A diretora da escola está terminando seu habitual discurso de etiqueta e descrição que — segundo à Emily — sempre acontece nos dias de visitas após o café da manhã. Matthew, Emily e eu estamos nos fundos do pátio, sentados confortavelmente entre duas árvores enormes. No ar, há um cheiro sutil de perfume adocicado e café forte.
A escola se estende a nossa frente com todas as suas pedras cinzentas, flores nos muros e portas pesadas. Alguns outros alunos — a maioria desconhecidos por mim — estão diante de nós. É a primeira vez desde que cheguei nesse internato que posso sentar aqui na parte de fora da escola. Geralmente a diretora proibi qualquer contato com a natureza, mas como hoje é a visita dos pais, ela abriu uma pequena exceção. Ótima jogada. Que responsável vai acreditar que somos presos, se estamos tão livres hoje?
— Tenho um último comunicado a fazer.
A voz da diretora é tão repentinamente empolgada que me assusta. Seu cabelo está preso em um coque perfeito bem no meio da cabeça. Ela é francesa, mas poderia facilmente se passar por americana com seu cabelo loiro platinado.
Corro os olhos pelo pátio à procura dos meus pais. Ou eles ainda não chegaram, ou estão em alguma sala secreta assistindo tudo que estamos fazendo aqui. Escolhi o que vestir com todo o cuidado, porque é a primeira vez em meses que sei que vou vê-los. Meu estilo é bem desleixado, e hoje estou usando um vestido de algodão leve florido acima do joelho, o que me ajuda a parecer mais feminina, escolhi um salto fino, para ficar com um visual que minha mãe sempre insistiu que eu usasse. Mas, eu não colocava, preferia contrariá-la, porém hoje, estou disposta a engolir meu orgulho para convencê-los que o After não é um internato comum. Aqui não é um lugar seguro para mim; e nem para qualquer outro ser humano.
— Vou deixar que ele mesmo fale — anuncia a diretora, continuando uma frase cujo começo não escutei.
Ela dá um passo para o lado, e uma figura alta com um sorriso preguiçoso, se aproxima do microfone. É o Castiel, claro. Os Jeans desbotados, a camiseta tão branca quanto as nuvens. Ele é atraente, não vou negar. O cabelo comprido e despojado, os braços musculosos e as maçãs do rosto esculpidas, as covinhas e o modo como aquela porra de sorriso idiota me faz ficar olhando pra ele mesmo quando não quero.
— Oi, pessoal.
Os movimentos de Castiel são sempre tão firmes que inspira confiança.
— Chegou ao conhecimento do corpo docente… — ele olha de relance para a diretora e se corrige: — Chegou ao meu conhecimento que no ano passado a situação saiu um pouco do controle. Estou me referindo, é claro, ao fato de que alguns alunos tentaram vazar informações sobre o After para os pais. E a punição para isso, não é nada boa. Já falei do buraco, não falei?
Os alunos variavam entre revirar e arregalar os olhos.
— Todo ano o mesmo discurso. — Emily murmurou para mim e Matthew. — A diretora só o ordenou fazer isso para tentar assustar os novatos.
Matthew abriu um sorrisinho irônico.
— E ela está conseguindo.
Balancei a cabeça e dei uma cotovelada de leve nele para que prestasse atenção.
— Fica quieto.
Castiel coçou o queixo e esperou pacientemente o burburinho terminar.
— Vocês sabem que as consequências por quebrar as regras são pesadas. Detenção. Suspensão. Punição. Ficou claro?
— Claro como cristal. — um dos alunos falou.
— Ótimo. — rebateu Castiel, recuando alguns passos e voltando a se unir ao corpo docente, as mãos enfiadas nos bolsos.
A diretora tomou posse do microfone mais uma vez.
— Dirijam-se para a entrada do colégio. — ela olhou o relógio em seu pulso por um instante. — Os responsáveis já devem estar por lá.
A multidão de alunos se dispersou tão rápido quanto o pronunciamento dela, e todos resmungaram enquanto se encaminhavam para a primeira visita do ano.
◆◆◆
— Filha, que saudade — disse Jenna, em uma voz exageradamente feliz.
— Saudade? — repeti em tom de deboche. Mas, meu sorriso morreu assim que percebi os olhos de reprovação dos meus pais. Tentei fazer uma expressão amigável. — Eu também senti saudades. Como vocês estão?
— Estamos bem. — Jack passa um braço pelos ombros de Jenna, com um sorriso nos lábios. — O colégio é muito bonito. Grande. A decoração é de muito bom gosto.
Sim, claro. Você ainda não viu os objetos medievais.
— Eu tenho uma coisa pra contar à vocês. — murmurei, buscando uma forma convincente de contar o que acontece aqui. — Esse internato é perigoso. É sério, as coisas aqui não são o que aparentam. Ano passado um menino morreu torturado por desobedecer algumas regras.
A expressão de Jack endurece, e Jenna encolhe os ombros.
— Ah minha filha, quando você irá parar de inventar essas histórias? — Minha mãe tocou levemente meu rosto com as pontas dos dedos.
— Eu não estou mentindo, Jen... mãe. — falei, meus olhos mais arregalados que o normal. — Eu juro. Esse lugar é perigoso. Vocês tem que me tirar daqui.
— Tá vendo, Jenna? Eu disse pra você que a Claire não mudaria. — Jack falou com rispidez. — Foi péssima ideia termos aparecido aqui.
Olhei para ele incrédula. Então quer dizer que ele não queria ver a única filha? Eu sou tão insignificante assim para ele? Não bastou ter me abandonado quando eu era pequena?
— Isso é um absurdo, Jack. Eu não sou o problema aqui. Esse lugar que é o problema. — falei, erguendo o queixo em direção ao internato.
— Claire — Jenna tenta tocar meu rosto mas eu me esquivo. — Se você quiser sair mesmo daqui, nós podemos levá-la para um outro internato. O que acha?
— Eu não quero um outro internato! — me exaltei, atraindo alguns olhares. — Só quero ir para casa. É tão difícil assim fazer uma vez nas suas malditas vidas alguma coisa que me agrade? Eu só quero voltar para minha vidinha idiota.
— Você não pode voltar, Claire. — Jenna murmurou, sem me encarar nos olhos. — Não ainda.
— Por que não posso?
É meu pai que responde, sua voz cravando com palavras que irão mudar tudo para sempre.
— Vamos ter um bebê. — Jack abraça Jenna, que sorri para ele. — E não queremos uma pessoa problemática para atrapalhar a gravidez. Enquanto você não mudar, continuará aqui recebendo tratamento.
Dou um passo para trás, como se tivesse levado um soco. Encaro o casal em minha frente. Jenna e Jack estão tentando me substituir; tentando não, eles já me substituiram. Minhas chances de convencê-los a me tirar daqui são nulas. Terei que me virar sozinha, como sempre.
— Hum... — murmurei olhando-os sem demonstrar minha frustração. — Acho que a visita acabou. Já conhecem a saída, certo?
Não esperei pela resposta deles, nem ao menos olhei para trás enquanto caminhava em direção a parte interna do internato.
— Deixa eu adivinhar... — Matthew gritou de longe quando me viu e caminhou na minha direção. — A conversa com seus pais foi um fiasco?
— Bem pior que isso. — falei, olhando para ele de relance, sem entrar em mais detalhes. — E com você? Deu tudo certo?
— Comigo? Não, claro que não. — Matthew riu. — Dei muita pinta e meu pai percebeu que ainda sou eu mesmo. E se revoltou.
Olhei para ele séria.
— Temos que arrumar um jeito de sair daqui.
— Algum plano em mente? — Matthew enganchou o braço no meu.
— No que somos fodidamentes bons, Matt? — eu o encaro por um momento.
Ele riu, mas depois deu de ombros, pensativo.
— Sei lá. Decepcionar os pais? Ser rebelde?
— Sim, somos bons em decepcionar os pais mas, somos muito melhores em ser rebeldes. — falei, com um orgulho exultante. — E vamos usar isso ao nosso favor.
Matthew olhou para mim com os olhos arregalados.
— Tá pensando em enfrentar a diretora? Claire, essa é uma missão suicida. Não tem medo do buraco? Ou de alguma outra porra que ela pode fazer com você? Com a gente?
— Cansei de ter medo. Meus pais não vão me tirar daqui, Matthew. E aposto que os seus também não. Temos que dar nosso jeitinho. E aí, topa?
— É, você está certa. Eu topo.
Me virei sorrindo para Matthew mas meu sorriso se desfez assim que meus olhos se encontraram com os da Carter. O sorriso superior que ela exibia só me motivou para começar com o meu plano de perturbar a diretora ao ponto dela começar a querer me punir. Que se dane essa coisa de " pune duramente, educa duramente", de ser educada com os outros e seguir regrinhas. Eu sou uma vadia infernal de primeira categoria. Era assim que eu sempre tinha vivido e é assim o único modo que eu sei e quero viver.
Soltei o braço do Matthew e comecei a caminhar até a Carter.
— Ei lindinha. — ela me encarou com os olhos estreitos. — Sabe sua ameaça de hoje mais cedo? Manda ver. Não tenho medo de você. E como eu já disse antes: duas podem jogar esse jogo. Por enquanto eu estou só na defensiva... Esteja preparada para quando eu começar a atacar.
Olhei mais uma vez para ela, com um sorriso superior nos lábios, e me virei não antes de ver a expressão de impotência — parecida com a que eu fiquei hoje mais cedo — no rosto ruborizado de Carter.
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