2007
A pilha de revistas e jornais no meio da sala me diverte. Papai é acumulador, tem o costume de guardar as coisas. Mamãe, por outro lado, é extremamente organizada. A coleção despretensiosa de reportagens a incomoda. Tudo aqui entulhado será jogado fora.
— Shawn, saia do meio do lixo. — repreende quem me botou no mundo. — Acabará se cortando com o papel.
— Na-não. — nego com a cabeça, remexendo ainda mais as páginas de uma revista qualquer.
Uma imagem me faz parar. Na revista, alcançando duas páginas, muitas cores prendem a minha atenção. O fundo é escuro, com pontos pequeninos e claros, desenhados, quase que por ordem de tamanho, círculos coloridos olham para um enorme e amarelo. As esferas roubam meus atos. Fico parado, apenas encantado com a imagem.
— Mamãe... mamãe, o que é isso? — aponto para a revista empilhada sobre as demais.
— Lixo.
— Não, na foto. — insisto.
Sem muito ânimo, ela se aproxima, ajoelha ao meu lado no chão e encara o retrato cheio de cor.
— São planetas. — diz com clareza, mas franzo a testa sem entendê-la. — Olhe, filho, nós moramos aqui. — seu dedo pousa em cima do terceiro círculo diante do grandão. — Este é o planeta Terra.
— Mas ele é azul, não deveria se chamar "Água"? — por algum motivo, ela ri.
Com a postura reta, minha mãe se senta e cruza as pernas, trazendo, em seguida, a revista para o seu corpo. Desta vez, sua mão para em cima de outro círculo, o grande.
— Esse amarelo aqui é o sol. — dispara.
Cubro meus lábios com as mãos, surpreso.
— O mesmo que está no céu? — pergunto, curioso.
— Esse mesmo, Shawn. — arregalo os olhos. Pela janela, ele me parece pequeno. — Mas, o sol não é planeta, é uma estrela.
— Estrelas só aparecerem à noite, mamãe.
Ela assente e beija o topo da minha cabeça. Tira a mão de cima da fotografia e aponta para ela.
— Qual desses você acha mais bonito? — a pergunta é difícil.
— Esse aqui. — atiro a mão gordinha sobre um dourado com uma espécie de anel ao redor. — Esse é diferente... igual a mim.
2011
Meus dedos apressados levam pouco tempo para transformar o papel de presente bonito e brilhante em picotes. Eu já sabia o conteúdo do embrulho, assim que o retirei de baixo da grande árvore enfeitada na sala. Afinal, durante todo o ano, deixei claro o que gostaria de ganhar no Natal. Ver as estrelas mais de perto é o meu maior desejo.
Seguindo os passos dos desenhos no papel que veio na caixa, consigo montar o telescópio sozinho. Papai se ofereceu para ajudar, mas, movido pelo ciúme do objeto, não permiti. A sós em meu quarto, abro a janela, ganhando a vista mais linda de todas. Esperei muito por isso.
O espaço azul coberto por pingos brilhantes me arranca suspiros.
Sem tardar, posiciono o equipamento na altura ideal, encaixando meu olho no monóculo. Hora de ver as estrelas. De cara, percebo a diferença de vê-las daqui. Agora, posso compará-las a tinta de vários lápis aquarelados em conjunto. São coloridas, sem o formato que pensava, mas continuam lindas para mim.
Além das estrelas, meu objetivo é encontrar aquele que me encantou ainda quando menor. Demoro bem mais do que o esperado. O burburinho vindo debaixo indica a passagem do dia 24 de dezembro para 25, e, só então, ganho o segundo presente da noite. Ao fundo, pequeno e belo, está ele. Preciso aumentar o foco da lente, devido à vontade de conseguir uma visão melhor.
Um sorriso nasce em meus lábios.
— Achei. Achei Saturno!
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