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História You Found Me - Os Olhos De Nancy Wheeler


Escrita por: barryupsidedown

Capítulo 6 - Os Olhos De Nancy Wheeler


​Você já teve que escolher entre duas coisas tão diferentes quanto o céu e a terra mas, mesmo assim, não teve a mínima ideia do que você queria?

Dustin tinha esse problema sempre que lhe era oferecido sorvete ou pudim, ambos de chocolate. Era um problema, de verdade. Seu cérebro entrava em parafuso toda vez que algum ser malígno (essa seria a única forma de descrever uma entidade do mal que faz uma pobre criança como Dustin a ter que escolher entre coisas tão gostosas. Que lhe desse os dois!) pregava tal traquinagem contra o garoto. Jonathan talvez sentisse algo parecido quando Will lhe perguntava: "The Clash ou Joy Division?". Talvez fosse mais fácil ter que decidir entre Nescau e Toddy.

O fato era que Nancy se mostrava a personificação da indecisão. Se pensamentos fossem vento, Nancy com certeza seria furacão. Desde o desaparecimento de Will Byers, o irmão mais velho Jonathan tinha uma certa influência no julgamento da jovem, o que não era nem um pouco saudável, já que ela deveria estar muito bem comprometida a Steve Harrington. E, se alguém perguntasse, descobriria que Nancy havia se tornado uma fã iniciante do punk rock dos anos 80, apesar de que ela afirmaria sem pestanejar que aquilo nada tinha a ver com o Byers mais velho. Podemos perceber, portanto, que era uma característica intrínseca da família Wheeler não aceitar a obviedade.

Pois bem. Onde estávamos? Sim, sim, Mike e Eleven andando de mãos dadas pelo colégio. Havíamos mencionado que era quarta-feira? Acredito que não. Para entendermos melhor a confusão que era a mente de Nancy precisaremos fazer uma pequena viagem no tempo e voltar dois dias no passado, para o início da semana, quando Jonathan decidiu dar de presente à jovem um mix tape personalizado.

Segure-se firme, viajar dessa maneira pode causar enjôos. Está pronto?

Então vamos.

O sol nascia na manhã de segunda-feira como costumava fazer todos os dias. Nancy já estava de pé antes mesmo do despertador tocar, o que era bem comum para ela. Às vezes indagava para si mesma se não era melhor deixar de ser tão certinha e esforçada e que merecia se divertir um pouco. Porém, Nancy Wheller era o que era. Acordar antes de todos, ter os materiais organizados antes mesmo do dia anterior terminar, estudar as disciplinas assim que eram dadas faziam parte do que fazia a irmã de Mike ser tão especial. Steve e Jonathan concordariam nesse ponto.

Lembre-se que voltamos alguns dias no tempo. Por isso, Eleven ainda não havia ressurgido e Mike ainda sofria as mazelas de seu sacrifício, apresentando dificuldades para se alimentar e até para interagir com a família. Como já contado alguns dias pra frente em capítulos pra trás (cuidado para não se confundir com os tempos verbais e contínuos do universo!), Nancy também sofrera para superar, ou pelo menos conviver com, a terrível semana que marcou a vida de todos na cidade de Hawkins. A perda de sua melhor amiga, Barb, foi um choque inacreditável para a garota, talvez até maior do que foi para Mike. No caso do irmão, Eleven desaparecera na mesma velocidade que havia surgido, uma pequena centelha que criara um grande fogaréu de palha, que, apesar de significativo, fora também passageiro. Barb, por outro lado, era uma chama constante, que fizera parte da história de Nancy por muitos e muitos anos. Conheciam-se desde pequenas, partilhavam segredos há mais tempo do que a jovem Wheeler sabia o que era um segredo. Coloque-se no lugar dela: imagine que seu (ou sua) melhor amigo (ou amiga) venha a deixar esse plano. É aterrorizante, não é mesmo? Estamos batendo três vezes na madeira, só por segurança.

Assim, não era estranho que Nancy também não sentisse muita vontade de comer pela manhã. Mesmo que tenha se tornado mais próxima de Mike e o fizesse ingerir algo sempre que possível, não tinha tanta influência sobre si mesma, o que resultou em uma ligeira perda de peso que não poderia ser perdido em hipótese alguma. Já era magra enquanto estava saudável e neste momento beirava o preocupante. Ela não admitiria, mas um dos motivos que não a fizeram emagrecer de forma ainda mais drástica fora a amizade que nutria por Jonathan. Viam-se com mais frequência do que esperaria, mas com menos do que gostaria. O garoto lhe mostrava, sempre que podia, as fotos que havia tirado desde seu último encontro, ao mesmo tempo que lhe contava de música, cinema e televisão. Nancy se sentia calma quando estava com o amigo, o que lhe dava uma pequenina vontade de viver e, por consequência, fome. E isso soma-se ao fato de não gostar de estar quase esquelética e, talvez, mas apenas talvez, não querer ser vista com aquela aparência por Jonathan.

Como dissemos, o consciente de Nancy era incrivelmente confuso.

É importante contextualizá-lo no momento que passava os três jovens, a garota Wheeler, o menino Byers e Steve Harrington. Com o fim do verão e a chegada do outono, o grupo se encontrava no último ano do colegial, aquele que antecede a ida à faculdade, e bem sabemos que, fosse 2016, 1908 ou 1984, os adolescentes de um país como os Estados Unidos almejavam ingressar em uma universidade de ponta. É importante lembrar, também, que o sistema de ensino superior acima do México é diferente do que conhecemos: é extremamente caro e parcial, podendo entrar apenas aqueles que tinham condições de pagar e/ou agradacem a reitoria o suficiente para merecer bolsas de estudos. O primeiro caso englobava tanto Steve Harrington, que vinha de uma família abastada, quanto o de Nancy Wheeler, que não tinha assim tanto dinheiro, mas que possuía uma poupança sendo alimentada por seus pais desde que nascera. Jonathan tentava se encaixar no segundo caso. Esse era um dos motivos pelo qual treinava tanto sua fotografia. Almejava ser um importante jornalista, formado com alto gabarito em instituições como Harvard ou Yale, e seu portfólio de figuras serviria para demonstrar um diferencial em relação a outros candidatos.

Qual a importância disso? Você devia ser mais paciente, sabia? Estamos chegando lá. A informação é relevante para pontuarmos exatamente quem era Nancy e o que ela havia se tornado.

Antes do sumiço de Will, a jovem já estava decidida a não fazer uma faculdade. Seguiria exatamente os passos da mãe: tornaria-se uma dona de casa dedicada aos filhos e ao marido, este que proveria o sustento da família. No entanto, depois de conhecer Jonathan e ter tido a discussão mais sem pé nem cabeça de sua vida, mudou de ideia por completo. Não desperdiçaria todo o potencial que sabia que tinha e teria ambições próprias, motivações palpáveis e planejadas.

Só que ela não tinha nem idéia do que ela queria ser quando crescesse.

E isso faz todo sentido! Se considerássemos apenas o estado constante de indecisão que ela demonstrava em relação a sua vida amorosa, já descobriríamos que uma escolha importante, como a carreira que seguiria pelos próximos trinta anos, não seria feita da noite pro dia. E ainda existia nessa equação a mudança que Jonathan havia causado nela, pois, quando se tem um plano há tanto tempo e ele muda de uma hora para outra, não é fácil conhecer para onde ir.

Portanto, este era o amálgama que formava Nancy Wheeler: uma garota confusa com seu futuro profissional e amoroso e que tentava, aos poucos, superar as dificuldades que havia encontrado por sua trajetória.

"Escuta... eu tenho algo pra você."

Jonathan falou, sem fazer rodeios. Era o período de troca de aulas e a moça estava diante de seu armário, procurando por seu livro de História Antiga. Byers se aproximou e se apoiou ao lado, tirando a mochila das costas e buscando o que fosse que teria para ela.

"Não é meu aniversário, é? Porque se for, não acredito que minha mãe se esqueceu!"

Brincou, arrancando uma risada boba do amigo.

"Eu espero que não seja, se não eu também esqueci."

Tirou uma pequena fita, daquelas em que as pessoas de um passado longínquo usavam para armazenar músicas e tocá-las em um rádio enorme e desajeitado, mas estiloso.

"Eu... fiz pra você. Estava com tempo livre e..."

Ela alcançou a fita nas mãos de Jonathan e trouxe para perto de si. Encarou o rótulo que dizia: "Mix pra Nancy" e mostrou um pequeno sorriso sincero.

"Obrigada. De verdade."

"Depois me diga se gostou."

A primeira coisa que ela fez ao entrar no quarto foi colocar a fita para tocar. Queria saber exatamente o que se passava na cabeça do rapaz, o que ele queria lhe dizer através de algo tão importante para ele, a música.

Deixaremos que você também julgue por si só o que significava a sequência de músicas que montava a composição para que não pareça que estamos manipulando as coisas. O rádio começou a tocar "Behind Blue Eyes", do The Who, o que pegou Nancy de surpresa. Absolutamente não era o que esperava de Jonathan. Em seguida, The Police entrou com "Every Little Thing She Does Is Magic", e ela também ouviria "Message in a Bottle" da mesma banda algumas músicas a frente. Não acabaria por aí: "Dust In The Wind", do Kansas, ainda faria parte daquela sequência, dando a Nancy algumas ideias do que aquilo tudo significava. Ela riu um pouco quando "Rockin The Casbah" invadiu o cômodo, pensando que, até em uma pequena declaração como aquela, The Clash ainda estaria presente. Cantou junto com The Smiths o refrão: "To die by your side is such a heavenly way to die" ("Morrer do seu lado é uma forma tão divina de morrer") da música "There Is a Light That Never Goes Out" e, se a história se passasse em três anos no futuro, a música "You Give Love a Bad Name", de Bon Jovi, estaria ali no meio de alguma forma. Infelizmente, esta não havia sido lançada, o que forçou Jonathan a completar sua mix tape com a música "Love Will Tear Us Apart", do Joy Division. Para falar a verdade, ela estava tão envolvida por aquela seleção que nem se deu o trabalho de pensar que algumas músicas lhe mostravam um Jonathan completamente diferente do que conhecia.

Nancy ouviu a fita nove vezes naquele dia.

Ela não teve coragem de encarar o amigo no dia seguinte, ainda tomada pela felicidade e, ao mesmo tempo, vergonha de ter recebido um presente tão genuíno e íntimo como aquele. Apenas diria a ele o quanto gostara da fita na quarta-feira, o que, percebemos agora, justificava o otimismo que ela havia mostrado ao irmão pela manhã. Assim, vamos voltar ao presente do conto, aquele em que Mike e Eleven caminhavam juntos pelos corredores, para ver como essa história se desenrola.

Não se preocupe, se você aguentou a viagem ao passado, ir para o futuro é moleza. Ainda mais para o presente que é o futuro do passado. Certo?

A garota andava pelo colégio em direção ao pátio onde era servido o almoço. Um observador atento como você conseguiria enxergar no fundo um menininho moreno de mãos dadas a uma menininha de cabelos curtos, mas, sabendo que estamos lidando com uma adolescente tão confusa (e perdida em seus pensamentos sobre uma certa mix tape), Nancy nem notara o irmão desfilando com Eleven entre os outros alunos.

"Nancy!"

Jonathan chamou ao alcançar o lado dela.

"Você... ouviu a fita?"

Ela sorriu, um pouco acanhada. Olhou o chão por alguns segundos e mordeu o lábio inferior, procurando as palavras pra responder. Mas, antes que tivesse a chance:

"Ei, Nancy! Jonathan."

Steve surgiu do outro lado, envolvendo a namorada com o braço esquerdo. Byers não disse nada, apenas dirigiu o olhar para a garota, um pouco decepcionado.

"Vamos almoçar?"

Ela acenou positivamente com a cabeça, sem saber o que fazer. Mas, antes de começarem a andar, também virou seus olhos para Jonathan e disse, com um sorriso de canto de boca:

"Eu não sou muito fã de The Clash."

Ele riu sozinho, aliviado. Os dois seguiram seu caminho logo em seguida, deixando-o ali para apreciar aquela resposta, que só fazia sentido para os dois. Lembrou do exato instante que seus olhos se encontraram.

Atrás daqueles olhos azuis...
 


Notas Finais


Tentei deixar o capítulo um pouco mais longo, ainda que não tanto. Tentarei manter este tamanho para os próximos.


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