só questão de honra, nem de desejo, nem de ego. Só não sei o que é ainda.

Ela é incisiva, corajosa e inteligente, e um pouco dura. Mas também doce e divertida, na medida certa para encantar. Quente, muito quente; e paradoxalmente, tímida, cautelosa.

E está mexendo comigo mais do que eu gostaria, invadindo meus pensamentos e se fazendo presente até nas coisas mais triviais. Um livro, uma música; uma noite extraordinária em vários aspectos, que eu quero muito repetir.

Só que seu passado não é tão tranquilo quanto eu imaginava... Seu sono fica agitado e começa a murmurar palavras desconexas; parece assustada e com medo.

De repente se encolhe na cama e começou a chamar alguém: Paulo...

Minha reação ao ouvir esse nome é a pior possível e está cada vez mais difícil tampar o sol com a peneira... Saber que ela tem alguém de verdade me abala.

Será essa pessoa o certo alguém a quem Marina sempre se refere?

Levanto da poltrona e sento ao seu lado na cama, sem saber direito o que fazer — só quero lhe devolver a paz de momentos antes. Ou melhor, preciso.

Acaricio seus cabelos sussurrando que está tudo bem e sei que tomei a decisão correta pois ela se acalma aos poucos e seu sono volta a ficar tranquilo.

Vê-la se acalmar sob o meu toque fez mais bem a mim do que a ela e uma profusão de sentimentos toma conta de mim.

Só sei que estou muito, muito ferrado. Não tenho como fugir: estou mesmo apaixonado por essa diaba.



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