Olhei para Jett apavorada. Ele passou os dedos pelo cabelo e ficamos em silêncio.
- Kirsten, você me ouviu? – Minha mãe falou novamente e eu engoli em seco.
- Ahn, sim mãe. Já estamos descendo. – Falei tentando controlar o pavor em minha voz.
Ouvi os passos dela se afastando da porta e soltei o ar.
- O que vamos fazer? – Perguntei para Jett que mordia o lábio. Eu me perguntei se ele percebia o que estava fazendo.
- Apenas vamos descer e ver como isso se desenrola. – Ele respondeu ainda olhando para algum ponto do meu quarto.
Assenti com a cabeça e abri a porta. Olhei para trás enquanto Jett permanecia lá. Estagnado. Respirei fundo e fui na frente. Desci as escadas e vi os dois policiais – não eram os mesmos que estavam na festa – sentados no sofá da sala. Cada um com uma xícara de café nas mãos.
Meu coração começou a pular dentro do peito. Senti a mão tranquilizante de Jett em meu ombro e soltei o ar devagar.
Meu olhar varreu a sala e meus pais estavam do lado oposto. Desci as escadas e senti o olhar assassino da minha mãe para mim. Fiz a minha melhor cara de desentendida, acenando para os dois policiais.
- Vocês queriam falar comigo?
O policial mais alto, careca de pele escura se levantou e me cumprimentou.
- Sargento John Burn, você seria a Kirsten Sky Hernandez?
- Sim. Sou eu. – Respondi recolhendo minha mão.
O outro policial que não parava de me encarar não fez questão de se levantar do sofá. Apenas tocou a aba do quepe.
- Marco Hunter.
O olhar de ambos parou em Jett e voltou para mim.
- Hoje mais cedo a polícia de Forks foi acionada para uma festa idiota de adolescentes no interior de uma floresta. Até aí tem algo que você não saiba? – O sargento John e olhou.
- Continue. – Falei, evitando o olhar dos meus pais.
- Encontraram um corpo. Um garoto com os membros dilacerados. E pelas anotações dos meus colegas de trabalho, você foi encontrada com o corpo. – Ele falou e com o canto do olho vi minha mãe se levantar.
- Isso é completamente ridículo. – Disse ela acenando para os papéis que o sargento segurava. – Minha filha não assassinou ninguém.
- Senhora. – O policial esquisitão chamando Marco falou cruzando as pernas. – Em nenhum momento o sargento se referiu à sua filha como uma assassina. E o que consta em nosso sistema, Kirsten já tem dezenove anos, então por favor, deixe que ela responda por si.
- Patético. – Minha mãe disse balançando a cabeça negativamente. – Kirsten é só uma criança.
- Mãe. – Falei franzindo minha testa. – Deixe eles continuar.
- Você estava sabendo disso? – Ela perguntou para meu pai, que soltou o ar dos pulmões.
- Posso continuar? – O sargento olhou de modo impaciente para minha mãe que cruzou os braços e sentou no braço do sofá. – Ótimo. A sua filha foi encontrada desmaiada ao lado do corpo, relatos de quem a encontrou.
- Pode confirmar isso? – Marco me perguntou e eu mordi o lábio.
- Com licença. – Jett falou se aproximando de mim. – Se outros policiais já falaram com Kirsten, por que diabos vocês estão aqui fazendo a droga das mesmas perguntas? Se isso realmente aconteceu com ela, por que vocês querem retomar o trauma? Façam-me um favor!
- Jett. – Eu olhei para ele com a intenção de falar “não se envolva”, mas ele negou de volta.
- Meu rapaz... – Marco se levantou e eu dei um passo na direção de Jett.
- Chega. – Meu pai se levantou e em questão de segundos estava entre eu e o policial. – Vocês chegam na minha casa, sentam em meu sofá como se fosse a casa de vocês. E ainda bebem café. Se vocês realmente sabem que alguma coisa estranha aconteceu, vocês deviam estar aqui afirmando fatos, não fazendo questionamentos. Minha filha chegou sim hoje em casa e sim, ela estava em uma festa. Mas eu te garanto que minha filha não encontrou nenhum garoto morto.
Aquilo doeu. Não sei explicar, mas a fé que meu pai colocava em mim chegava a doer. Porque aquilo significava que ele não imaginava o que eu era capaz. As coisas que eu fazia.
- Senhor... – O sargento levantou as mãos, mas meu pai caminhou até a porta.
- Façam o favor de sair da minha casa.
- Kurt ... – Minha mãe deu um passo, mas meu pai abriu mais a porta.
- A filha de vocês não é nenhuma santa. – Marco falou vermelho de raiva. – Olhem bem para essa cara de sonsa.
- Quem você pensa que é? – Jett ficou frente a frente com o policial e eu agarrei sua camiseta.
Olhei para meu pai, que estava sendo segurado pelo sargento.
- Marco, vamos sair.
- Isso está errado. Essa garota sabe de coisas, muitas coisas. – O policial empurrou Jett até ficar frente a frente comigo. – Você viu o garoto ser morto, eu sei que você sabe. E a culpa vai corroer seus ossos, porque a culpa é totalmente sua.
O policial estava vermelho de ódio e senti aquela sensação horrível tomar meu corpo, entrando pelos meus ossos.
“É sua culpa, Kirsten...” a voz sussurrou dentro da minha cabeça e eu arregalei meus olhos, sentindo aquele toque gelado na base da minha espinha.
- A culpa é minha. – Eu sussurrei de volta. – A culpa é minha.
O mundo parou de girar. Não via ninguém além daquele policial me olhando com fúria. A. Culpa. É. Totalmente. Sua. A culpa era minha? Eu não sabia, mas a culpa doía como o inferno.
Por impulso levei minhas duas mãos para as têmporas do policial e ele gritou. Senti aquele impulso dentro de mim e imagens passando como flashes diante dos meus olhos.
“Vá até a casa dela”. “Procure por eles dois, eles me pertencem”. “O garoto também, o garoto é importante”. “Traga-os para mim”. “Não falhe”.
Frases aleatórias eram absorvidas para meu cérebro e imagens totalmente ininteligíveis. Mas eu só sabia de uma coisa. Esses caras não eram policiais. Senti o ódio correndo por minhas veias e uma força saiu de dentro de mim.
Ouvi gritos e uma pancada na cabeça. Meu corpo foi arremessado para o outro lado da sala. Abri meus olhos apenas para ver o corpo do policial estendido no chão da sala e Jett correndo na minha direção.
Então fechei meus olhos e mergulhei de cabeça na escuridão.
****
- O que diabos aconteceu lá? – Ouvi a voz baixa do meu pai.
- Eu... eu não faço a mínima idéia. – Jett respondeu com o mesmo tom de voz baixo.
- Qual é, Jett. A Kirsten te conta quase tudo. – Meu pai falou com voz frustrada.
Fiz força para me mexer, mas tudo doía.
- Hey, você está bem? – Ouvi a voz do meu pai e abri meus olhos. A claridade os feriu.
- O que aconteceu? – Eu perguntei. Minha garganta estava seca.
- Eu que te pergunto, filha. O que você fez com aquele policial? – Sua pergunta me fez parar. Abri meus olhos levemente e vi Jett e meu pai ao meu lado.
Franzi a testa. Não conseguia lembrar de nada.
- Eu... – Abri minha boca duas vezes para tentar formular alguma coisa, mas nada saiu.
Jett e meu pai se entreolharam.
- Você não lembra de nada? – Jett me perguntou e eu hesitei antes de negar com a cabeça.
Meu pai soltou o ar e segurou os cabelos.
- Está... está tudo bem agora, filha. É o que importa.
Olhei com os olhos semicerrados para meu pai que saia do meu quarto. Olhei para Jett novamente que encolheu os ombros.
- Eu pensei que você ia lembrar, Kirsten.
- Lembrar? O que aconteceu? – Eu perguntei fazendo esforço para sentar na cama.
Jett se aproximou e tirou uma mecha de cabelo que estava solta no meu rosto. Fechei os olhos involuntariamente com o seu toque. Nós definitivamente tínhamos que parar com aquilo. Não podíamos levar aquilo a diante... não quando o mundo todo resolvia cair sobre nossas cabeças.
Ele tocou meu lábio inferior com o polegar e eu me retraí, mordendo o lábio. Levantei o olhar para ele, que me olhava surpreso. Eu não podia deixar.
Jett soltou um suspiro e recolheu a mão. Ele ficou me encarando durante um minuto inteiro até consegui formular alguma resposta.
- Aquele policial, Marco. Você... – Jett mordeu o lábio.
- Eu o que? – Senti uma coisa ruim no peito. O que eu tinha feito?
Olhei para minhas mãos por um estante e senti o coração parar no peito. As pontas dos meus dedos estavam totalmente queimadas. Mas eu não sentia dor. A pele estava chamuscada.
Voltei meu olhar para Jett, totalmente apavorada.
- Jett. Como isso aconteceu? – Eu perguntei com os olhos arregalados.
- Eu... não sei. Você simplesmente... – Ele abriu a boca e fechou novamente. – Kirsten... você torrou o cérebro do cara.
Senti a bile subir pela minha garganta. Não, não, não. Oh, meu Deus. Não.
- Como isso aconteceu? – Perguntei sentindo as lágrimas brotarem em meus olhos.
- Hey, olhe para mim. – Jett estendeu a mão em minha direção, mas eu me encolhi. Ele franziu a testa. – Você não me machucaria, Kitty.
O apelido doeu mais que qualquer coisa. Então as lágrimas vieram. Junto com os soluços, a dor no peito. O mundo me sufocando. E pior que qualquer coisa, eu não conseguia lembrar de absolutamente nada.
- Eu não sou uma assassina. – Eu falei entre os soluços e Jett me puxou contra seu peito.
- Shhh. Você não é, Kirsten. Você não é. – Jett falou tentando me acalmar, mas as palavras não surtiram efeito. Eu tinha assassinado alguém. Oh meu Deus, eu tinha matado alguém. E eu não lembrava de absolutamente nada.
- Jett eu vou te machucar. – Falei com a pior dor já sentida em toda a minha vida. – Oh, Deus. Se eu te machucar, eu nunca vou me perdoar.
Ele levou ambas as mãos nas laterais do meu rosto e passou os polegares sob meus olhos. Então ele beijou minha testa. E meu nariz. E minhas bochechas. Eu não conseguia para de olhar para ele. Não conseguia parar de pensar no que eu tinha feito e o porquê de a morte estar me rodeando.
Jett hesitou por um momento, olhando para minha boca e para meus olhos como se pedisse permissão. E ele sabia que não precisava de permissão, porque desde o momento que ele me beijou pela primeira vez, eu sabia que tinha começado um vício impossível de parar.
Eu nunca soube o quanto eu queria beijá-lo até a primeira vez que seus lábios macios encostaram nos meus. E droga, como eu me senti bem. Foi como se todas as minhas inseguranças tivessem ido embora e naquele momento éramos apenas eu e ele. Kirsten e Jett.
Não sei se foi ele quem se inclinou primeiro ou fui eu quem o puxou para perto, mas nossos lábios já estavam fundidos um no outro. E eu suspirei, sentido o medo sair do meu corpo pelo menos naquele instante. Nenhum de nós intensificou o beijo, nenhum de nós puxamos a roupa um do outro. Apenas ficamos ali. Com os lábios tocando, trocando nada mais que respirações.
Nossos lábios se separaram, mas Jett continuou com as mãos no meu rosto. Seus olhos cor de avelã ficaram me olhando e ele respirou fundo.
- Seu pai deu um jeito no corpo do cara, sua mãe compeliu o outro a ir embora e esquecer que aquilo aconteceu. – Eu abri minha boca para protestar, mas ele negou com a cabeça. – É o que fazemos, Kirsten. É o que fazemos para proteger aqueles que amamos.
- Mas algo está errado. – Eu murmurei. Algo naquilo tudo estava errado. Apenas compelir alguém não ia dar certo. Não naquele caso. E eu sentia aquilo.
- Está tudo bem, ok? – Ele falou fazendo carinho em minhas bochechas com os polegares. – Eu estou aqui, seus pais estão aqui. E nós te amamos e vamos descobrir o que aconteceu com você.
Assenti fracamente com a cabeça. Então algo me veio na memória.
- Jett...
Ele me olhou com os olhos suaves e eu sorri envergonhada. Desviei o olhar dele antes de perguntar.
- O que... o que seu pai disse para você? Sobre... você sabe.
Jett ficou em silêncio e eu criei coragem para olhar em seus olhos. Ele estava sorrindo. Isso com certeza piorou a cor do meu rosto. Eu podia sentir minha pele pegar fogo.
- Você sabe o quando você é linda? – Ele me perguntou e eu mordi o lábio inferior pela milésima vez em minutos. Será que ele fazia ideia do quanto isso mexia comigo?
Só pude sorrir em resposta.
- E o quanto o seu sorriso é lindo? E o jeito que você morde o lábio inferior quando está nervosa ou com vergonha. – Ele continuou e eu senti vontade de me afundar no colchão, de tanta vergonha.
- E o jeito que você fica vermelha quando percebe que eu te observo tanto, porque você está a tanto tempo na minha vida que isso já se tornou um hábito. E sabe o que mais eu quero manter como hábito? – Ele me perguntou e eu neguei com a cabeça.
- A sensação que eu sinto toda a vez que eu te beijo. – Ele falou sério me olhando e meu coração parou. – Toda a vez que nossos lábios se encostam, eu sinto você suspirar. Assim eu sei que não estou te obrigando a fazer nada.
Fiquei chocada. Será que por algum momento ele pensou que estava me obrigando a fazer alguma coisa?
- Jett...
- Eu te amo, Kirsten. E não vou deixar nada acontecer com você enquanto eu estiver vivo.
Suas palavras cortaram meu coração, porque era assim que eu me sentia em relação a ele.
“Eu te também te amo, Jett”. Só tive coragem de falar isso em sua mente e ele sorriu, beijando minha testa.
- Descanse, ok? – Ele disse se levantando e eu senti fala dos seus lábios em contato com minha pele.
Ele saiu pela porta e eu fiquei sozinha no meu quarto, pensando no que tinha acontecido com o policial e na pergunta que Jett não respondeu.
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