"Eu estudava... Eu estudava muito... Lia de tudo, até livros de filósofos! Ah! Como nós, humanos, somos tolos! Um de nossos maiores filósofos disse uma vez que a morte cura todos os males. Quem está morto não adoece, não sente fome, não envelhece! Pobre filósofo... Só depois de chegar aqui é que vi o que a Morte faz com os vivos de seu trono iníquo e longínquo! O objetivo da vida é... Fugir da Morte!".
Light Yagami era o jovem mais inteligente de todo o Japão. Ele também tinha muitos amigos e já teve diversas namoradas. Era uma pessoa muito popular e um jovem exemplar. Mas ele tinha um problema: sua inteligência!
Ele percebia que as notícias que passavam na TV eram repetitivas demais. Dia após dia, era sempre a mesma história e isso o entediava.
Depois que um Shinigami chamado Ryuk lhe entregou o Death Note, diversas coisas ruins terminaram por ocasionar sua morte, o impedido de ir para o céu ou para o inferno, só restou ao jovem ir para o mundo dos shinigami, onde ele se via sozinho.
Passaram-se eras e eras e nada acontecia. Era ele sozinho em um mundo em ruínas, sem ter com quem falar, ou com o que se distrair. Kira se perguntava por que tanta solidão sem ver nenhuma alma, nem sequer um animal ou uma planta pra se distrair. Se ao menos houvesse macieiras como as que Ryuk dizia, mas até mesmo nisso, ele parecia ter mentido.
Às vezes ele preferia ter ido ao inferno, pois mesmo a tortura é melhor que o eterno marasmo e insuportável solidão. Ele, nos primeiros anos ali naquele cemitério de ossos e ferrugem, vivia desesperado e preocupado com sua irmãzinha e sua mãe que ficaram sem seu pai, que morreu de certa forma por sua culpa. E o desespero de não saber onde está seu pai, se está no céu ou no inferno, ou mesmo em algum ponto do mundo dos shinigami, afinal, Ryuk não era tão confiável. Ele era esquecido e às vezes parecia mentir.
Sua consciência pesava por ter induzido seu pai a fazer o acordo dos olhos. Quanto mais Light pensava, mais aflito ele ficava. Ele se perguntava por que Ryuk mentiu para ele ao dizer que viveria o número de anos roubados, somados de todas as vítimas que ele matou.
Kira já está vivo por mais que o dobro desse tempo, e ele simplesmente não morre! No início, assim que ele chegou ao mundo dos shinigami, ele tinha o seu mesmo corpo humano, sua mesma aparência. Mas com o passar dos milênios e Eras, seu corpo foi tomando uma forma mais óssea, e sua carne foi se tornando mais acinzentada e dura. Com o passar das Eras, ele passou a possuir a capacidade que os espíritos têm de passar por dentro dos objetos, tal como qualquer fantasma comum o faz, e sua aparência ficou esquelética.
Um dia, em meio a monotonia, lhe aparece uma pessoa cujo rosto era impossível de se ver, e cuja presença fazia as pernas de qualquer criatura viva ou morta tremer de medo.
Era a própria Morte!
O deus supremo dos mortos, a causa primária da vida física, sem a qual nenhum mortal jamais existiria. Aquele a quem Deus recorreu para criar os humanos e os outros mortais!
A presença da Morte deixou Light totalmente mudo de medo. Ele movia sua mandíbula pra falar, mas as palavras não saíam. A Morte aguardou pacientemente o medo dele passar, e aos poucos Kira foi se sentindo mais calmo.
Ela contou várias coisas sobre a vida dos shinigami e sobre os mistérios do universo. Eles conversaram muito por muitos dias. Na verdade, Light nunca ficou tão feliz em toda sua existência. Aliás, nem quando ele era humano, jamais experimentou tanta alegria por ficar frente a frente com a criatura mais temida dos vivos, por ter acabado com sua solidão eterna e por ser chamado amigavelmente de súdito pelo "Rei".
A criatura gostava de ser chamada de rei, mas os shinigami desinteressados, esquecidos e displicentes que são, têm uma estranha mania de chamá-lo de "velho" ou "chefe".
A Morte explicou várias coisas para Light. Ela o levou até um penhasco donde poderia ver outros mundos e outros seres vivos e mortos, para acompanhar sua história. Explicou também que Ryuk não mentiu para ele, pois um ano para os humanos equivalem a milhares de anos para os Shinigami. Ryuk apenas esqueceu-se de contar este detalhe.
A Morte também explicou que o mundo dos shinigami é muito grande, e para encontrar o lugar onde os outros estão reunidos, ele teria que caminhar por longas eternidades, e teria que descobrir o caminho sozinho em um mundo cujo tamanho é infinito! Então, depois de ter explicado várias coisas, ela disse que o trabalho dela é escrever em um livro dos mortos os nomes de todos os mortais que vão morrer, a causa da morte, horário e outros detalhes para compartilhar com Deus a força vital que é dividida entre ela e Deus.
E o trabalho dos shinigami é ajudá-la nessa tarefa, escrevendo os nomes das pessoas somente no momento designado por Deus pra elas morrerem. Nunca se deve matar antes do tempo, se não o próprio shinigami morre.
— Mas porque nós morremos se matarmos antes? – perguntou Light, um pouco curioso com o que foi dito.
— Hum... Porque... – respondia a criatura com sua voz grave, arrastada e fantasmagórica que petrificava e calcificava tudo ao seu redor quando era proferida. – Porque ele sabe tudo o que vai acontecer, e as coisas do futuro já ficam construídas por seu infinito exército de anjos e arcanjos arquitetos do universo – explicou. – Contando com a precisão da previsão que Deus faz, onde ele nunca erra, nem o número de folhas que cairão e nem o momento exato delas caírem mesmo milênios antes da árvore nascer.
— Impressionante... – Kira apenas prestava atenção no que o outro dizia.
— Se Deus errar uma só coisa, por menor que seja seu detalhe, mundos e vidas entram em total colapso em outras partes do infinito, e ele fica frustrado de ver a reação em cadeia de proporções cataclísmicas que isso provoca.
— Anh... – Yagami engoliu seco, bastante espantando com o que lhe foi revelado.
— Light, por pior que seja essa sua vida amaldiçoada – nesse mesmo instante, Kira ficou com raiva ao perceber um certo prazer por parte da Morte ao dizer essa palavra de um modo tão cruel. O que lhe mais incomodava era que a criatura sentia prazer em ver uma pessoa ter a vida arruinada como a dele foi. Isso lhe dava uma certa vontade de se vingar.
— Tanta maldade! – pensou Yagami. Isso o chocou profundamente, mas ele era inteligente o bastante pra esconder esse sentimento. Ele preferiu fingir admirá-lo.
— Você não quer morrer, estou certo?
Com poucos dias de conversa, Kira sabia que a Morte lia seus pensamentos, mas quando eles eram muito velozes, percebia que a criatura se sentia perdida, como se não estivesse sendo capaz de ler sua mente. Desde então, ele percebeu a importância de esconder até de si mesmo algumas informações usando diversos truques mentais para fazê-lo. Foi quando ele teve um estalo, ficando chocado com a dedução impressionante que lhe ocorreu:
— Será que Ryuk e os outros shinigami são tão esquecidos porque eles fazem exatamente isso? Então... Se for o caso...
— Estou certo, Light? – questionou a criatura, interrompendo os pensamentos do outro.
— Sim, majestade – bajulou o outro, coisa que ele faz quando está tenso e quer disfarçar.
Depois disso conversavam dia sim, dia não, até que Kira ficou sabendo onde a Morte residia. Então, ele já podia visitá-la sempre que quisesse. O problema é que os shinigami ficam entediados com o tempo e param de escrever, e acabam deixando pra Morte quase toda a tarefa. Mas ela estranhamente não se incomoda nem um pouco com isso, parece até gostar de vê-los ociosos e em tédio.
Kira passou a desconfiar desse comportamento da Morte, achando que poderia haver algum motivo maldoso por trás. Por fim, recebeu dela seu primeiro Death Note e foi instruído pra fazer sua tarefa de escrever os nomes enquanto observa curioso as vidas dos mortais de diversos mundos e tempos diferentes.
Após várias eras sempre observando e escrevendo, ele voltou ao seu antigo pensamento: o de que a vida era uma eterna repetição entediante e se cansou de vez de observar.
Tudo voltou a ser monótono outra vez...
Nessa época, Light já havia atingido o mesmo grau de onisciência típica de um shinigami experiente. Ele já era capaz, assim como Ryuk, de ler pensamentos e ver através de paredes a longas distâncias e seu corpo já sabia produzir asas e voar como um deus, do jeito que ele sempre sonhou. De certo modo, um de seus maiores sonhos se tornou realidade: tornar-se um deus. Mas de que forma ele fez isso? Virando um assassino, causando a morte do próprio pai, e deixando sua irmã em uma cadeira de rodas. Ele definitivamente não estava feliz. Precisava consertar as coisas. Precisava fazer tudo dar certo.
Dentre os mistérios do universo que a Morte revelou pra ele, um pareceu ser o mais interessante: o de que o tempo não existe do jeito que os humanos pensam. Ele aprendeu que o universo é como uma fita de vídeo que se pode rebobinar a seu bel-prazer para ir ao início da história, ou até o fim. Isso quer dizer que shinigami, anjos e demônios possuem a capacidade de viajar no tempo apenas com a força do pensamento. Mas há um problema: alterar a história é um ato deplorável que Deus odeia, mas não impede nem proíbe ninguém de fazê-lo, pois ele acha justo que os shinigami, os anjos e os demônios exerçam o direito do livre-arbítrio num nível muito superior e mais tentador que o nível medíocre de livre-arbítrio que é exercido pelos pobres mortais.
Deus é tão poderoso e supremo, que ele prevê tudo o que vai acontecer mesmo levando em conta todas as alterações feitas pelo capricho de entidades como essas que viajam no tempo. Isso até desestimula essas criaturas de fazerem isso, porque ele tudo vê, e não há como enganá-lo, ou fazer algo que o surpreenda ou lhe pegue desprevenido, até porque quando a viagem no tempo tenta alterar algo importante, Deus envia querubins e serafins para atrapalhar essa pessoa e deixá-la irritada e frustrada.
Quando a viagem é pra fazer algo bom, ele não costuma atrapalhar, mas sempre costuma irritar a pessoa, salvo raras exceções.
— Mas rei, porque Deus faz essas coisas, se ele dá o livre arbítrio? Isso não parece justo. – resmungou Light para a Morte.
A Morte explicou que alterar o tempo faz os cálculos de Deus ficarem mais e mais complexos desnecessariamente. Isso o deixa estressado e irritado. Por isso, ele faz a pessoa sentir na pele as mesmas coisas para lembrar as pessoas daquele velho mandamento: "Não faça ao próximo o que não queres a ti mesmo".
O que acontece é que já se passara muito tempo desde que Light morreu. Sua família toda envelheceu e morreu com o passar das décadas. Milênios infinitos já se passaram, a Terra já foi destruída, e o universo onde ela existia também já não mais existe, tendo dado lugar a outro, e outro, e outro sucessivas vezes a ponto de deixar os pobres shinigami num tédio de dilacerar a alma. Para um shinigami, a repetição era pior que as torturas do inferno. Por isso que essas criaturas têm um jeito tão desapegado pelas coisas. Pra eles não importa o bem ou o mal. Eles não têm lado, tudo pra eles nada significa. Distraem-se com muita facilidade e se esquecem das coisas com uma facilidade tão grande quanto sua vontade de nada fazer.
A única coisa que distrai um shinigami são jogos, como cartas, truques ilusionistas de mágica com caveiras e partidas de xadrez. Mas poucos são os shinigami que jogam xadrez hoje em dia por conta das brigas. Tem uns que roubam, tirando peças do tabuleiro na mão grande ou mudando a posição de certas peças quando o oponente se distrai ou cai no sono.
O pior de todos os adversários é a Morte. Ninguém nunca lhe venceu. Nem mesmo Deus, com quem ele sempre empata. Só houve uma única vez que Deus venceu a Morte: foi quando usaram a regra de não poder roubar. À exceção dessa partida, todas as demais resultaram em empate.
Então, dentre centenas de coisas novas que Light aprendeu, três chamaram-lhe, e muito a atenção:
1 – Ou a Morte não lê pensamentos muito rápidos, ou ela finge que não;
2 – Deus fica sobrecarregado em seus cálculos do futuro se alguém viaja no tempo e muda a história. Isso quer dizer que ele tem um “ponto-cego", isto é, se ele ficar sobrecarregado demais, pode deixar escapar alguma coisa e cometer erros, ou não enxergar algo se ficar bem escondido;
3 – Os outros shinigami parecem também saber usar a técnica de esconder pensamentos da Morte. Portanto, é possível que eles estejam armando alguma coisa, e Light precisa encontrá-los para confirmar essa teoria, e saber que segredos eles escondem.
A essa altura, Kira já era capaz de enxergar a longas distâncias no mundo dos Shinigami. Ele olhou ao redor bem atentamente, como de costume, e pra não perder o hábito, logo percebeu sozinho o porquê dele não ter achado antes nenhuma macieira naquele mundo: a mera presença da Morte fazia-as evaporarem. Somente a vários parsecs de distância é que a aura mórbida da criatura permitia que nascessem macieiras. Assim que ele avistou ao longe a primeira, imediatamente suas asas se ergueram e ele voou freneticamente em direção a uma suculenta maçã que parecia brilhar de tão apetitosa que aparentava ser.
A macieira ficava no meio de uma espécie de bosque. Se bem que não se pode chamar de bosque uma árvore seca no meio de um monte de pedras. Aquilo parecia mais com um antigo campo de batalha, ou um ponto pra se fazer armadilhas para pegar pequenos animais, pois as pedras ajudavam qualquer um que quisesse se esconder.
Finalmente Light alcançou a árvore que tinha apenas uma maçã e logo estendeu sua mão pra pegá-la. Ele a levou freneticamente para sua mandíbula, já fechando os olhos, pronto pra se deliciar.
— Hum... Suculenta!
A fruta havia desaparecido de sua mão antes dele poder morder. O mão-leve do Ryuk tomou a maçã de sua mão tão rápido como num passe de mágica e engoliu de uma só vez, pra não dar chance de ninguém tirar de sua boca. – coisa que os shinigami trapaceiros costumam fazer uns com os outros.
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