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História You Treat Me Like A Stranger And That Feels So Rough L.S - You Remember That? We Were Inseparable


Escrita por: NIALLCIRCUIT

Notas do Autor


ola, tudo em cima?

todos os titulos de capitulos serao com trechos de musicas que, no final, se tornara uma playlist. tentem entender um pouco dessa relaçao de harry com seu pai, porque eh algo que sera abordado adiante. ouçam daddy, da beyonce. <3

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Capítulo 3 - You Remember That? We Were Inseparable


Ainda era cedo quando Iramaya e Harry se arrastavam pelo corredor. A política do colégio era simples e eficaz: como queriam cortar gastos, pequenas porções de refeições não eram servidas ali e, por isso, os alunos ganhavam alguns minutos extras antes da primeira aula para que aproveitassem o que trariam de casa. Iramaya quase sempre vinha segurando sua bolsa térmica — grande demais para carregar um simples café da manhã — e Harry apenas a seguia, escutando a voz calma da garota o contando algumas das histórias da tribo indígena a qual seus antepassados pertenciam.

O clima estava entre os 14º, e o garoto de olhos verdes se arrependia amargamente de ter saído de casa apenas com sua jaqueta de patches favorita, invejando um pouco todos os outros alunos que tinham golas e tocas felpudas ao redor do pescoço e cabeça.

— Querido, você quer vestir minha blusa por baixo da jaqueta? — A garota arrastou uma das partes de seu casaco e o mostrou uma blusa meia-estação, preta e simples. — Ninguém vai perceber.

— Sim, querido, escute bem a índiazinha quando ela diz que você pode ficar resfriado, uh, uh — caçoou uma voz que ele conhecia bem, esse sendo o primeiro impacto da primeira segunda-feira de outono. — Afinal, é a data certa para sair com esses furos na jaqueta, Styles? — Se referiu aos desgastes leves e quase, quase imperceptíveis de sua jaqueta jeans. — A Coréia te convocou para a guerra?

— Você deveria se preocupar em promover a paz mundial, não ficar reparando nas roupas das pessoas! — Respondeu baixo, com vergonha de que notassem a discussão e começassem a rir ainda mais de sua roupa.

Iramaya o puxou suavemente, incomodada. Ela realmente odeia adolescentes, e ter dezessete anos não faz com que ela seja uma. Ela não é. Adolescentes são cruéis e se acham os donos do universo quando, na verdade, não possuem nem total propriedade sobre todos os próprios fios de cabelo. Graças a um engraçadinho infeliz, agora ela teria cinco minutos a menos de seu tempo total. Jogando seus cabelos exageradamente lisos para o lado, continuou seguindo seu percurso.

Ela queria pronunciar algumas palavras que surtissem efeito às emoções do amigo, que se tornaram aguçadas, mas não acha que consiga.

A voz que emitiu as palavras em tom de zombaria pertencia ao garoto que Harry Styles se via apaixonado por bons cinco anos. Pode ser uma afronta dizer que seu sentimento seja apenas alguma porcentagem da Síndrome de Estocolmo, porém, o que faria consigo mesmo quando não consegue interpretar seus próprios sentimentos? Mesmo que Schopenhauer tenha dito que o amor é apenas uma armadilha da natureza para a reprodução, ele tem toda certeza que não, e sabe o peso disso em toda aula de Filosofia em que contesta os filósofos que falam de amor e paixão com racionalismo, tratando como um nada insustentável — sua mãe até costuma dizer que eles estão se revirando no caixão.

Sem ter a noção clara sobre o que envolve paixão, tesão e amor, nem mesmo experiências para contar e muito menos alguma orientação para todos estes dilemas sombrios, sabe que nunca sentiu nada parecido por alguém. Seu coração vibrava desde a época em que o de olhos azuis tirava fotos no espelho com um Sony Ericsson, o flash ligado e as piores poses possíveis, e ele pode confirmar que seus sentimentos só se intensificaram com os dias atuais. Agora, seu cabelo é pintado com sprays de cores fantasia, suas roupas são compradas nas lojas mais descoladas e caras do shopping, seus sorrisos têm dentes amarelados pelo excesso de café e sua voz possui um leve sotaque do interior, sotaque esse que ele adquiriu dos avós.

— Pão? — Lhe foi oferecido uma banda do pão de forma com manteiga e salame.

— Obrigado, Maya.

— Tudo bem, Styles, vamos dar um sorriso bem grande e aceitar comer alguma dessas coisas. Você tomou café hoje? — Remexeu o interior da bolsa e retirou uma garrafa térmica e danones.

— Uma maçã... — pegou as bordas do pão que estavam sobre a mesa, as quais ele sabia que seriam descartadas e comeu calmamente.

— Ew, não faça isso, Harry! Essa mesa é suja e essas bordas iriam para o lixo.

— É comida, Maya. Você não pode simplesmente jogá-las fora porque não gosta.

E essa é uma demonstração clara da personalidade empática e preocupada com as pessoas que gostariam de ter aquelas migalhas para saciarem um pouco da fome. Alguns conhecidos costumavam dizer que ele tomava a dor dos outros e fazia com que essas dores se tornassem suas, portanto, sim, ele continuaria fazendo — desde que sua mãe não ganhe na loteria e ele consiga acabar com a fome do mundo ou que um meteoro colida com a Terra, o que, absolutamente, não são possibilidades.

— Isso quer dizer que você comeria insetos no espeto, simplesmente porque "é comida"?

— Talvez. Esses insetos já mataram a fome de milhares de pessoas.

— Você me intriga.

— Me desculpe se soar errado ou negligente, mas, você é descendente de indígenas, não é? — Esperou que a garota assentisse, o olhando curiosa. — O que seus antepassados comiam na tribo, Maya? Você acha mesmo que eles comiam banquetes preparados por algum chefe gourmet, ou até mesmo algum sanduíche com pão de forma e peito de peru?

— Você venceu, Styles! — Sibilou, guardando rapidamente as coisas que estavam espalhadas e se levantando. — Adoraria ficar para discutir mais sobre isso, mas preciso ir ao banheiro e para as aulas. Beijinhos — os deixou no ar.

A parte mais difícil, depois do episódio, é ter que seguir seu rumo sozinho. Não é que ele seja derrubado ou ofendido sempre, é quase. O corredor parecia sombrio, e essa é exatamente a forma como imagina o Purgatório: pessoas com papo demais, tentando desesperadamente se salvar de algo que não está em questão, entrando em um personagem que não existe mais quando elas finalmente se encontram no escuro de seus quartos. Sem aulas de Controle Emocional o suficiente para saber lidar com tudo aquilo, a melhor opção é seguir. Não é como se ele quisesse.

Harry se pergunta onde e como estarão todos aqueles jovens em um prazo de cinco anos. Seriam pais antes dos dezoito? Alguma daquelas garotas conseguiria realizar o sonho de ser atriz ou modelo? Os rapazes teriam os carros que almejam na garagem? Seriam jogadores de futebol ou conseguiriam dinheiro fácil? No geral, eles seriam alguma mudança para o mundo?

Ele espera que sim.

A primeira aula do dia é Biologia. O professor não é um dos favoritos da turma, com seu cabelo comprido, olhos castanhos e vesgos e barba por fazer, ele costuma faltar frequentemente e fazer com que os alunos paguem por isso depois.

O assunto abordado há quase três semanas é Mendelismo, as leis básicas da hereditariedade das características biológicas, determinadas por alguém com "Mendes" no final da porra do nome. Oops.

A sala está organizada em um grande grupo de pessoas que tentam desesperadamente resolver os exercícios propostos. O professor ainda não está lá, e isso pode ser um bom ou mau sinal.

— Bom dia — disse em bom som assim que adentrou o local.

— E aí? — Foi o que alguns responderam.

— Senta aqui, geniozinho, eu sei o quão bom você é nesse inferno — Louis o chamou com o dedo, direcionando os olhos para o caderno e enxotando o garoto que estava, até então, sentado ao seu lado.

Os exercícios eram simples, dois sobre a cor dos olhos e um sobre a cor da pele e, o único problema era que ele realmente não sabia a ordem para a dedução do resultado.

— Um casal onde a mulher possui olhos verdes e o homem possui olhos negros, qual as possibilidades da prole? — Leu lentamente para Louis, mas sentindo todos os outros atentos a sua explicação. — Dois azinhos para ela, dois azões para ele — montou a tabela. — Acredito que 75% castanhos e 25% verdes. Não tenho certe...

— O que é "azinho" e "azão"? — Uma garota, Carolina, perguntou, fazendo Louis bufar.

— O azinho significa azul ou verde, cores claras, e eles sempre aparecem duas vezes. O azão significa cores escuras, como castanho ou preto, e eles também aparecem duas vezes. Agora, quando o olho é um castanho esverdeado ou um castanho médio, por exemplo, é usado o azão e o azinho, meio que para demonstrar o equilíbrio. Foi o que entendi.

— Isso quer dizer que se você e o Louis pudessem gerar um filho, as chances de seriam 50% para azul e 50% para verde? — Perguntou inocentemente, olhando para o mais baixo descaradamente.

— Já foi para a merda hoje, Carol? — O mais baixo perguntou.

— 'Tô só brincando, credo.

Discussões surgiram após, alguns dizendo que a probabilidade era de 15% e 85% e outros comparando as cores com tinta guache, argumentando que seria 100% porque os olhos negros predominam. Opiniões.

— Todo mundo coloca 25 e 85 ou vão fazer sozinhos, caralho — alguém disse e a maioria concordou.

— Esse é um pouco mais complicado — sibilou novamente, todos ao redor se calando. — Avó paterna possui olhos verdes e seu marido, azuis. Avô materno possui olhos verdes e sua esposa, negros. Como será o neto dessa família?

— Eu é que vou saber? Fala sério, que merda é essa?

— Calma, só... comece montando as tabelas — tentou, se afastando um pouco. As reações de Louis são adversas. — A tabela dos avós paternos fica com azinhos na coluna do pai e da mãe, porque os olhos são azuis e verdes, logo, é 50% para cada. Eu acho — ressaltou. — A tabela dos avós maternos fica com azões na parte da mãe e azinhos na parte do pai, os azões predominam, então é 75% de serem olhos escuros e 25% de serem azuis — olhou-os, que faziam de volta com uma interrogação no meio da testa. — A tabela dos netos...

— Quantas tabelas? Jesus Cristo, ainda é segunda-feira! — Autumn reclamou, piscando seus lindos olhos de avelã e seus cílios de sol, fazendo Harry encará-lo.

— Três tabelas, é tudo.

— Vê se para de reclamar, ok? Ele aqui — apontou — 'tá tentando te ajudar.

— Parem, por favor — pediu assustado, com receio de que uma briga de grande escala começasse ali. — A tabela dos netos é azão e azinho para a mãe e dois azinhos para o pai, sendo assim... — pausou para pensar. — Huh, talvez...

— 50% castanhos, 25% verdes e 25% azuis? Faz sentido para mim — Louis concluiu.

— Para mim também.

— Concordo.

— Verídico.

Assim, todos caíram na gargalhada, sem saber exatamente o porquê. A turma era um tanto quanto unida, mas eles não conseguem se lembrar de um dia que estiveram tão perto.

É engraçado que, anos antes, eles faziam uma espécie de abraço coletivo todas as sextas-feiras, dizendo que sentiriam falta uns dos outros enquanto o fim de semana se arrastasse. Era bonito, muito bonito.

Harry sente falta, pois era o momento que recebia alguns poucos abraços sinceros e se sentia melhor para poder encarar sua outra realidade.

— Quer que eu leia? — Carolina perguntou quando percebeu que Harry respirava fundo, com incerteza sobre a próxima resolução. — Vou ler — deu uma piscadela. — Um homem negro se casou com uma morena, uma loira e uma negra. Levando em conta que elas estão grávidas, quais são as possibilidades étnicas para cada caso?

— Negro com negra, a criança também será negra, não é?

— Depende dos antepassados dos dois, também.

— O enunciado não fala nada de antepassado, cara.

— 100% de possibilidades de a criança ser negra, Autumn — Harry respondeu. — B-bom, é o que parece mais exato.

Piadinhas começaram a rolar em relação a café e leite, se referindo ao homem negro e sua mulher loira. Quando se acrescenta metade de uma xícara de café e a outra metade de leite, o resultado é meio-a-meio, nem tão claro e nem tão escuro. À medida que se acrescenta um ou outro, a cor varia, e era isso que eles estavam usando como base de seus pensamentos.

A conclusão foi que a probabilidade de a criança nascer negra era de 50%, 25% para morena e 25% para loira. Eles anularam todas as tabelas.

Em relação ao negro e sua mulher morena, foi Louis quem decidiu que seria 50 e 50. Ele não sabe a razão.

— Pode ir agora, Harry — ele bateu de leve no ombro do garoto, três vezes, acariciando um pouco na última vez. — Você não é tão inútil assim.

— Aposto todos os meus centavos que ele é bem menos inútil que você, Louis — Autumn respondeu, o tom de voz irônico e arrancando risadinhas alheias.

— 'Tá bem saidinho hoje, né?! Qual seu interesse nele, afinal? Ouvi dizer que sua família é mais desestruturada que a Torre de Pisa.

Harry saiu sorrateiramente, não dando atenção para as suposições de Louis. Uma das quatro janelas estava aberta e ele fechou-a, alisando os braços e suspirando um pouco. Louis não estava totalmente errado.

Não é que ele se importe muito de morar na casa de dois cômodos miúdos e repletos de mofo que seu pai o deixou como um favor, porque existem coisas mais preocupantes para dar sua glória. A comida vencida que ele e sua mãe são obrigados a estocar nos armários lá pelo fim do mês ou os dias que precisam revezar para ver quem vai ficar com a água quente do chuveiro são bons e claros exemplos.

Anne é quase como uma universitária maluca que se entope de maconha, com quem Harry precisa dividir o apartamento — por falta de opções, vale ressaltar. Ele ama sua mãe e não a culpa por se entupir com essas substâncias que a retiram da realidade difícil, já que se põe no lugar dela, tendo que manter um filho, a casa, as necessidades básicas, e tudo isso sendo fiscal de entregadores de panfletos.

Pelos últimos quatro anos eles vêm morando e, provavelmente, continuarão a morar juntos naquela casa que havia se tornado uma caixinha de recordações. Não é o que parece, não houve um dia sequer em que todos os quatro — pai, mãe e dois filhos — compartilharam aqueles cômodos, aquela casa era apenas uma lembrança vaga, fruto de divagações e delírios, de uma época em que eles possuíam muitos terrenos e os alugava para a vivência. Naqueles dias, nada faltava, era apenas aquele sentimento familiar de tomar café da manhã juntos e repetirem o ato na hora do jantar. Eram beijinhos deixados na testa e boas noites de sono.

O tempo passou rápido demais. Harry costumava refletir sobre quando tinha algo de extraordinário para fazer, onde ele sempre fala algo como: "amanhã, nesse horário, vou estar visitando a sede do The Sun" ou "em junho, dia doze, estarei em uma visita de campo com a escola", e quando isso simplesmente se concretizava, horas eram perdidas com a descrença de que aquilo realmente aconteceu. Já se passaram quatro anos, mas o fato é que, Richard e Gemma, respectivamente pai e irmã, são apenas dois egoístas e ordinários que só conseguem enxergar a porra dos próprios conceitos.

— Harry?

— Oi.

— Não se preocupe com ele.

— Eu não estou.

— Você promete? Não vai deixar que ele te coloque para baixo?

— Que diferença isso faz para você, Autumn?

— Minha mãe morreu há dois meses. Câncer. Ela me ensinou a me importar com as outras pessoas, seja de forma sentimental ou física, e eu estou fazendo isso. Era importante para ela e, agora, é importante para mim também

— Oh, e-eu sinto muito — respondeu constrangido, puxando o garoto para um abraço caloroso. — "As pessoas que amamos nos são tiradas rápido demais" — citou.

— Tudo bem, é verdade — acariciou os ombros magrinhos de Harry. — Você tem um amigo quando tudo estiver desmoronando, ok?

— Obrigado, Autumn.

O professor não apareceu. Assim que Autumn voltou para seu lugar, Harry simplesmente deitou sua cabeça na mesa e esperou que o tempo passasse.

O ambiente não era propício para uma boa soneca, tendo aquelas vozes agudas, altas e irritantes ao redor, mas um cochilo dava. Foi exatamente o que ele fez, cansado demais em apenas um instante.

Ao longe, Louis observou quando sua expressão caiu. Sua postura já estava encolhida por resultado do frio daquela manhã, e o que ele queria ter feito era ter tirado uma de suas três blusas e o oferecido. Ele queria cuidar do seu fragmento de paraíso. Não o fez, embora.

O próximo professor nem se preocupou em acordá-lo. Física por dois blocos inteiros não o ajudaria em nenhum quesito e, seja lá o que aquela criatura tenha feito para estar tão cansado, era melhor deixá-lo como estava.

Alguns instantes antes do sinal para o intervalo tocar, Iramaya seguia em direção à sala de Harry, pronta para continuar a discussão que estavam tendo antes. Quando ela chegou, porém, percebendo o estado do amigo, optou por deixá-lo em sua própria bolha, sabendo o quão raras são suas noites de sono. Voltando pelo corredor, desejou que a vida do amigo mudasse em alguns mínimos aspectos e pequenas coisas.

Harry acordou quando todos já estavam fora da sala, faltando poucos minutos para retornarem, agradecendo e limpando os resquícios de saliva dos cantos de sua boca. Ele tem um problema sobre respirar de boca fechada, e é por isso que sempre acorda com parte do rosto molhado — e, em casos extremos, do cabelo também.

Estava pensando sobre o arroz velho e a abóbora cozida que comeria em poucas horas quando alguém se aproximou, tomando de si o momento.

— A índia veio te procurar, mas acho que ela já encontrou uma companhia mais interessante que a sua. Alguém já te disse que é falta de respeito dormir na sala de aula?

— 'Tô cansado, Louis. O que você 'tá fazendo aqui, afinal? Você ainda tem bons três minutos de intervalo.

— Vim para te agradecer — respondeu baixo, como que com medo, desviando seu olhar para a janela fechada. — Você já deve ter percebido que não sou bom nessas coisas que somos obrigados a aprender aqui, nem mesmo sei como vou conseguir entrar em alguma universidade depois de concluir o ano — revelou.

— Você não é obrigado a cursar alguma coisa assim que concluir o ano — seu tom de voz era cauteloso. — Sua mãe parece ser o tipo de mãe que te aceitaria vendendo amostras de perfume na rua, sem questionar sua opção.

— O que você sabe sobre ela?

— Ela pega todos os panfletos oferecidos na rua. E sorri para os entregadores.

— E no que isso influencia?

— Não sei, mas tenho vontade de apertar pessoas simpáticas aleatórias.

— Como você sabe se uma pessoa aleatória é simpática, Harry? — Se sentou em uma das mesas mais próximas, gargalhando.

— Bom, quando ela dá lugar para os velhinhos mesmo que não esteja sentando em um banco preferencial, ou quando oferece alimento para moradores de rua. E, huh... quando ela sorri abertamente para quem quer que seja. Um sorriso pode mudar o dia.

— Não é o suficiente — sentenciou. — Vindo de você...

— Por quê?

— Dizem por aí que você é comunista. Eu realmente nem sei o que isso significa, e duvido que as próprias pessoas que espalham estes boatos saibam, mas você cola esparadrapos nos rasgos de sua calça e seus dedos aparecem nos contornos de suas botas — tentou justificar, o olhando de um jeito engraçado. — Sua mãe fuma, não é? Ela te leva?

— Ela não fuma, Louis! — Negou. — Talvez você devesse parar de acreditar em tudo o que ouve por aí. Eu não faço ideia de como você descobriu tantas coisas sobre minha família, e nem de quem te disse que você tem o direito de sair explanando por aí. Você sabe o que significa explanar, por acaso?

Louis quis gritar o que estava preso em si, o que o martelava todos os dias. Quis argumentar todas aquelas coisas e dizer que sim, ele tinha todo o direito, mesmo sabendo que não. Ele nunca se imaginou no lugar de alguém com a vida exposta, onde todos sabem das histórias que deveriam ser mantidas em sigilo, entre quatro paredes. Se manteve firme, embora, sentindo pena do garoto. Ele deve ter sido afetado pelo vazio. Nada do que continuasse falando surtiria efeito.

— Explanar 'tá ligado a espanador?

— Tchau — se levantou, pronto para sair, o sinal já tocando e anunciando a volta dos alunos.

— Qual é, Harry?!

— Qual é, Louis?! Você não é o centro de toda esta merda. Pare de pensar apenas em si mesmo. Eu sou feito de carne e osso, assim como você, Autumn, Mike Tyson e Michael Jackson, e sinto sempre que você diz algo sobre minha vida pessoal. Meu pai foi embora, simplesmente evaporou da face da Terra, ele e Gemma, e o que é que posso fazer? O que você pode fazer? O que Deus pode fazer? Eu não sei. Não tenho as respostas que preciso e não sei se as terei algum dia. Apenas pare de fingir que sabe de alguma coisa ou que tem propriedade para abrir sua linda boca e expor algo.

— Dizer que minha mãe é simpática apenas porque ela sorri para entregadores de panfletos também não é a forma mais apropriada de se tirar uma conclusão.

— É engraçado que você queira fazer esta comparação barata — recolheu rapidamente sua bolsa que nem fora mexida. — Tchau.

O corredor estava lotado, seria fácil se camuflar.

O "motel" era um lugar do último corredor onde os estudantes usavam para ficar. Mesmo com inúmeros cadeados colocados, eles ainda conseguiam uma forma de quebrá-los ou de suborno e chantagem emocional — de uma boa forma — aos inspetores. Apenas algumas prateleiras e mesas compunham a sala. Harry se sentou entre a janela e a mesa mais próxima, no chão, olhando para além dos vidros, o dia claro e o vento fazendo as folhas vibrarem e voarem para não tão longe.

Louis era um depravado. Seu ser se resumia apenas e unicamente a isso. Depravado.

As surpresas do dia não pararam por aí.

Assim que colocou os pés no chão de sua casa, algo estava diferente, e não eram armários cheios de compras ou paredes pintadas. O ar cheirava a gengibre e canela, as janelas estavam todas escancaradas, caixas por algumas partes.

— Anne?

— Oi, filho! — Ela se apressou para recebê-lo, segurando firmemente suas bochechas em suas mãos de unhas desfeitas e beijando o nariz avermelhado pelo frio. — Temos algumas coisas para conversar.

— 'Tá frio, por que todas essas janelas estão abertas? Posso fechar?

— Não, você não pode. Isaac é alérgico ao cheiro das infiltrações.

— Quem é Isaac, mãe? — Olhou ao redor, procurando por algum canário, cachorro ou gato.

— Eu sou Isaac — o homem se levantou de trás do balcão pequeno da cozinha e se adiantou em cumprimentá-lo. — Vamos ser colegas de quarto.

— Oi?!

— Não é uma ótima ideia, Harry? — A mãe o perguntou, tomando a mochila de suas costas. — Isaac concordou em arcar com as despesas de água e luz.

— Mãe?! Por Deus, você 'tá maluca! Nós nem conseguimos dormir sem o sentimento de que estamos dividindo um quarto do abrigo municipal. Onde ele vai dormir?

— Isso é o de menos, graça. Podemos juntar as três camas, e vai ser como se estivéssemos usando o mesmo espaço que estamos agora.

— Por favor, me diz que você 'tá brincando — suplicou, sua garganta fechada.

Ela não estava.

Naquela noite, Isaac pediu algumas pizzas de aliche e Harry preferiu comer seu arroz com abóboras. Antes do anoitecer, pelo resto da tarde, o cara fazia parecer que eram amigos de longa data, esquecendo-se do espaço pessoal de cada um, tocando demais, falando coisas que não deveriam ser faladas em voz alta, elogiando de uma maneira grosseira.

Harry implorou para que Anne aceitasse dormir na cama do meio, alegando que ele e o tal convidado tinham problemas respiratórios, mas ela não aceitou. O resultado foi: um Harry emburrado e sem travesseiro, agarrado firmemente às costas de sua mãe, com medo de que aquele maluco pudesse o agarrar ou, sabe-se lá, beijar sua nuca e afagar seus cabelos.

O que é uma surpresa, se não um assombro súbito?



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