Eu não entendia por que não me olhava nos olhos. Até você olhar. Parece que sabia que iria encontrar esse ímã. Um fio que dança e nos envolve ao redor, uma troca de energias intensas que se alimentam sem nem mesmo a gente querer. Que ventos são esses que nos rodeiam, que espírito impertinente que incorpora, nos toma e insiste que é hora de sorrir.
Primeiro apito. Fecha os olhos, sente a sala. Segundo apito. Põe o nariz redondo e vermelho na cara. Um estalo de dedos da ministra da oficina e todos os palhaços estavam convidados à vida. Seus olhos se abriram e se cruzaram instantaneamente. Eles deram uma risada. Era engraçado. Desde o primeiro dia isso acontecia, não importava a posição que se colocassem na sala. A risada crescia no espaço entre eles, parecia vibrar na mesma frequência e virar euforia de dois palhaços prontos para brincar.
Você é um espirito livre demais pra uma cidade pequena como a minha. Minha cidade não é fácil, e eu já te falei sobre isso. Aqui é simples e pequeno, não tenho grandes monumentos pra me orgulhar de mostrar, só tenho as ruas de pequenos bares e lanchonetes e meus pequenos afetos que criei ao longo da vida, porque é aqui que aprendi a viver. Me dá um medo de pensar como vai ser quando te olharem, se perceberem alguma coisa dessas que você não faz questão de esconder. Só de pensar agora me dá uma agonia, um aperto, porque eu não quero te deixar passar por isso sozinha, e eu me vejo na obrigação de estar do seu lado se algo acontecer.
"A gente não se entendia, mãe, e não tinha mesmo como se entender. Você brigava com as coisas em mim que te ensinaram a brigar quando estavam dentro de você, e eu hoje me vejo ainda brigando com você dentro de mim. Só que eu brigo de um jeito mais maduro, porque eu não te culpo mais por todos os males do mundo. Eu queria poder pegar na sua mão agora e te contar que o mundo é cruel, mãe, e que ele te obriga a se odiar mesmo."
Eu sinto tanto a sua falta. E é muito louco que ainda sinta assim. A gente não se vê há tanto tempo, e sinceramente, nem sei se você se lembra de como tudo era antes. Nem sei se eu mesma estou lembrando certo, se é só um monte de saudades que emergiram por entre as memórias, eu só sei que hoje de manhã acordei assim. Um suspiro fundo. Uma nostalgia. Uma sensação gostosa e triste de me lembrar de que eu te amava, mas que tudo isso ficou pra trás há tanto tempo que eu nem sei porque acordei hoje pensando em você.
Andando e cambaleando pros lados os ventos sopram pra cá e pra lá. Mas eu não caio não, tô segurando tudo comigo. Se solta uma ponta, dou meu jeito, estico o braço, puxo tudo de volta e mais um pouco até caber, e se não cabe enrolo tudo e me estico mais. Se a o vento bate forte eu me escoro, um segundo e nada mais, peço desculpas e vou embora, o peso é meu. É meu o coração e ninguém pode segurar.
escrita por liliccanela Concluído
Capítulos 1
Palavras 6.103
Atualizada
Idioma Português
Categorias Histórias Originais
Gêneros Aventura, Drama / Tragédia
Mike aguardou pacientemente a guia ser encaixada na coleira e a saída destrancada, e então lançou-se com uma força tão grande para fora na direção de onde vinham os latidos que chegava a engasgar. E permaneceu engasgando, tentando correr ainda que sob protestos e puxões direcionando para o lado contrário ao de seu destino. Latiu, rosnou, uivou, fez tudo o que podia, e tudo o que conseguia era ficar ali no mesmo lugar. Seu coração disparou enlouquecido quando a cadela despontou na esquina. Ela vinha como o vento, numa velocidade inimaginável. Todo o corpo de Mike se debatia, cada músculo desejando imensamente fazer o mesmo, a coleira e a guia nunca pareceram tão angustiantes quanto naquela hora, e se tornaram muito mais quando ela começou a ir em sua direção. Mike foi puxado pelo pescoço com toda a força contra sua vontade e o desespero tomou conta dele ao ouvir os gritos desesperados clamando pelo afastamento da afoita aventureira; diziam ser suja, ser feia, malcheirosa, vira lata. Quando ela estava finalmente quase tão perto quanto da outra vez, ele foi prontamente agarrado pela barriga e posto para dentro de casa novamente. Perdeu ali a maior chance que já teve até então de enfim tocá-la.
Mike não entendia o que era uma vira lata, mas ele não se importava com a desordem das cores da pelagem dela, na verdade. Agora só sentia-se culpado sem nem saber por que. Porque apesar da culpa, ainda queria muito voltar para o quintal e pelo menos vê-la passar.
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