— Me diga.. — o indivíduo de pele achocolatada curvou-se na direção da bela moça sentada em sua frente, que estava com os cotovelos apoiados sobre a mesa circular de madeira — você morreria por mim? — ele lançou-lhe um olhar lamentoso, como se ninguém nunca, em momento algum, sequer pensasse fazer algo assim por ele. Isso não era tão verdade, mas mentir era algo que ele fazia com muita frequência.
— Com certeza, querido.. — a moça pousou afetuosamente sua mão acima da dele, olhando-lhe intensamente — venha, você pode chorar em meus ombros. — ofereceu com um sorriso doce.
A mesa de bar era um pouco mais afastada das outras, onde também estavam vazias. Os valentões que conheciam o afrodescente excessivamente bem se encontravam do lado de dentro do bar. Ambos haviam se encontrado, e decidiram se distanciar de todos aqueles animais que não poderiam ser domados.
William, alternando seu olhar tristonho para um olhar severo agilmente, encarou-lhe como se fosse a última pizza da caixa, como se fosse sua única presa. Ele semicerrou seus olhos escuros e intensos, chegando cada vez mais perto e se apoiando com os cotovelos.
— Se ofenderia se eu lhe dissesse que prefiro chupar os seus seios?
— Absolutamente não, William. — em uma certa época, William odiou qualquer padrão que levasse a ''dormir no primeiro encontro'' ou até mesmo em ''amor à primeira vista'', mas agora ele não conseguia enxergar qualquer diferença — Venha aqui, venha, não precisa ficar assim. — William, novamente, trouxe seu olhar cansado e inocente que todos que o conheciam bem sabiam que ele não tinha, trazendo também sua cadeira dobrável para ainda mais perto da ingênua mulher.
William repousou hesitantemente sua cabeça no ombro esquerdo da mulher, sentindo-a enlaçar seu corpo em um abraço. O assassino fechou os olhos lentamente e inspirou o aroma doce que exalava de suas roupas e pele. Quando William abriu-os, notou alguns distantes pontos brilhantes preenchiam o céu noturno — que lembrava muito a cor dos olhos de Afton —, detalhes que pareciam míseros para a mulher mas não para William, que olhou somente para elas, por longos minutos.
— William? — chamou-lhe, fazendo com que William mudasse o ângulo de sua visão diretamente para os olhos dela — Você mataria por mim? — interrogou, como se aquela fosse a pergunta mais natural do mundo. William riu nasalmente, levando um certo tempo para responder a pergunta feita pela senhorita.
— Isso nunca seria um desafio para mim. — ela sorriu com a interpretação que teve com aquela frase, sendo surpreendida pelo beijo já inicialmente intenso do outro. Qualquer um que passasse por perto poderia considerar que fosse uma cena romântica, seria, se ao menos os batimentos cardíacos saíssem um pouco do normal.
Quando os lábios se separaram, o sujeito de cabelos purpúreos não vacilou em qualquer ponto antes de introduzir sua faca no peito da mulher repetidas vezes, em aproveitamento pela maldita confiança que a mesma teve nele. O liquído vermelho e de gosto metálico que escorria sobre o corpo lhe trazia uma terrível e estranha sensação de agrado, apesar de seus olhos escuros como café estivessem marejados. Ninguém havia visto, e pela longa conversa da qual tiveram, iriam até mesmo demorar para sentir falta. William sempre pensou que sua discrição fora uma benção, pelo menos isso era algo bom que fazia parte dele.
— Não tem graça brincar sempre com a mesma boneca. — murmurou, assim que se desfez do corpo e de todos os vestígios que poderiam ser facilmente encontrados, deixando o local com a mesma indiferença que todos pensavam que tinha.
. . .
Como regularmente acontecia, o casal acordou horas mais tarde do que esperavam naquele certo dia. Consequentemente, inúmeras mensagens de Scott enchiam as telas dos pequenos celulares dos dois, inclusive o de Jeremy, que as abriu em aflição sobre o que poderia ser.
''Ei, vamos sair hoje, nós quatro!''
''Avise ao Mike também!''
Jeremy suspirou em calmaria, satisfeito por não ter se deparado com mais nenhuma notícia desagradável vinda dele. A hora de partir estava cada vez mais próxima, e um adeus com um bom copo americano de cerveja, poderia — e seria — algo muito bom para eles. Independentemente de tudo, gostaria que William também estivesse para uma despedida mais digna, mas, havia grande chance de suas esperanças não forem o suficiente.
— Um dia frio não combina muito para uma noitada, combina? — Jeremy virou-se para o companheiro com um sorriso desdenhoso, e Mike respondeu-lhe com a expressão pensativa, levando um dos dedos em direção ao queixo e estreitando os lábios. Jeremy riu.
— Acho que, faça chuva ou sol, noitadas com os amigos sempre são ótimas. — foi tomado por Mike para mais perto, plantando um beijo molhado em seu pescoço e o deixando visivelmente sem graça — Vá logo se arrumar, chega de dormir por hoje. — Mike se levantou plenamente disposto, e Jeremy lançou um travesseiro contra ele, entre risos alegres e sapecas.
— Quero ver quem me tira dessa cama, Mike Schmidt!
. . .
Uma hora depois, Jeremy estava fora da cama, com uma jaqueta que não parecia-lhe tão adequada no corpo, e sem sentir os próprios dedos graças ao frio que fazia naquela noite. Agradeceu por não haver necessidade de trabalhar hoje, já que partiria no dia seguinte. As estrelas que cobriam o infinito azul deixava tudo mais belo, e faziam com que Jeremy já sentisse falta sem ao menos ter ido até aquele momento.
Jeremy havia entendido bem a preferência de bar que Scott escolheu, pois o mesmo lembrava apenas de William, e de sua personalidade insana e, assustadoramente atraente. O mais novo nem imaginava ver o outro no meio de todos aqueles grandões, e se perguntou o quanto deve ter demorado para que eles se acostumassem com a presença de William, com seu jeito tão ousado.
— Acho bom que tenham vindo, as últimas vezes em que entrei aqui fui chutado no mesmo instante em que pisei o pé para dentro. — Fritz e Jeremy seguraram a risada juntamente ao imaginarem a cena do acontecimento infeliz, à medida em que Michael cumprimentava marmanjos que Jeremy nem imaginava que ele conhecia — Mas, se eu me foder de novo, pelo menos não vou me foder sozinho.
— Não é o mesmo lugar que o William frequentava? — Fritz ousou-se em perguntar, com a testa franzida. O descendente asiático permaneceu num silêncio desconfortável, como se fizesse de conta não ter escutado, caminhando com passos estranhamente apressados para dentro — Bom.. ok. — Fritz olhou para o garoto que caminhava em passos tímidos de seu lado direito e lançou-lhe um sorriso amigável, o mesmo retribuiu e tentou manter mais proximidade de seu amigo.
O lado interno do bar era mais cheio do que o comum, porém, não tornava impossível avistarem um certo negro dos cabelos purpureados e sorriso casual. A heterossexualidade dos fanfarrões era bem evidente, e Jeremy ainda perguntava-se o que o segurança faria em um lugar como aquele. Não pôde conter risadas ao prestar atenção nos olhares que recebia de algumas mulheres que se encontravam no local, olhares não só para ele e sim para todos os outros. Agora ele compreendia bem a situação dos héteros quando partiam para uma noitada homossexual.
— Tentem não serem mortos, drogados, ou.. — as ''regras'' vindas de Scott foram automaticamente interrompidas quando uma briga de bar levou vários copos a quebrarem em pedacinhos no chão, Scott suspirou cansados — bom, vocês sabem. Vou pegar uma bebida, nem pensem em saírem de onde estão. — Scott atravessou a multidão de grandões com sua educação e classe que chegava a ser irritante, era bom para ele, mas irritante.
Jeremy virou-se logo para cochichar algo com o ruivo sardento, no entanto, o guarda parecia tentar manter uma conversa decente com uma mulher de roupas curtas. Suspirou desconfortavelmente, olhando para seu namorado que acendia um cigarro fedorento no meio de todos que quisessem ver.
— Cara, não sabe ler?! — um deles resolveu manifestar-se sobre, e Jeremy cobriu uma parte do rosto com a mão, em extremo constrangimento — Você não pode fumar aqui! — livrado de qualquer medo, Mike assoprou a fumaça de sua bituca no rosto do homem zangado, que não ficou ainda nada feliz com sua ação. Em questão de segundos todos seguravam a fera que parecia ser quase impossível de domar, juntamente com a gritaria dos outros que somente apoiavam uma briga no bar que, na visão deles, estava em um clima entediante. O mais surpreendente de toda aquela situação digna de reality, era as expressões que Mike fazia, como se não temesse a morte nem por um milagre.
A multidão aos poucos se afastava da desordem, à medida em que alguém se aproximava com posição o suficiente para fazer com que tudo acalmasse. Pousou uma das mãos calmamente no ombro esquerdo do careca suado e furioso, olhando-o pacientemente.
— Tony. — pronunciar o nome dele foi o suficiente para que o mesmo começasse a se explicar para o outro, que ainda encarava-lhe com um olhar calmo de início. Jeremy se encolhia atrás de Michael, que continuava não dando a mínima para o que estava acontecendo.
— Ele que começou!
— Pode deixar comigo, tá legal? É melhor se afastar, antes que você seja expulso pela terceira vez. — o rapaz afoito se foi assim que foi-lhe dito, e William bufou uma risada — Posso saber o que as garotinhas estão fazendo aqui, no meio desses motoqueiros? — seus enormes olhos cor-de-café estavam mais vazios do que o costume, com manchas causadas pelo lápis de olho e as prováveis lágrimas de crocodilo — Jeremy, eu sinceramente não esperava isso de você. E não vou nem falar do Fritz, que não tira os olhos dos seios da mulher casada. Lamentável.
— Posso fazer a mesma pergunta? — Mike tragou seu cigarro e pressionou o pulso cicatrizado de Jeremy com a mão, levando-o para trás de si com a intenção falha de protegê-lo.
— Essa é minha casa, seu encrenqueiro de merda. — se não fosse pelas palavras ditas logo após disso, Jeremy poderia jurar que o parceiro deixaria a face de William ainda mais marcada, mas desta vez por hematomas — Nem pense nisso, se vocês sequer pensarem em encostar um dedo em mim, todos esses doentes irão pra cima de vocês e não vai sobrar nem ossos. — o sorriso que surgiu nos lábios de William denunciou que ele estava inteiramente chapado, de corpo e mente — Vamos pra fora, eu simplesmente odeio o cheiro de sexo que fica aqui. — Fritz arqueou uma sobrancelha, finalmente desgrudando e se distanciando da mulher que parecia o atrair tanto para seguir o seu ''esquadrão'' demoníaco.
— As pessoas transam aqui? — questionou, inocente como sempre. O olhar vago que recebeu em troca trazia à Jeremy arrepios pela pele, ainda mais do que para Fritz. As bolsas melancólicas abaixo dos olhos de William eram visíveis, e o afrodescendente aparentava não ansiar em ocultá-las.
— Você ficaria surpreso. — sua voz fraca seguiu-se com uma falsa gargalhada, pressionando as mãos contra o próprio bolso da calça arroxeada — Mas, sabe, não é tão ruim quanto parece.. — Jeremy começava a ficar incomodado com os olhos fixos de William sobre ele, e Michael parecia ainda mais incomodado do que o mais novo — Quem mais tá com vocês?
— Eu. — afirmou por eles o timbre familiarizado, aproximando-se com alguns copos que estavam cobertos por bebida forte da melhor qualidade. William abaixou o olhar imediatamente, e Fritz balançou a cabeça entre baixos risos, como se estivesse tão desacreditado como Jeremy.
Tiveram de juntar mais cadeiras para que todos pudessem sentar juntos, descartando a mesa circular de madeira. As conversas fluíam naturalmente, e eles não viam necessidade em voltar cedo para suas residências. Jeremy contava cada estrela como se fosse uma criança outra vez — no ponto de vista de Michael, ele continuava sendo —, rindo como se, por algum motivo, não existisse mais o amanhã. Tudo o que o cansado Mike fazia era rir de sua empolgação, não vendo a hora para que, enfim, partissem.
William não procurava se encaixar em nenhuma das conversas, permanecia em um silêncio melancólico extraordinário, checando sua caixa de mensagens tendo noção de que a mesma estava vazia, somente para não ter que ouvir tudo em sua volta. Todavia, quando um destes olhava-lhe, William se certificava de lançar um sorriso sarcástico exclusivamente para mostrar que não havia nada de errado.
— O-Olha, não é ciúmes nem nada do tipo, você sabe bem que eu não sou de ter esse tipo de coisa, eu só quero saber o porquê diabos você assistia pornô gay com a sua namorada! — a memória que foi tirada do baú foi o suficiente para que Mike gargalhasse, se lembrando da época em que insistia em pensar que era hétero, somente pra que os outros não o vissem com maus-olhos. — Ah, acredite, essa é minha meta de relacionamento. — Jeremy virou mais um gole de álcool, olhando para um ponto na parede de tijolos que ficava aproximada do bar de psicóticos.
— Era como se fosse um desafio, quem desistisse primeiro faria um oral no outro, e eu sempre ganhava dela, até mesmo com algumas bizarrices que fossem exibidas. — Jeremy sorriu debochando do moreno — Eu não sei como ela não desconfiava, sabe? — Jeremy só consentiu com a cabeça, pegando o cigarro da mão de Michael para tragar um pouco, tentando se livrar do assunto ''Doll'' que fazia ele se culpar sem tantos motivos. — Então, já que você havia dito.. eu realmente pensei melhor e, sim, eu vou sentir falta daqui. Vou sentir falta até de um lugar fodido como esse.
— E-E-Eu juro.. — Jeremy abraçava os próprios joelhos — se soubesse que seria dessa forma, jamais teria vindo. Jamais. — lambeu os lábios, que estavam com míseros cortes por ter mordido forte demais — A pizzaria está ainda pior. Estou feliz por não ter passado por isso sozinho. — Michael puxou-lhe afetuosamente para mais perto, fazendo com que o mais jovem encostasse a cabeça em seu peito e relaxasse um pouco. Os dedos longos de Mike percorriam o cabelo castanho de Jeremy, o que dava ao ex-guarda uma vontade imensa de viver aquele momento para sempre.
— Você nunca está sozinho. — sussurrou gentilmente. ''Gentil'' e ''Mike'' eram coisas que não se encaixavam muito bem juntas, mas a situação mudava quando se tratava do pisciano — Eu te amo, Jeremy. — Jeremy sorriu e já foi o suficiente para o outro, que tragou o cigarro assim que chegou novamente a sua vez.
Quando os olhos esmeraldinos de Jeremy já fechavam-se para que tirasse uma soneca sobre os braços quentes de Michael, sentiu uma presença ao seu lado, William, que sentou com os seus amigos mais próximos para tentar esquecer o tédio e o cansaço que estavam o cercando recentemente.
— Olha só, parece que o trio está de volta. — o comentário do exótico rapaz foi o bastante para que até mesmo Mike risse, e depois voltasse para o silêncio nostálgico que insistia em permanecer ao redor. As memórias sobre a primeira pizzaria voltavam aos poucos na mente de Jeremy, e fazia-o sorrir de forma quase involuntária — Esse lugar não vai ser o mesmo sem vocês dois, estou falando sério.
— Você se acostuma. — William não entendeu de primeira, mas quando Mike apontou com o queixo para Scott e Fritz, as peças se encaixaram perfeitamente — Eu acho que eles dois serão o suficiente. — Jeremy ajeitou-se nos braços de Mike, com os olhos abertos e com a visão levemente turva pelo sono insistente.
— Acho bem difícil. — William acendeu o isqueiro que trazia no bolso dos jeans, achando graça do fogo que saía do mesmo, apontando-o para o céu — Até matar está começando a ficar velho. — Jeremy pousou um olhar de pena sobre William, e ele pareceu ter odiado isso — E, bem, os dois são héteros. Ninguém realmente me entende, afinal.
O silêncio que pairou ali foi o suficiente para mostrar que ambos não haviam resposta, e William não se importou, ao invés disso, deitou sua cabeça no colo de Jeremy e recebeu um olhar surpreso e confuso.
— O que foi? Sinto muito, mas você é a única coisa confortável para se apoiar aqui. — Jeremy sorriu cansado, fechando os olhos novamente para que, somente ouvisse o que estava ao seu redor, nada mais do que burburinhos de assuntos aleatórios, numa tentativa de esquecer o que aconteceria no dia seguinte.
. . .
Exatamente às três horas de uma madrugada fria e silenciosa, as batidas incessantes na porta de Scott irritavam-o profundamente. Estando somente com as roupas de dormir e uma cara amassada — e engraçada —, sequer olhou pelo olho mágico para ver quem poderia estar do lado de fora, abrindo a porta e se deparando com o homem negro que parecia mais com um zumbi, as manchas do lápis estavam ainda mais evidentes nos olhos.
Não foi necessário dizer nada, o cenho franzido de Scott se desfez quando William cobriu os lábios trêmulos com uma das mãos e começou a soluçar. O rapaz que atendia telefones o trouxe para perto sem pensar duas vezes, abraçando-o e sentindo ele afundar o rosto na curvatura do pescoço, enchendo-a de lágrimas. Poderia o ex-segurança estar triste pela partida de Mike e Jeremy? Por Scott? Ou as duas coisas? Os soluços de William impediam-o de falar, e, pelo ponto de vista do indivíduo de pele amarelada, estava perfeito assim.
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